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Psicologia: ciência e profissão

 ISSN 1414-9893

Psicol. cienc. prof. v.28 n.4 Brasília dez. 2008

 

ARTIGOS

 

Identificação das queixasde adultos separados atendidos em uma clínica-escola de Psicologia

 

Complaints identified in separated adults attended in a psychology school-clinic

 

Identificación de las quejas de adultos separados atendidos en una clínica-escuela de psicología

 

 

Rita Aparecida Romaro*, I; Patricia Evangelista C. Leal Oliveira**

I Universidade São Francisco

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou caracterizar as queixas dos adultos separados atendidos em uma clínica-escola da cidade de São Paulo, entre 1996 e 2000, em função do sexo, faixa etária, escolaridade, tipos de queixas, encaminhamento e adesão ao tratamento. Empregou-se uma metodologia descritiva retrospectiva documental, de consulta aos prontuários clínicos. Dos 28 pacientes separados atendidos nesse período, encontrou-se a predominância do sexo feminino (78,5%), na faixa etária de 31 a 35 anos (28,5%), 2º grau completo (25%), com encaminhamento realizado pelo psicólogo ou estudante de Psicologia (35,7%). Foram listadas 86 queixas, predominando as de ansiedade, insegurança, medo (42,8%) e depressão (32,1%). A separação foi citada como parte da história clínica em 60,7% dos casos; o encaminhamento para psicoterapia breve ocorreu em 75% dos processos, e foi concluída em 63% dos casos. A principal implicação deste estudo refere-se à falta de pesquisas relacionadas que especifiquem as queixas das pessoas separadas ou divorciadas.

Palavras-chave: Caracterização da clientela, Divórcio, Separação conjugal, Crise, Queixas.


ABSTRACT

The research had the aim to characterize separated adults who were attended in a school-clinic of São Paulo, between 1996 and 2000, according to their gender, age group, educational level, types of complaints, prescription and adhesion to treatment. It was carried out through a retrospective descriptive documental methodology, by consulting the clinical files. Among the 28 patients examined in the period, the predominance was female (78,5% ), with a group age between 31 and 35 years old (28,5%) and completed high school level (25%), prescribed by a psychologist or a Psychology student (35.7%). There were 86 complaints listed with the predominance of anxiety, insecurity, fear (42,8%) and depression (32,1%). The separation was referred to as part of the clinical history in 60,7% of the cases; the prescription of short term psychotherapy occurred in 75% of the cases and 63% of the cases were concluded. The main implication of this paper refers to the lack of research that specifies the complaints of separated or divorced persons.

Keywords: Client characterization, Divorce, Conjugal separation, Crisis, Complaints.


RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo caracterizar las quejas de los adultos separados atendidos en una clínica-escuela de la ciudad de Sao Paulo, entre 1996 y 2000, en función del sexo, banda de edad, escolaridad, tipos de quejas, encaminamiento y adhesión al tratamiento. Se empleó una metodología descriptiva retrospectiva documental, de consulta a las fichas clínicas. De los 28 pacientes separados atendidos en ese período, se encontró la predominancia del sexo femenino (78,5%), en la banda de edad de 31 a 35 años (28,5%), 2º grado completo (25%), con encaminamiento realizado por el psicólogo o estudiante de Psicología (35,7%). Fueron listadas 86 quejas, predominando las de ansiedad, inseguridad, miedo (42,8%) y depresión (32,1%). La separación fue citada como parte de la historia clínica en un 60,7% de los casos; el encaminamiento para psicoterapia breve ocurrió en un 75% de los procesos, y fue concluida en un 63% de los casos. La principal implicación de este estudio se refiere a la falta de pesquisas relacionadas que especifiquen las quejas de las personas separadas o divorciadas.

Palabras clave: Caracterización de la clientela, Divorcio, Separación conyugal, Crisis, Quejas.


 

 

No campo da Psicologia, muitos serviços são oferecidos no âmbito da formação profissional, na forma de estágios em diferentes contextos: clínico, comunitário, educacional, jurídico, organizacional, hospitalar, institucional, do desenvolvimento. No entanto, nem sempre os registros dessas práticas são sistematizados com o objetivo de se conhecer as particularidades da demanda.

