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Psicologia: ciência e profissão

 ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.22 n.2 Brasília jun. 2002

 

ARTIGOS

 

Formação e atuação em psicologia escolar: análise das modalidades de comunicações nos congressos nacionais de psicologia escolar e educacional1

 

 

Marisa M. Brito da J. Neves*; Sandra Francesca C. de Almeida**; Mônica C. L. Chaperman***; Beatriz de P. Batista****

Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo caracterizar a evolução das discussões sobre a formação e a atuação na área de Psicologia Escolar no Brasil. Foram analisados 102 trabalhos publicados nos Anais dos quatro Congressos Nacionais de Psicologia Escolar, promovidos pela ABRAPEE, entre os anos de 1991 e 1998. Os trabalhos foram agrupados em três categorias: Reflexões Teóricas, Relatos de Experiência e Relatos de Pesquisa. Os dados evidenciaram diversificação na produção do conhecimento na área de Psicologia Escolar; orientação de experiências de estágio numa direção mais preventiva e práticas profissionais que se referiram significativamente à atuação junto à comunidade escolar e aos professores.

Palavras-chave: Psicologia escolar, Formação, Atuação.


ABSTRACT

The following study aims to characterize the evolution of the discussions about the underground education and performance in the area of School Psychology in Brazil. There had been analized 102 works published in Annals of the four National Congresses of School Psychology, promoted for the ABRAPEE, between the years of 1991 and 1998. The works had been grouped in three categories: Theoretical reflections, Reports of Experience and Reports of Research. The data had evidenced a diversification in the production of knowledge in the area of School Psychology, that the period of training experiences are oriented in a more preventive route and that the professional practicals had mentioned themselves, significantly, to the performance with the school community and to the professors.

Keywords: School psychology, Underground education, Performance.


 

 

A Psicologia Escolar é uma área da Psicologia Aplicada que tem suscitado inúmeras reflexões acerca da identidade dos profissionais que nela atuam, sobretudo a necessidade de redefinição do papel do psicólogo na escola e de reestruturação de sua formação acadêmica (Almeida, 1999; Jobim e Souza, 1996; Del Prette, 1999; Gomes, 1999).

O surgimento da área esteve ligado à psicometria, em especial à aplicação de testes psicológicos, com o predomínio de um modelo clínico de atuação do psicólogo escolar voltado para o diagnóstico e “cura” dos problemas de aprendizagem apresentados pelos alunos, cuja ênfase situava-se nos fatores subjacentes ao indivíduo em detrimento das causas ligadas aos fatores institucionais, sociais e pedagógicos (Almeida, 1999).

A literatura que tem sido publicada na área escolar tem ressaltado a importância de se refletir sobre os aspectos relacionados à especificidade da atuação do psicólogo escolar devido ao fato de existir uma superposição de papéis e funções dos profissionais que atuam no contexto educacional, em que vários deles reivindicam para si o mesmo espaço profissional (Jobim & Souza,1996; Gomes, 1994). Segundo Jobim e Souza (1996), há uma miscigenação de papéis entre o psicólogo, o pedagogo e o psicólogo escolar e a atuação do psicólogo deve ser realizada de maneira crítica e contextualizada.

Gomes (1994) pesquisou sobre a atuação do psicólogo escolar no Brasil e afirmou que não foi possível traçar um perfil deste profissional de acordo com as diversas escolas teóricas e que existe uma distância entre o papel atribuído ao psicólogo no campo teórico e as demandas que se espera que este atenda no cotidiano da escola. A autora aponta, também, a necessidade de contextualizar a ação do psicólogo à realidade educacional e social brasileira.

