Boletim - Academia Paulista de Psicologia
ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.42 no.102 São Paulo jan./jun. 2022
I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO
Apoio social interpessoal a mulheres vítimas de violência na América Latina: uma revisão de literatura
Interpersonal social support for women victims of violence in Latin America: review of the literature
Apoyo social interpersonal para mujeres víctimas de violencia en América Latina: revisión de la literatura
Isabela Medeiros de AlmeidaI; Pâmela Fardin PedruzziII; Fabíola Rodrigues MatosIII
IDoutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: isabelamedeirosdealmeida@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-23772364
IIDoutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo. E-mail: pamfardin@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0869-8602
IIIProfessora de educação superior na Universidade do Estado de Minas Gerais. E-mail: fabiolarmatos@yahoo.com.br. ORCID:https://orcid.org/0000-0002-2828-2869
RESUMO
Esta pesquisa visou investigar o apoio social às vítimas de violência contra a mulher na literatura científica latinoamericana. Realizou-se um levantamento nas bases PsycINFO, Scielo, Scopus e Redalyc, nos últimos cinco anos, utilizando descritores relacionados à temática, e, assim, foram analisados 69 trabalhos que se encaixaram aos critérios de inclusão da temática de interesse. Verifica-se que a família é a principal fonte para acolhimento das vítimas, seguida pela rede de amigos, profissionais e membros da comunidade religiosa. A maioria dos trabalhos encontrados aborda o apoio social diretamente às vítimas, priorizando o apoio assistencial realizado por profissionais. Todavia, a minoria teve como foco da pesquisa o suporte social, relatando apenas sua importância nesse contexto.
Palavras-chave: violência contra mulher; violência doméstica; redes sociais; América Latina; apoio social.
ABSTRACT
This research aimed to investigate the social support to victims of violence against women in the Latin American scientific literature. A survey was conducted in the PsycINFO, Scielo, Scopus and Redalyc bases, over the last five years, using descriptors related to the theme, and thus, 69 papers that fit the inclusion criteria of the theme of interest were analyzed. It appears that the family is the main source for welcoming victims, followed by the network of friends, professionals and members of the religious community. Most of the studies found address social support directly to victims, prioritizing assistance provided by professionals. However, the minority focused on social support research, reporting only its importance in this context.
Keywords: violence against women; domestic violence; social networks; Latin America; social support.
RESUMEN
Esta investigación tuvo como objetivo investigar el apoyo social a las víctimas de la violencia contra las mujeres en la literatura científica latinoamericana. Se realizó una encuesta en las bases PsycINFO, Scielo, Scopus y Redalyc, durante los últimos cinco años, utilizando descriptores relacionados con el tema y, por lo tanto, se analizaron 69 documentos que se ajustan a los criterios de inclusión del tema de interés. Parece que la familia es la fuente principal para dar la bienvenida a las víctimas, seguida por la red de amigos, profesionales y miembros de la comunidad religiosa. La mayoría de los estudios encontrados abordan el apoyo social directamente a las víctimas, priorizando la asistencia brindada por profesionales. Sin embargo, la minoría se centró en la investigación de apoyo social, informando solo su importancia en este contexto.
Palabras clave: violencia contra la mujer; violencia doméstica; redes sociales; América Latina; apoyo social.
Introdução
A violência contra a mulher é um fenômeno mundial, de alta prevalência, apresentando impactos emocionais, econômicos e em questões de saúde (Garcia-Moreno, Heise, Jansen, Ellsberg & Watts, 2005). A gênese da violência contra a mulher pode ser percebida sob vários pontos de vista, por meio da psicologia, da criminologia, da sociologia, de recorte ecológico multidimensional (Heise, 1998), e inclusive com base em perspectivas feministas (Blay, 2014).