A caracterização da clientela que busca os serviços-escola e os serviços de saúde mental possibilita, por meio do conhecimento de suas especificidades em função de gênero, estado civil, faixa etária, regionalidade e nível educacional, que são as problemáticas mais freqüentes, entre outras, a compreensão de suas demandas e o grau de adesão ao serviço proposto. Tais elementos permitem a análise do serviço prestado, de seu nível de eficácia e a proposição de alterações ou de novos serviços que atendam melhor alguma demanda mais específica e possibilitam também a sistematização e a comunicação científica das experiências profissionais, visando à troca e à formação contínuas.

O estado civil como uma variável isolada tem sido pouco abordado nos trabalhos científicos que apresentam caracterizações da clientela em serviços-escola. Visando a compreender melhor as especificidades das pessoas separadas ou divorciadas que procuraram atendimento psicológico em um serviço-escola, objetivou-se realizar um levantamento retrospectivo documental dos prontuários desse grupo de pacientes e comparar suas características com aquelas descritas por outros autores, em outros serviços-escola que apresentaram seus dados, sem isolar a variável estado civil.

A escolha pelo estudo do grupo de pessoas separadas pauta-se na consideração de que o processo de separação implica uma crise importante na vida do casal, podendo ser elaborada, em diferentes níveis, de forma mais ou menos adaptativa. Sabe-se que nem todas as pessoas conseguem enfrentar adequadamente as alterações ligadas à separação, que não implica somente ir embora, jogar tudo para o alto, mas arcar com as responsabilidades legais, sociais e com os aspectos emocionais decorrentes dessa decisão, seja essa sua ou do parceiro. Implica também rever os antigos modelos parentais internalizados e a forma como a pessoa foi elaborando suas perdas ao longo da vida.

Cabe ressaltar que, no que se refere ao enfrentamento de situações difíceis, Kaplan, Sadock e Grebb (1997), em sua Escala de Estressores Psicossociais de Adultos, descrevem o casamento e a separação conjugal como um estressor moderado, que pode desencadear sintomas indicativos de comprometimento das funções globais do indivíduo. Entretanto, o divórcio, nessa escala, é descrito como um estressor grave, referindo-se os autores aos vários sintomas que interferem de forma acentuada no funcionamento ocupacional, ou seja, nas atividades sociais habituais ou nos relacionamentos com os outros.

De acordo com Nazareth (2004), quando um casal opta pela separação, tal decisão envolve transformações na estrutura e na dinâmica do grupo familiar, estabelecendo-se uma nova configuração familiar na qual a conjugalidade é rompida. A separação conjugal pressupõe uma “dissolução das relações de afeto, ou deterioração dos vínculos com a transformação dos afetos positivos antes existentes em negativos” (p. 28).

A separação (legalizada ou não) expressa e expõe socialmente a discórdia existente entre o casal e o desejo de uma das partes, ou das duas, de romper uma relação de convivência. A família, em geral, sofre um abalo em sua base quando um dos cônjuges decide ir embora, e surgem sentimentos de perda, fracasso, desamparo, abandono, rejeição, medo, insegurança e incertezas (Schabbel, 2005). É um processo complexo, que mobiliza sentimentos ambivalentes em suas mais diversas fases (pré e pós-separação), e, por mais que o casal anseie por ela, depara-se com uma nova situação, com repercussões internas (afetivas), familiares, sociais, laborais.

De acordo com Bee (1997), os efeitos psicológicos após a separação estão relacionados ao aumento do número de doenças físicas e emocionais. Nesse momento de fragilidade, as pessoas se encontram mais propensas a sofrerem acidentes automobilísticos, à tendência ao suicídio, a deixar de comparecer ao trabalho e a deprimir-se com facilidade.

A ocorrência desse processo, que pode ter conseqüências desastrosas, é significativa, sendo relevante seu estudo nos serviços de saúde no sentido de caracterizar alguns aspectos da demanda do grupo de pessoas separadas ou divorciadas.

