Psicologia: ciência e profissão
ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.6 n.2 Brasília 1986
Por uma competência política e técnica no treinamento*
Jairo Eduardo Borges-Andrade
Pesquisador do Dept. ° de Recursos Humanos da EMBRAPA
O presente texto é desenvolvido em torno das proposições de que é necessário ser política e tecnicamente capaz para se trabalhar em treinamento e de que a tecnologia instrucional e a consciênciados usos que se podem fazer dela podem ajudar o profissional da área a ser competente.
As funções de recursos humanos, nas organizações complexas, guardam grandes diferenças entre si, no que tange à natureza das tarefas nela realizadas e no que diz respeito aos conhecimentos exigidos de quem as executa. Algumas dessas funções mantêm homogeneidade interna, quanto à origem dos conhecimentos e ao tipo de profissional que elas requerem, outras não. A função treinamento toma emprestados conhecimentos advindos da psicologia, da educação, da administração e de outras ciências sociais. Nela podemos encontrar uma grande diversidade de profissionais. Essa função é o foco do presente trabalho, bem como os profissionais que mais freqüentemente fazem dela seu meio de vida.
A Formação e Competência do Profissional de Treinamento
A função treinamento exige que se desenvolvam atividades técnicas ligadas à análise de tarefas, à construção e aplicação de instrumentos de avaliação de necessidades e de resultados de treinamento, ao planejamento instrucional e coordenação de eventos de treinamento, à administração das atividades de apoio e dos recursos necessários à realização desses eventos, à elaboração ou seleção de meios e materiais instrucionais e à análise e interpretação de dados de avaliação.
É ainda preciso que se administrem conflitos entre as partes envolvidas em treinamento, que se negociem recursos, que se providenciem revisões e mudanças nem sempre desejadas, que se habitue a um contexto em que existem poucas normas escritas e são freqüentemente desrespeitadas as existentes, que se saiba contrariar interesses, que se preparem eventos de última hora ou resultantes de mudanças de prioridades e que se improvisem ações para remediar o não cumprimento dos prazos estipulados para o trabalho de outros. Essa capacidade de fazer a política de relação interpessoal na organização exige conhecimentos referentes a um quadro teórico específico para um contexto microssocial.
O sucesso do profissional de treinamento também exige um segundo tipo de habilidades políticas específicas para um quadro macrossocial, que inclui ser capaz de interpretar o sentido de metas institucionais e transformá-las em objetivos de programas de treinamento ou utilizá-las para se determinar prioridades, compreender a natureza das relações sociais existentes no universo organizacional e o papel do treinamento para fortalecê-las ou para mudá-las e predizer os efeitos do treinamento sobre essas relações, sobre a estrutura organizacional e sobre o meio social em que se insere a instituição.
Os dois tipos de habilidades políticas não aparecem no vácuo ocupacional. Eles precisam, para serem exercidos, de que sejam desenvolvidas as atividades técnicas anteriormente citadas. Não é possível, em sendo um profissional de treinamento, ser politicamente competente sem atuar tecnicamente. O contrário é viavel, embora seja difícil imaginarmos um técnico competente que consiga eficácia duradoura em seu trabalho, sem utilizar suas habilidades políticas.
Terá o profissional de treinamento competência técnica e política e preparação para exercer seu papel? Analisamos, a seguir, a formação dos indivíduos que mais freqüentemente se ocupam desta função.
Os psicólogos, por terem formação acadêmica em psicologia da aprendizagem e por possuírem, mais que pedagogos e administradores, conhecimentos de metodologia científica e mensuração, teriam boas chances de desempenharem com sucesso muitas das atividades técnicas citadas. Contudo, poucos são os que conseguem rápida e efetivamente transferir o conhecimento daquelas disciplinas acadêmicas para o seu trabalho na função treinamento.
O modelo clínico, bem como o ideal de se transformarem em profissionais liberais, tornam os psicólogos pouco interessados nas relações organizacionais e na transformação efetiva e duradoura da instituição e diminuem sua motivação para disputar o poder interno e intervir nos processos decisórios. Seu foco de atenção não consegue sair dos indivíduos isolados. Poucos são os que conseguem exercer suas habilidades políticas.
No que se refere ao problema da incompetência política, são bem semelhantes as razões dos pedagogos. A maioria deles tem uma formação que tende a idealizar seu universo de ação, na qual mal digeridas lições de psicologia, sociologia e humanismo se transformam em prescrições pedagógicas que carecem de um referencial teórico preciso e coerente e, pior que isso, de uma base realmente científica. Seja por ingenuidade ou por ter pavor à intervenção, também eles fogem da atuação política, se abrigando no nível meramente técnico.
É no exercício das atividades técnicas de treinamento que os pedagogos têm as maiores chances de terem êxito, pois muitas de suas disciplinas acadêmicas enfatizam justamente o aspecto prático da relação ensino-aprendizagem. Esta é uma vantagem que eles têm sobre os psicólogos, que geralmente se fartaram de modelos teóricos, sem terem tido a oportunidade de aplicá-los. Contudo, vem dessa ênfase praticista sua maior fraqueza técnica, pois não conseguem compreender os referenciais teóricos e a sua lógica.
Ao contrário de muitos psicólogos e pedagogos em organizações, os profissionais de administração não sentem qualquer asco pelo trabalho na função treinamento. São até bastante motivados. Contudo, isso não significa que sejam politicamente competentes. Da mesma forma que os pedagogos, suas lições superficiais de psicologia e sociologia não lhes dão base teórica poderosa para atuar, sobrando-lhes as interpretações apressadas e as prescrições definitivas (e raramente eficazes).
