Psicologia Escolar e Educacional
ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. v.13 n.1 Campinas jun. 2009
RESENHAS
A vida e suas incongruências
Life and inconsistencies
Geraldina Porto Witter
Universidade Camilo Castelo Branco - UNICASTELO
Novaes, M. H. (2008). Paradoxos Contemporâneos. Rio de Janeiro, R.J.: E-papers, 154 p.
Maria Helena Novaes é uma das pioneiras da Psicologia no Brasil, doutora em Psicologia com pósdoutorado em Genebra e Paris, livre-docente aposentada da UFRJ, voltada para a área educacional, mas também uma grande pensadora, como o leitor pode detectar lendo o livro aqui resenhado.
Na Apresentação, a Autora esclarece o desejo que a levou a escrever o livro em que apresenta os desafios da contemporaneidade de forma reflexiva e crítica. Na obra, são enfocados 12 conjuntos de paradoxos, cada um é precedido de uma poesia, que enuncia o tema e algumas reflexões e análises sobre as questões a serem consideradas.
Os primeiros paradoxos estão relacionados com o que é a vida e tratam da eterna busca do seu sentido, em suas múltiplas interpretações, em um mundo em que a globalização pulveriza as identidades culturais e cria desigualdades marcantes tanto na cultura como no tempoespaço, o local e o global. Na modernidade, para superar estes paradoxos, é preciso considerar sua experiência como uma forma reflexiva de vida, implicando em examinar continuamente as práticas vigentes, a escala espaço-tempo. Várias interações subjacentes são analisadas.
O segundo grupo de paradoxos trata da necessidade de se conhecer o homem e a reflexão tem por título: “A matriz sócio-cultural do homem contemporâneo”.
Sem este conhecimento, é inviável a definição de uma “política de vida que tenha por base as liberdades do ser humano, visando explorar suas inúmeras oportunidades de desenvolvimento” (p. 19). Como ponto de partida, sugere o uso de uma Mandala em que tempo x espaço constituem uma articulação fundamental na compreensão do homem contemporâneo e das contingências de vida na atualidade. Uma visão transdisciplinar é um caminho para analisar tal complexidade.
A poesia que enuncia os paradoxos seguintes começa assim (p. 31):
A justiça social
No desterro da moral
A pressa do julgamento
Na falta do discernimento
e fecha com esperança.
Trata-se do tempo de cada um, das sociedades, das culturas e das civilizações. “O tempo marca, delimita e configura o trajeto de vida” (p. 33). Em suas reflexões, retoma as investigações psicológicas sobre os vários tipos de tempo: o tempo presente ou microgenético, o tempo vivido ou ontogenético, o tempo histórico ou cultural e o tempo prospectivo ou orientado. Os tempos estão interrelacionados. Faz um breve histórico do controle do tempo e de seu significado nas várias épocas e culturas.
Os paradoxos de número quatro são concernentes à experiência subjetiva do tempo em que momentos e eventos se sucedem na experiência singular do ser humano. A memória humana tem um papel indispensável na elaboração da própria cronologia, organiza nossas experiências. Vários aspectos da relação homem-tempo são revistos, considerando também as habilidades para dominar e usufruir o tempo, as estratégias para estudar esta questão e programar o tempo.
Os paradoxos apresentados a seguir dizem respeito à construção da identidade face às múltiplas alternativas e dificuldades da contemporaneidade. Discute aspectos conceituais e situações de risco gerados pela globalização tanto quando se busca a identidade pessoal como a do país. Conclui que:
O desafio do homem será, pois, como conviver com todas essas ameaças e sobreviver com uma identidade flutuante, mas autêntica e coerente (p. 75).
