33O aprender circense como experiência de serAbigail Alvarenga Mahoney marcas de uma educadora no ensino e pesquisa de psicologia da educação 
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Psicologia da Educação

 ISSN 1414-6975

Psicol. educ.  no.33 São Paulo dez. 2011

 

COMPARTILHANDO... RESENHA

 

O argumentar como objetivo de ensino a ser desenvolvido em diferentes disciplinas e desde níveis básicos do ensino formal*

 

The process of argumentation as purpose of teaching in different disciplines and in basic levels of formal education

 

El proceso de argumentación como un objetivo de la educación en las diferentes disciplinas y niveles básicos de educación formal

 

 

Gabriel Gomes de LucaI; Olga Mitsue KuboII

IDoutorando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista do Programa REUNI-MEC. gabrielgomesdeluca@gmail.com
IIProfessora do Departamento de Psicologia da UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

Argumentar não é um comportamento a ser apresentado apenas por filósofos ou cientistas. Ele é útil para a vida cotidiana e profissional de qualquer pessoa. Para quê? Segundo vasta literatura a respeito desse comportamento (Carraher, 1983; Tenreiro-Vieira, 2000; Mortari, 2001; Navega, 2005, entre outros), para que um indivíduo seja capaz de tomar decisões mais racionais, para avaliar fenômenos sociais, para tornar-se um cidadão mais consciente e participativo, para trabalhos em equipe, em situações que envolvem resolução de problemas, para aumentar o conhecimento dos envolvidos na argumentação e daí por diante. A diversidade de situações em que o "argumentar" é fundamental na vida das pessoas possibilita concebê-lo como um comportamento básico, o que indica a necessidade de que ele seja apresentado corretamente e, consequentemente, aprendido com alto grau de eficácia desde os primeiros anos de formação das pessoas. Em 2009, foi publicada uma importante contribuição a respeito do processo de argumentação: o livro A construção da argumentação oral no contexto de ensino, de autoria de Roziane Marinho Ribeiro. Tal obra consiste em um ponto de partida para que professores construam condições que possibilitem o desenvolvimento, por parte de seus alunos, do que costumeiramente é denominado 'argumentar', ao explicitar a possibilidade de seu ensino em qualquer disciplina do ensino formal e desde séries iniciais do Ensino Fundamental. A leitura do livro de Roziane Ribeiro e, principalmente, a implementação de propostas como as que ela apresenta é uma necessidade neste início de Século XXI, para que qualquer pessoa seja capaz de apresentar o argumentar nas múltiplas situações e contextos em que ele mais do que importante, é necessário!

O livro de Roziane Ribeiro foi derivado de sua dissertação de mestrado (Ribeiro, 2003) e consiste na descrição de um trabalho de ensino do "argumentar" para 32 alunos da quinta série, de 9 e 10 anos, a partir de atividades por meio das quais eles aprenderam a argumentar desenvolvendo três tipos de discurso: diálogos argumentativos, textos de opinião e debates. Não é indicado, porém, em qual disciplina tal trabalho foi realizado e quem foi a "professora" que o realizou. Com três capítulos, a obra é fácil de ser lida, tanto pelo seu tamanho (tem 110 páginas) quanto pela linguagem acessível utilizada pela autora, o que possibilita que mesmo pessoas que estejam estudando, pela primeira vez, uma obra a respeito do "argumentar" possam compreendê-la. O primeiro capítulo do livro é uma avaliação de diferentes "enfoques teóricos" acerca da argumentação, com ênfase na distinção entre a Retórica Clássica e a Nova Retórica, sendo essa última baseada na obra de Perelman e Olbrechts-Tyteca, de 1996, e constitui o "enfoque teórico" que orientou os trabalhos caracterizados na obra de Roziane Ribeiro. De acordo com a autora, enquanto a Retórica Clássica enfatiza as leis da argumentação, a Nova Retórica destaca as interações entre o argumentador e seus interlocutores. No segundo capítulo da obra, a autora avalia "argumentação" como um tipo de interação social e apresenta características de diferentes ocasiões em que a argumentação pode ser apresentada: em diálogos, em debates, em textos de opinião. Por fim, o terceiro capítulo consiste na caracterização e avaliação do trabalho desenvolvido com os alunos. Nele, é caracterizada a sequência didática utilizada para o ensino do "argumentar" e a descrição e avaliação dos argumentos apresentados pelos alunos nas situações de debate de que eles participaram e em textos que eles construíam durante o trabalho.