No caso dos administradores, é bem clara a adequação entre o papel ocupacional esperado deles e a sua formação, pelo menos no nível das atitudes. Entretanto, existe grande discrepância entre a maioria das atividades técnicas de treinamento e as capacidades a eles ensinadas nos bancos universitários. Pouco ou nenhum conhecimento têm sobre a aprendizagem e sobre os processos de ensino, quando comparados com psicólogos e pedagogos. Além disso, da mesma maneira que estes últimos, não foram capacitados para o processo de pesquisa.
Há um mal que assola igualmente essas categorias profissionais, bem como outras que atuam em treinamento. Trata-se do desconhecimento que elas têm do que já foi pesquisado e publicado. A maioria não tem acesso regular a periódicos científicos. Pouco se sabe sobre o conhecimento já acumulado. O pouco que se lê não é avaliado criticamente. Imperam os modismos inconseqüentes, aprendidos na vivência assistemática.
Temos ainda verificado uma tendência, por parte de um grupo significativo de profissionais, de valorizar demasiadamente o treinamento no domínio afetivo, isto é, na mudança de valores a atitudes. Não discordamos de que se trabalhe neste domínio, mas julgamos que a decisão deve estar baseada no que a organização e o indivíduo necessitam e não no que o profissional gosta de fazer. Além disso, è preciso discutir mais se não são essas mudanças aquelas mais questionáveis, dos pontos de vista ético e político.
Está claro que os indivíduos que logram sucesso duradouro em treinamento o fazem porque descobriram algumas maneiras de compatibilizar as três dimensões citadas anteriormente. Conseguiram também superar as falhas de formação que possam ter tido. Isto provavelmente ocorre após treinamento especializado e quando existe um ambiente organizacional que estimule o estudo e o trabalho interdisciplinar. É preciso fortalecer o papel ocupacional das pessoas, em detrimento do seu papel legal ou academicamente definido, de modo que fique diluída internamente a luta corporativista. A função treinamento è campo de trabalho em que não existe restrição legal ou definição de privacidade. Sendo esta a situação atual desse campo, está evidente que há pelo menos condições normativas favoráveis, para que os profissionais possam desenvolver suas competências técnicas e políticas.
Fizemos uma análise crítica da competência técnica e política dos profissionais de treinamento. Agora, é preciso discutirmos a maneira mais freqüente como a função treinamento é atualmente desenvolvida. A próxima seção trata desse assunto.
A Tecnologia de Treinamento Vigente
Uma tecnologia de treinamento poderia ser definida como o conjunto de princípios e prescrições que se aplicariam a essa função. Esse conjunto deveria ser formado por partes ou elementos coordenados entre si e que funcionassem numa estrutura organizada, que pudesse oferecer alternativas eficazes, mesmo quando novos problemas se apresentassem. Esses princípios e prescrições, ainda é preciso dizer, seriam derivados de um sistema de conhecimentos ou de um quadro referencial teórico que tivesse coerência interna.
A prática realizada pela maior parte das organizações que possuem uma função treinamento desenvolvida, contudo, não parece indicar que elas utilizem uma tecnologia apropriada.
O uso da tecnologia se inicia cheio de boas intenções, com a definição de que necessidades são discrepâncias entre o que o empregado faz e o que ele deveria fazer. Entretanto, no passo seguinte essa definição é esquecida. Não se verifica o que ele faz e o que deveria fazer, muito menos a discrepância.
A avaliação de necessidades que é desenvolvida tem seu foco em áreas de conteúdo ou de conhecimento e não nas tarefas ou no papel esperado do empregado. Ela serve muito pouco a ele ou a organização, se o que se deseja é o desenvolvimento de uma carreira. Circulam-se cardápios, a serem escolhidos pelo treinando, seu superior, ou ambos.
O referido processo, encaminhado dessa maneira, dificilmente leva à reflexão sobre que desempenhos serão desenvolvidos, para quem e por quê. Fica assim comprometida a ação política do profissional, que só tem condições de listar cursos desejados e alocar-lhes recursos e esforço pessoal, já que a ausência do diagnóstico de discrepâncias não lhe permite inseri-los no micro-universo da organização, muito menos no seu ambiente social externo. É difícil imaginarmos, além disso, que modelo teórico poderia estar fundamentando um processo que privilegia uma lista de cursos.
Na etapa seguinte do processo inicia-se o planejamento do curso. Quase sempre o que se faz é dar continuidade ao equívoco de centrar a função treinamento em conteúdos e no instrutor e não em tarefas. O treinando é passivo (receptador de informações) e está excluído do processo.
Os dois procedimentos mais usuais são os de listar conteúdos ou de enunciar objetivos centrados no instrutor. No primeiro caso, o planejamento se resume em apresentar uma lista de assuntos que serão abordados geralmente sob a denominação de programa. No segundo caso, chega-se a definir objetivos antes do programa, mas estes são quase sempre formulados em termos do que se espera do instrutor. Além disso, eles enunciam ações que dificilmente poderiam ter seu alcance avaliado. O planejamento realizado desta forma é entregue ao instrutor, que o elabora a partir da demanda de um curso sobre... e com base nos conhecimentos (e desvios) que ele tem sobre a matéria. Raramente a conversa entre este e o profissional de treinamento chega ao ponto de se tocar nas tarefas esperadas dos empregados, após o evento ser realizado. O enfoque é sempre na execução e não no produto.
O referido enfoque tem, como suposição, que se está pagando pelo que o instrutor faz e não pelo que os alunos deverão ser capazes de fazer. Parece democrático, pois aparentemente dá oportunidade aos treinandos de desviarem o evento de rumos indesejáveis. Porém, dificilmente um treinamento seguiria tais rumos, se antes, na avaliação de necessidades, os referidos alunos tivessem tido chances de defini-las.
