Psicologia: ciência e profissão
ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.28 n.2 Brasília jun. 2008
ARTIGOS
Maturidade viso-motora e inteligência: um estudo correlacional
Visual-motor maturity and intelligence: a correlational study
Daniel BartholomeuI,*; Fermino Fernandes SistoII,**
I UNISAL, Faculdade Politécnica de Jundiaí
II Universidade de São Francisco
RESUMO
Este estudo investigou as relações entre a inteligência e a maturidade viso-motora. Foram aplicados o DFH-escala Sisto e o Teste de Bender, pelo sistema de pontuação gradual (B-SPG), em 244 alunos, sendo 50% meninos com idades de 7 a 10 anos, média de oito anos (DP=1,08), que cursavam da primeira à quarta série do ensino fundamental de uma escola pública do interior do Estado de São Paulo. Os testes foram aplicados coletivamente, sendo que, no caso do Bender, as figuras foram projetadas no quadro para que pudessem ser copiadas pelas crianças. Foram evidenciadas correlações negativas e significativas entre os escores dos testes em ambos os sexos e nas idades. concluiu-se que o Teste Gestáltico forneceu uma estimativa das capacidades intelectuais de crianças.
Palavras-chave: Inteligência, Maturidade viso-motora, DFH-escala Sisto, Teste de Bender.
ABSTRACT
This study investigated the relationship between intelligence and the visual-motor maturity. DFH- Sisto scale and the Test of Bender by the gradual punctuation system (B-SPG) had been collectively administered to 244 students (50% boys) whose ages ranged from 7 to 10 years, eight years average (DP=1,08) and who attended from the first to the fourth grade of an elementary public school of the interior of the State of São Paulo. The figures of the Bender Test were projected to the blackboard so that they could be copied by the children. Negative and significant correlations between the scores of both tests in relation to genders and ages were formed. It was concluded that the Gestaltic Test gives an estimation of the intellectual capacity of children.
Keywords: Intelligence, Visual-motor maturity, DFH- Sisto scale, Bender test.
O Teste Gestáltico de Bender foi construído por Laureta Bender, tendo por base os aportes teóricos da Gestalt, e, mais especificamente, os estudos de Max Wertheimer sobre as leis de organização perceptual. O instrumento desenvolvido partia da premissa de que a percepção e a reprodução das figuras seriam determinadas por princípios biológicos e de ação sensório-motor, que variariam em função do padrão desenvolvimental e do nível maturacional do indivíduo bem como de seu estado patológico funcional (Bartholomeu, Rueda, & Sisto, 2006; Bender, 1938).
Não obstante Bender tenha estudado as aplicações clínicas desse instrumento, não forneceu um sistema objetivo de pontuação para o teste, enfocando somente os aspectos evolutivos e os sinais patológicos dos desenhos. Desse modo, os estudos mais aprofundados concernentes à mensuração da maturidade viso-motora e inteligência vieram somente mais tarde. Esse fato incitou o desenvolvimento de pesquisas diversas, com o objetivo de implementar novos sistemas de avaliação. Nesse contexto, Field, Bolton e Dana (1982) destacaram que, somente entre as décadas de 50 e 60, os oito sistemas de avaliação desse instrumento foram desenvolvidos, a saber, Billingslea, Hutt, Kitay, Koppitz, Pascal-Suttel, Pauker, Hain e Peek-Quast. É interessante destacar que o Teste de Bender tem sido consistentemente avaliado como um dos métodos de avaliação psicológica mais empregados por clínicos não só na avaliação de adultos; o sistema de pontuação desenvolvimental de Koppitz, na atualidade, também é amplamente utilizado para a análise dos protocolos do teste gestáltico de Bender em crianças (Bartholomeu et al., 2006).
A literatura sobre os sistemas de avaliação cognitiva do Bender tem mostrado, sistematicamente, a relação entre a inteligência e a reprodução das figuras do teste gestáltico. Assim, sugere-se que a maturidade visomotora estaria associada, de algum modo, à inteligência.