Estima-se que, em média, uma em cada três mulheres (35%) de forma global será vítima de algum tipo de violência durante a infância, adolescência ou adultez (UN Women, 2015). Além disso, dados mostram a variedade de contextos, regionalidades e culturas que favorecem esse tipo de violência, englobando assim a violência entre parceiros íntimos, violência sexual, tráfico de mulheres, misoginia, entre outras formas de manifestação (García-Moreno, Pallitto, Devries, Stöckl, Watts & Abrahams, 2013). A violência por parceiro íntimo é considerada uma das principais expressões da violência contra a mulher (McDonald & Belknap, 2014). Envolve diversos tipos de agressões, como física, psicológica e emocional, o que gera consequências negativas na saúde e no bem-estar da vítima, e o alvo frequentemente é a mulher (Torpy, Lynm, Glass, 2010; Taft, Lamotte & Gilbert, 2014). A característica "íntima" desse tipo de prática se refere ao resultado de uma agressão realizada por marido, namorado, ou outro tipo de parceiro, geralmente próximo da vítima na qual esteja envolvido em um relacionamento romântico (Finkel & Eckhart, 2013; Cezario, Fonseca, Lopes & Lourenço, 2015). É um fenômeno que não é novo e acomete diversas realidades independentemente de classes sociais e vulnerabilidade econômica, "compreendendo um conjunto de relações sociais que complexificam sua natureza e suas formas de enfrentamento" (Morgado, 2015, p. 253). Nesse sentido, os maus-tratos infantis e o uso de álcool são exemplos de algumas variáveis que acabam estando associadas a episódios de violência entre parceiros íntimos (Justino, 2017; Valdez-Santíago, Híjar, Martínez, Burgos & Montreal, 2013).
Pode-se citar, como exemplo da temática, um estudo envolvendo a violência por parceiro íntimo, que investiga a relação entre depressão pós-parto e fatores psicossociais exemplifica tal fenômeno (Castro, Place, Billings, Riveira & Frongillo, 2014). Os resultados apresentados pelos autores mostram que a exposição à violência de parceiro íntimo durante a gravidez juntamente com o baixo apoio social, a história de depressão, e a gravidez não planejada foram associados com sintomas de depressão pós-parto em mulheres mexicanas e podem contribuir para o desenvolvimento da mesma. Discussões de gênero surgem também nesse mesmo contexto, sendo que um dos ângulos comumente trabalhados descreve a noção de poder que a masculinidade detém, que é reforçada por práticas sociais que legitimam uma posição de feminilidade inferiorizada (Santos & Izumino, 2018). Certas normas e culturas reverberam tal noção na educação de crianças e jovens, que a partir daí constroem suas concepções do que é ser homem e ser mulher na sociedade ocidental (Guerra, Scarpati, Duarte, Silva & Motta, 2014), enraizando-se assim a violência de gênero na trama social e dificultando sua abordagem (Von Smigay, 2008).
No contexto latino-americano, a violência contra mulher se manifesta de maneira alarmante (Bott, Guedes, Goodwin & Mendoza, 2012). Em dados da Organização das Nações Unidas, a região apresenta as maiores taxas de violência sexual entre não-casais e a segunda maior entre a violência causada por parceiros e não parceiros (García-Moreno et al., 2013). Na América Latina é importante considerar que a concepção biológica de gênero é bastante marcada, o que acarreta diferenças quanto aos direitos e deveres correspondentes a homens e mulheres, bem como favorece a instrumentalização da dominação, subordinação e manutenção do poder (Blay, 2014). Tal detalhe é evidente em casos de feminicídios, no qual a violência se manifesta pelo fato da vítima ser mulher (Blay, 2014).
A partir da relevância regional em se tratar do assunto refletindo uma perspectiva de prevenção e cuidado, observa-se a pressão pela construção e desenvolvimento de políticas públicas (Machado & Lourenço, 2017). A América Latina e o Caribe vêm avançando nesses termos, quase todos os países apresentam planos nacionais para eliminar a violência de gênero, e, dentre estes, 15 países possuem ações específicas para a violência contra a mulher (Essayag, 2017). No Brasil, é possível citar a promulgação da Lei nº 11340 (2006), conhecida como "Lei Maria da Penha", que dispõe sobre mecanismos de coibição da violência contra a mulher em território nacional. Além de legislações, uma medida comum adotada por países da América Latina é a criação de delegacias de polícia dedicadas ao recebimento de denúncias desse tipo, tendo a Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Nicarágua, Peru e Uruguai como alguns exemplos de regiões que possuem centros ativos com esse propósito (Perova & Reynolds, 2017). Destaca-se também o reconhecimento da importância dos serviços de saúde nesse âmbito, pois os profissionais da área - além dos envolvidos com a justiça - acabam também sendo às vezes os primeiros a terem contato com a vítima e com os reflexos dessa violência (Duarte, Fonseca, Souza & Pena, 2015; Pedrosa & Spink, 2011; Porto, 2006). Nesse sentido, para além da compreensão do fenômeno da violência contra a mulher, possibilidades de prevenção e intervenção se evidenciam como prioridade nesse âmbito, sendo através de sensibilizações ou medidas (Bott, Guedes, Goodwin & Mendoza, 2012).