Segundo os dados divulgados no registro civil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano 2000, o número de separações e divórcios aponta a ocorrência de praticamente uma separação ou divórcio para cada três casamentos realizados anualmente. Ocorreram 732.721 casamentos registrados e 217.624 separações e divórcios, em uma proporção de 29,71% dissoluções de união em relação ao número de casamentos.

Pesquisando-se os trabalhos disponíveis sobre a caracterização das queixas nos serviços-escola, não foram encontrados dados específicos sobre a clientela separada e/ou divorciada. Optou-se, então, por apresentar os dados de alguns trabalhos que trazem a caracterização de populações adultas que buscam atendimento psicológico nos serviços de saúde, independentemente do estado civil, para então compararmos e discutirmos os dados da presente pesquisa, na busca de aspectos cuja diferença possa ser atribuída ao estado civil.

Santos, Moura, Pasian e Ribeiro (1993) apresentaram a caracterização da clientela adolescente e adulta atendida no Cento de Psicologia Aplicada (CPA) da FFCLRP-USP, no período de 1987 a 1989, por meio de um levantamento dos prontuários das pessoas inscritas nesse período, com o total de 208 casos, independentemente do estado civil. Predominou a clientela do sexo feminino (69%), com faixa etária de 18 a 22 anos (28,5%). A escolaridade foi distribuída, com predominância no nível universitário (33%). Quanto à profissão, predominaram os estudantes (33%), seguidos pelas donas-de-casa (5%). A procura pela clínica-escola apareceu como espontânea (53%) em todas as faixas etárias. Observou-se um predomínio de distúrbios relativos ao comportamento afetivo (41%), ao comportamento social (22%), ao comportamento integrativo (11%) e ao comportamento cognitivo (9%).

Cardoso, Cayres, Santos e Enéas (1999) apontaram, no perfil da população atendida no ano de 1997, na clínica-escola da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o predomínio da procura pelo sexo feminino (77,2%), na faixa etária de 18 a 22 anos (24,6%) e de 23 a 27 anos (20%), com curso superior incompleto (32,1%). Os sujeitos solteiros representaram 66%, os casados, 23%, os divorciados, 6% e os viúvos, 3%. Verificaram a predominância do sexo feminino para quase todas as queixas. Das 24 categorias observadas, 8 tiveram freqüência destacada, sendo 3 delas referentes a vários tipos de dificuldades de relacionamento. As queixas predominantes referiam-se às dificuldades no relacionamento familiar (17,1%), ansiedade (12,3%), dificuldades para lidar com perdas (8,7%), dificuldades no relacionamento interpessoal (7,4%) e busca de autoconhecimento (7,1%). Ao total, foram 309 queixas, em média 1,4 por pessoa, ocorrendo maior número de queixas no grupo feminino. Outro dado relevante foi o maior número de queixas para os casos interrompidos, o que indicaria, segundo os autores, maior dificuldade de focalização.

Enéas e Faleiros (2001) realizaram um estudo para verificar as características dos pacientes e dos processos de psicoterapia breve que tiveram o foco estabelecido igual à queixa apresentada pelo cliente. Analisaram prontuários de casos atendidos em 1988 e encontraram um predomínio do sexo feminino (83,3%), com faixa etária de 18 a 22 anos (25%), solteira (62,5%), escolaridade no nível de 1° grau e superior incompleto. As queixas mais freqüentes foram: problemas familiares (26,4%), dificuldades de relacionamento interpessoal (23,3%) e dificuldades de relacionamento em geral (14,7%). Dos 24 casos estudados, 37,5% concluíram o processo psicoterápico sem encaminhamento, 12,5% com reencaminhamento interno, 45,8% com encaminhamento para instituição externa e 4,1% foram interrompidos. Os autores concluíram que as variáveis sexo, estado civil e tipos de queixas desse grupo foram semelhantes às da amostra total.

