Psicologia: ciência e profissão
ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. v.28 n.4 Brasília dez. 2008
ARTIGOS
Resiliência: análise das publicações no período de 2000 a 2006
Resilience: analysis of the related publications from 2000 to 2006
Resiliencia: análisis de las publicaciones en el período de 2000 a 2006
Marileide A. de Oliveira*; Verônica Lima dos Reis**; Luciana Silva Zanelato***; Carmem Maria Bueno Neme****
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho Campus de Bauru
RESUMO
A resiliência é um fenômeno importante do desenvolvimento humano; no entanto, seu conceito encontra-se em fase de discussão, pois esse campo de pesquisa é recente na área das ciências humanas. O presente estudo teve como objetivo realizar um levantamento bibliográfico de pesquisas relacionadas à resiliência no período de 2000 a 2006. O método adotado compreendeu a análise documental, através do levantamento de pesquisas em bases de dados, com a utilização de palavras-chave. A análise dos dados consistiu na elaboração de categorias de análise tomando como base os resultados encontrados em pesquisas sobre resiliência. Os dados apontaram que há ênfase nas pesquisas básicas, prevalência de população de adultos nos estudos analisados e utilização da entrevista como principal instrumento. Os resultados também indicam que o conceito de resiliência está em construção; além disso, a resiliência tem relação direta com os fatores de risco e de proteção e, por último, que é necessário o desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção.
Palavras-chave: Resiliência humana, Análise documental, Fatores de risco, Fatores de proteção, Coping.
ABSTRACT
Resilience is an important phenomenon in human development, however its concept is still discussed and defined because it is a relatively recent research field in the human sciences. The purpose of this study was to do a survey on the research related to resilience from 2000 to 2006. The adopted method consisted in the documental analysis of the surveys on data-base research using key words. The analysis of the data consisted in the separation of categories of analysis based on the findings in research about resilience. The data showed that there is an emphasis on basic research with the prevalence of adult population. They also showed that the interview was the main instrument of the survey. The results indicated that the concept of resilience is still in construction, that resilience has a direct relation with the risk and the protection factors and furthermore the results also showed that the development of prevention and intervention programs is necessary.
Keywords: Human resilience, Documental analysis, Risk factors, Protection factors, Coping.
RESUMEN
La resiliencia es un fenómeno importante del desarrollo humano; sin embargo, su concepto se encuentra en fase de discusión, pues ese campo de pesquisa es reciente en el área de las ciencias humanas. El presente estudio tuvo como objetivo realizar un levantamiento bibliográfico de pesquisas relacionadas a la resiliencia en el período de 2000 a 2006. El método adoptado comprendió el análisis documental, a través del levantamiento de pesquisas en bases de datos, con la utilización de palabras-clave. El análisis de los datos consistió en la elaboración de categorías de análisis tomando como base los resultados encontrados en pesquisas sobre resiliencia. Los datos señalaron que hay énfasis en las pesquisas básicas, superioridad de población de adultos en los estudios analizados y utilización de la entrevista como principal instrumento. Los resultados también indican que el concepto de resiliencia está en construcción; además, la resiliencia tiene relación directa con los factores de riesgo y de protección y, por último, que es necesario el desarrollo de programas de prevención e intervención.
Palabras clave: Resiliencia humana, Análisis documental, Factores de riesgo, Factores de protección,Coping.
Atualmente, a resiliência tem sido um tema amplamente estudado por diferentes áreas do conhecimento e, dentre elas, a Psicologia. De acordo com Barlach (2005), estudos que envolvem questões relacionadas a esse fenômeno ganham importância à medida que se constata o aumento de desastres socioambientais, induzidos pela ação predatória do homem sobre o ambiente, bem como a vivência de traumas decorrentes de formas de violência com forte impacto social, tais como ataques terroristas, bombas, assassinatos e catástrofes urbanas, dentre outros.
Embora haja uma diversidade de pesquisas sobre o assunto, o conceito de resiliência ainda se encontra em fase de discussão e debate (Junqueira & Deslandes, 2003). Originária do latim, a palavra resilio denota retornar a um estado anterior. Antes de ser utilizada propriamente no campo das ciências humanas, o termo foi sugerido pelas ciências exatas para se referir à capacidade elástica de determinados materiais.