Um enfoque interessante nesse viés é o estudo das fontes de suporte e apoio e sua relevância em contextos de violência (Wright & Valgardson, 2017). O apoio social, por exemplo, se destaca por ser intrínseco aos relacionamentos interpessoais, podendo aplicar-se em situações estressantes e conflituosas como uma forma de promoção de saúde (Gonçalves, Pawlowski, Bandeira & Piccinini, 2011; Sylaska & Edwards, 2014). Caracteriza-se por ser um construto que corresponde à percepção individual de uma série de recursos sociais como a assistência e validações das experiências de vida por parte de suas redes sociais, podendo se apresentar de forma informacional, instrumental e emocional (Zhou, 2014).
Acredita-se que em episódios envolvendo a violência contra a mulher exista a dificuldade de reportar o ocorrido devido a diversos motivos, sejam eles questões institucionalizadas de gênero, vergonha ou medo (Cortez, 2012; Oliveira, Oliveira, Araújo, Silva, Crispim & Lucindo, 2017). Nesse contexto, ressaltando a importância das redes de contato como fonte de suporte às vítimas, García-Moreno, Jansen, Ellsberg, Heise e Watts (2006) realizaram uma investigação que contemplou 10 países, indicando que um dos principais motivos para a procura de ajuda pelas mulheres vítimas de violência é o encorajamento da família e de amigos.
Sabendo da necessidade de sensibilização, cuidado, prevenção, construção e manutenção de intervenções com relação à violência contra a mulher, a discussão no meio científico se faz necessária com intuito de ampliar os olhares acerca do problema e de sua complexidade, principalmente no âmbito latino-americano. Compreender como o apoio social vem sendo trabalhado em pesquisas empíricas e teóricas nessa região colabora também para verificar as fontes de suporte mais utilizadas e pensar em futuras intervenções mais eficazes. Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo geral investigar o apoio social às vítimas de violência contra a mulher na literatura científica latinoamericana e como objetivos específicos: (a) levantar as publicações latinoamericanas realizadas nos últimos cinco anos submetidas nas plataformas pesquisadas; (b) analisar o tipo de apoio social pesquisado e a origem desse apoio e (c) identificar os assuntos dentro da temática que necessitam de mais pesquisas e aprofundamento.
Método
Realizou-se um levantamento da literatura sobre violência contra a mulher publicada por autor filiado à instituição latinoamericana. A busca pelos estudos foi realizada nas bases PsycINFO, Scielo, Scopus e Redalyc. Essas bases foram selecionadas por serem consideradas como referência na busca de artigos nacionais e internacionais na área de psicologia (Braun, Vierheller & Oliveira, 2016). Foram utilizados os descritores e operadores booleanos: Violence AND "wom*" AND "Social support", através do método de busca "Any Field".
A escolha dos descritores teve como objetivo recuperar produções latinoamericanas sobre o apoio social fornecido à mulher em situação de violência. As nações incluídas como pertencentes à América Latina foram baseadas em Garcia, Acevedo-Triana e López-López (2014), na qual investigaram a cooperação científica na América Latina em estudos que abordaram ciências do comportamento. Com isso, os países usados na delimitação da busca foram Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela.
A coleta de dados ocorreu em dezembro de 2019 e teve como critérios de inclusão a disponibilidade dos artigos estivessem de forma integral nas bases pesquisadas; publicação entre os anos de 2014 e 2019; idioma inglês, português ou espanhol; estudos empíricos ou teóricos; abordagem da violência contra a mulher como legitimada pelo gênero; discussão sobre o apoio social oferecido a mulheres vítimas de violência em alguma seção do artigo.
Inicialmente foram encontrados 18 artigos na base PsycINFO, 14 na Scielo, 408 na Scopus e 487 na Redalyc, totalizando 927 artigos. Após essa primeira etapa de levantamento de dados, procedeu-se à leitura dos resumos de todos os trabalhos a fim de certificar-se de que atendiam os critérios de inclusão no estudo. Feito isso, houve a exclusão de 858 artigos, sendo 14 da base PsycINFO, 4 da Scielo, 382 da Scopus e 458 da Redalyc. Destes, 24 estavam repetidos e 834 não se encaixaram aos critérios de inclusão.