É, com certeza, um método seguro de ser socialmente irresponsável, pois qualquer cobrança ao instrutor ou ao profissional de treinamento só poderá ser realizada em termos de parâmetros de conteúdo ou do que o instrutor deveria fazer em sala de aula. Portanto, essa maneira de planejar só possibilitaria avaliar o que foi dado no curso e como isso foi feito. Não há como avaliar o que os participantes teriam aprendido e o que eles estariam aptos a fazer em seu trabalho.
O planejamento que assim se efetua é um processo puramente técnico, que não se submete á critica das pessoas envolvidas, pois não se define em termos dos desempenhos esperados dos treinandos. Dessa maneira, é pouco provável que os empregados ou a organização possam exercer essa critica, pois lhes faltam parâmetros de desempenho, que são os que eles podem melhor compreender.
Outra alternativa em voga é a de eliminar programas de conteúdo ou quaisquer tipos de objetivos. Ela se veste com a pele de uma suposta democracia e se baseia na repulsa ao controle sobre as pessoas. Entretanto, julgamos ser mais grave não expor as finalidades de um evento, ou reduzir as alternativas de escolha com a sonegação de informações, do que deixá-las transparentes e sujeitas ás críticas e revisões, de modo que o contra-controle possa ser exercido pelos treinandos, se eles assim o desejarem. Além disso, como se verá mais adiante, a existência de objetivos traz uma série de vantagens adicionais.
A terceira etapa do processo de treinamento está usualmente centrada nas técnicas e meios instrucionais. Ela também está geralmente impregnada de concepções errôneas: sobre o papel desses meios no processo de aprendizagem, sobre o que são técnicas instrucionais, sobre a dimensão política e administrativa que tem o treinamento na organização e sobre a inserção de certos meios e técnicas no contexto sócio-econômico da instituição e do País. É sobre essa etapa de processo de treinamento que faremos, a seguir, uma análise crítica.
A falta de um quadro teórico claro que defina o processo de ensino-aprendizagem e de princípios que relacionem a aprendizagem a certas ações desenvolvidas no ambiente do treinamento é constrangedora e preocupante. Os profissionais sequer têm como avaliar o porquê dos fracassos, pois quase sempre não possuem um modelo teórico consistente, do qual possam ser sacadas explicações e construídas interpretações.
O uso e a seleção dos meios de ensino é um dos campos em que fica clara a irresponsabilidade social de vários profissionais. O campo vive das panaceias e ondas de modismos: dos retroprojetores e transparências, dos projetores de dispositivos e filmes, dos videocassetes e dos computadores... Muitos acabam nas prateleiras e depósitos dos centros de treinamento, quase sempre pouco usados, não compensando o investimento neles feito. Lucram as empresas (muitas vezes multinacionais) que os fabricam.
Os meios são constantemente confundidos com os fins. O erro está em que primeiro se decide utilizá-los, depois é que se vai verificar que treinamentos podem ser feitos com eles. A falta de uma compreensão de que eles não são, por si mesmos, uma tecnologia e a ausência de uma racionalidade dos fins são devidas à inexistência de um quadro referencial que faça com que eles sejam inseridos num sistema (ou tecnologia), do qual são apenas uma parte. Nesse sistema, seriam variáveis tais como os objetivos, os recursos financeiros, a clientela e o local do treinamento que determinariam o tipo de meio a ser utilizado.
A escolha e o desenvolvimento de técnicas de treinamento também sofrem com os problemas da falta de uma racionalidade dos fins e de princípios instrucionais que relacionem as aprendizagens desejadas (os fins) com as ações específicas que precisam ser executadas para alcançá-las.
Temos observado uma preocupação exagerada com técnicas cosméticas, em detrimento dos procedimentos que são essenciais. Assim, o pensamento dominante é com a quantidade e as cores do material, a disposição especial das pessoas em sala de aula, seus papéis e sua interação sociais, a imagem psico-social do instrutor e o lazer e a satisfação psicológica dos treinandos. Essas são condições relevantes, mas não suficientes para a aprendizagem. A percepção que temos é de que passou a ser mais importante administrar o espetáculo, do que desenvolver um esforço para que sejam adquiridas as habilidades ou as atitudes que os treinandos necessitam.
A razão desse desvio de rota está na ausência de um quadro referencial ligado às teorias de aprendizagem ou instrucionais ou, em alguns casos, na presença dominante (embora inadequada) de um quadro referencial que privilegia exclusivamente desempenhos relativos ao domínio afetivo. E o modelo clínico determinando a forma principal de ação nas organizações. Este modelo parece exercer grande fascínio entre muitos profissionais, estejam qualificados ou não para fazê-lo, sendo ou não adequado aplicá-lo.
Chegamos á última etapa do processo de treinamento, que é a avaliação. O maior erro é cometido quando não há qualquer avaliação do treinamento. Nesse caso, fica evidente a falta de responsabilidade social e de compromisso com os treinandos, com o trabalho e com a organização que patrocinou o evento. Não há como ser realizada qualquer cobrança, julgar o valor do treinamento e tomar decisões.
A avaliação, quando é realizada, quase sempre carece de uma concepção teórica sobre si mesma, sobre o treinamento e sobre o contexto organizacional em que este se insere. Não se estabelecem os usos que se farão das informações colhidas e o fluxo em que elas devem ser coletadas e analisadas. Raras vezes são utilizados parâmetros relativos à relação entre o treinamento e a ocupação do aluno.
Encontramos frequentemente instrumentos que contêm itens que medem aspectos irrelevantes do treinamento ou que estão superpostos. Outras vezes, esses itens têm sentenças ininteligíveis, misturam diferentes variáveis e incluem escalas ou alternativas e respostas inconsistentes ou com um número desigual de pontos positivos e negativos. Esses problemas têm como causas a falta de conhecimento sobre psicometria, a ausência de validação, o precário domínio semântico do nosso idioma e , outra vez, a carência de um quadro referencial.