Pesquisas indicam que o psicólogo escolar desconhece as possibilidade de qualificação na sua área (Araújo, 1985; Carvalho, 1984; Mello, 1975). Para Araújo (1991), a qualidade da informação recebida na graduação é primordial para que a futura ação do profissional de Psicologia atenda às demandas sociais e destaca que é preciso que as Instituições de Ensino Superior, responsáveis pela formação deste profissional, priorizem e direcionem seu trabalho no sentido de produzir conhecimento e de instrumentalizar seus graduandos visando à apropriação de competências e habilidades técnicas e pessoais. A necessidade de definir a atuação do psicólogo no contexto da escola e a dificuldade em delinear um perfil de atuação profissional, bem como de articular a prática à teoria são questões discutidas por vários pesquisadores da área de Psicologia Escolar (Jobim & Souza, 1996; Batista; 1994; Gomes, 1994; Witter, 1994). A ausência de vínculo entre teoria e prática tem sido relacionada, comumente, às deficiências na formação do profissional, que não possui uma formação consistente (Jobim & Souza, 1996; Leite, 1991; Novaes, 1991). Witter (1998) propõe a introdução do ensino de pesquisa no contexto da graduação universitária como requisito essencial à formação do psicólogo escolar.

Segundo Almeida (1991), não há consenso sobre a formação do psicólogo escolar devido à diversidade de currículos e de modelos teórico-práticos nos cursos de Psicologia. Witter, Guzzo e Oliveira (1991) pesquisaram sobre a formação em psicologia escolar por meio de questionários enviados às Instituições de Ensino Superior em Psicologia, visando levantar o conjunto de disciplinas consideradas específicas para a formação na área escolar. Esses autores relataram que o conjunto de disciplinas apontadas como específicas para a formação do psicólogo escolar foi amplo e houve pouca concordância entre as Instituições, tanto particulares quanto públicas, neste aspecto. Além disso, encontraram uma diversidade maior no que se refere às disciplinas apontadas como de domínio conexo. Segundo os autores, o perfil do formando em Psicologia Escolar demanda uma melhor definição e necessita de pesquisas que o avaliem de modo mais consistente.

Andaló (1984) afirma que existem duas áreas na psicologia que tratam de crianças com queixa escolar: a psicologia clínica e a escolar. A pesquisadora afirma que a queixa escolar é vista de forma conservadora pelos profissionais da Psicologia, os quais costumam situar a origem dos problemas na própria criança. Pesquisa realizada por Almeida, Rabelo, Cabral, Moura, Barreto e Barbosa (1995), sobre as concepções e práticas dos psicólogos escolares do Distrito Federal acerca das dificuldades de aprendizagem, indica que 56,43% dos psicólogos da amostra focalizam no aluno as causas atribuídas às dificuldades no aprendizado e 16,83% à família. Não é sem razão que Escudero, Martinez, Savaya, Durante e Campos (1996) mencionam que a opinião de professores sobre o psicólogo escolar é a de que este deve auxiliar na resolução de problemas escolares e na elaboração do processo educacional. Além disso, citam que a visão que se tem do psicólogo escolar é a de um solucionador de problemas e, ainda, acrescentam que os professores apresentam restrições quanto à atuação do psicólogo, na escola.

Gomes e Gomes (1998), ao discutirem sobre a atuação do psicólogo escolar, no Brasil, tanto no que se refere aos dados da literatura acerca da atuação profissional quanto à percepção que a equipe de profissionais da educação tem sobre o psicólogo, concluem que as equipes escolares esperam do psicólogo escolar ações imediatistas e, por outro lado, que o próprio psicólogo não é instrumentado teoricamente para trabalhar de maneira satisfatória, rompendo com as formas conservadoras de atuação.

Dentre as funções do psicólogo escolar destacadas por Del Prette (1999) e Gomes (1999) estão a assessoria na elaboração, implementação e avaliação de projetos pedagógicos coerentes com os vários segmentos da escola; a avaliação dos alunos em consonância com este projeto pedagógico; a análise e a intervenção relacionadas às interações em sala de aula, visando melhor aproveitamento das oportunidades educativas; o desenvolvimento de programas junto aos pais, com orientação sobre promoção de condições de aprendizagem; o diagnóstico e encaminhamento de problemas relativos a queixas escolares, entre outras.