O número final de artigos para investigação foi 69. A fim de evitar equívocos durante o processo desenvolvido houve a validação interjuízes de três psicólogas com conhecimento sobre temática. Na Figura 1 pode ser visualizada a sistemática de busca pelos artigos.
Para auxiliar na categorização dos artigos selecionados, utilizou-se a Análise Temática de Braun e Clarke (2012). Tal método, seguindo as autoras, contribui na identificação, descrição e organização dos dados em temas e oferece sistematicamente insights/reflexões sobre esses padrões de significado. Com isso, é possível criar um conjunto rico e complexo de informações que permite flexibilidade e liberdade teórica acerca dos dados (Braun & Clarke, 2006). Assim, os 69 artigos foram avaliados conforme os países de afiliação dos autores, ano de publicação, cooperação científica, foco da pesquisa (se a temática de interesse foi ou não o objeto principal da pesquisa), a direção do apoio social, o tipo de suporte estudado e a origem do apoio social.
Resultados e Discussão
Após categorização dos artigos, obteve-se que, dentre os 19 países da América Latina, apenas 07 publicaram sobre o apoio social a mulheres que sofreram algum tipo de violência. O Brasil é o país com maior quantidade de trabalhos pertencentes a esta categoria (45). México aparece como o segundo país (11). A Tabela 1 apresenta os países que publicaram sobre a temática.
Tal informação se torna relevante, na medida em que o Brasil se destaca com mais produções, cresce ano a ano o número de registros de agravos relativos à violência interpessoal praticada contra mulheres, conforme o Observatório da Mulher Vítima de Violência (2016). Debruçar-se sobre o assunto de maneira científica além de complementar o conhecimento sobre o assunto, facilita a reflexão sobre formas de enfrentamento e medidas práticas que podem ser tomadas. Isso mostra que a preocupação e notoriedade da violência contra a mulher em um contexto brasileiro já é fonte de atenção.
Em relação à cooperação científica é notável o seu aparecimento nas produções encontradas, cerca de 16 dos trabalhos (23,18%). Apesar de haver grande envolvimento da América Latina na temática referente à violência contra mulher, a coautoria dos trabalhos com cooperação científica não se apresentou com autores de países latinos. A cooperação com a América do Norte e Europa, em 7 pesquisas cada uma, representaram as principais origens de cooperação científica, ressaltando assim a relevância mundial do tema. Por outro lado, devido ao fato do objeto ser um problema comum dentro da América Latina, a escassez de cooperação entre autores do continente na presente investigação é um dado importante a ser apontado, já que a discussão do assunto nesse ambiente pode ser rica e colaborar ainda mais com o aprofundamento do tópico. Em especial, houveram também pesquisas realizadas em uma região e publicadas em outra, como em Matud, Padilla, Medina e Fortes (2016) e Rodrigues e Cantera (2017), em que os autores possuem filiação com universidades da Espanha e publicaram em revistas brasileiras, abordando a temática nesse mesmo contexto.
Apesar da importância do apoio social no contexto de violência, nota-se que o aprofundamento na temática é foco em menos da metade dos trabalhos (44,6%). O restante (55,4%) apenas citou sua importância, mas sem fornecer maiores detalhes sobre como tal suporte.
No que concerne à análise do apoio social fornecido às mulheres em situação de violência, verificou-se que dos 69 trabalhos publicados na América Latina, 53 abordam o construto direto às vítimas, na maioria das vezes um apoio emocional, proporcionado por familiares, amigos, entre outros, podendo ser acolhimento formal ou informal. O apoio indireto aparece em 06 trabalhos, sendo estes referentes ao preparo de profissionais de saúde ao acolhimento e acompanhamento (05), ou à conscientização de agressores (01). Mesmo havendo um número menor de artigos, é importante destacar que este favorece a proteção da mulher, visto que é capaz de captar as situações de risco, considerar as diferenças sociais, identificar as necessidades da população, promover a ressocialização de agressores e prevenir novas agressões. Nos 10 trabalhos restantes, o apoio é estudado tanto de maneira direta quanto indireta às vítimas.