Romaro e Capitão (2003), em seu trabalho sobre a caracterização da clientela da clínica-escola da Universidade São Francisco, utilizaram metodologia retrospectiva documental na análise de 590 prontuários de pacientes atendidos no período de 1995 a 2000, em função do sexo, faixa etária, escolaridade e adesão ao tratamento. Desses, 298 (50,5%) eram adultos, com predominância do sexo feminino (76,2%), das faixas etárias de 20-29 anos (22,7%) e 30-39 anos (15,6%), escolaridade superior incompleto (14%) e 2º grau (13,4%). Dos 298 clientes, 67,5% concluíram o processo psicoterápico e 32,5% desistiram. A adesão na faixa etária entre 20 e 59 anos foi de 64%, contudo, na faixa etária acima de 60 anos, o índice subiu para 100%.

Louzada (2003) estudou a clientela do Núcleo de Psicologia Aplicada da Universidade Federal do Espírito Santo (NPA), utilizando uma pesquisa documental no ano 1996. Os dados foram coletados a partir de 219 prontuários de pacientes, sendo que, desses, 90 fichas foram sorteadas. Observou-se uma equivalência na freqüência da variável sexo, sendo 48,8% para o sexo masculino e 51,1% para o sexo feminino, com faixa etária predominante de 20 a 29 anos, solteiros, com terceiro grau incompleto (23,3%), renda entre 1 e 6 salários mínimos, com queixas predominantes de nervosismo (11%), dificuldade no relacionamento familiar (10%) e depressão (9%), predominando a procura espontânea (33%) pelo atendimento.

Peres, Santos e Coelho (2004) examinaram o perfil sociodemográfico da clientela de um programa de pronto-atendimento psicológico dirigido a estudantes universitários da UNESP/Assis, no biênio 2000/2001. Os clientes eram oriundos do curso de Psicologia, com idade de 19 a 22 anos (60% em 2000 e 69% em 2001), sexo feminino (83% em 2000 e 84% em 2001) e não exerciam profissão remunerada (86% em 2000 e 90% em 2001). Esses clientes agruparam as queixas em circunstanciais, moderadas e severas, observando-se o predomínio das dificuldades “moderadas”, entre elas a queixa de ansiedade (45% em 2000 e 41% em 2001).

Objetivou-se realizar um levantamento retrospectivo documental dos prontuários dos pacientes adultos separados ou divorciados que procuraram atendimento psicológico em um serviço-escola de uma universidade da cidade de São Paulo, no período de 1996 a 2000, caracterizando as queixas apresentadas no momento da triagem, o sexo, a idade, os encaminhamentos realizados e a adesão aos mesmos. O projeto teve também o objetivo de comparar os dados encontrados referentes aos adultos separados ou divorciados com as caracterizações realizadas em outros serviços-escola ou de saúde que não contemplavam o estado civil como uma variável isolada.

 

Metodologia

A pesquisa foi realizada em um serviço-escola de uma universidade da cidade de São Paulo onde os clientes inicialmente passam pelo processo de triagem. Uma pasta (prontuário) é aberta para cada cliente; na ficha de triagem, constam os dados de identificação, a origem do encaminhamento, as queixa(s), alguns dados sobre a história de vida e a hipótese diagnóstica. Posteriormente, os pacientes indicados para psicoterapia são chamados para iniciarem o atendimento.Inicialmente, procedeu-se ao pedido de autorização por parte da instituição para a consulta dos prontuários, e o presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade.

Os dados foram extraídos dos roteiros de entrevista preenchidos no momento da triagem e da análise dos prontuários, caracterizando-se esta como uma pesquisa descritiva, quantitativa e de levantamento quanto a seus objetivos e delineada como retrospectiva documental. Foi elaborada uma ficha para anotação dos dados coletados, na qual constava o número do prontuário, o ano de inscrição na clínica, o sexo, a idade, o estado civil, o número de filhos, a escolaridade, a ocupação, o encaminhamento, o número de queixas, a data da triagem e o desfecho. No caso do encaminhamento para psicoterapia, foram anotados o número de sessões, os atendimentos anteriores e o desfecho. Para os dados demográficos, foi considerada a idade do paciente no momento da abertura do prontuário e da entrevista de triagem bem como o encaminhamento e as queixas mencionadas pelo próprio paciente nessa etapa. Para se constatar a adesão, utilizou-se a ficha de encerramento do processo terapêutico.