Do ponto de vista histórico, a introdução do conceito de resiliência na Psicologia foi precedida pela utilização dos termos invulnerabilidade e invencibilidade diante de fatores estressantes, propostos em estudos sobre a psicopatologia do desenvolvimento (Barlach, 2005). Com o passar do tempo e com o avanço das pesquisas sobre stress, o termo invulnerabilidade tornou-se inconsistente, uma vez que o stress foi identificado como um fenômeno gradual, que afeta cada pessoa de maneira diferenciada; portanto, cada indivíduo pode ser mais ou menos vulnerável a fatores estressantes e de diversas naturezas (Muñoz, Vélez, & Vélez, 2005).
Yunes e Szymaski (2001) explicam que a palavra resiliência aparece em contraposição aos termos invencibilidade e invulnerabilidade, e enfatizam que é mais apropriado se falar em limites de cada pessoa em relação à vivência de experiências negativas. Em outro artigo, Yunes (2003) destaca que resiliência se refere à habilidade de superar adversidades, o que não significa que não ocorram mudanças no indivíduo, como sugerem os termos invulnerabilidade e invencibilidade.
Essa definição converge com o proposto por Rutter (1987, citado por Pesce, Assis, Santos & Oliveira, 2004) de que se trata de um somatório de processos de naturezas social e psíquica que permitem o desenvolvimento sadio, mesmo em contexto não sadio. A autora ainda destaca que, como processo, a resiliência não pode ser considerada um atributo do indivíduo ou uma característica adquirida ao longo do desenvolvimento, e sim, fenômeno interativo entre sujeito e seu meio, ou seja, como o intercâmbio entre variação individual e resposta do ambiente a essa variação.
Nessa mesma perspectiva, Junqueira e Deslandes (2003) afirmam que não há um consenso conceitual para o termo resiliência, sugerindo que as definições tendem a ser mais operacionais que descritivas. Para as autoras, no entanto, é importante destacar que as definições necessitam ser consideradas tomando como base a ressignificação do problema, e não a sua eliminação, uma vez que o modo como os indivíduos superam eventos estressantes deve ser relativizado em função do contexto e das características pessoais de cada um.
Para Castro e Moreno-Jiménez (2007), a seriedade dos riscos e a susceptibilidade individual a experiências negativas são dois aspectos fundamentais a serem considerados na compreensão da resiliência. Se, por um lado, há que se analisar a natureza e a magnitude dos eventos no modo como estes podem afetar indivíduos negativamente, por outro, também se devem ponderar as predisposições individuais para desenvolver psicopatologias quando em contato com experiências potencialmente estressantes.
Adicionalmente, Pesce et al. (2004) acrescentam que é necessário o estudo dos designados fatores de risco e de proteção para se aferir resiliência. Segundo a autora, as experiências negativas na vida de cada sujeito são inevitáveis, e, sendo assim, o desenvolvimento de um padrão denominado resiliente envolve a interação entre os fatores acima mencionados. Para Barlach (2005), estes podem originar-se de fontes internas, externas ou de ambas, tanto de risco quanto de compensação, e essas fontes se influenciam mutuamente ao longo do tempo.
Assim, os fatores de risco afetam a capacidade de resiliência, uma vez que esses aumentam a susceptibilidade do indivíduo para resultados negativos em seu desenvolvimento. Dentre as variáveis que podem ser mencionadas como possíveis fatores de risco, estão: 1) níveis e número de exposições a eventos estressores, 2) sentido atribuído ao evento estressor, 3) acúmulo dos fatores de risco, 4) cronicidade dos eventos e 5) níveis de tolerância ao estresse (Pesce et al., 2004). De maneira complementar, Trombeta e Guzzo (2002) enfatizam que os fatores de risco, embora aumentem a probabilidade do estresse, não são preditores de psicopatologias.
A relação entre a existência de uma situação de risco e a capacidade de resiliência foi analisada no estudo de Poletto, Wagner e Koller (2004). Quatro meninas com idades entre 8 e 12 anos, em situação de risco, que é definida pelo envolvimento direto no cuidado com os irmãos menores e na realização de atividades domésticas, foram entrevistadas com o objetivo de estabelecer possíveis relações entre resiliência e aspectos referentes a atividades diárias, cuidados com os irmãos, sentimentos e relacionamentos e percepções em relação ao cotidiano. Os resultados desse estudo sugerem que a vivência diária de uma situação de risco induz ao amadurecimento antecipado em relação a crianças da mesma idade que não estão expostas a essa demanda e, além disso, que a resiliência surge como um fenômeno dinâmico na medida em que as crianças nessas condições buscam recursos para superar as situações adversas.