Há ainda o caso dos instrumentos de avaliação em que predominam ou só existem itens com respostas abertas. Eles são apropriados, quando ainda se sabe pouco sobre o objeto da avaliação ou se está na etapa inicial da construção dos instrumentos. No entanto, na maioria das vezes não é isso que acontece, principalmente quando a avaliação, anos após ano, continua a ser baseada nesses instrumentos.
Observamos, algumas vezes, o cumprimento dos rituais de aplicação dos questionários e o seu engavetamento subseqüente. Nenhuma análise é desenvolvida. Além de ficarem evidentes a irresponsabilidade social e o descompromisso com os envolvidos no treinamento, esse é um caso claro de realização de uma farsa, em que a ética do profissional é comprometida.
Há ainda os problemas decorrentes de análises inadequadas ou incompletas de itens de respostas fechadas. Muitas vezes os dados, após serem coletados em diversos pontos de uma escala, são agrupados em dois extremos. Perde-se, assim, a distribuição dos dados naqueles pontos. Outro problema é o do cálculo de médias sem o respectivo desvio-padrão. É arriscado tirar conclusões somente com base em médias, pois muitas vezes ocorrem variações grandes nos julgamentos de certos aspectos dos treinamentos. Os desvios-padrões são estatísticas bastante úteis para detectar essa heterogeneidade de opiniões. Contudo, eles são pouco usados, porque a maioria não compreende seu significado, mesmo quando pode calculá-los.
A análise dos dados oriundos de itens de respostas abertas apresenta problemas ainda mais complexos. Muitos profissionais, durante a construção dos instrumentos, optam por questões abertas, pois elas são mais fáceis de serem elaboradas.Entretanto, eles ignoram que tal decisão irá exigir um esforço maior depois que as informações forem colhidas, já que a análise de dados qualitativos impõe muitas dificuldades. Ela exige um bom domínio semântico do idioma e um quadro referencial que tenha precisão teórica. Ironicamente é a ausência desses requisitos que leva a maioria a escolher instrumentos de avaliação abertos e que, no momento da análise, prejudica-a seriamente.
Temos verificado que, mesmo quando existe um sistema de coleta e análise de dados de avaliação, eles são pouco usados ou arquivados para sempre. Isso compromete a atuação do profissional. Sua competência técnica é colocada sob suspeita, pois ao ignorar os dados torna-se incapaz de melhorar treinamentos. Também sua competência política fica comprometida, pois não usa os referidos dados para interferir nas relações organizacionais ou para tornar transparente o processo de administração. Acreditamos que o uso de uma tecnologia instrucional com um quadro referencial bem definido poderia melhorar a competência técnica do profissional e que a discussão das implicações dos seus diferentes usos poderia torná-lo politicamente mais competente. A seguir, apresentaremos uma alternativa que pode auxiliá-lo a seguir essa direção.
A Tecnologia Instrucional no Treinamento
O enfoque instrucional pode ser definido como o modo como os profissionais de educação ou treinamento conhecem, compreendem e predizem as coisas concernentes ao ensino e à aprendizagem, bem como à relação entre as mudanças de desempenho que se desejam de um determinado indivíduo e o que se faz com o propósito de obter essas mudanças. O modo como esse enfoque é usado, para resolver problemas de treinamento, é denominado tecnologia instrucional. Essa tecnologia, sendo baseada na abordagem de sistemas, prevê três estágios de desenvolvimento: planejamento, execução e avaliação. Após cada estágio, é prevista a possibilidade de revisão, o que significa que não existe necessariamente um ordenamento linear entre os referidos estágios e que eles podem ocorrer simultaneamente.
A referida proposta tecnológica tem sido objeto de críticas, que a acusam de ser instrumento de grupos que pretendem, através do controle sobre os indivíduos, impor seu domínio sobre a sociedade. Dentro de um quadro em que a dimensão política é confundida com a dimensão de poder, sua presença é tida como indicadora de um sistema autoritário de administração. Isto é verdade, quando o uso dessa tecnologia permite pouca ou nenhuma revisão durante seu funcionamento e pressupõe que o indivíduo é o único que deve ser modificado.
Uma outra maneira de operar a tecnologia de treinamento è considerá-la, do mesmo modo que o comportamento dos profissionais de treinamento, como resultante e determinante do desempenho dos treinandos. Essa é uma visão interativa, que não admite a compreensão de relações causa-efeito simples, ou de mão única. Ela trata o ambiente organizacional como um meio em que predominam relações complexas. Sabemos que nenhuma tecnologia, por já ser o uso do conhecimento, é neutra. Podemos caracterizá-la ideologicamente, quando sabemos a serviço de quem ela se encontra: se seus objetivos são ou não voltados para a passividade, disciplina e subserviência e como seus benefícios são distribuídos entre seus clientes. Para sabermos essas coisas, temos que ter conhecimentos técnicos e também possuir algum domínio de referenciais políticos e sociais.
A tecnologia instrucional pode ser um instrumento de desenvolvimento dos empregados. Isso ocorre se ela é utilizada não para adestrá-los em funções extremamente especificas, mas para lhes possibilitar o domínio global de tarefas complexas, para lhes abrir um leque de opções de trabalho ou para o desenvolvimento de suas carreiras. Essa maneira de usar a tecnologia pode aumentar o poder de barganha dos empregados e, consequentemente, proporcionar-lhes mais segurança e dignidade.