Algumas concepções orientadoras do livro de Roziane Ribeiro, por serem consideravelmente diversas do que é geralmente entendido acerca do argumentar, consistem provavelmente em uma das contribuições mais evidentes de sua obra. Uma dessas concepções é relacionada ao momento em que o "argumentar" costuma ser ensinado em contexto escolar. Em geral, ensina-se a argumentar nas últimas fases do Ensino Médio e é direcionado, sobretudo, para construção de textos dissertativos em vestibular. Essa concepção, segundo a autora, é orientada pelo entendimento de que o "argumentar" é aprendido pelos indivíduos naturalmente, simplesmente por meio de "maturação cognitiva". Criticando tal concepção, a autora destaca que o "argumentar" pode (e deve!) ser desenvolvido desde as séries iniciais do Ensino Fundamental, e que seu desenvolvimento não é consequência apenas de "maturação cognitiva", mas principalmente uma implicação de aprendizagens desenvolvidas a partir de interações sociais.

Outra concepção examinada por Roziane Robeiro é aquela que indica que a sala de aula não é um local apropriado para o desenvolvimento do argumentar. Contrariamente, a autora é enfática ao destacar que tal concepção é um equívoco. Essa mesma concepção foi também criticada por De Chiaro e Leitão, em artigo de 2005. Elas indicam que o contexto de sala de aula algumas vezes apresenta características que, infelizmente, ao invés de facilitarem, dificultam o desenvolvimento do "argumentar". Segundo essas autoras, em sala de aula, as informações costumam ser apresentadas sem possibilidade de discussão ou de conclusões produzidas pelos próprios alunos, condição essa agravada pelo fato de que o professor dificilmente se "coloca" no papel de alguém cuja opinião pode ser alterada. Roziane Marinho Ribeiro destaca que a sala de aula pode e deve se constituir em um contexto para o desenvolvimento do argumentar. Ela apresenta dois motivos nucleares para essa (nova!) concepção da sala de aula. O primeiro se refere à necessidade de serem implantadas nas escolas condições que possibilitem aos alunos apresentarem o que a autora denomina "exercício real da cidadania", o que implica os alunos aprenderem a argumentar com outras pessoas, tirarem conclusões próprias e justificá-las, opinarem a respeito de diferentes fenômenos, entre outras aprendizagens. O segundo motivo consiste na multiplicidade de tipos de situações em que o argumentar, caso seja apresentado, aumenta a qualidade das interações, tais como diálogos, debates, textos de opinião, resenhas, entre outros. A autora destaca que as crianças geralmente são "familiarizadas" com diálogos. Mas ocasiões como debates, textos de opinião, resenhas, as crianças tendem a não estar "familiarizadas", e nem chegam sequer a perceber a possibilidade ou a necessidade de argumentação nessas situações. É a escola, conforme destaque feito por Roziane, quem tem a responsabilidade de ensinar os alunos a argumentarem em todos esses contextos.

Entre os vários aspectos examinados na obra, o que provavelmente mais irá interessar ao professor, que tem o objetivo de ensinar seus alunos a argumentarem ou que já está convencido da importância de ensinar tal comportamento a seus alunos, refere-se à possibilidade de seu ensino em quaisquer disciplinas do ensino formal. A partir do que é apresentado no livro de Roziane Ribeiro, é possível concluir que não é preciso uma disciplina específica (Lógica, por exemplo) para o ensino do "argumentar", como se a argumentação fosse um "assunto" ou um "tema" à parte de outras disciplinas. Pelo contrário. Ainda que haja conhecimento produzido especificamente acerca de argumentos e de regras e normas da argumentação, a obra de Roziane Marinho Ribeiro caracteriza o argumentar como um comportamento que se concretiza em situações sociais, de discussões e de debates. E, com esse entendimento, qualquer "tema" ou "assunto" pode servir como objeto a ser avaliado por meio da argumentação; assuntos como Biologia, Física, História, Português, Geografia, por exemplo, podem se constituir não somente em "disciplinas" ou "matérias" de um programa curricular, mas também em condições para alunos aprenderem o argumentar. Na obra da autora, até mesmo a reforma da escola no qual o trabalho desenvolvido foi realizado serviu como "tema" para que as crianças apresentassem opiniões fundamentadas, a favor ou contra aspectos específicos dessa reforma. O que possibilita concluir que mesmo assuntos cotidianos (e, à primeira vista, banais) podem ser objeto de argumentação, constituindo-se em ótimos recursos para o seu ensino. A indicação da possibilidade de uso de qualquer tipo de "tema" ou "assunto" que suscite discussão constitui uma importante dica de Roziane Ribeiro para que professores ensinem e orientem seus alunos a argumentarem.