Além dessas funções, alguns pesquisadores (Andaló, 1991; Leite, 1991; Taverna, 1991) da área escolar afirmam que o psicólogo que atua na educação deve possibilitar ao professor acesso ao conhecimento psicológico relevante para sua tarefa de transmissão e construção do conhecimento. Para Andaló (1991) e Almeida (1999), o papel do psicólogo escolar implicaria em lidar com a subjetividade e as relações interpessoais no âmbito da escola e em proporcionar aos docentes e demais profissionais da Educação uma reflexão sobre sua prática educativa.

De acordo com Bentes (1996) e Jobim e Souza (1996) ainda não há uma atuação interdisciplinar na escola. Araújo, Almeida, Queiroga, Parro e Cunha (1996) apontam a necessidade de se avançar da multidisciplinaridade para a interdisciplinaridade, pois a complexidade do fenômeno da aprendizagem humana exige o diálogo e a ação de vários ramos da ciência agindo em comum e não apenas a junção, muitas vezes artificial, de várias disciplinas ou especialidades (Almeida, 1992).

A revisão da literatura que tem sido publicada na área de Psicologia Escolar, nesta década, permite conhecer quais os temas considerados relevantes para os pesquisadores e profissionais atuantes na área, em especial aqueles que são foco de debates nos congressos nacionais de Psicologia Escolar, bem como avaliar as discussões e os encaminhamentos dados às indagações e problemas levantados.

Pode-se afirmar que até o presente momento o psicólogo escolar ainda não consolidou seu espaço de atuação profissional, existindo ainda a necessidade de redefinição do seu papel nas instituições escolares visando, sobretudo, o exercício de uma prática psicológica integrada com a realidade brasileira, em uma perspectiva mais preventiva e interdisciplinar (Almeida, 1999; Araújo e cols., 1996). No contexto das questões aqui apresentadas, o presente estudo foi realizado com o objetivo de caracterizar a evolução das discussões acerca da formação e da atuação em Psicologia Escolar, a partir da análise dos Anais dos quatro Congressos Nacionais realizados nesta área.

 

Método

O presente estudo se propôs a caracterizar a evolução das discussões sobre a formação e a atuação em Psicologia Escolar, por meio da análise dos trabalhos publicados nos Anais dos quatro Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, promovidos pela ABRAPEE, entre 1991 e 1998, configurando-se numa pesquisa documental.

A relevância de se proceder a um estudo sobre a formação e a atuação em Psicologia Escolar decorre do fato de que esta é uma das áreas de atuação profissional no campo da Psicologia que tem suscitado inúmeros debates acerca da identidade dos profissionais que nela atuam, indicando a necessidade de uma re-significação do papel e da atuação do psicólogo, na escola.

Estudar o tema da formação e atuação em Psicologia Escolar, por meio da leitura dos trabalhos publicados nos Anais dos quatro Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, pressupõe o reconhecimento de que essa literatura permite apreender os temas considerados relevantes para os pesquisadores da área, especialmente aqueles que participam dos congressos e que, dessa forma, estão contribuindo para a sistematização teórico-metodalógica da Psicologia Escolar.

O estudo foi organizado em duas partes. O objetivo da primeira foi caracterizar as modalidades de comunicações que se referiam aos temas de formação e atuação em Psicologia Escolar. O objetivo da segunda parte foi analisar o conteúdo das comunicações selecionadas, apontando a evolução qualitativa das mesmas, suas implicações práticas, bem como a efetiva sistematização teórica da área, verificando sua contribuição efetiva no embasamento da prática psicológica no contexto escolar.

 

Material

Foram analisados os quatro Anais dos Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, promovidos pela ABRAPPE, entre 1991 e 1998.