Koppitz (1989), num estudo com o Teste de Bender, o WISC e a escala de inteligência de Stanford-Binet forma L, evidenciou correlações significativas e negativas entre o Bender e os mencionados testes de inteligência em todos os níveis de idade. A autora ainda relatou outro estudo com crianças de primeira a quarta séries, nas quais buscou relações entre o WISC e o Bender. Os resultados sugeriram que o QI total do WISC estaria mais relacionado ao desempenho no Bender nas terceiras e quartas séries. Dessa forma, concluiu que se pode utilizar o Bender com considerável confiança para se medir a inteligência de forma rápida.
Com o objetivo de investigar as diferenças e as associações da proficiência visomotora e o nível de inteligência em crianças institucionalizadas e não institucionalizadas de primeira série, Baer e Gale (1967) utilizaram o Teste de Bender avaliado pelo sistema de Koppitz e o Teste de Maturidade Mental califórnia. Dentre os resultados, constataram que crianças institucionalizadas apresentaram menor maturidade viso-motora em comparação com as demais. Todavia, ao serem retiradas as variáveis relativas à inteligência numa análise de covariância, a diferença do Teste Gestáltico entre os grupos desapareceu. Foram identificadas ainda correlações entre as medidas fornecidas pelos instrumentos para o grupo de crianças institucionalizadas, e não para as outras. Esses dados suportam a hipótese inicialmente aventada de que o teste de Bender seja uma medida válida de inteligência para crianças institucionalizadas.
Também McNamara, Porterfield e Miller (1969) averiguaram as relações entre a escala de inteligência primária pré-escolar de Wechsler, o Teste de Matrizes Progressivas coloridas de Raven e o Teste de Bender. No geral, os resultados indicaram que o Teste Gestáltico está mais associado a áreas de performance do Teste de Wechsler, e pode ser mais apropriado para obter estimativas de QI de pré-escolares do que o Raven.
Estudando as relações entre os escores da escala Wechsler e os escores do Teste Gestáltico de Bender, Doubros e Mascarenhas (1969) administraram esses instrumentos a 71 crianças. As intercorrelações apresentadas indicaram associações significativas entre os dois testes, com coeficientes moderados e baixos. Não houve diferenças quanto ao sexo.
Também Silberberg e Feldt (1968) estudaram as configurações psicométricas do WISC e o Bender (sistema Koppitz) em crianças de primeiras séries com problemas de leitura. Analisando os dados, os autores perceberam que os escores do Teste Gestáltico e os do WISC não acrescentariam informações relevantes na explicação do desempenho de crianças com atrasos de leitura.
Para investigar o caráter preditivo do Minnesota Perceptual Diagnostic Test, do Teste de Bender e do WRAT na predição da performance no WISC-R, Vance, Fuller e Lester (1986) analisaram as respostas de 33 crianças nesses instrumentos. Dentre os resultados, evidenciaram que o Minnesota Perceptual Diagnostic Test e o WRAT foram melhores preditores do QI em comparação com o Bender.
Yousefi, Shahim, Razavieh e Mehryar (1992) forneceram correlações entre o Teste de Bender segundo o sistema de Koppitz e o DFH, de Goodenough-Harris. Os resultados demonstraram boas associações entre os instrumentos, e sugeriram que o Bender poderia ser empregado para se obter uma idéia do desenvolvimento cognitivointelectual das crianças iranianas.
Utilizando o Teste de Bender conforme o sistema proposto por Koppitz na predição das dimensões grafomotoras do DFH, Hilgert e Adams (1989) administraram esses instrumentos a estudantes classificados como seriamente perturbados emocionalmente e com problemas de comportamento. Os escores dos testes foram tomados em termos de dimensão, altura e ponto médio de localização. Essas medidas foram, então, correlacionadas, tendo sido encontradas associações entre a dimensão das figuras 2 e 8 e as dimensões dos desenhos de figura humana, a altura das figuras A, 5 e 7 com a altura dos desenhos, e entre os pontos de localização da figura 1 do Bender com a mesma medida dos DFH.