Desses resultados, depreende-se que a resiliência se configura em um processo de natureza fundamentalmente interativa, em que o conjunto composto por fatores de risco e de proteção está na base de seu desenvolvimento e modulação. Nessa vertente, pode-se dizer que, além da influência dos fatores de risco, os fatores de proteção também estão envolvidos na capacidade de resiliência (Pesce et al., 2004); estes auxiliam na redução do impacto de risco e de reações negativas e, como tais, são preditivos de resiliência. Dessa forma, Trombeta e Guzzo (2002) afirmam que os fatores de proteção promovem ganho de controle sobre a vida e incentivo ao bem-estar, à saúde psicológica, mesmo diante de fatores de risco.
Segundo Pinheiro (2004), os fatores de proteção se desenvolvem através da interação de características pessoais (empatia, auto-eficácia, assertividade, habilidades sociais, comportamento direcionado para metas e habilidade em resolver problemas), condições familiares (qualidade das interações, estabilidade, coesão e pais assertivos) e redes de apoio do ambiente (ambiente tolerante aos conflitos, reforçadores positivos e limites definidos).
Paludo e Koller (2005) investigaram a interação entre fatores de risco e fatores de proteção em adolescentes que vivem em situação de rua. Por meio de entrevista semi-estruturada, foram abordadas as possibilidades e as adversidades presentes na trajetória de vida de uma adolescente de 14 anos, moradora de rua, sendo que, para tanto, utilizou-se a abordagem ecológica de Bronfenbrenner para investigar os aspectos evolutivos em relação a contexto, processo, tempo e características pessoais. Como principais dados do estudo, tem-se que a exposição a fatores de risco é constante na vida da adolescente; no entanto, alguns fatores de proteção, como características pessoais e rede de apoio, são aspectos que colaboram para o desenvolvimento de resiliência.
Esses resultados estão em consonância com o que é apontado por Lindström (2001), a respeito de que são muitos os recursos dos quais pessoas em situação de risco podem dispor para superar uma situação difícil, dentre os quais estão características pessoais, contexto social, quantidade e qualidade dos acontecimentos no decorrer da vida e fatores de proteção encontrados na família e na rede de relacionamentos interpessoais.
Além dos fatores de risco e de proteção, as estratégias de enfrentamento (coping) também têm sido importantes na compreensão da capacidade de resiliência de um indivíduo. De acordo com Folkman e Lazarus (1985), coping são os esforços cognitivos e comportamentais utilizados pelo indivíduo para lidar com situações de stress, sendo que este é definido por Belancieri (2005) como um processo biopsicossocial... em que diante de um estímulo (evento estressor) é desencadeado um processo psicofisiológico (stress) ao qual o organismo responde (reações de stress), quer seja através de manifestações adaptativas, quer seja patológicas (p. 19).
Dessa forma, Lisboa et al. (2002) afirmam que o indivíduo experimenta uma sensação emocional desagradável diante de uma situação percebida como estressante e, em conseqüência, procura adotar estratégias para minimizar seu desconforto. A análise dos recursos disponíveis e das alternativas possíveis precede o desenvolvimento de estratégias de coping, e, uma vez que determinadas ações são adequadas para certos contextos, mas podem não o ser para outras, diferenças significativas nas estratégias de coping são observadas.
No estudo desenvolvido pelas autoras acima, investigaram-se as estratégias de coping adotadas por crianças vítimas e não vítimas de violência doméstica. Para tanto, 87 crianças, divididas em dois grupos vítimas e não vítimas de violência doméstica , responderam a entrevista estruturada nas suas respectivas escolas, a qual averiguou quais os problemas experienciados por professores e colegas e quais as estratégias de coping utilizadas pelas crianças. De acordo com os resultados, dentro do grupo de crianças vítimas de violência doméstica, os problemas, com maior freqüência, se voltaram para as agressões verbais dos professores dirigidas a elas e, como estratégia de coping, houve predomínio de agressões físicas a seus pares. Já no grupo de crianças não vítimas, a busca de apoio mostrou-se a principal estratégia adotada na resolução de conflitos junto aos colegas.