Anais do I Congresso Nacional de Psicologia Escolar

O congresso foi realizado em 1991, na cidade de Valinhos - SP, e a publicação dos anais data de 1992. O tema do congresso foi “O psicólogo escolar: identidade e perspectivas”. Os anais foram publicados em volume único e seus trabalhos estão apresentados sob a forma de Conferências, Mini-Conferências, Sessões Abertas, Sessões Integradas, Mesas Redondas e Sessões.

Anais do II Congresso Nacional de Psicologia Escolar e XVII Internacional School Psychology Coloquium

O congresso foi realizado em 1994, na cidade de Campinas - SP, e os anais foram publicados em 2 (dois) volumes. A publicação do 1º volume data de 1994 e a do 2º volume, de 1995. O tema do congresso foi “O desafio da Psicologia Escolar: o futuro da criança na escola, família e sociedade” e seus trabalhos estão apresentados sob a forma de Conferências Principais, Mesas Redondas, Simpósios, Sessões Abertas, Workshops e Cursos.

Anais do III Congresso Nacional de Psicologia Escolar

O congresso foi realizado em 1996, na cidade do Rio de Janeiro - RJ, e a publicação dos anais data do mesmo ano. O tema do congresso foi “Prevenção e Saúde Mental na Educação”. Os anais foram publicados em volume único e seus trabalhos estão apresentados sob a forma de Conferências, Mesas Redondas, Workshops, Cursos, Sessões de Posters, Sessões Integradas e Comunicações.

Anais do IV Congresso Nacional de Psicologia Escolar

O congresso foi realizado em 1998, na cidade de João Pessoa - PB, e a publicação dos anais data do mesmo ano. O tema do congresso foi “Psicologia na Educação: construindo o amanhã”. Os anais foram publicados em volume único e seus trabalhos estão apresentados sob a forma de Conferências, Mesas Redondas, Simpósios, Workshops, Audiovisual, Posters e Temas Livres.

 

Amostra

A amostra foi composta de todas as comunicações publicadas nos quatro Anais dos Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional, cujos temas referiam-se à formação e/ou à atuação em Psicologia Escolar. Foram considerados os trabalhos publicados sob forma de conferências, simpósios, mesas redondas, painéis e sessões de comunicações. Nas mesas redondas e nos simpósios, cada um dos expositores teve o seu trabalho contado.

Na composição da amostra relativa à Formação em Psicologia Escolar foram selecionados os trabalhos que efetivamente discutiam a formação acadêmica nessa área, na Atuação em Psicologia Escolar foram selecionados os trabalhos que referiam-se a alguma modalidade de atuação na área de Psicologia Escolar. Considerou-se o conteúdo do trabalho propriamente dito e não apenas o fato do mesmo estar inserido em uma sessão de atuação e/ou formação profissional.

Da leitura dos quatro Anais dos Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional foi selecionada, para este estudo, uma amostra de 102 resumos.

 

Procedimentos

Inicialmente todos os resumos publicados nos Anais dos quatro Congressos Nacionais de Psicologia Escolar e Educacional foram lidos e aqueles que se referiam especificamente à formação e à atuação do psicólogo escolar foram selecionados. A leitura foi realizada por duas das autoras da pesquisa e a seleção do resumo era feita quando havia concordância entre as duas. Foram, então, selecionados 102 resumos.

Os resumos que compuseram a amostra foram submetidos à análise de conteúdo com a finalidade de especificar e caracterizar a natureza do seu conteúdo e favorecer a análise da evolução das discussões e das práticas relacionadas à temática da formação e atuação em Psicologia Escolar. Para Bardin (1991), a análise de conteúdo é uma técnica de investigação que parte de uma descrição objetiva e sistemática do conteúdo das comunicações, tendo uma organização própria no procedimento da análise, que permite “a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção / recepção destas mensagens” (p. 42).

A categorização por temas pode ser definida como uma regra de recorte do sentido e não da forma e, neste estudo, procurou-se nos resumos selecionados unidades de significação geral compondo categorias temáticas genéricas. Ocorreu, no entanto, que alguns trabalhos abordavam mais de um tema. Foram, então, contadas as freqüências dos temas e não dos trabalhos.