Finalmente, Rueda, Bartholomeu e Sisto (2004) pesquisaram as relações entre o Bender segundo os critérios de Koppitz e o DFH de Goodenough em crianças do ensino fundamental. Os resultados evidenciaram correlações negativas e significativas entre o DFH e a medida de distorção e integração de forma geral, além da pontuação total do Bender. Pôde-se concluir que o bom desempenho das crianças no DFH denotou menor a pontuação no Bender; em outros termos, esses dados sugeriram que uma melhor maturação viso-motora estaria associada à qualidade dos desenhos. Assim, pôde-se inferir que havia elementos comuns entre os instrumentos, o que indicava também uma relação entre os constructos mensurados. Dessa forma, aparentemente, a maturidade viso-motora associou-se à inteligência conforme medida pelo DFH.
Fica evidente, desse modo, que os estudos têm demonstrado associações das medidas do Bender com a inteligência. Em contraposição, os sistemas de avaliação do Teste de Bender disponíveis no Brasil possuem inúmeras restrições quanto a seu uso adequado. Dentre essas, pode-se mencionar a dimensionalidade do teste, foco do estudo de Pinelli Jr. (1990), problemas quanto à validade desenvolvimental (Kroeff, 1988, 1992; Sisto, Noronha, & Santos, 2004) bem como em relação às dificuldades de aprendizagem na escrita (Bartholomeu et al., 2006). Há também estudos que investigaram as relações do Bender pelo sistema Koppitz com traços de personalidade como os de Sisto, Bueno e Rueda (2003).
Preocupados com esse fato, Sisto, Noronha e Santos (2005) desenvolveram um novo método de pontuação para os desenhos do Bender em crianças, denominado sistema de pontuação gradual (B-SPG), no qual se avalia somente a distorção das figuras, com a atribuição de pontuações que aumentam conforme os erros se agudizam. Nesse sentido, esse sistema difere do sistema Koppitz (1989), na medida em que o último atribui pontos para as crianças em relação à rotação, perseverança, distorção de forma e integração, perfazendo 31 pontos possíveis. Além disso, o manual do B-SPG apresenta estudos que comprovam a unidimensionalidade da escala e sugerem que os indicadores da maturação viso-motora mensuram, de fato, uma única dimensão; também ficou evidenciado que todas as medidas diferenciam as idades de 7 a 10 anos, conforme demonstrado pela prova de Tukey. Além disso, foi averiguado o funcionamento diferencial desses itens por sexo, tendo sido verificado que somente duas medidas favoreceram um ou outro sexo. Finalmente, foi apresentada no manual uma hierarquização dos níveis de dificuldade dos itens, uma ferramenta a mais na interpretação dos dados. Todos esses aspectos não foram investigados no estudo de Koppitz (1989), o que torna esse novo sistema de avaliação muito mais adequado na mensuração da capacidade viso-motora do que o proposto pela autora.
Outro trabalho feito por Bartholomeu, Rueda, Sisto, Santos e Noronha (no prelo) estudou as relações entre o B-SPG e o Teste Matrizes Progressivas coloridas de Raven. Dentre os resultados, foram encontradas correlações negativas e significativas entre a medida do Bender e as medidas das séries do Raven bem como de seu total, o que indica que, quanto mais distorções as crianças apresentaram nas cópias, menor a pontuação em inteligência. A análise dos grupos extremos, formados em razão das matrizes progressivas, corroboraram essa descoberta.
Em suma, considerando que a literatura tem mostrado sistematicamente uma relação do Bender com a inteligência, mensurada de diversas formas, seria de se esperar que fossem encontradas associações entre o B-SPG e outras medidas de inteligência, tal como foi encontrado com o Teste Raven. Assim, considerou-se que seria interessante planejar uma pesquisa para investigar as relações do B-SPG com a inteligência tal como medida pelo DFH-escala Sisto (Sisto, 2005).