Após a classificação dos dados obtidos, foram analisadas as freqüências de ocorrências obtidas para o sexo, a faixa etária e a distribuição para categoria de queixas, considerando-se o relato da entrevista de triagem.

Dos 214 casos de adultos triados entre 1996 e 2000, somente 13%, ou seja, 28 pacientes, traziam histórico de separação conjugal e identificavam seu estado civil como separado(a) ou divorciado(a). Esses 28 adultos, de idade entre 18 a 70 anos, constituíram a população estudada no presente trabalho.

A classificação das queixas foi submetida a um juiz, e os desacordos foram discutidos e solucionados conjuntamente.

Para a classificação das queixas da população adulta, foi considerada a tipologia proposta por Enéas et al. (1997), adaptada por Romaro (2005), que compreende 42 categorias de queixas: nervosismo/irritabilidade, queixas somáticas, dificuldade para lidar com perdas, procura por orientação vocacional/dificuldade quanto à orientação profissional, ansiedade, insegurança, medo, problemas relativos ao sono, problemas no relacionamento familiar, problemas de relacionamento pais/filhos, problemas com ciúmes, hipocondria/preocupação consigo mesmo, queixas vagas, problemas com relação à produtividade, depressão, ser trazido à consulta por outra pessoa, idéias ou tentativas de suicídio, estresse/estafa, dificuldades sexuais, temor de ser homossexual, fantasias homossexuais, adição, sentimento de solidão, autoconhecimento, dificuldade de relacionamento com o sexo oposto, cônjuge ou parceiro, timidez, dificuldade no relacionamento interpessoal, manejo das emoções/ controle dos impulsos, obesidade, sentimento (complexo) de inferioridade, carência afetiva, problemas de memória (esquecimento, se perder), fobia/pânico, conversão, violência doméstica, física, psicológica, sexual, curiosidade pelo processo, gagueira/dificuldade na fala, impotência, não reconhecimento de queixa, dificuldade de aprendizagem, dificuldade de atenção e concentração, dificuldade de compreensão, dificuldade de orientação temporal, sentir-se perseguido, anorexia, transtorno obsessivo compulsivo, delírios, violência sexual/estupro, outros.

Considerou-se como adesão o processo que chegou ao término estabelecido com a alta ou com o encaminhamento interno ou externo.

 

Resultados e discussão

Dos 28 pacientes atendidos, 78,5% era do sexo feminino. A predominância de procura de atendimento psicológico pelo sexo feminino também foi apontada por Cardoso et al. (1999), Enéas e Faleiros (2001), Romaro e Capitão (2003) e Peres, Santos e Coelho (2004), com índices que oscilavam de 76,2 % a 83,5%. Na maioria desses estudos, o índice encontrado na população geral aproximava-se do encontrado no grupo de pessoas separadas por nós estudado. Pode-se inferir que provavelmente a procura das mulheres pelo atendimento psicológico esteja ligada ao fato de elas terem mais facilidade e maior aceitação sociocultural para exprimir seus sentimentos e falar de seus problemas, diferentemente dos homens, que sofrem maior pressão da sociedade no sentido de precisarem sempre demonstrar força, sendo a demonstração de seus sentimentos vista como forma de fraqueza.

 

 

Observou-se, no grupo como um todo, o predomínio da faixa etária de 31 a 35 anos (28,5%). Para o sexo feminino, essa predominância se manteve, sendo que, para o masculino, a procura só ocorreu nas faixas etárias de 41 a 50 anos.

As estatísticas do registro civil de 2006 de separações concedidas em primeira instância por grupos de idade na data de abertura do processo revelam que 36,8% dos homens apresentavam idade entre 30 e 39 anos, e que 38,8% das mulheres apresentavam idade entre 25 e 34 anos (IBGE, 2006).

