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Psicologia: ciência e profissão
versão impressa ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.10 n.1 Brasília 1990
CONTRAPONTO
Seleção e "inversão" da socialização do trabalho
Marco Antônio C. Figueiredo
Prof. da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Riberão Preto
Uma das mais freqüentes preocupações daqueles que buscam discutir os limites da Seleção Profissional e seu papel, dentro do quadro de referência da atuação do psicológo no âmbito da Organização do Trabalho, se liga ao caráter positivista das estratégias utilizadas e à concepção mecanicista atribuída à relação homem-trabalho. Realmente, desde o momento em que o movimento taylorista colocou na ordem do dia, com a gerência científica, a necessidade de adequar o homem à tarefa fragmentada, a psicologia se investiu da missão de descobrir atributos psicológicos que pudessem estar associados ao desempenho profissional.
Entretanto, o maior dilema que o psicólogo hoje enfrenta, ao exercer as atividades de Seleção, decorre do duplo caráter que a produção adquire, ao se desenvolver: enquanto a especialização simplifica os procedimentos de Seleção, facilitando o estabelecimento de critérios operacionais e a validação das medidas tomadas, ao mesmo tempo a cooperação socializa, transportando o foco da Seleção para o nível das relações psicossociais do trabalho.
O resultado é um novo ganho em complexidade que coloca a Seleção Profissional frente a novas questões que, transcendendo a esfera do controle técnico do trabalho, a transporta para esfera política da produção. Se, anteriormente, recém-saída do taylorismo, a psicometria clássica buscou adequar trabalhadores e funções, a partir da perspectiva de avaliação de atributos relativamente estanques de homens e cargos, com a socialização o controle se estende, perde a especificidade do posto de trabalho, e se desdobra para fenômenos que ultrapassam as barreiras da tarefa imediata.
O parcelamento esvazia o trabalho do seu significado, para o trabalhador; o controle se desloca, do âmbito técnico do trabalho, para o reduto da internalidade do trabalhador. E, nesta passagem, as práticas de Seleção acompanham esse movimento, buscando na avaliação de atitudes, liderança, motivação, etc, as premissas para seus prognósticos e validações.
Esse deslocamento caracteriza a ideologia passada da produção para a sociedade; caracteriza a tentativa da conquista da subjetividade do trabalhador, tendendo à separação das técnicas de produção das técnicas de dominação, saindo do controle taylorista para a esfera política da produção. Frente à socialização da produção, a psicologia responde com a referência no indivíduo, com a internalização do controle.
Esta mesma inversão pode ser observada em algumas correntes que criticam a psicologia do ponto de vista da devolução do processo de hominização na produção. Estas correntes acabam colocando a psicologia como um instrumento de conscientização, cuja missão é esclarecer o indivíduo a respeito de sua vinculação ao trabalho, buscando devolver ao indivíduo a reapropriação de si.
Mantendo-se no referencial da psicologia, a "crítica" persevera nas formas fetichizadas e se volta para o indivíduo psicologicamente descritível, invertendo o processo de socialização. E esse poder desmobilizador age como um "tampão" à evolução da consciência de classe, se referindo à contradição no seu efeito imediato, conservando a resistência do trabalhador na sua origem, como simples fatos psicológicos, de indivíduos.