Deve-se dizer que, da literatura investigada, observou-se que a maioria dos estudos que envolveram o Teste de Bender e o DFH utilizaram esses testes com a finalidade de avaliar as capacidades em crianças, adolescentes, adultos ou pacientes com diversos tipos de problemas (Aptekar, 1989; Danti, Adams, & Morrison, 1985; Gaines & Meals, 1990; Tolor & Barbieri, 1981; Upadhyaya & Sinhá, 1974), ou ainda investigando aspectos emocionais em crianças, como o estudo de Bartholomeu et al. (2006), sendo que poucos utilizaram o DFH como critério para mensurar a inteligência.
Não obstante esses dados, o DFH-escala Sisto apresentou alguns estudos que demonstraram sua utilidade na mensuração da capacidade intelectual. Dentre esses, vale destacar o de Rueda (2005), que encontrou correlações entre 0,36 e 0,57 entre o DFH-escala Sisto, e o Raven, o que sugere que o DFH estaria mensurando, em parte, o mesmo constructo.
Sisto (2000) também evidenciou associações dos escores do DFH com as provas piagetianas, sugerindo que esse teste poderia ser utilizado para se obter uma estimativa da inteligência de crianças. Sisto (2005) descobriu, ainda, que os itens da escala Sisto estariam todos com saturação em um fator geral. com base nesses trabalhos, observou-se que o DFHescala Sisto poderia ser considerado uma medida de inteligência, portanto, poder-se-ia esperar uma relação entre os escores desse teste e os do B-SPG.
Método
Participantes
Participaram desta pesquisa 244 alunos que cursavam da primeira à quarta série do ensino fundamental de escolas públicas de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Em relação ao sexo dos sujeitos, 122 (50%) eram meninos. A idade das crianças variou de 7 a 10 anos, com uma média de oito anos (DP=1,08). A idade com maior concentração de pessoas foi nove anos, com 30,3% dos participantes, e a idade com menor número de crianças foi sete anos, com 19,7%. Não houve seleção de alunos, e participaram somente aqueles cujos pais autorizaram.
Instrumentos
1. Teste Gestáltico Viso-motor de Bender - sistema de pontuação gradual (B-SPG)
Consiste de nove figuras (A, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8), apresentadas uma a uma, para serem copiadas pelo sujeito em uma folha em branco, sem auxílio mecânico. A instrução foi: Aqui tenho nove cartões com desenhos para vocês copiarem. Aqui está o primeiro. Façam igual a este, da melhor maneira que conseguirem e foi pedido que olhassem para a figura A, projetada no quadro. Quando as crianças terminaram de copiar, foi trocada a transparência, figura a figura, até que terminassem. As dúvidas quanto à execução das cópias dos desenhos foram respondidas, tendo sido explicado que fizessem o mais parecido que conseguissem. O uso da borracha foi permitido, e a criança pôde copiar as figuras, distribuindo-as como bem entendesse na folha.
O sistema de correção e avaliação dos aspectos maturacionais adotado foi o sistema de pontuação gradual (B-SPG) desenvolvido por Sisto et al. (2005). Seguindo as orientações do Manual na correção dos protocolos, atribuiu-se a cada item uma pontuação gradual conforme a gravidade das distorções encontradas. Vale ressaltar que, nesse sistema, somente a distorção de forma é avaliada para todas as figuras do instrumento. Quando não houve desvios relativos à distorção da forma, atribuiu-se a pontuação zero. As Figuras A, 1, 2, 3, 4, 5, 7 e 8 possuem pontuações que variam de zero a dois pontos, e a Figura 6 é avaliada de zero a três pontos. A Figura 7 apresenta dois desenhos, que são avaliados separadamente pelos mesmos critérios. Desse modo, a pontuação total que uma criança pode obter nesse instrumento é 21 pontos.
