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Imaginário

 ISSN 1413-666X

Imaginario v.12 n.13 São Paulo dez. 2006

 

RESENHA

 

Vozes de Itaipu: o testemunho de uma expropriação

 

Expropriated earth and water: the conflict in Itaipu

 

Expropriados terra e água:o conflito de Itaipu

 

 

Ely Souza Estrela*

Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Ciências Humanas – Campus V – Santo Antônio de Jesus

Endereço para correspondência

 

 

Guiomar Inez Germani. Expropriados terra e água: o conflito de Itaipu. Salvador, BA: Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) - Universidade Luterana Brasileira (ULBRA), 2003.

Logo após o início das obras da Represa de Sobradinho (curso médio do Rio São Francisco), o governo militar assinava acordo bilateral com o Paraguai para a construção da Hidrelétrica de Itaipu no Rio Paraná. Elaborado no período desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek e abortado no governo do presidente João Goulart pelas forças conservadoras que mais tarde derrubá-lo-iam, o projeto de “construção da maior hidrelétrica do mundo” coadunava-se aos planos do regime militar de viabilizar o “Brasil grande potência”, ameaçado, naquele momento, pelo chamado “choque do petróleo”, resultante dos conflitos árabeisraelenses.

Assim, em 1973, o presidente brasileiro Emílio Garrastazu Médici (um dos mais autoritários mandatários do ciclo militar) e o paraguaio Alfredo Stroessner (o ditador que governaria o Paraguai por mais de 35 anos) assinaram, a toque de caixa, o “Tratado de Criação de Itaipu”, visando levar a efeito o aproveitamento hidrelétrico do Rio Paraná, através da criação da Itaipu Binacional. Pelo tratado, a localização da barragem por questões geopolíticas, envolvendo as relações entre Brasil, Argentina e Paraguai, ficaria em suspenso.

Localizada numa zona de fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, a Represa de Itaipu afogou o Salto de Sete Quedas, submergindo também ampla parcela de terras agricultáveis do extremo-Oeste do Paraná. Quantos foram os expropriados de Itaipu? Estima-se que esta Represa provocou a expropriação e a diáspora de aproximadamente quarenta e três mil pessoas, entre colonos, peões posseiros, arrendatários e índios guaranis, estes últimos localizados às margens do Rio Ocoí. Quando as ciências sociais, no Brasil, ensaiavam os primeiros passos no sentido de tornar os impactos das barragens como campo de estudo, Guiomar Inez Germani voltou os olhos para a problemática, cobrindo os acontecimentos, digamos assim, em tempo real. Nascia daí a dissertação de mestrado Os expropriados de Itaipu, defendida no Mestrado em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1982, e publicada em livro pela Editora da Universidade Federal da Bahia, em co-edição com a Editora da Universidade Luterana Brasileira sob o título Expropriados terra e água: o conflito de Itaipu.

A obra foi dividida em quatro partes. Nelas a autora deslinda a formação territorial do Oeste paranaense, as origens do Projeto de construção da Represa de Itaipu, os bastidores do convênio firmado entre Brasil e Paraguai, bem como o confronto que opôs o Estado e a população atingida. Além do mais, apresenta uma iconografia com um expressivo ensaio fotográfico sobre o “Movimento Terra e Justiça” assinado pela própria autora. A cobertura das primeiras reuniões dos atingidos de Itaipu que culminaram na criação, com apoio das Igrejas Católica e Luterana, diga-se de passagem, do referido Movimento é marcada pela tensão, evidenciando o embate que colocou vis a vis o Estado (através de seus agentes) e lavradores.

Revelando empatia pelos atingidos, Guiomar mostra que para toda a investida e artifício das agências públicas ou governamentais, visando proceder a “limpeza da área”, conforme jargão de técnico, a um custo financeiro mínimo – ferindo prerrogativas e desconhecendo direitos –, os expropriados de Itaipu resistiram tenazmente, contabilizando, inclusive, vitórias.

Pioneira na escolha da temática, Guiomar inovou também na escolha dos métodos de pesquisa. Antes mesmo que a História Oral se consolidasse como importante metodologia/técnica na produção acadêmica, ela, ainda que intuitivamente, a utilizou, entrevistando atingidos, agentes de apoio, funcionários do Estado, autoridades públicas. Não empreendeu a pesquisa sem lançar mão também dos métodos da geografia, do planejamento regional e do jornalismo. Em suma, cruzando fontes documentais, iconográficas e orais, a autora montou seu próprio corpus de pesquisa, propiciando aos demais pesquisadores da temática, amplo material, possibilitando-lhes estudar, inclusive, a gênese de dois dos mais importantes movimentos sociais criados no bojo da luta de Itaipu: o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Escrito nas trincheiras, como salienta a autora, Expropriados terra e água: o conflito de Itaipu, mais que um testemunho, mais que um registro acadêmico, faz ecoar aos ouvidos dos seus leitores o grito desesperado de homens e mulheres, para quem a terra e a água, além de meios de reprodução social, era fator de identidade cultural. Desvelando as nuanças da diáspora dos atingidos de Itaipu, Guiomar Germani, professora do curso de Pós-graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia, matiza rigor acadêmico e compromisso social, tecendo uma obra de (e na) fronteira, colocando-se, portanto, de leitura obrigatória para historiadores, geógrafos, planejadores e antropólogos.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: elyestrela@bol.com.br

Recebido em 13/06/2006
Aceito em 20/08/2006

 

 

* Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia – Departamento de Ciências Humanas – Campus V – Santo Antônio de Jesus

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