Como sugerem os dados do estudo, a existência de características de risco e de proteção está associada ao desenvolvimento de padrões resilientes e, sendo assim, contribui para que o indivíduo incorpore estratégias de enfrentamento que permitam a ele desenvolver uma adaptação positiva frente a um estressor. Essa consideração se reflete, portanto, na necessidade de estabelecer formas efetivas de planejar e implementar intervenções com o objetivo de promover o desenvolvimento de resiliência, tendo como alvo diferentes populações (Lisboa et al., 2002).
A partir do acima exposto, pode-se dizer que, embora a literatura na área venha mostrando avanços na compreensão da resiliência, esse campo, como área recente no campo das ciências humanas, necessita de pesquisas que visem a realizar um levantamento bibliográfico dos resultados até então encontrados, a fim de verificar quais os questionamentos vigentes na área, os métodos adotados, os principais resultados e as possíveis lacunas a serem preenchidas em investigações futuras.
Nesse sentido, Junqueira e Deslandes (2003) propuseram uma revisão do conceito de resiliência a partir da análise das produções na área, utilizando como abordagem metodológica a teoria acerca do caráter ideológico do conhecimento. Diante dos dados obtidos, as autoras afirmam que, embora haja um ponto em comum entre as publicações no que diz respeito à importância atribuída às relações microssociais na promoção da saúde, o termo resiliência ainda é alvo de inúmeras controvérsias, e, além disso, necessita ser estudado levando em consideração os processos subjetivos e a história de vida do indivíduo, dentre outros.
Adicionalmente, na pesquisa de Barlach (2005), objetivou-se realizar uma revisão do conceito de resiliência a fim de contribuir com a sua construção. Para tanto, foi utilizado, como estratégia metodológica, o confronto entre as manifestações de resiliência presentes em obras de diferentes modalidades da literatura e as interpretações propostas por autores com trabalhos recorrentes na área. Dentre os resultados encontrados em relação à revisão do conceito de resiliência, a autora ressalta que as pesquisas nesse campo ainda não convergem quanto à definição, operacionalização e mensuração dos resultados no estudo desse fenômeno; além disso, sugere que os conceitos de fatores de risco e de proteção necessitam ser discutidos de forma mais abrangente, e, por último, os resultados dos estudos devem servir como subsídio para programas de intervenção.
Tomando como base os dados desses estudos, o presente trabalho objetivou realizar um levantamento bibliográfico que cobrisse as produções no período de 2000 a 2006, a fim de resgatar as contribuições teóricas e metodológicas dos estudos sobre o tema resiliência e identificar as possibilidades de construção do conceito, as propostas metodológicas utilizadas, os principais dados encontrados e as propostas de intervenção na área.
Método
A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de busca eletrônica de produções científicas indexadas em bases de dados (Literatura Internacional em Ciências da Saúde [MEDLINE, http://www.bireme.br/], Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde [LILACS, http://www.bireme.br/], Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo [Banco de Teses da PUC, http://www.sapientia.pucsp.br/] e Scientific Electronic Library Online [SciELO, http://www.scielo.br/]) a partir das seguintes palavras-chave: resiliência, resiliência humana, resilience e human resilience. As consultas cobriram as publicações no período de 2000 a 2006.
O material de análise foi selecionado a partir de leitura prévia dos resumos encontrados, sendo que o critério de exclusão adotado foi a rejeição de estudos em que o termo resiliência não correspondia à resiliência humana ou psicológica, como, por exemplo, a resiliência de materiais, dentre outros. A seguir, os textos originais foram recuperados na íntegra para constituírem o material de análise, a fim de se proporcionar tratamento adequado aos dados.
Através da leitura integral de cada texto, houve a hierarquização das seguintes informações:
base de dados, população investigada e instrumentos utilizados. Em um segundo momento, foram elaboradas as categorias para análise, tomando como base os conteúdos discutidos na literatura da área, de acordo com o que se segue: conceito de resiliência, resiliência e desenvolvimento humano, presença de fatores de risco e fatores de proteção e propostas metodológicas e/ou interventivas.