2. Teste do Desenho da Figura Humana - DFH-escala Sisto
Esse instrumento possibilitou uma estimativa das capacidades intelectuais de crianças de 7 a 10 anos. Foi solicitado às crianças que desenhassem uma pessoa humana no verso da folha onde fizeram a cópia das figuras do Teste Gestáltico. O tempo para a execução do desenho foi livre, bem como o uso de borracha. Nos desenhos, foram observados os seguintes itens, de acordo com os critérios propostos por Sisto (2005): boca, nariz, braçosperna, roupa, pescoço, tronco, coordenação motora, duas ou três peças de vestir, pernas, pés, pescoço integrado, pernas e braços na posição correta, pupilas, ombros, cabelos, braços, dedos, olhos, braço, cotovelo-ombro, contorno de braços e pernas, contorno do tronco, traços fisionômicos, desenho sem transparência, vestimenta coerente, contorno da cabeça, boca e nariz, quatro peças de vestir, polegar, queixo, orelhas.
O instrumento apresenta uma escala para cada sexo, já que alguns itens demonstraram favorecer um ou outro desses grupos quando foi feita a análise de funcionamento diferencial dos itens (DIF). Na correção do instrumento, foi atribuído um ponto à presença de cada um dos itens anteriormente mencionados e zero à sua ausência, sendo que o escore máximo do instrumento foi de 30. O Manual recomenda que não sejam analisados os protocolos nos quais a criança não desenhou pelo menos a cabeça, tronco e membros. Na presente pesquisa, não foram encontrados desenhos com essas características, portanto, todos foram estudados.
Procedimento
A aplicação foi coletiva, e as crianças foram separadas em salas com aproximadamente 25 lugares cada, sendo entregues lápis, borracha e uma folha de papel sulfite A4 para que pudessem fazer a cópia das figuras do B-SPG bem como o DFH. Foi solicitado que fizessem, numa página da folha, a cópia das figuras do Teste Gestáltico e, no seu verso, o DFH. Os indivíduos podiam virar a folha como quisessem, mas foi solicitado que ambos os desenhos coubessem naquela folha; assim, cada pessoa deveria organizar seu espaço. Vale ressaltar que, nesse estudo, as figuras do Teste Gestáltico de Bender foram projetadas no quadro por um retroprojetor, para que pudessem ser mais bem visualizadas por todos, facilitando assim a aplicação coletiva desse instrumento. A aplicação foi feita por dois alunos, um de mestrado e outro de iniciação científica, que haviam estudado a técnica de aplicação desses instrumentos anteriormente. O tempo de aplicação para ambos os instrumentos foi de 20 minutos, e essa só ocorreu após a assinatura dos termos de consentimento.
A correção dos desenhos no Teste de DFH foi feita por um aluno de mestrado devidamente treinado, e as dúvidas quanto à correção de alguns itens foram sanadas com seu orientador. No caso do B-SPG, considerando-se a maior dificuldade em corrigir esse instrumento, a correção foi feita por três alunos de mestrado e um de iniciação científica devidamente treinados; a concordância nas avaliações das figuras foi de 87,5 %.
Resultados
A média das pontuações dos sujeitos no DFH foi 13,02 (DP=6,10). A pontuação mínima foi 1, e a máxima, 27, a moda, 8, e a mediana, 12, indicando que 50% das crianças desenhou menos de 12 itens. Em comparação com o ponto médio da escala do teste, pôde-se dizer que, no geral, as crianças obtiveram um desempenho médio abaixo desse ponto. Observou-se que 9,9 % das crianças obteve até cinco pontos nesse teste. Além disso, 39,5% dos participantes tiveram pontuações entre 6 e 12 pontos. Constatou-se ainda que, dos 14 aos 18 pontos, concentraram-se 23,7% das crianças, e 14,7% dos participantes evidenciaram escores entre 21 e 27 pontos.