O vício do celular
Na busca do lugar
O olho do computador
No calor do cobertor (p. 77)
Assim começa a apresentação dos paradoxos em que considera vários aspectos da crise social vivenciada na atualidade e vê no restabelecimento da convivência a via de solução. A convivência em sentido mais amplo com humanos, com a natureza, a ciência, a tecnologia e a religião é a via para superar muitos dos problemas do mundo atual. Os saltos a ocorrer estão ligados a:
Valores impregnantes relacionados à ética, estética, subjetividade, feminilização, qualidade de vida, e saber com criatividade, a fim de promover as mudanças sociais necessárias e possíveis (p. 81).
As múltiplas implicações da convivência para solução de crises também são apresentadas.
Os paradoxos seguintes mostram a necessidade de se trabalhar melhor a área educacional pela oportunidade que viabiliza de se construir uma sociedade mais justa e solidária, é veículo para se superar algumas marcas negativas da atualidade, entre as quais o consumismo exagerado, a alienação presente, o individualismo e o imediatismo, imaginário, afeto, corpo, vínculos, relações humanas, ou seja, é preciso renovar a educação para favorecer o intercâmbio e a troca no convívio humano (p. 97).
Os paradoxos de número oito decorrem das contingências atuais vivenciadas pela família. Assim começa:
O desfile da roupagem
No vulgar da tatuagem
Na verdade buscada
Na mentira deslavada (p. 99)
Desmoronam-se os princípios e valores que sustentaram o casamento, a família, as relações conjugais, as noções de dever, de dedicação de responsabilidade, de amor legitimado. Muitas mudanças ocorreram na família em decorrência do materialismo e do hedonismo, da livre expressão individual, da emancipação sexual, do exagero do bem estar, substituindo valores. A cultura atual elegeu o corpo como o capital em que se deve investir em busca de saúde, juventude estética e lazer. Muitas são as dificuldades que hoje a família encontra para se manter coesa, é preciso encontrar caminhos que a sustentem.
Os paradoxos de número nove dizem respeito a uma evolução constante e por vezes desconcertante. Trata-se de tecnologia e comunicação. A questão subjacente é: até que ponto tanta informação pode ser absorvida pelo homem e realmente contribui para o saber humano? Qual o impacto da passagem da mídia de massa para a mídia personalizada? E dos novos cenários de comunicação? Trata-se de questão cognitiva, comportamental, social, econômica e política. Há muito que se pesquisar e pensar.
O contato e a vivência entre gerações e o processo criativo é o tema dos paradoxos seguintes, o que requer cuidado com as raízes étnicas, sociais e culturais (p. 125). Apresenta estratégias que são de valia e de efeito social, enfocando o papel da criatividade no ajustamento e adaptação ao meio (p. 129).
Nos paradoxos XI, são retomados aspectos pelos quais a Autora passou rapidamente nos anteriores, tendo se detido mais no anterior - o envelhecimento no mundo cheio de contradições, em que as várias gerações convivem. Enfoca justamente o envelhecimento como uma passagem transgeracional. Mais especificamente diz (p. 139):
Em síntese, o envelhecer saudável ensina que o tempo obriga a pessoa a tentar viver aquilo que se deseja, apesar das circunstâncias e dos acontecimentos, não se iludindo, nem o enganando, porém continuando a fazer projetos de vida.
Pode ser gerada uma melhor qualidade de vida Os paradoxos XII são anunciados nos versos:
A ousadia do ter
Na covardia do ser.
.
.
E... a vida tende a dar certo
Nós é que a complicamos
Diante de tantas contradições e das complexidades hoje vivenciadas, é possível construir a esperança de superação e mudar as relações com o mundo.
Após cada série de paradoxos, o leitor encontra as referências que podem ser textos a serem relidos para enriquecer o universo de ideias que Maria Helena Novaes apresenta em seu livro.
Geraldina Porto Witter
Doutora em Ciências.
Livre-Docente em Psicologia Escolar.
Professora Emérita da UFPA e do UNIPÊ.
Coordenadora Geral da Pós-Graduação Stricto Sensu da UNICASTELO.