Os dados encontrados na presente pesquisa divergem também dos apontados por Cardoso et al. (1999), Enéas e Faleiros (2001), Santos et al. (1993) e Peres et al. (2004), que apontaram a predominância da faixa etária de 18 a 22 anos, Louzada (2003) e Romaro e Capitão (2003), que apontaram o predomínio da faixa etária de 20 a 29 anos, em torno de 23%.

Observou-se que o predomínio da faixa etária do grupo de pessoas separadas que procurou o serviço-escola estava acima tanto da apontada pelas estatísticas do IBGE em 2006 quanto do grupo de pessoas atendidas em outros serviços, independentemente do estado civil. No entanto, observou-se uma distribuição em todas as faixas etárias de 18 a 70 anos.

A Tabela 2 apresenta a escolaridade da clientela adulta separada atendida no período de 1996 a 2000 quanto ao sexo.

 

 

Observou-se, no que se refere à escolaridade, o predomínio no grupo, como um todo, do nível 2º grau completo (25%), seguido do 1º grau incompleto (21,4%). Nos pacientes do sexo feminino, predominou o 2º grau completo (27,2%), seguido do 1º grau incompleto (22,7%), e, para o sexo masculino, uma distribuição igual de 16,7% para todos os níveis, exceto o 1º grau completo.

Esses dados se diferenciam dos apontados por Santos et al. (1993) para o nível universitário; Cardoso et al. (1999) e Louzada (2003) apontaram o predomínio do nível superior incompleto; Romaro e Capitão (2003) apontaram o predomínio dos níveis educacionais superior incompleto (14%) e 2º grau incompleto (13,4%) para a população da clínica-escola, independentemente do estado civil.

O serviço-escola da referida universidade localiza-se em um bairro predominantemente comercial, em uma área central, cercada por cortiços e por grupos com alto poder aquisitivo proprietários desses comércios, de um colégio de classe média e de um campus universitário. Esses aspectos devem ser considerados ao analisarmos a predominância do nível de escolaridade 2º grau incompleto e superior incompleto, parte formada por alunos da própria universidade. No entanto, entre as mulheres separadas, encontramos a predominância de dois pontos educacionais distintos: o 1º grau incompleto e o 2º grau completo.

Quanto ao número de filhos, no grupo de pessoas separadas, o índice foi de 50% para os sujeitos que possuíam um filho, independentemente do sexo.

Observando o resultado da variável profissão, verificou-se o predomínio da ocupação de assistente administrativo (escriturário/secretária /funcionário público) em 25% dos casos. Em relação ao sexo, observou-se a prevalência do sexo feminino de 22,7% para a profissão do lar, e, para o sexo masculino, a prevalência da profissão de assistente administrativo (33,3%). Santos et al. (1993) destacaram o predomínio de estudantes (33%), seguidos pelas donas-de-casa (5%). Esses dados diferem da presente pesquisa, pois a profissão do lar predominou no grupo feminino, mesmo considerando-se a situação da separação. A opção estudante não foi computada como profissão entre as pessoas separadas, possivelmente mais sobrecarregadas com as responsabilidades econômicas e familiares. Contudo, a maioria das pesquisas não citava esse dado, o que dificultou uma comparação.

A Tabela 3 apresenta dados referentes à origem do encaminhamento distribuída por sexo.

 

 

A origem de encaminhamento predominante no grupo como um todo foi a realizada por psicólogo ou aluno do curso de Psicologia (35,7%), iniciativa própria e encaminhamento por amigo (14,2%), seguido do encaminhamento do médico e de parente (10,7%), e, em 7,2% dos prontuários, esse dado não constava. Para o sexo feminino, encontrou-se o predomínio da indicação de psicólogo ou aluno do curso de Psicologia (45%), iniciativa própria (13,6%), com distribuição igual para os encaminhamentos de médico, amigo ou parente (9,2%). No sexo masculino, o predomínio da indicação foi do amigo (33,3%). Santos et al. (1993) e Louzada (2003) observaram, em seus estudos, o predomínio de procura espontânea, 53% e 33%, respectivamente.