A análise dos dados contou com a descrição quantitativa das produções em relação a bases de dados em que as publicações estavam localizadas, à população investigada e aos instrumentos utilizados, e, além disso, com a interpretação dos dados, tomou como base a literatura referente às temáticas correspondentes às categorias de análise acima mencionadas.
A coleta de dados teve a duração de dois meses, e ocorreu no período de 1º de setembro de 2006 a 31 de outubro de 2006.
Resultados
Inicialmente, são expostos os resultados encontrados com relação a bases de dados onde estão localizadas as publicações, os tipos de estudo, o tipo de população e os principais instrumentos utilizados.
Foram encontrados 1699 artigos referentes à resiliência. Durante a leitura dos resumos, descartaram-se 1656 trabalhos, pois os mesmos não se referiam a estudos sobre a resiliência humana, isto é, referiam-se à resiliência de materiais da engenharia, de ossos ou células ou ainda da construção civil. Foram utilizados para a análise 43 artigos, cuja distribuição entre as bases de dados pesquisadas é apresentada na Tabela 1. De acordo com os resultados, a maior parte dos estudos encontrados estão disponíveis nas bases de dados MEDLINE e SciELO, sendo que os demais se distribuem entre LILACS e o Banco de Teses da PUC.
Já em relação aos tipos de estudo, os resultados revelam que 48.83% das publicações são caracterizadas por pesquisas empíricas, e 51.17% consistem de trabalhos teóricos. A partir disso, pode-se dizer que o número de publicações que envolvem investigações desses dois tipos especificados não se distancia de maneira substancial, porém percebe-se uma produção sutilmente maior no campo dos estudos teóricos.
Além disso, os dados mostram que, dentre as 21 pesquisas empíricas analisadas, 42.85% utilizaram adultos como participantes, 28.57%, adolescentes, 9.52%, famílias, 14.28%, crianças e adultos, e apenas 4.76% contou com uma população de crianças. Tem-se, portanto, a predominância de adultos como participantes das pesquisas entre os artigos investigados e, dentre estes, encontram-se mulheres, profissionais, moradores de rua, estudantes de faculdade e pacientes.
Com relação aos instrumentos de coleta de dados, os resultados mostram a prevalência da entrevista (38.09%), e, além disso, há também a tendência do uso de escalas (18.75%) bem como o de entrevistas ou de escalas combinadas com outros instrumentos (25%). Os demais instrumentos utilizados nos estudos compreenderam questionários, fotografias, artesanatos [2], registro de campo e desenho, os quais somam 18.16% do total.
Além disso, a leitura integral dos textos possibilitou obter um panorama do material, a partir do qual se recorreu à elaboração de categorias de análise através da identificação das principais questões envolvidas no estudo da resiliência, dentre elas: conceito de resiliência, resiliência e desenvolvimento humano, presença de fatores de risco e fatores de proteção e propostas metodológicas e/ou interventivas.
Em relação à conceituação do termo resiliência, grande parte dos estudos mostrou que esse termo está relacionado à construção positiva no enfrentamento das adversidades, na capacidade de lidar de maneira positiva buscando a superação, na recuperação através do uso de recursos adaptativos, na noção de sobrevivência e na capacidade potencial para o desenvolvimento da resiliência em maior ou menor grau, fatores que podem tornar um indivíduo mais ou menos vulnerável ao risco e, além disso, na forma como alguns indivíduos conseguem ser resilientes frente às adversidades.
Apesar das divergências do termo, um ponto comum encontrado na análise desses estudos é o estabelecimento de uma estreita relação entre resiliência e desenvolvimento humano, sendo que dois fatores principais estão na base desse processo: os fatores de risco (adversidades tais como abuso sexual, guerras, desemprego, morte, perdas, entre outros) e os fatores de proteção relativos a otimismo, flexibilidade, apoio social, auto-estima, auto-eficácia, enfrentamento, controle dos impulsos, domínio, espiritualidade, que têm como função amenizar o efeito e as conseqüências negativas esperadas pela maioria das pessoas.
De acordo com os dados, embora a importância das variáveis acima citadas na capacidade de resiliência seja reconhecida pela literatura na área atualmente, ainda são necessárias pesquisas que tenham o objetivo de mapear precisamente o papel dos fatores de risco e de proteção envolvidos nos processos resilientes e verificar de que modo estes interagem com o binômio saúde-doença.