A média das pontuações do Bender foi de 8,91, e o desvio padrão de 3,94. As pontuações mínima e máxima foram 2 e 20, respectivamente. A moda foi 7, e a mediana, 8, indicando que 50% das crianças da amostra obteve até 8 pontos no Teste de Bender. As características mencionadas apontaram uma distribuição normal das pontuações, e a média indicou um bom desempenho nesse instrumento por parte dos sujeitos estudados, já que a média (que é relativa à intensidade de distorção observada nos desenhos) está abaixo do ponto médio da escala desse teste.
Entretanto, houve uma criança que quase alcançou a pontuação máxima (0,4%), o que sugere um desempenho bastante pobre.
Da pontuação 9 à 14, concentraram-se 36,9% das pessoas estudadas, o que indica uma intensidade de distorção nas figuras da sua parte. Pior desempenho ainda foi evidenciado por 8,9% das crianças que obtiveram pontuações entre 15 e 22.
Foram buscadas associações entre os escores do DFH e do Teste de Bender, correlacionandose essas medidas na amostra como um todo, por sexo, por idade e por sexo e idade, considerando-se que os escores do DFHescala Sisto são avaliados separadamente por sexo. Para tanto, utilizou-se a prova de correlação de Pearson, que estabeleceu nível de significância de 0,05. O resultado da correlação entre a medida do Bender e o DFH para a amostra geral e por sexo estão na Tabela 1. No geral, foram observados coeficientes estatisticamente significativos. Sua magnitude indica ser essa uma correlação moderada, tendência que pode ser interpretada no sentido de que, com o aumento da pontuação do DFH, há uma diminuição correspondente nos escores do Bender. Em outros termos, quanto mais as crianças incluem detalhes no DFH, mais são diminuídas as distorções das cópias das figuras. Sugerem ainda que uma parte dos constructos mensurados por ambos os testes é comum (31%). contudo, a maior parte deles não o é.
É interessante observar que os coeficientes foram negativos e significativos entre a medida total do DFH e do Bender em ambos os sexos, embora, no sexo feminino, o coeficiente tenha sido de magnitude levemente maior. A interpretação das tendências desses dados é a mesma fornecida anteriormente. A seguir, estão apresentadas as correlações e níveis de significância entre as medidas efetuadas por idade e sexo (Tabela 2).
Conforme sumariado na Tabela 2, em todas as idades, das relações possíveis, todas se mostraram significativas e negativas, o que indica a tendência da associação entre os escores. Desse modo, ao aumentar a pontuação total no DFH, são diminuídas as distorções nas cópias do Bender, em todas as idades estudadas. Devem ser ressaltados, todavia, alguns dados interessantes. Aos sete anos, o coeficiente entre os escores referidos tem praticamente a mesma magnitude que a correlação com a amostra toda. Entretanto, aos oito anos, a magnitude do coeficiente caiu em comparação com o encontrado com a amostra geral e com as crianças de sete anos. Aos nove anos, os coeficientes aumentaram um pouco, e caíram bastante aos 10 anos, indicando que essas variáveis estão menos associadas aos 10 anos que nas demais idades.
Pôde-se perceber, ainda, considerando-se a idade e sexo dos participantes, que, aos sete e oito anos de idade, as únicas correlações que se configuraram significativas entre as variáveis em questão ocorreram para os meninos. Os coeficientes foram altos aos sete anos e moderados aos oito, e, em ambos os casos, negativos, o que sugere as mesmas tendências já apontadas.
Somente aos nove anos o total do DFH se correlacionou à medida extraída do Bender em ambos os sexos com coeficientes moderados, significativos e negativos. Já aos 10 anos, ocorreu um fato interessante, uma vez que os coeficientes que obtiveram significado estatístico ocorreram somente no caso das meninas. Resta destacar que as tendências foram as mesmas já observadas.