Pode-se pensar que esse grupo de pessoas separadas possui acesso aos serviços de saúde, a profissionais e a estudantes que puderam perceber suas dificuldades e realizar o encaminhamento para um serviço de Psicologia, principalmente no que concerne ao sexo feminino. A facilidade de acesso à clínica também pode ser um fator positivo, visto que a maior parte dos usuários reside nas proximidades da universidade. Para o sexo masculino, a indicação de um amigo predominou, possivelmente em função das redes sociais estabelecidas e da tendência à evasiva, visto não se ter investigado quem era considerado amigo e, culturalmente, de ser essa uma resposta comumente evasiva.

A Tabela 4 apresenta a distribuição do número de queixas, de forma não excludente, em relação ao sexo dos adultos separados que procuraram atendimento psicológico.

 

 

As 86 queixas corresponderam a 3,1 queixas para cada adulto, com uma variação de 3,3 para as mulheres e de 2 queixas para os homens. Para ambos os sexos, as 3 queixas predominantes foram: ansiedade, insegurança e medo (14%), depressão (10,4%) e problemas de relacionamento pais/filhos (10,4%). Observou-se que as queixas se diferenciaram nos dois sexos. No grupo feminino, predominaram as queixas de ansiedade, insegurança e medo (13,5%), depressão (11%) e problemas relativos ao sono (9,4%). Para o grupo masculino, predominaram as queixas de depressão (25%), ansiedade, insegurança e medo (17%) e dificuldade sexual (17%).

No grupo feminino, as queixas de ansiedade, insegurança e medo superaram as de depressão, ocorrendo o inverso no grupo masculino. As queixas referentes aos problemas de relacionamento pais/filhos foram mais marcadas no grupo feminino, embora também aparecessem no masculino. Os homens tenderam a referir-se mais aos problemas com o sexo oposto e de relacionamento interpessoal, com ênfase nas dificuldades sexuais; as mulheres, por sua vez, se referiram mais a nervosismo, queixas somáticas, problemas no relacionamento familiar e dificuldade para lidar com perdas, queixas essas ausentes no grupo masculino.

No presente estudo, as queixas no relacionamento familiar, interpessoal e a dificuldade de lidar com perdas não foram as predominantes. Algumas queixas, como os problemas relativos ao sono, o nervosismo, a irritabilidade, as queixas somáticas e as dificuldades sexuais podem estar associadas tanto à ansiedade quanto à depressão, que foram as duas queixas predominantes. Tais queixas e seus sintomas derivativos também são citados nos trabalhos de Bee (1997), Maldonado (1995) e Schabbel (2005) ao discorrerem sobre as dificuldades emocionais enfrentadas no processo de separação.

As mulheres expressam maior preocupação na área de relacionamento com os filhos, enquanto, para os homens, a área sexual aparece em maior destaque, seguida de áreas de relacionamento (interpessoal, com parceiros, com os filhos, dificuldade no manejo das emoções), o que denota preocupações e papéis familiares diferentes entre os sexos, apesar da ansiedade, da insegurança, do medo e da depressão.

Nos estudos revisados que abordavam as queixas dos usuários dos serviços, independentemente do estado civil, Santos et al. (1993) ressaltaram como queixas predominantes a depressão-elação (12%), a ansiedade (9%), os problemas de relacionamento (9%) e o nervosismo (6%). Cardoso et al. (1999) destacaram como queixas predominantes o relacionamento familiar (17,1%), a ansiedade (12,3%), as dificuldades de lidar com perdas (8,7%) e as dificuldades de relacionamento interpessoal (7,4%). Enéas e Faleiros (2001) apontaram os problemas familiares (26,4%) e as dificuldades de relacionamento interpessoal (23,3%).

A Tabela 5 apresenta a maneira como a separação foi abordada no processo de triagem.

 

 

Observou-se que 60,7% dos pacientes atendidos abordaram a situação de separação como parte da história clínica, sendo que apenas um homem e uma mulher se referiram à separação enquanto queixa primária. A metodologia empregada não possibilitou saber há quanto tempo essas pessoas estavam separadas ou divorciadas e qual a relação existente entre o estado civil e as queixas apresentadas.