Ao contrário desses dois fatores, as estratégias de coping são apenas discutidas parcialmente em alguns dos estudos analisados (Assis, Pesce, & Avanci, 2006; Poletto et al. 2004; Souza, 2003). De modo geral, existe a concordância de que as formas de lidar com eventos estressantes são diversas e dependem de variáveis contextuais e individuais, e, além disso, de que essas estratégias se mostram fundamentais na promoção da saúde.
Dentre as abordagens adotadas na compreensão dos processos resilientes, Ceconello e Koller (2003) indicaram o modelo bioecológico como a proposta metodológica que permite analisar a capacidade adaptável dos ecossistemas. Propõem-se, nesse sentido, pesquisas que envolvam contextos como família, trabalho e cultura, dado que, na perspectiva bioecológica, o estudo da resiliência deve ter como foco a compreensão de totalidades.
Os artigos analisados também mostram que há avanços nos estudos sobre a validação de instrumentos que medem indicadores de resiliência, sendo dois deles validados no Brasil. Uma das escalas de resiliência foi desenvolvida por Wagnild e Young (1993) e adaptada por Pesce et al. (2005), e mede os níveis de adaptação psicossocial positiva em face de eventos significativos de vida, contendo 25 itens com respostas tipo likert. A outra escala foi realizada por Reivichi e Shatté (2002) e adaptada recentemente por Barboza (2006), e possui 56 itens de indicadores de resiliência com respostas também do tipo likert.
Como procedimentos de análise de dados empregados, foram encontrados estudos que envolveram desde o emprego de testes estatísticos, análise de conteúdo, análise descritiva até construção de categorias temáticas. Destaca-se que a aplicação da estatística ocorreu para os estudos que empregaram escalas e questionários, sendo que, no caso das pesquisas teóricas, prevaleceu a construção de categorias temáticas, além da análise de conteúdo ou da análise descritiva.
Por fim, os resultados encontrados destacam que, embora nos artigos analisados não tenham sido encontradas propostas de intervenção, há uma preocupação recorrente com o desenvolvimento de pesquisas futuras que tenham como objetivo implementar programas de prevenção e intervenção terapêutica visando ao fortalecimento de novas maneiras de lidar com as situações adversas, os quais, por sua vez, devem ter o respaldo de políticas públicas na área da saúde.
Discussão
A existência de um quantitativo maior no que se refere a pesquisas básicas revela uma preocupação saliente com a construção de suportes teóricos no estudo da resiliência. Esse dado converge com o dado apontado por Junqueira e Deslandes (2003), no qual a investigação de processos resilientes é considerada um campo de estudo recente na área das ciências humanas e, mais especificamente, na Psicologia, de acordo com Trombeta e Guzzo (2002).
Os resultados também apontaram uma mudança em relação ao foco de investigação no que se relaciona ao desenvolvimento humano, pois, nos primeiros estudos sobre resiliência, havia a preocupação com pesquisas que envolviam crianças (Grotberg, 2005), e, ao contrário dessa tendência, os resultados indicaram que os trabalhos atuais se voltam para a população de adultos. A discrepância entre as porcentagens obtidas para a participação de adultos e para a de crianças nos estudos analisados revela, portanto, uma nova tendência na área dada pela busca de novas formas de se compreender tal processo nas diversas etapas do ciclo vital.
Outro aspecto importante a ser ressaltado refere-se ao fato de não terem sido encontrados, dentre as publicações investigadas, estudos que envolvessem idosos. Esse dado é de particular importância, pois a velhice também constitui uma fase do desenvolvimento humano, com acontecimentos e mudanças de diversas naturezas, sociais, afetivas, cognitivas, biológicas, etc., os quais podem interagir de diferentes modos, favorecendo ou dificultando o desenvolvimento de resiliência. O estudo dessas transformações, portanto, seria de extrema relevância, uma vez que, segundo Alvarez (1999), é possível e recomendável promover a resiliência em todas as fases do desenvolvimento, abrangendo crianças, jovens, adultos e idosos.