Apesar dessas importantes contribuições, parece ter faltado ao livro A construção da argumentação oral no contexto de ensino uma sistematização de outros trabalhos cujo objetivo foi o desenvolvimento do argumentar em disciplinas do ensino formal. Essa sistematização seria importante como complemento às informações apresentadas por Roziane Ribeiro para aumentar a abrangência de sua obra e para que seus possíveis leitores tivessem mais exemplos de trabalhos que apresentam objetivos semelhantes ao da autora: examinar e ensinar o argumentar em disciplinas do ensino formal. Capecchi e Carvalho (2000), por exemplo, investigaram a argumentação em uma aula de Física, com alunos de oito a dez anos. Nesse estudo, a professora construiu o que as autoras denominaram um "espaço cooperativo", que consistiu no respeito dos alunos a diferentes explicações e na autoconfiança deles para apresentar explicações diferentes às apresentadas pelos colegas. De acordo com as autoras, os alunos fundamentavam suas afirmações, elaboravam hipóteses a partir de suas conclusões e complementavam os argumentos apresentados por seus colegas. Aulas de História também já foram utilizadas como contexto para que os alunos apresentassem o argumentar e, por meio dele, aprendessem comportamentos típicos dessa disciplina. Em estudo realizado por Rodrigues e Leitão (2002), discussões realizadas por alunos da quinta série acerca de fatos históricos foram gravadas e as verbalizações dos sujeitos analisadas. Nesse estudo, dois grupos de alunos foram separados. Um deles era constituído apenas por alunos. O outro grupo contou também com a participação de uma professora, que apresentava perguntas aos alunos, relacionava as verbalizações apresentadas por eles e incentivava o debate argumentativo, mesmo não tendo recebido treinamento específico a respeito de como deveria proceder durante os debates que coordenava. Os resultados do estudo possibilitaram concluir que nos dois grupos foram apresentados aspectos relacionados à argumentação. Entretanto, apenas no grupo que contou com a participação da professora, a argumentação maximizou a "apropriação dos conteúdos de História". À semelhança do estudo de Rodrigues e Leitão (2002), Pereira Neto e Leitão (2005) também realizaram uma investigação a partir da discussão de alunos da quinta série a respeito de fatos históricos. Dessas discussões, participava também uma professora que solicitava aos alunos para justificarem as opiniões que apresentavam. A partir da análise dos dados, foram observados acordos (modificação de argumentos) e adesões (concordância com o argumento de outro sujeito), possibilitando aos autores concluírem que a argumentação consistiu em um importante instrumento de aprendizagem e de sua avaliação.

Outro exemplo do desenvolvimento do "argumentar" foi realizado por Tenreiro-Vieira e Vieira (2000) em aulas de Ciências. Nesse estudo, em que os autores objetivaram o desenvolvimento do que denominam "pensamento crítico", é apresentada uma ampla sistematização de definições que diferentes autores construíram em relação ao argumentar, e são caracterizados vários exemplos de atividades de ensino orientadas para seu desenvolvimento. Já Silva (2003) utiliza aulas de Português (a "Língua materna", segundo expressão da autora) para o ensino do que é denominado por ela "senso-crítico", caracterizado por comportamentos como "argumentar", "avaliar as razões que fundamentam um argumento", "identificar critérios para tomada de decisões", entre outros. Para isso, um professor apresentava histórias aos alunos (A Formiga e a Cigarra, de Esopo, por exemplo), elaborava questões acerca da história contada para os alunos responderem e avaliava, junto com os alunos, os argumentos apresentados por eles. Se exemplos de experiências de ensino da argumentação em sala de aula (e outros trabalhos em que o argumentar é examinado nesse tipo de contexto, como os de Lira, 2003; Ramos, 2006; Celestino, Leal, Brandão & Andrade, 2007) como esses fossem apresentados na obra de Roziane Ribeiro, aumentariam a visibilidade dos possíveis leitores de sua obra acerca das possibilidades e das experiências do ensino do argumentar em tais contextos e das exigências para isso. A pluralidade de estudos já realizados acerca do ensino do argumentar em contexto de sala de aula não deixa dúvida: o argumentar pode sim ser ensinado em disciplinas formais, sem a necessidade de uma disciplina específica para o seu desenvolvimento.