Esse dado leva à reflexão de como alguns aspectos como estado civil, religião e profissão, entre outros, por vezes não são devidamente explorados nas entrevistas de triagem ou nas entrevistas iniciais, sendo considerados mais dados de identificação do que parte da história de um indivíduo, com suas implicações no processo adaptativo e possíveis manifestações sintomáticas.

 

 

A interrupção da triagem ocorreu em 25% dos casos, e o encaminhamento para psicoterapia, em 75%. No sexo masculino, observou-se maior índice de interrupção da triagem (50%). A desistência ao ser chamado para a psicoterapia ocorreu em 10,5% dos casos, para o sexo feminino. Santos et al. (1993) apontaram a interrupção dos atendimentos (60%) por motivos administrativos (abandono ou desistência dos clientes), o que nos remete à questão da motivação para o processo e o tempo de espera para iniciar o processo psicoterápico, visto que os índices de desistência na maioria dos estudos são considerados altos.

No que se refere à adesão à psicoterapia breve, observou-se que, dos 19 casos analisados, 63% a concluíram. Não foi observada uma diferença expressiva entre os sexos (67% para o sexo masculino e 62% para o sexo feminino) quanto à adesão. Romaro e Capitão (2003) encontraram um nível de adesão de 64% na faixa etária entre 20 e 59 anos e de 100% acima dos 60 anos. Cardoso et al. (1999) observaram que 63% dos pacientes que iniciaram a psicoterapia a concluíram. Esses dados parecem revelar que a adesão à psicoterapia de pacientes separados é semelhante à do grupo como um todo, de acordo com os trabalhos revisados.

 

Considerações finais

Um trabalho de caracterização da população que procura atendimento psicológico em um serviço de saúde e que menciona seu estado civil como separado ou divorciado é pioneiro, abrindo espaço para questionamentos sobre possíveis diferenças que possam se associar ao tipo de encaminhamento, idade, escolaridade, tipos de queixas e de adesão ao tratamento proposto.

No presente estudo, a diferenciação encontrada quando se toma por base de análise a população que busca os serviços-escola, independentemente do estado civil, foi uma faixa etária um pouco mais velha, principalmente para os homens. Quanto à busca pelo atendimento, a mesma ocorreu mais por encaminhamento de psicólogos ou de estudantes de Psicologia. As queixas predominantes foram a depressão e a ansiedade, com menor ênfase para as dificuldades de relacionamento interpessoal (queixa encontrada com índice maior nos estudos revisados).

Observou-se que a separação não foi mencionada como queixa principal, mas predominantemente como parte da história de vida, não caracterizando uma busca em uma fase crítica do processo de separação. Esse dado provavelmente interfira na diferenciação desse grupo em relação às queixas apresentadas; possivelmente, um outro tipo de delineamento de pesquisa possibilite apreender melhor as nuances e os possíveis aspectos advindos da separação.

Este estudo exploratório realizado com um número limitado de sujeitos pretendeu destacar o estado civil como uma variável a ser considerada em um trabalho de caracterização. A ausência dos dados tempo e forma de separação limitou a análise, mas, embora esse seja um fato insuperável em uma metodologia retrospectiva documental, reforça a importância da sistematização dos dados de triagem e do aprofundamento dos dados pesquisados. Provavelmente, a separação só aparecerá enquanto queixa quando ocorrida no momento presente, passando, com o tempo e a capacidade de elaboração do ser, a constituir-se em um aspecto da história de vida. Futuras pesquisas poderiam explorar melhor esse aspecto, comparando as queixas apresentadas de acordo com o tempo de separação.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Rita Aparecida Romaro
Avenida Aclimação, 439, ap.141
01531-001E, São Paulo, SP, Brasil
Tel.: +55 11 3091-4391
E-mail: romarorita@uol.com.br

Recebido 03/12/2007
Reformulado 29/08/2008
Aprovado 30/08/2008

 

 

* Doutora, prof.ª da Universidade São Francisco - Campus São Paulo.
** Psicóloga.