Os resumos selecionados foram classificados em 3 categorias, de acordo com a natureza do trabalho realizado e, estas, em subcategorias temáticas, conforme o conteúdo apresentado.

 

Resultados e Discussões

Caracterização das modalidades de comunicações

Os resumos foram classificados em 3 categorias, de acordo com a natureza das publicações:

relatos de pesquisa: quando se referiam a resultados e discussões de dados oriundos de investigações científicas.

relatos de experiência: quando pesquisadores, profissionais, supervisores e/ou alunos relatavam procedimentos relativos às práticas profissionais e/ou estágios supervisionados na área de Psicologia Escolar.

reflexões teóricas: quando os relatos abordavam discussões teóricas acerca do campo de atuação, das modalidades de intervenção, da delimitação de papéis e das funções do psicólogo, na escola.

No primeiro e no segundo Congressos, os trabalhos categorizados como reflexões teóricas foram os mais freqüentes e, no terceiro e quarto, houve um maior número de relatos de experiência. Nos dois últimos Congressos, o número de relatos de pesquisa foi o quádruplo (20) dos dois primeiros (5). Os dados apontam a predominância, nos resumos de comunicações, mesas e simpósios, de trabalhos focalizando reflexões teóricas e relatos de experiência, em detrimento de relatos de pesquisa, embora essa modalidade tenha crescido, significativamente, nos dois últimos congressos.

 

Análise de Conteúdo das Comunicações Selecionadas

As subcategorias temáticas serão apresentadas por modalidades de comunicação e separadas no que se refere à formação e à atuação.

Reflexões Teóricas

As reflexões teóricas referentes à formação, apresentadas na tabela 2, concentraram-se em questões acadêmico-institucionais da área de Psicologia Escolar, destacam-se, prioritariamente, os trabalhos relativos à formação, considerada inadequada, e à desarticulação teoria/prática.

A tabela 3 apresenta os dados das reflexões teóricas referentes à atuação. Estes dados indicam que há amplas discussões teóricas sobre a atuação dos psicólogos escolares, sendo que 34% dos temas indicam a não contextualização da atuação à realidade educacional brasileira e um predomínio dos modelos de intervenção curativa. A atuação do psicólogo no âmbito das relações interpessoais professor-aluno é pouco expressiva, assim como a atuação pautada em resultados de pesquisa. A questão da identidade do psicólogo escolar não é consensual, pois nas referências específicas a este tema as opiniões se dividem.

Relatos de Experiência

A categoria relatos de experiência referentes à formação concentrou os trabalhos sobre os estágios curriculares de graduação na área de psicologia escolar. Os dados apontam que 23,52% desses estágios efetivaram-se sob a forma de atuação institucional preventiva, tendo também ocorridos 11,76% de estágios planejados e executados após observação das condições e necessidades da instituição. No entanto, os estágios ocorridos em resposta às demandas específicas da escola, acrescidos de estágios com objetivos e atividades pontuais (subcategoria Outros), corroboram os dados discutidos em várias pesquisas que apontam a grande diversidade presente na formação prático-metodológica na área, sobretudo no âmbito dos estágios profissionalizantes. Observa-se, no entanto, que os relatos de estágios centrados no atendimento ao aluno (tabela 4), contrariamente ao que vem sendo apontado nos relatos teóricos (tabela 3) e de experiências (tabela 5), são relativamente pouco significativos.

A tabela 5 apresenta os dados referentes à atuação dos profissionais em Psicologia Escolar. Estes dados, advindos da análise dos relatos de experiência, demonstram que ocorre uma concentração de atividades referentes à atuação junto aos professores e à comunidade escolar (45,83%), denotando que parece haver uma maior preocupação dos psicólogos escolares em implementar formas de intervenção que não sejam centradas exclusivamente no aluno.