Os estágios de planejamento e avaliação, sob certas condições, podem ser importantes para colocar em cheque as atitudes hegemônicas ou autoritárias de certos executivos, pois os referidos estágios expõem decisões, critérios e parâmetros. Certos usos da tecnologia instrucional podem permitir mais participação nas decisões, possibilitar um estilo mais transparente de gerência e exigir responsabilidade social dos que a utilizam. Como veremos a seguir, ela pode ser instrumento de uma administração democrática, mas pode também servir a outros fins.
A avaliação de necessidades de treinamento é o primeiro passo para se desenvolver adequadamente o estágio de planejamento. Definimos necessidades como as discrepâncias existentes entre os desempenhos esperados e reais. Com base nessa conceituação, o processo de avaliação de necessidades deve incluir, inicialmente, a definição das habilidades esperadas dos empregados (papel ocupacional) e, em seguida, a mensuração dos níveis em que o indivíduo domina essas habilidades (ou quanto sua competência é discrepante do ideal) e da importância, para o desempenho no cargo, de cada uma delas (Borges-Andrade e Lima, 1983). Essa abordagem está baseada na teoria de papéis ocupacionais, que nos parece pertencer a um quadro referencial que facilmente se integra ao modelo de planejamento com base em objetivos.
Após a avaliação de necessidades identificação de discrepâncias de desempenho importantes deve-se analisar a natureza do desempenho envolvido em cada necessidade, bem como as condições sob as quais ele deve aparecer. Nesse sentido, Mager e Pipe (1970) oferecem um modelo teórico que culmina com uma interpretação de casos de problemas de desempenho, de modo que se possa decidir se o treinamento é uma solução adequada.
Há muitas razões para se avaliar necessidades com base em papéis ocupacionais. Este enfoque se integra facilmente entre as funções de recursos humanos, alimentando-se de dados oriundos de análises organizacionais, de descrições de cargos e de avaliações de desempenho. Além disso, ele efetivamente aponta para o que é relevante treinar, focaliza a atenção em desempenhos e torna os segmentos (empregados, supervisores, clientes etc.) que dele participam responsáveis por ele e envolvidos politicamente com seus resultados. É um enfoque que confere competência técnica ao profissional de treinamento.
É preciso ainda refletirmos sobre quem pode servir-se da avaliação de necessidades. Isso irá depender dos critérios de decisão (importância para o trabalho, discrepância de habilidade, ou ambas?), dos dados coletados (habilidades definidas em carreiras, isoladamente, ou cardápios?) e de quem fornece esses dados (o empregado, a instituição ou o especialista em conteúdo?). A combinação desses fatores nos indicará quem será o maior beneficiário. Entretanto, podemos muitas vezes interferir nesta combinação.
A avaliação de necessidades é um momento para analisarmos, a priori, o treinamento (o que deve ser treinando?), sua função social (para quem ele serve?) e sua inserção na organização (por que se investe nele?). Podemos utilizar a avaliação de necessidades como instrumento para discutirmos, com os diferentes segmentos da organização, seus papéis e o que deve ser nela mudado. Podemos também dar oportunidade para os referidos segmentos tomarem parte nas decisões ou conhecerem os critérios utilizados, bem como torná-los responsáveis pelas ações decorrentes dessas decisões.
O próximo passo do estágio de planejamento refere-se à formulação dos objetivos dos treinamentos. A formulação deve tomar por base, caso tenha sido feita a avaliação de necessidades, os papéis ocupacionais nesta definidos.
É preciso enfatizar que a decisão sobre as fontes de onde obtemos os objetivos já tem um significado politico importante. Se eles são só derivados de livros ou da opinião de instrutores ou especialistas em conteúdo, fica clara a natureza tecnocrática do processo, no qual se valoriza primordialmente o poder do saber. A abordagem é nitidamente autoritária, se eles são definidos pelo supervisor ou empregador. Um caminho populista é seguido quando são unicamente os empregados que são consultados sobre os objetivos. O uso de todas essas fontes, bem como dos resultados da avaliação de necessidades, nos parece o caminho mais apropriado.
Os objetivos devem ser compreendidos como descrições dos desempenhos observáveis esperados dos treinandos, definidos em termos observáveis. Essa concepção dos objetivos foi largamente associada a Mager (1980). A redação e divulgação de tais objetivos informa o público e a organização sobre o que se deseja e o que se pode esperar dos treinamentos; possibilita um julgamento posterior (à hora da seleção dos treinandos) das necessidades, a avaliação de resultados e a conseqüente revisão desses eventos; auxilia na preparação e seleção de estratégias e materiais de ensino; permite a elaboração de avaliações de aprendizagem mais justas; guia a atenção e o estudo dos treinandos e pode permitir mais eqüidade na atribuição de novos cargos e funções, após os treinamentos.
Já existem evidências cientificas que indicam que a presença de objetivos, com as características anteriormente mencionadas, pode determinar melhorias muito significativas em alguns componentes dos sistemas de treinamento, tais como no planejamento, procedimentos, apoio ambiental e resultados (Lima e Borges-Andrade, 1984).
A explicitação dos desempenhos observáveis esperados dos treinandos pode ser também um instrumento importante no processo de democratização das organizações. Isso ocorre porque ela fornece, a todos os segmentos organizacionais, parâmetros para tornar mais transparentes as decisões de treinar e os atos dos instrutores. Exige-se assim, dos instrutores e profissionais de treinamento, uma atitude socialmente mais responsável, pois todos terão condições objetivas de analisar o contexto em que se inserem os desempenhos definidos e de cobrar o que é solicitado, prometido e gasto.
