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Psicologia: ciência e profissão

versão impressa ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.7 n.1 Brasília  1987

 

EM DEBATE

 

As controvérsias em pauta

 

 

A pesquisa de campo e a produção de conhecimento sobre a inteligência da criança brasileira têm sido desenvolvidas com maior intensidade nas duas últimas décadas, pelos diferentes cientistas e profissionais. Estes têm dedicado atenção particular às crianças pertencentes a setores de baixa renda que, ao viverem numa situação de carência generalizada, levantam a seguinte indagação: como estas crianças poderão desenvolver sua inteligência e se tornarem assim agentes do processo de conscientização sobre si mesmo e sobre o mundo?

Os estudos e pesquisas têm levado a respostas muitas vezes divergentes ou até mesmo antagônicas, gerando assim controvérsias. Esta constatação pode ser inferida na leitura dos artigos de Maria Helena Souza Patto e de Bárbara Freitag, publicados recentemente no Cadernos de Pesquisa, nos quais tomam como interlocutores do debate as duas equipes universitárias de pesquisa que apresentam divergências entre si, em vários níveis (teóricos, metodológicos, escolha de problemas de estudo etc). Estas equipes são compostas por: 1º) Terezinha Nunes Carraher, David William Carraher e Analúcia Dias Schliemann, professores do curso de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco; 2º) Zélia Ramozzi Chiarottino, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e seus orientandos ou ex-orientandos, como Adrian Montoya, Orly Mantovani de Assis, Lino de Macedo, Fernando Becker, Jandira Ribeiro Santos, Vera Barros de Oliveira, Maria Alicia Ferrari Zamorano, entre outros.

Um dos pontos do debate que mais explicitam as divergências pode ser formulado nos seguintes termos: o déficit ou desenvolvimento da inteligência da criança é atribuível a fatores individuais endógenos, à influencia do contexto sócio-econômico, ou à interação do indivíduo com o contexto onde se insere? Vejamos quais são, em linhas gerais, as respostas apresentadas pelas equipes de Recife e de São Paulo.

 

Não há déficit individual

A equipe de Recife utiliza em suas pesquisas uma metodologia mista que combina o método clínico piagetiano com o etnográfico (conforme este é utilizado pela Antropologia Social). Como resultado de suas pesquisas, argumentam que as crianças de baixa renda não apresentam um déficit individual, mas apresentam um desenvolvimento cognitivo diferente daquele apresentado pelas crianças mais favorecidas sócio-economicamente, embora as primeiras possam ser consideradas defasadas quando comparadas às segundas, num mesma faixa etária, no contexto escolar. Quando as crianças de baixa renda não são bem-sucedidas na situação escolar, verificou-se que elas, numa situação informal, como por exemplo vendedores ambulantes na rua, são capazes de resolver as mesmas operações matemáticas que as crianças de renda alta conseguem fazer abstratamente, usando lápis e papel, na escola. Dessa maneira, a equipe de Recife sustenta que é possível estabelecer uma equivalência entre a capacidade cognitiva das crianças pertencentes a diferentes contextos sócio-econômicos.

 

O déficit é real

A equipe de São Paulo utiliza somente a teoria e o método clínico piagetiano. Para esta equipe, o déficit cognitivo (quando se afasta a hipótese de comprometimento orgânico) deve ser atribuído simultaneamente à interrupção do desenvolvimento endógeno das estruturas de pensamento e à precariedade de estimulação do contexto sócio-cultural, como acontece com os indivíduos de baixa renda. Quando se comparam as crianças deste nível com as outras de renda mais alta, constata-se que as primeiras estão em situação de desvantagem cognitiva real porque não tiveram a oportunidade de serem solicitadas pelo contexto sócio-cultural e nem puderam desenvolver suas potencialidades cognitivas, embora esta defasagem possa ser temporária, desde que sejam estimuladas a superá-la, numa fase etária adequada. Assim, conclui-se que qualquer déficit ou desenvolvimento da inteligência depende da interação do indivíduo com o contexto que, nesta dinâmica de interação, constrói a inteligência.

O aprofundamento das respostas das duas equipes é apresentado a seguir, com maiores detalhes, por alguns dos protagonistas do debate em questão.

 

Referências Bibliográficas

CARRAHER, Terezinha Nunes, CARRAHER, David William, SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Na vida, dez; na escola, zero Cadernos de Pesquisa n° 42, São Paulo, agosto de 1982.        [ Links ]

CARRAHER, Terezinha Nunes, SCHLIEMANN, Analúcia Dias. Fracasso escolar: uma questão social Cadernos de Pesquisa n° 45, São Paulo, maio de 1983.        [ Links ]

CHIAROTTINO, Zélia Ramozzi. Piaget: modelo e estrutura, Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1972.__________         [ Links ]Em busca do sentido da obra de Jean Piaget, São Paulo, Editora Ática, 1987.        [ Links ]

PATTO, Maria Helena Souza. A criança marginalizada para os piagetianos brasileiros, deficiente ou não? Cadernos de Pesquisa n° 51, São Paulo, novembro e 1984.        [ Links ]

FREITAG, Bárbara. Piagetianos brasileiros em desacordo? Contribuição para um debate Cadernos de Pesquisa n° 53, São Paulo, maio de 1985.        [ Links ]