Para que o argumentar seja efetivamente ensinado em contexto planejado para isso, parece haver a exigência de que o trabalho do professor seja apresentado com certas características. Uma delas é relacionada à necessidade de o professor ser capaz de propor, no mínimo, dois conjuntos de objetivos de ensino: um conjunto mais diretamente relacionado ao que delimita a disciplina que leciona e outro, relacionado ao argumentar. Em uma disciplina de História, por exemplo, caberia ao professor propor objetivos de ensino que fossem específicos dessa disciplina ("avaliar fatos históricos", "relacionar fatos históricos com a época e o contexto geográfico em que eles aconteceram", por exemplo), e objetivos de ensino relacionados ao argumentar ("identificar conclusões", "apresentar conclusões", "avaliar premissas que fundamentam uma conclusão", entre outros). Essas exigências são necessárias para que o professor mantenha-se atento tanto aos comportamentos de seus alunos em relação aos objetivos de ensino que definem a disciplina, quanto aos comportamentos relacionados ao argumentar. Outra exigência para um professor ensinar seus alunos a argumentarem é ele ser capaz de construir atividades de ensino em que o argumentar é requerido e necessário (debates, por exemplo). Ainda outra é o professor ser capaz de identificar um argumento em qualquer grau de precisão e em qualquer um de seus componentes ou indícios. E a respeito desses aspectos, a obra de Roziane Ribeiro consiste em contribuição, já que em múltiplos momentos de sua obra ela cita comportamentos que compõem o argumentar, tais como: "produzir diversos tipos de argumentos", "usar diferentes tipos de operadores argumentativos" (de conclusão, de apresentação de premissas e de contradição), "fundamentar os próprios argumentos", "refutar argumentos", entre outros.

Por conta de todos esses aspectos, a obra de Roziane Marinho Ribeiro merece ser conhecida por professores que tenham como um de seus objetivos o ensino do "argumentar" aos seus alunos e, principalmente, por aqueles professores que nem cogitaram a possibilidade de tal comportamento ser ensinado em suas disciplinas. A caracterização da argumentação como um processo básico a ser apresentado em variados contextos, a proposição de novas concepções, mais promissoras, em relação ao argumentar e em relação à função de uma disciplina curricular na capacitação de novas gerações de jovens, assim como a explicitação da possibilidade de seu ensino desde séries iniciais constituem os principais aspectos que determinam a necessidade de tal obra ser lida. Ainda que nela haja falta de referência a outras obras em que o argumentar em sala de aula é examinado ou ensinado (Capecchi & Carvalho, 2000; Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000; Pereira Neto & Leitão, 2005; Rodrigues & Leitão, 2002; Silva, 2003; De Chiaro, & Leitão, 2005) como forma de ampliar a abrangência da experiência relatada, esse aspecto não diminui a relevância de sua contribuição. O livro A construção da argumentação oral no contexto de ensino e outras obras em que o "argumentar" em sala de aula é examinado ou ensinado consistem em uma sólida base de conhecimento para que professores se preocupem não apenas em fazer com que seus alunos reproduzam a maior quantidade possível de informações, mas, sobretudo, orientem seu trabalho para que seus alunos consigam pensar de maneira apropriada e autônoma, em relação às informações com as quais eles lidam acerca da realidade na qual eles se inserem. E o "argumentar" parece ser um dos comportamentos que mais possibilitam isso. Ficam os votos para que propostas como as desenvolvidas por Roziane Marinho Ribeiro e por profissionais que tiveram como objetivo o desenvolvimento do "argumentar" em contextos de ensino sejam mais amplamente implementadas e configuradas como uma política educacional!

 

Referências

Capecchi, M. C. V. M. & Carvalho, A. M. P. (2000). Argumentação em uma aula de conhecimento físico com crianças na faixa de oito a dez anos. Investigações em Ensino de Ciências, 5(3),171-189.         [ Links ]

Carraher, D. W. (1983) Senso-crítico: do dia-a-dia às ciências humanas. São Paulo: Pioneira.         [ Links ]

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* Este texto é uma resenha do livro: A construção da argumentação oral no contexto de ensino, de R. M. Ribeiro (São Paulo, Cortez, 2009, 110 p.).