Outra pergunta que está constantemente presente, quando elaboramos objetivos, é se temos, com eles e com as estratégias deles decorrentes, o direito de programar o ensino. As condições para ensinar e para aprender já existem na natureza, ou os seres vivos, inclusive os humanos, não seriam o que são. Nós podemos decidir desconhecê-las ou ignorá-las, mas aquelas condições continuarão a existir e a determinar o desempenho das pessoas. Por outro lado, podemos lançar mão do conhecimento existente, transformando-o em tecnologia instrucional, e tornar os treinamentos mais eficientes e eficazes. Essa segunda alternativa nos parece mais sensata, pois o problema não é programar, mas o que programar, para quem e para que finalidade.
A definição de desempenhos finais nos niveis mais baixos da hierarquia de aprendizagem (Gagnè, 1979), além de levar à aprendizagem de menos conhecimentos (Lima e Borges-Andrade, 1984), não parece contribuir para tornar os treinandos independentes. O poder de barganha desses indivíduos pode ser aumentado se os objetivos terminais centralizam-se em habilidades mais complexas e se abrangem desempenhos inteiros e não segmentos de tarefas.
É comum, principalmente entre profissionais recém egressos da educação, encontrarmos formulações triviais ou acadêmicas de objetivos, que indicam como finalidade somente o que o aluno aprenderá em sala de aula ou o que ele deverá adquirir para responder testes. Cremos que objetivos adequados de treinamentos devam ser relevantes para o trabalho e para a carreira profissional do empregado.
Outros erros cometidos referem-se à elaboração de objetivos como um ritual, sem haver compreensão de sua importante função para os próximos estágios de desenvolvimento da tecnologia instrucional, ou como mecanismos de propaganda institucional e de atração de treinandos. Nesses casos, é preciso reconhecermos que ficam seriamente comprometidos os passos que se realizam a seguir, bem como a própria seriedade do que se pretende fazer.
Taxonomias de aprendizagem são classificações de desempenhos humanos ou capacidades. Essas classificações geralmente levam em conta a natureza dos desempenhos, das capacidades ou dos processos de aprendizagem a eles subjacentes e as condições essenciais de ensino relacionadas a eles. As categorizações propostas por Bloom et alii (1974) Gagné (1979) e Merrill (1971) são modelos de taxonomias.
No estágio de planejamento, à medida que os objetivos são formulados, é possível ir procedendo à sua classificação, de acordo com uma dada tãxonomia. Isso dâ significado teórico ao treinamento, ao mesmo tempo em que ele toma emprestados os pressupostos e hipóteses inerentes às teorias de aprendizagem subjacentes à taxonomia. A presença desses referenciais é importante para tirar o treinamento do nível de atividade administrativa e para lhe dar o status de tecnologia instrucional. Também o profissional de treinamento ganha, com isso, mais capacidade de controle e melhor compreensão dos fatos relacionados ao seu objeto de trabalho, tendo assim condições de demonstrar maior competência técnica.
A classificação dos objetivos, em termos de uma taxonomia, simplifica a compreensão dos processos de aprendizagem e da variedade e complexidade dos desempenhos humanos que os referidos processos subsidiam. Mais ainda, poderemos, com maior segurança, prescrever condições relevantes de ensino que devam ser implementadas, para que aqueles objetivos sejam alcançados. Tudo isso pode ser feito, mesmo que sejamos ignorantes no que tange à natureza dos conteúdos neles incluídos.
Outro passo que pode ser desenvolvido simultaneamente à formulação dos objetivos é a sua inclusão progressiva em hierarquias de aprendizagem. O conceito de hierarquias ganhou força com Gagné (1971). Elas representam conjuntos de habilidades intelectuais organizadas de maneira decrescente, de acordo com o seu nível de complexidade, formando estruturas representadas por organogramas, em que cada objetivo é uma unidade componente. O domínio ou a maestria das habilidades (ou objetivos) mais simples (ou localizadas nas partes inferiores do organograma) facilitaria a aquisição de outras mais complexas (presentes nos níveis superiores da estrutura).
O uso do conceito de hierarquias nos possibilita analisar objetivos complexos em termos das habilidades a eles subordinadas. Podemos, através desse método (Borges-Andrade, 1982b), analisar estruturas de treinamento e construir outras, tomando os objetivos como suas unidades componentes. A partir dessas estruturas, ou mapas organizados de objetivos de treinamento, é possível indicar precisamente a seqüência em que os referidos objetivos devem ser ensinados. A construção de hierarquias de aprendizagem é tarefa complexa, mas elas acrescentam riqueza teórica ao estágio de planejamento, dando mais confiança e segurança ao profissional, mesmo quando ele participa da programação e coordenação de treinamentos em que é grande o desconhecimento dos conteúdos específicos.
O segundo estágio do modelo que ora descrevemos refere-se à execução do treinamento. O enfoque instrucional pode oferecer contribuições relevantes para o desenvolvimento das estratégias de ensino, tanto se elas são requeridas para que um plano de aula seja elaborado e executado, quanto para aquelas necessárias á adequada disposição e distribuição das informações nos materiais de ensino (impressos, audio-visuais, eletrònicos etc.).
As estratégias de ensino devem levar em consideração dados de três naturezas: a) a sequência na qual as informações devem ser apresentadas ao treinando; b) as contingências que precisam ser estabelecidas entre o comportamento deste e o do instrutor ou das respostas programadas para serem dadas pelos meios de ensino e c) as seqüências e contingências que estão especificamente relacionadas a cada tipo ou categoria de aprendizagem previstos em qualquer das taxonomias existentes.
Os dados que devem ser considerados para se desenvolver estratégias de ensino estão presentes nos modelos e na literatura científica. Cabe ao profissional competente se manter informado a respeito desses fatos e achados e derivar deles suas prescrições instrucionais. Gagné (1980) e Dick e Carey (1978) propõem modelos de planejamento de aulas e de materiais que sugerem seqtiências mais apropriadas em que as informações devem ser apresentadas e as contingências que precisam ser estabelecidas.