Uma tendência interessante que se notou a partir desses dados foi que, no sexo masculino, a magnitude dos coeficientes de correlação tendeu a diminuir com o aumento da idade. contrariamente, no sexo feminino, não se observou o mesmo. Esses dados conduzem a uma reflexão acerca dos aspectos desenvolvimentais atrelados às variáveis em estudo, já que, aparentemente, há associação entre elas, inicialmente configurada apenas para os meninos até os nove anos, quando ambos os sexos apresentam essa relação. Entretanto, aos 10 anos, somente para as meninas se configura alguma relação entre a maturidade viso-motora e a inteligência.
Discussão
Este trabalho foi proposto com base no fato de que, na literatura, vários estudos (Doubros & Mascarenhas, 1969; Koppitz, 1989; Rueda et al., 2004, por exemplo) demonstraram relações entre a inteligência e a maturidade viso-motora. Assim, seria esperado que o B-SPG, enquanto medida da maturidade viso-motora, também mantivesse associações com essa variável, sendo esse o objetivo do presente estudo.
As medidas fornecidas pelo DFH-escala Sisto e pelo B-SPG foram correlacionadas, buscando-se relações entre elas. Os resultados demonstraram correlações negativas e significativas entre os instrumentos, no geral, separadamente por idade e por sexo. Entretanto, ao se separarem as idades e os sexos, verificou-se que, aos sete e oito anos, as medidas não se correlacionam significativamente no sexo feminino. Aos nove, as medidas correlacionam-se significativamente em ambos os sexos, e, aos 10 anos, somente no sexo feminino. Desse modo, pode-se sugerir que essa relação é configurada em certas idades e depende do sexo do sujeito, sendo necessários novos estudos para investigar mais a fundo esses aspectos.
Os coeficientes significativos encontrados variaram de moderados a altos, o que indica que os testes mensuram certos elementos comuns (cerca de 31% de variância compartilhada), embora a maioria seja distinta, o que, de fato, é o esperado. considerando também que o DFH avalia a capacidade intelectual das crianças, conforme indicado nos estudos de Sisto (2005) e Rueda (2005), entre outros, pode-se sugerir que, quanto mais inteligente a criança é, mais maturidade viso-motora tende a apresentar nas diferentes idades, com as restrições já apontadas relativas ao sexo em cada uma das idades, o que demonstra uma relação entre essas variáveis.
Da literatura investigada, denotou-se que a maioria dos estudos encontrados que envolvem o Teste de Bender e o DFH utilizaram esses testes com a finalidade de avaliar as capacidades em crianças, adolescentes, adultos ou pacientes com diversos tipos de problemas (Aptekar, 1989; Danti et al., 1985; Gaines & Meals, 1990; Tolor & Barbieri, 1981; Upadhyaya & Sinhá, 1974). Entretanto, alguns trabalhos que procuraram relacionar as medidas desses instrumentos forneceram resultados que foram corroborados na presente pesquisa. Dentre eles, vale mencionar Yousefi et al. (1992), que estudaram crianças iranianas de 6 a 10 anos. Os resultados das correlações encontradas entre o DFH avaliado pelo sistema de Goodenough-Harris e o Teste de Bender (sistema Koppitz) sugerem que o Teste de Bender pode ser empregado para se obter uma idéia do desenvolvimento cognitivo em crianças.
Também Rueda et al. (2004) pesquisaram relações entre o Bender segundo os critérios de Koppitz e o DFH pelo sistema de Goodenough. Dentre os resultados, foram observadas correlações negativas e significativas entre as medidas de distorção, integração e pontuação total do Bender com o DFH, o que levou os autores a concluir que a maturidade viso-motora estaria imbricada na qualidade dos desenhos. Assim, a maturação viso-motora associou-se à inteligência tal como medida pelos DFH, indo ao encontro dos resultados encontrados na presente pesquisa.