Relatos de Pesquisa

As pesquisas na área de Psicologia Escolar, com foco nos currículos de graduação, tendem a avaliá-los como deficitários e pouco adequados à formação do psicólogo escolar e, no que se refere aos estágios, percebe-se uma tendência voltada para a prevenção e a valorização da experiência de estágio como fundamental para o exercício profissional (tabela 6).

Os temas de pesquisa sobre a atuação profissional concentraram-se (com exceção de 5) nas dificuldades e falta de competência dos psicólogos escolares para o exercício profissional. Essas subcategorias temáticas estão apresentadas na tabela 7.

A análise dos dados referentes às subcategorias temáticas reflexões teóricas, relatos de experiência e relatos de pesquisa permite tecer algumas considerações sobre a articulação entre formação acadêmica, atuação profissional e produção científica na área de Psicologia Escolar.

Referindo-se à formação, 60,86% das reflexões teóricas discutem a necessidade de reformulação dos currículos de graduação e a necessidade de articulação entre teoria e prática. Quando se reportam à atuação, 46% dos relatos fazem referência a uma prática profissional desvinculada do contexto sócio-educacional brasileiro. Esses dados, quando comparados aos encontrados na categoria relatos de experiência que, no âmbito da formação acadêmica, tratou dos estágios na área de Psicologia Escolar, parecem apontar para algumas contradições. As subcategorias dos relatos de experiência mostram que 35,28% dos estágios em Psicologia Escolar foram efetivamente realizados tendo como orientação modelos de intervenção institucionais-preventivos, sendo que apenas 11,76% desenvolveram-se tendo como referência modelos de atuação focalizados no atendimento ao aluno. Por outro lado, a ocorrência significativa de uma gama variada de relatos de experiência (17,64% de estágios que respondem às demandas institucionais e 35,29% na subca-tegoria outros) parece indicar uma grande dispersão nas modalidades de atuação na área de Psicologia Escolar. Tendências aparentemente divergentes aparecem, também, quando comparados os dados obtidos nas reflexões teóricas com os dados obtidos nos relatos de experiência. Na subcategoria relatos de experiência, quando esta se refere à atuação profissional, 58,33% das experiências relatadas dizem respeito ao trabalho do psicólogo junto aos professores, à comunidade escolar e à atuação conjunta professor-aluno. A análise desses dados permite inferir que as reflexões teóricas não estão acompanhando as mudanças que vêm ocorrendo, embora lentamente, nas práticas dos psicólogos, no cotidiano das escolas, pois os relatos das experiências, tanto no âmbito da formação acadêmica quanto no da atuação profissional, indicam tendências opostas às encontradas nas elaborações e discussões teóricas.

Ao compararmos as subcategorias relatos de experiência com as subcategorias relatos de pesquisa os dados também não caminham na mesma direção. As pesquisas sobre a atuação profissional, de modo significativo, avaliam os currículos como deficitários e inadequados e ressaltam a importância dos estágios curriculares para o exercício da profissão. No entanto, os estágios, segundo os dados coletados, já estão se orientando para modalidades de atuação mais consoantes com as necessidades e demandas que refletem a realidade sócio-escolar brasileira, o que nos permite formular uma hipótese provisória, a ser futuramente investigada: os estudos e pesquisas sobre a atuação profissional não estão refletindo as transformações mais recentes ocorridas em muitos cursos de graduação em psicologia, tais como reformas curriculares, que se originam de novas diretrizes para o ensino e a formação, ampliação de oferta na área da psicologia escolar, implementação de novos modelos de atuação, ênfase nos estágios curriculares interdisciplinares.