Quanto ao tipo de apoio fornecido às mulheres vítimas de violência, observa-se na Tabela 2 a descrição baseada na interpretação dos autores por meio da análise temática, e a porcentagem encontrada nos trabalhos. É notável que o tipo de apoio que mais se destaca nos artigos desta revisão é o apoio profissional (47,7%), que inclui todo o aparato necessário para os profissionais e seus serviços prestados às mulheres violentadas. Logo após, observa-se o apoio emocional (38,5%), o apoio social apareceu em 35,4% dos trabalhos. O suporte que apareceu com menor porcentagem foi o espiritual (3,1%). É importante ressaltar que 52,3% dos artigos encontrados apresentaram mais de um tipo de apoio em seu conteúdo, sendo assim a porcentagem apresentada ultrapassa 100% visto que artigos são repetidos em cada categoria.
Assim, observa-se a necessidade e importância da capacitação dos profissionais que estão em contato com essas situações, compreendendo tanto no auxílio na identificação e notificação da violência, quanto no cuidado e acolhimento à vítima. O apoio informativo também se mostra como estratégia significativa para o enfrentamento da agressão, a partir do momento que a mulher sabe de seus direitos e deveres depois de passar pela violência ela se sente mais empoderada em enfrentar essa situação e evitar futuros relacionamentos abusivos.
Classificou-se também a origem desses suportes, quando estes eram mencionados. Neste trabalho, consideraram-se como origem do apoio as pessoas envolvidas no processo de fornecer qualquer tipo de suporte às mulheres violentadas, conforme Tabela 3. Percebe-se que os personagens mais envolvidos no suporte às vítimas de violência são os membros da família (35,4%), em seguida a rede de amigos, que esteve presente em 23% dos trabalhos. Os profissionais e os membros da comunidade religiosa também tiveram impacto na oferta do suporte a mulheres vítimas de violência, apresentando 20% e 7,7% respectivamente. Alguns trabalhos (13,9%) não especificaram a origem do suporte.
Nessa classificação, é relevante destacar que as origens de apoio podem oferecer mais de um tipo de apoio, por exemplo, a família pode oferecer suporte tanto emocional, quanto material. Outro ponto importante é que um aspecto pode ser tanto fonte de suporte, quanto um tipo de suporte, como é o caso da religião e dos profissionais. Por exemplo, no primeiro caso a religião pode ser fonte de apoio emocional e social ou um tipo de apoio espiritual.
Contudo, vale ressaltar certa dificuldade na categorização e análise dos tipos de suporte, pois as descrições e vivências dos participantes quanto aos diversos tipos de apoio social acabam sendo interligadas e complexas, isto é, dependem entre si, dificultando uma separação didática. Com isso, sendo informal ou formal, o apoio oferecido às mulheres vítimas de violência pode ser considerado como um apoio "social" de forma geral - não só aquele tipo que compreende as relações interpessoais - pois abrange o contexto sociocultural o qual pertence e produz benefícios diretos ou indiretos a elas.
Por fim, sobre a metodologia utilizada, 63,8% utilizaram método qualitativo, 30,4% quantitativo e 5,8% método misto. O ano com maior número de publicações foi 2015 (23,18%) e 2019 apresentou a menor quantidade (5,79%).
Conclusão
Este trabalho visou investigar como o apoio social a mulheres vítimas de violência tem sido realizado, utilizando-se, para isto, produções científicas da América Latina. A averiguação desta temática se faz importante visto que fornece informações sobre quais práticas possuem maior relevância e o que as mulheres têm mais buscado para enfrentar esse tipo de situação.
Apesar das contribuições já mencionadas, pontuam-se algumas limitações sobre a realização deste trabalho. Esta revisão foi realizada considerou pesquisas publicadas em formato de artigo no idioma inglês, português ou espanhol que estavam indexadas em apenas quatro bases de dados diferentes, o que pode acarretar em uma não abrangência total de estudos da área. Existe também a possibilidade da delimitação das palavras-chave, do limite temporal e da opção de não incluir teses e dissertações nos critérios de inclusão e exclusão, não terem abarcado toda a compreensão do tema na América Latina.