A combinação das informações a serem apresentadas nos permite elaborar planos instrucionais (Borges-Andrade, 1982c), que, além de muito úteis e eficazes para executar os treinamentos, utilizam o conhecimento gerado e acumulado e se inserem em quadros referenciais que dão um substrato tecnológico preciso para os referidos treinamentos. A montagem e execução dos tais planos, juntamente com os instrutores e especialistas em conteúdo, tornam o profissional convicto de que tem muito a oferecer, mesmo depois que os treinandos e instrutores já se encontrem em sala de aula. Seu papel, portanto, poderá ir muito além daquele usualmente previsto, que é o administrar os meios e horários de treinamento. Ele passa a ser também o coordenador e assessor de atividades instrucionais.
O terceiro estágio de desenvolvimento da tecnologia instrucional é a avaliação. Ela è o estágio no qual medimos nosso objeto de estudo, que no presente caso é o treinamento, e julgamos seu valor.
Há várias razões para avaliarmos treinamentos: a) para obter controle, b) fazer retroalimentação, c) tomar decisões sobre eles, d) para fazê-los funcionar ou tornar as pessoas aptas e e) para torná-los externamente válidos ou potencialmente capazes de provocarem modificações em seu ambiente. As quatro primeiras razões são fundamentalmente administrativas e instrucionais. A última implica uma finalidade mais política. O estágio da avaliação é a oportunidade para podermos discutir os treinamentos e seus eventuais papéis na mudança organizacional e social.
A avaliação pode ser formativa e somativa, em função de seus propósitos e do momento em que é realizada. A primeira é caracterizada pela contínua coleta de dados durante o processo instrucional, a fim de obter informações que indiquem as correções a serem nele efetuadas. Na avaliação somativa, o objetivo é obter informações sobre um treinamento já desenvolvido, visando verificar seus efeitos. Evidentemente, em muitos sistemas de avaliação, essa separação conceituai é mais difícil de ser feita.
A avaliação formativa precisa firmar-se em teorias instrucionais. A somativa, além dessas, deve apoiar-se também em modelos de compreensão das realidades administrativa, econômica e social. A literatura especializada tem sido pródiga na apresentação de modelos de avaliação, como pode ser deduzido a partir do trabalho de revisão de Dutra (1984).
No contexto que ora propomos, a avaliação precisa ter, como seus pressupostos, os princípios adotados no planejamento instrucional. Desse modo, as variáveis a serem mensuradas necessitam estar impregnadas com as características do modelo usado para a formulação de objetivos, da taxonomia de aprendizagem utilizada e do enfoque adotado no desenvolvimento das estratégias instrucionais. O quadro teórico que adotamos deve nos ditar o que devemos medir. Por exemplo: a clareza dos objetivos; a seqüência de sua apresentação; a experiência dos treinandos na área de conhecimento; os procedimentos usados para apresentar as informações (demonstrações, exemplos, explicações, orientação etc.); as contingências estabelecidas durante o ensino (existência de retroalimentação, rapidez, clareza e natureza informativa da mesma etc.); o alcance dos objetivos definidos e outros efeitos do treinamento; ou o apoio organizacional dado ao referido evento. Esse quadro pode nos indicar a necessidade de incluirmos ainda outros aspectos instrucionais. Talvez até seja preciso adicionarmos variáveis oriundas de modelos teóricos psico-sociais, mais adequados para avaliar o desempenho no cargo (Hamblim, 1978) ou mudanças organizacionais, e de modelos sócio-econômicos, para medir o valor final do treinamento (Ávila et alii, 1983).
A profusão de variáveis de avaliação pode confundir o profissional, se não houver um método sistemático para organizá-las e para definir, antes mesmo da coleta de dados, as relações esperadas entre elas. Um desses métodos propõe que os aspectos a avaliar sejam definidos e classificados a partir de cinco (Borges-Andrade, 1982-a) ou seis (Lima e Borges-Andrade, 1984) categorias pré-definidas de variáveis. O passo imediatamente seguinte seria a programação dos instrumentos e procedimentos a serem utilizados para medir as referidas variáveis.
Se o treinamento deve produzir resultados, precisamos medi-los internamente, avaliando a aprendizagem, antes de verificarmos sua ocorrência no ambiente organizacional e social. Investigações realizadas recentemente, por Lima e Borges-Andrade (1984), demonstram que a existência de avaliações de aprendizagem é um dos fatores mais importantes na predição de outras variáveis, tais como o tempo dedicado ao estudo individual, o relacionamento instrutor/aluno, a consideração à experiência do grupo e o esclarecimento de dúvidas. Esses resultados até mesmo desmentem a crença de que testes e provas comprometem o relacionamento com os instrutores. Ao contrário, aqueles autores encontraram o relacionamento dos treinandos com instrutores melhor em treinamentos nos quais existem avaliações de aprendizagem.
O enfoque instrucional, sendo sistêmico, exige que se formule objetivos em termos de desempenhos e que o alcance desses seja verificado. Portanto, as únicas avaliações de aprendizagem adequadas são aquelas baseadas nos objetivos, de acordo com uma metodologia que pode ser bem exemplificada pelo trabalho de Mager (1977). Temos observado, com muita frequência, profissionais e até autores (Hamblim, 1978) caírem no engano de desenvolverem ou aceitarem avaliações de aprendizagem baseadas em amostragens de conteúdo. Isso é contraditório, quando antes são definidos objetivos em termos de desempenhos.