A subcategoria relatos de pesquisa referente à atuação profissional, ao apontar para a dificuldade de inserção do psicólogo escolar no mercado de trabalho, como também a sua falta de competência, pode indicar tanto uma formação inadequada ou insuficiente quanto uma resposta dos psicólogos às exigências imperiosas de um mercado de trabalho escasso ou, também, tentativas de resposta a uma série de demandas, muitas vezes idealizadas. Ou ainda, como se referem Almeida e cols. (1995), “não é do desconhecimento de ninguém o fato de que o mercado de trabalho tem dificuldades em absorver a ‘mão-de-obra’ formada pelas universidades, em todo o país. Isto faz com que muitos recém-formados se vejam obrigados a atuar em campos muitas vezes diversos daquele que gostariam e para o qual se empenharam durante a formação acadêmica. Esta situação talvez possa explicar, em parte, o pouco conhecimento teórico-metodológico dos profissionais que atuam no meio educacional” (p. 129). Por outro lado, vale lembrar que as elaborações teóricas e os relatos de pesquisa não definem, com clareza, quais seriam as competências a serem desenvolvidas pelos psicólogos escolares, em termos teóricos e metodológicos.

 

Considerações Finais

A produção de conhecimento na área de Psicologia Escolar é diversificada, mas seus resultados apontam, sobretudo, para as deficiências existentes na área, pouco contribuindo com formulações teóricas consistentes que, efetivamente, possam dar suporte teórico-metodológico à prática profissional. Pode-se depreender, dos dados coletados, que as experiências de estágio relatadas apresentam uma atuação diversificada mas, no entanto, demonstram se orientar em direção a uma atuação mais preventiva do que remediativa. Essa tendência foi também observada nas experiências relatadas pelos profissionais, percebendo-se uma atuação mais significativa junto à comunidade escolar e aos professores. As pesquisas relatadas indicam resultados que evidenciam, ainda, problemas e dificuldades, de várias ordens, sobretudo no âmbito da formação acadêmica.

Pode-se concluir, com base na análise qualitativa dos dados, que a área da Psicologia Escolar não consolidou ainda seu espaço de atuação e sua identidade profissional e que a formação acadêmica é apontada, nos estudos e pesquisas, como uma das principais variáveis responsáveis por não subsidiar, de forma satisfatória, as práticas psicológicas no contexto escolar. Pode-se afirmar, também, que a área da Psicologia Escolar carece de uma produção teórica mais consistente e sistematizada, que permita aos psicólogos em formação e aos profissionais em exercício uma apropriação do conhecimento psicológico e sua re-significação no contexto das práticas escolares. Como sustenta Almeida (1999), “as práticas psicológicas que orientam a atuação profissional serão, necessariamente, re-significadas se apoiadas em teorias que enfatizam os fatores objetivos e subjetivos do processo ensinar-aprender, as condições do contexto sócio-cultural, a importância das relações inter e intra-subjetivas professor-alunos, o aprendiz como sujeito do conhecimento e o papel social da escola, na formação do cidadão. A re-significação da atuação profissional passa, portanto, pela apropriação de referenciais teóricos que levem em consideração os processos interativos, conscientes e inconscientes constitutivos dos sujeitos em processo de ensino, de desenvolvimento e de aprendizagem, em uma perspectiva psicodinâmica e sócio-histórica, cujo foco não é o indivíduo mas os sujeitos em relação” (p. 78).

 

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de Almeida , Mônica C. L. Chaperman e
Beatriz de P. Batista
Laboratório de Psicogênese, Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília. Campus Universitário Darcy Ribeiro
ICC Sul.
70900-910 Brasília - DF
Tel.: +55-61-307-2625 r. 412 / 421

Recebido em 31/10/00
Aprovado em 20/10/01

 

 

* Doutora em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília e professora da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, cedida ao Laboratório de Psicogênese do IP/UnB.
** Professora-Doutora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília e Coordenadora do Laboratório de Psicogênese do IP/UnB.
*** Psicóloga pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
**** Psicóloga pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília.
1 Uma síntese deste trabalho foi apresentada, sob forma de comunicação em painel, no I Congresso Norte-Nordeste de Psicologia, em maio de 1999, em Salvador - Ba.