Sinaliza-se, então, a relevância de estudos futuros que busquem avaliar quais são os primeiros tipos de apoio buscados pelas vítimas e o que as levaram a procurá-los. É importante investigar também qual apoio social fornece maior segurança a essas mulheres, compreendendo sua subjetividade, anseios, preocupações e visão do futuro a partir do acontecido. Nesta revisão, levantou-se também a possibilidade de estudos para investigar se há uma relação entre a origem do suporte (aqueles que fornecem o apoio) com o tipo de suporte social e uma classificação mais detalhada dos tipos de apoio social. Por fim, sugere-se a reflexão acerca de intervenções que auxiliem na minimização do sofrimento gerado pela situação, facilitando a busca ativa de apoio para as vítimas, e, preferencialmente, o desenvolvimento e a manutenção de políticas públicas que auxiliem na prevenção à violência contra a mulher.
Referências
Bandeira, L. M. (2014). Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação. Sociedade e Estado, 29(2), 449-469. https://doi.org/10.1590/S0102-69922014000200008. [ Links ]
Blay, E. A. (2014). Violência contra a mulher: um grave problema não solucionado. In: Blay, E. A. (Org.) Feminismos e masculinidades: novos caminhos para enfrentar a violência contra a mulher. (pp. 11-28). São Paulo: Cultura Acadêmica. [ Links ]
Braun, V. & Clarke, V. (2012). Thematic Analysis. In: H. Cooper (Ed.). APA Handbook of Research Methods in Psychology, v. 2. Research Designs (pp. 57-71). Washington: APA. https://doi.org/10.1037/13620-004. [ Links ]
Braun, V., & Clarke, V. (2006) Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3, 77-101. https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa. [ Links ]
Bott, S., Guedes, A., Goodwin, M, & Mendoza, J. A. (2012). Violence Against Women in Latin America and the Caribbean: A comparative analysis of population-based data from 12 countries. American Health Organization. Washington, DC: PAHO. Recuperado de https://www.paho.org/hq/dmdocuments/2014/Violence1.24-WEB-25-febrero-2014.pdf. [ Links ]
Braun, A. C., Vierheller, B., & Oliveira, M. Z. (2016). Conflito trabalho-família em executivos: uma revisão sistemática de 2009 a 2014. Revista Brasileira de Orientação Profissional, 17(1), 19-30. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_art-text&pid=S1679-33902016000100004&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt. [ Links ]
Castro, F., Place, J. M. S., Billings, D. L., Riveira, L., & Frongillo, E. A. (2014). Risk profiles associated with postnatal depressive symptoms among women in a public sector hospital in Mexico: the role of sociodemographic and psychosocial factors. Arch Womens Ment Health, 18, 463471. https://doi.org/10.1007/s00737-014-0472-1. [ Links ]
Cezario, A. C. F., Fonseca, D. S., Lopes, N. D. C., & Lourenço, L. M. (2015). Violência entre parceiros íntimos: uma comparação dos índices em relacionamentos hetero e homossexuais. Temas em Psicologia, 23(3), 565-575. https://doi.org/10.9788/TP2015.3-04. [ Links ]
Cortez, M. B. (2012). "Sem açúcar, com afeto": estudo crítico de denúncias de violência contra as mulheres e dos paradoxos da judicialização. (Tese de doutorado, Universidade Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Vitória, Brasil). [ Links ]
Duarte, M. C., Fonseca, R. M. G. S., Souza, V., Pena, E. D. (2015). Gender and violence against women in nursing literature: a review. Revista Brasileira de Enfermagem, 68(2), 325-32. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680220i. [ Links ]
Essayag, S. (2017) From Commitment to Action: Policies to End Violence Against Women in Latin America and the Caribbean - Regional Analysis Document. City of Knowledge, Panama: UN women. Recuperado de http://www.latinamerica.undp.org/content/rblac/en/home/library/womens_empowerment/del-compromiso-a-la-accion--politicas-para-erradicar-la-violenci.html. [ Links ]
Finkel, E. J., & Eckhardt, C. I. (2013). Intimate partner violence. In Simpson, J., & Campbell, L. The Oxford handbook of close relationships, New York, Oxford. (pp. 452-474). https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780195398694.013.0020. [ Links ]