Os dados sugerem, da mesma forma, a necessidade de se pensar em realizar pesquisas que envolvam pessoas com deficiência, pois não há indicativos de trabalhos relativos a essa população. Essa tarefa mostra-se importante, dado que um novo paradigma nas relações entre sociedade e pessoas com deficiência a inclusão social pressupõe o acesso e a convivência de todos no espaço social (Aranha, 2001), e, nesse sentido, o estudo de processos de resiliência em indivíduos com deficiência poderia fornecer subsídios teóricos e metodológicos que auxiliariam a sociedade na implementação de suportes necessários à equiparação de oportunidades. Com relação aos instrumentos de coleta de dados, a prevalência do uso de entrevistas pode ser compreendida pelo fato de que tais estudos se inserem no campo das ciências humanas, dentro do qual o instrumento de coleta de dados acima citado é de grande utilização. Há também a tendência à utilização de escalas, bem como o de entrevista ou escala combinadas com outros instrumentos, o que pode sugerir que, dentre os estudos analisados, a aplicação de entrevistas e escalas tem-se mostrado efetiva na elucidação das questões relacionadas à resiliência; além disso, destaca-se a combinação desses instrumentos com outros como forma de garantir maior controle metodológico nas investigações conduzidas.
Esse fato parece representar um avanço em relação ao que foi apontado por Barlach (2005), a respeito de que existe certa discordância nas pesquisas sobre resiliência quanto à operacionalização de procedimentos de investigação. Uma vez que os dados obtidos neste estudo revelam a aplicação de entrevistas e escalas como uma das principais formas de obtenção de dados, pode-se dizer que, atualmente, existe a tendência de sistematização dos procedimentos empregados para responder adequadamente às diferentes problemáticas abordadas.
Como já ressaltado por alguns autores (Barlach, 2005; Junqueira & Deslandes, 2003; Muñoz et al., 2005; Pesce et al., 2004; Yunes & Szymaski, 2001), os resultados também ressaltam que, de modo geral, o termo resiliência se encontra em fase de construção, embora haja um consenso nos estudos analisados de que esse fenômeno diz respeito à capacidade humana de superar, recuperar e adaptar-se frente à adversidade de maneira positiva. Ademais, um ponto fundamental encontrado nos estudos analisados refere-se ao fato de que a resiliência não é inata, mas é desenvolvida na presença de riscos e fatores de proteção, ou seja, ela pode ser promovida ao longo do ciclo vital.
Nesse sentido, Infante (2005) acrescenta que três componentes básicos devem estar presentes na definição de resiliência: a) a noção de adversidade, trauma, risco ou ameaça ao desenvolvimento; b) a adaptação positiva/superação da adversidade e c) o processo dinâmico entre os componentes emocionais, cognitivos e socioculturais do desenvolvimento. Para a autora, o termo adversidade é definido a partir do modo como o indivíduo atinge expectativas sociais relacionadas a uma etapa do desenvolvimento, ou quando não há sinais de desajuste, e, sendo assim, é necessário especificar a natureza do risco, se é objetivo ou subjetivo e a correlação com a adaptação positiva. Por último, ela pontua que a noção de processo descarta a concepção de resiliência como um atributo pessoal e propõe a adaptação positiva como processo de responsabilidade dos contextos em que um determinado indivíduo se insere.
Outra consideração proveniente dessa análise refere-se ao fato de que, assim como sugerido pelos autores acima citados, a resiliência tem relação direta com os fatores de risco e proteção; esses dois processos fazem parte, ou melhor, contribuem para o desenvolvimento da resiliência. Trata-se, portanto, de um processo dinâmico entre características pessoais (herança genética) e o meio ambiente, que inclui a família, a sociedade e a cultura. A proteção tem relação com a maneira como as pessoas encaram as dificuldades da vida e como dão significado às circunstâncias estressantes ou desvantajosas.
Como ressaltam Lisboa et al. (2002) e Belancieri (2005), é necessário dar atenção especial aos mecanismos fundamentais dos processos do desenvolvimento humano que possibilitam às pessoas agir eficazmente ao stress e/ou às adversidades futuras. Uma vez que os resultados deste estudo mostram que poucas pesquisas têm-se dedicado à investigação a respeito das estratégias de coping, sugere-se que estudos futuros sejam realizados com o objetivo de compreender melhor o papel destas no desenvolvimento de resiliência.