Há evidências, advindas de pesquisas já citadas (Lima e Borges-Andrade, 1984), que indicam que treinamentos, nos quais existe adequação entre os desempenhos exigidos em testes e descritos em objetivos, têm avaliações mais favoráveis no que tange a: suficiência do tempo a eles destinados, motivação dos alunos, objetividade dos instrutores, técnicas didáticas utilizadas e incentivo à participação dos alunos. Essas mesmas evidências ainda demonstram que avaliações de aprendizagem baseadas em objetivos estão entre os melhores preditores de sucesso dos treinamentos estudados.
Os resultados da avaliação precisam supostamente alterar treinamentos no presente ou no futuro. Isto posto, se sabemos que, com toda a certeza, nosso sistema de avaliação não produzirá mudanças nem auxiliará na tomada de decisões, temos que considerar seriamente a alternativa de não desenvolvê-lo ou mantê-lo e de questionar a natureza e as implicações dos treinamentos que assim mesmo realizamos.
Outro pressuposto da avaliação é de que ela é oportunidade para aprendermos sobre o treinamento (Borges-Andrade, 1982-a). Certas descobertas feitas durante a avaliação, acerca das condições específicas sob as quais os sistemas instrucionais funcionam e sobre as interações existentes entre elas, devem ser sistematizadas e compartilhadas com outros profissionais, para que avance o conhecimento sobre a tecnologia de treinamento. Sendo a avaliação um modo de se fazer pesquisa, ela pode também servir para testarmos princípios teóricos de que o planejador tenha lançado mão. Não podemos nos esquecer que a (...) seleção das características do programa a ser avaliado é determinada por uma conceptualização explícita do programa em termos duma teoria, uma teoria que pretende explicar como o programa produz os efeitos desejados (Fitz-Gibbon e Morris, 1975). É nossa obrigação, pois, testarmos essa teoria.
A avaliação deve ir além de medir e julgar o valor dos treinamentos. O momento da avaliação é uma ocasião propícia para fazermos pesquisa aplicada. A literatura especializada é controlada, em grande parte, por poucos países desenvolvidos. Precisamos produzir conhecimentos e gerar tecnologias de treinamento que aumentem nossa competência técnica. Isso é feito através da realização de pesquisas. O profissional da área precisa deixar de ser somente um mero consumidor de tecnologias e passar a ser também capaz de produzi-las.
Precisamos fazer, por fim, algumas outras considerações de natureza politica, sobre o estágio da avaliação. A primeira delas tem a ver com a questão sobre a quem serve a avaliação de treinamento. Acreditamos que isso depende, entre outras coisas, dos dados coletados e de quem os fornece. Podemos obter dados: a) somente sobre procedimentos e apoio, ou b) também sobre as necessidades originais dos treinandos e os resultados do treinamento. No primeiro caso, estaremos servindo principalmente a nós mesmos e aos instrutores. No segundo estaremos igualmente servindo ao empregado e à organização e, talvez, à sociedade. A escolha de quem nos fornecerá as informações sobre o treinamento, sejam os instrutores, os treinandos, a organização, ou a sociedade, determina direta e cumulativamente os beneficiários da avaliação, que são esses mesmos, na mesma ordem.
Há várias razões para decidirmos transformar o estágio de avaliação, de modo que ele transcenda sua finalidade técnica e possa ser deliberadamente usado na dimensão política das organizações. A avaliação pode ser uma oportunidade preciosa para tornarmos mais participativo o processo da administração. Isto acontece quando os treinandos opinam. Ela também pode tornar mais transparante o processo do treinamento. Isso ocorre quando os participantes têm acesso a seus resultados. Nessa linha de ação, tornamos todos os participantes (treinandos, profissionais, instrutores e supervisores) socialmente mais responsáveis. Por último, se o profissional de treinamento souber realizar o estágio de avaliação com competência técnica e política, ele poderá ter mais proximidade, compreender e interferir nas decisões sobre filosofia, política e diretrizes da organização. Isso, em troca, lhe dará mais prestígio e poder de barganha. As tarefas são complexas, mas não inalcançáveis. Não se trata de presunção, mas de ousar intervir.
Conclusão
Fizemos uma análise crítica da formação e competência técnica e política do profissional de treinamento. Discutimos, em seguida, as inadequações da tecnologia de treinamento vigente na maioria das organizações e os problemas resultantes do seu uso.
Apresentamos o enfoque instrucional, associado a alguns princípios de psicologia social das organizações, como uma alternativa para o desenvolvimento de uma tecnologia apropriada de treinamento, de modo que esta atividade passe a ter, nas organizações, a consistênica teórica de que ela hoje carece. Foram descritos alguns procedimentos essenciais que deveriam estar incluídos numa tecnologia instrucional do treinamento, bem como seus respectivos pressupostos.
Essa proposta de tecnologia foi apresentada como uma alternativa para trabalharmos em treinamento, sob um quadro referencial teórico claro, de maneira que possamos seguramente desenvolver uma competência técnica. Ao mesmo tempo, discutimos as implicações dos diferentes usos que podem ser feitos dos procedimentos referentes a essa tecnologia.
assim como o papel do profissional de treinamento nesse contexto. Defendemos a tese de que será esse papel que poderá determinar a competência política desse profissional, que precisa também ter consciência dos usos que se podem fazer da tecnologia instrucional.
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* Este texto é um resumo de outro com o título, O Enfoque Instrucional no treinamento: por uma competência técnica e política, utilizado como documento-base de uma das áreas de estudo do Seminário Brasileiro de Tecnologia Educacional, realizado em novembro de 1985, no Rio de Janeiro-RJ, e publicado em "Direito á Educação e Tecnologia Educacional", vol. II, série Estudos e Pesquisas, 37/38, editado pela Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, no Rio de Janeiro, em 1986.