Em suma, os coeficientes encontrados, apesar de alguns terem sido baixos e outros medianos, foram significativos, e explicavam, assim, pouco da variância existente. Todavia, esse dado não é negativo de tal maneira que impossibilite o uso dessa informação como evidência de validade para o B-SPG. Ao contrário, o esperado dessas correlações era justamente que fossem baixas ou medianas, uma vez que, se altas, estariam medindo pouco da maturidade viso-motora e muito mais a inteligência, e vice-versa, o que não seria interessante ou conveniente, considerando as funções do teste.
Dessa forma, a inteligência e a maturidade viso-motora estão imbricadas. Assim sendo, os resultados do DFH devem contribuir com uma parte importante da variância do Bender. Tais resultados estão de acordo com o que é esperado e mencionado na literatura, de forma geral.
Resta, ainda, trazer à baila algumas considerações referentes aos constructos teóricos estudados bem como apontar algumas limitações deste estudo. Primeiramente, as relações entre os instrumentos foram estabelecidas em crianças de escolas públicas. Assim, poder-se-ia investigar se essas relações se manteriam em crianças de escolas particulares ou mesmo em pessoas que apresentam certos tipos de deficiências físicas ou mentais.
Há que se considerar ainda o fato de ambos os instrumentos serem de realização. Dessa forma, por um lado, envolveriam a habilidade artística das crianças, tal como sugerido por alguns autores na literatura, como Wechsler (1999) e Harris (1963). Essa vem sendo uma crítica que o uso clínico dos DFH têm comumente suscitado, e menciona-se na literatura que essa habilidade incluiria a criatividade e a integração viso-motora e afetaria a qualidade dos desenhos (Aikman, Belter, & Finch, 1992). Por outro lado, inúmeros autores têm ressaltado que a habilidade viso-motora das crianças pode orientar a execução dos desenhos de figura humana assim como suas interpretações, de tal forma que déficits nessa habilidade poderiam conduzir a uma distorção das figuras, habilidade que a criança adquire ao longo do desenvolvimento, o que prejudica a qualidade dos desenhos e produz um viés na análise do desenvolvimento cognitivo desses protocolos (Evans, 1999; Harris, 1963). Wechsler (1996) também corrobora esse fato, ao afirmar que a maturidade viso-motora seria também captada nos DFH.
Analisando os resultados deste trabalho por esse ponto de vista, pode-se dizer que maior maturidade viso-motora da criança estaria relacionada com melhor qualidade nos desenhos, já que, aparentemente, quanto menos distorções nas cópias das figuras do Bender esses sujeitos evidenciam, mais detalhes tendem a incluir nos desenhos. Entretanto, as análises feitas não permitem verificar a magnitude em que a habilidade artística das crianças estaria afetando a qualidade dos desenhos, já que, conforme apontado na literatura, essa habilidade inclui, além da capacidade viso-motora, a criatividade. Assim, outras variáveis podem estar também imbricadas nessa relação, de tal forma que os resultados alcançados não explicam toda a variância dos escores dos testes, sendo necessário que novos estudos sejam conduzidos nesse sentido.
Pode-se pensar quais outros aspectos estariam envolvidos nesse fato, em outros termos, quais outros mecanismos psicológicos estariam envolvidos na execução do Teste de Bender, além da maturidade viso-motora e da inteligência.
Referências
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Endereço para correspondência
Daniel Bartholomeu
Rua Leonita Faber Ladeira, 762. Jd. Estádio
13202-010, Jundiaí, SP, Brasil.
E-mail: d_bartholomeu@yahoo.com.br
Recebido 10/08/2007
Aprovado 19/11/2007
* Psicólogo, Mestre em Psicologia pela Universidade São Francisco e docente da Faculdade Politécnica de Jundiaí e do Centro Universitário Salesiano, de Americana.
** Doutor pela Universidad complutense de Madrid, livre-docente pela Unicamp e docente do curso de Psicologia e do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia, da Universidade São Francisco, Campus Itatiba-SP, bolsista produtividade do CNPq.