Nemeroff e Vale (2005) acrescentam que existem evidências clínicas e epidemiológicas que convergem na assertiva de que fatores estressantes ou eventos traumáticos aumentam o risco de depressão e de outras enfermidades psiquiátricas, justificando a importância de trabalhos efetivos da sociedade e das instituições visando a diminuir os efeitos das adversidades decorrentes de eventos sociais. Além disso, um aspecto fundamental é ressaltado por Deeny e McFetridge (2005), para os quais o trabalho que envolve resiliência dentro do contexto cultural possivelmente facilita a criação de uma identidade nova e de uma cultura revisada depois de um desastre.
Os resultados também confirmam o que Pesce et al. (2004) e Junqueira e Deslandes (2003) mencionam, que a resiliência deve ser entendida como um fenômeno cognitivo e psicossocial complexo, necessitando de uma abordagem ampla na compreensão do mesmo. Esse fato é observado pela proposta de alguns estudos de utilizar o modelo bioecológico para se estudar resiliência, e, nesse sentido, propõem-se pesquisas que envolvam contextos como família, trabalho e cultura, dado que, na perspectiva bioecológica, o estudo da resiliência deve ter como foco a compreensão de totalidades.
A partir dos dados encontrados, sugere-se a realização de pesquisas futuras com o objetivo de desenvolver programas de prevenção e intervenção, em consonância com a proposta de Infante (2005), para quem são necessárias intervenções específicas para cada cultura que se situem em áreas delimitadas do desenvolvimento humano visando à promoção da resiliência durante toda a vida, principalmente através de propostas de intervenção para a promoção da resiliência como uma alternativa viável de saúde da população em suas diferentes formas de vida.
Por último, cabe ressaltar que novos estudos devem ser conduzidos com o objetivo de realizar um levantamento bibliográfico das produções na área de resiliência humana, pois um dos limites desta pesquisa consistiu na utilização do termo resiliência como palavra-chave para a busca de material nas bases de dados. A princípio, pensou-se que essa fosse uma estratégia viável, uma vez que consta como termo indexado nas bases de dados utilizadas, porém, em função de um grande número de trabalhos não relacionados à resiliência humana, houve a redução de um número considerável de artigos para análise.
Considerações finais
O presente estudo buscou realizar um levantamento das publicações na área de resiliência entre os períodos de 2000 a 2006. Como contribuições, pode-se dizer que esta pesquisa possibilitou a identificação de avanços e barreiras na construção do conceito de resiliência bem como dos métodos empregados na investigação desse fenômeno, e, além disso, a verificação de como a literatura vem estabelecendo relações entre resiliência e conceitos como desenvolvimento humano, fatores de risco e de proteção e estratégias de enfrentamento.
Como os resultados indicaram, ainda é restrita a produção de conhecimento sobre resiliência em populações como idosos e pessoas com deficiência, e, além disso, na proposição de programas de intervenção em saúde. Nesse sentido, sugere-se que novas pesquisas sejam conduzidas com o objetivo de preencher essas lacunas e, em conseqüência, de produzir formas efetivas para garantir a todos os segmentos populacionais o desenvolvimento sadio.
Destaca-se que a elaboração de políticas públicas é fundamental para amparar os dados fornecidos pelas pesquisas na área quanto à realidade. Ademais, entende-e que a promoção da saúde depende de uma ação conjunta entre diversas instâncias sociais, dentre as quais estão a acadêmica, a governamental e a que é composta por representantes da sociedade civil.
Por fim, o conceito e a aplicabilidade do termo resiliência torna-se fundamental na atualidade, visto que o homem passa constantemente por adversidades como desemprego, ataques terroristas, violência urbana, miséria, abandono e perdas, entre outros, cabendo às ciências da saúde contribuir com a construção de conhecimento teórico e aplicado que auxiliem os indivíduos a desenvolver atitudes em direção à vida saudável.
Referências
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Endereço para correspondência
Marileide A. de Oliveira
Rua Iwagiro Toyama, 70, ap. 3 bl. 1, Jd. Paulistano
13564-380, São Carlos, SP, Brasil
E-mail: x-mari@bol.com.br
Recebido 17/10/2007
Reformulado 01/09/2008
Aprovado 04/09/2008
* Psicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP-Bauru.
** Psicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP-Bauru.
*** Psicóloga e mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela UNESP-Bauru.
**** Doutora, professora assistente do Depto. de Psicologia e do Depto. de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências da UNESP-Bauru.