Garcia, A., Acevedo-Triana, C. A., & López-López, W. (2014). Cooperación en las Ciencias del Comportamiento Latinoamericanas: Una Investigación Documental. Terapia psicológica, 32(2), 165-174. https://doi.org/10.4067/S0718-48082014000200009. [ Links ]
Garcia-Moreno, C., Heise, L., Jansen, H. A. F. M., Ellsberg, M., & Watts, C. (2005). Violence against women. Science, 310(5752), 1282-1283. https://doi.org/10.1126/science.1121400. [ Links ]
García-Moreno, C., Jansen, H. A., Ellsberg, M., Heise, L., & Watts, C. (2005). WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses. Geneva, Switzerland: World Health Organization. Recuperado de http://apps.who.int/iris/handle/10665/43309. [ Links ]
García-Moreno, C., Pallitto, C., Devries, K., Stöckl, H., Watts, C., & Abrahams, N. (2013). Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva: Switzerland: World Health Organization. Recuperado de http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85239/9789241564625_eng.pdf;jsessionid=E0FD538EEA82AC092539B1208C07E01A?sequence=1. [ Links ]
Gonçalves, T. R., Pawlowski, J., Bandeira, D. R., & Piccinini, C. A. (2011). Avaliação de apoio social em estudos brasileiros: aspectos conceituais e instrumentos. Ciência & Saúde Coletiva, 16, 1755-1769. https://doi.org/10.1590/S1413-81232011000300012. [ Links ]
Guerra, V. M., Scarpati, A. S., Duarte, C. N. B., da Silva, C. V., & Motta, T. A. (2014). Ser homem é...: Adaptação da Escala de Concepções da Masculinidade. Psico-USF, 19(1), 155-165. https://doi.org/10.1590/S1413-82712014000100015. [ Links ]
Heise, L. L. (1998). Violence against women: an integrated, ecological framework. Violence against women, 4(3), 262-290. https://doi.org/10.1177/1077801298004003002. [ Links ]
Justino, Y. A. C. (2017). O relacionamento entre filhos adolescentes e seus pais e mães em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. (Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Espírito Santo). Recuperado de http://www.psicologia.ufes.br/pt-br/pos-graduacao/PPGP/detalhes-da-tese?id=9716. [ Links ]
Lei nº 11340 de 07 de agosto de 2006. (2006, 08 agosto). Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília: Presidência da República. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. [ Links ]
Machado, A. S. M., & Lourenço, L. M. (2017). Violência entre parceiros íntimos: articuladores de enfrentamento e ajuda. Aletheia, 50(1 e 2), 71-82. Recuperado de: http://www.periodicos.ulbra.br/index.php/aletheia/article/view/4165. [ Links ]
Matud, M. P., Padilla, V., Medina, L., & Fortes, D. (2016). Eficacia de un programa de intervención para mujeres maltratadas por su pareja. Terapia psicológica, 34(3), 199-208. https://doi.org/10.4067/S0718-48082016000300004. [ Links ]
McDonald, C., & Belknap, J. (2014). Intimate partner violence. In Albanese, J. S. (Ed.) The Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice. John Wiley & Sons. (pp. 1-7). https://doi.org/10.1002/9781118517383.wbeccj062. [ Links ]
Morgado, R. (2015). Mulheres em situação de violência doméstica: limites e possibilidades de enfrentamento. In Gonçalves, H. S., & Brandão, E. P. (Orgs.) Psicologia jurídica no Brasil. (pp. 253-282). Rio de Janeiro: Nau. [ Links ]
Observatório da mulher vítima de violência. (2016). Panorama da violência contra as mulheres no Brasil: indicadores nacionais e estaduais. Brasília: Senado Federal. Recuperado de http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/529424. [ Links ]
Oliveira, L. N., Oliveira, F. S., Araujo, L. M., Silva, L. L., Crispim, Z. M., & Lucindo, V. B. D. B. (2017). Violência doméstica e sexual contra a mulher: revisão integrativa. HOLOS, 8, 275-284. https://doi.org/10.15628/holos.2017.1903. [ Links ]
Pedrosa, C. M., & Spink, M. J. P. (2011). A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Saúde e Sociedade, 20, 124-135. https://doi.org/10.1590/S0104-12902011000100015. [ Links ]
Perova, E., & Reynolds, S. A. (2017). Women's police stations and intimate partner violence: Evidence from Brazil. Social Science & Medicine, 174, 188-196. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.12.008. [ Links ]
Porto, M.. (2006). Violence against women and psychological treatment: the view of municipal administrators of the public health system - SUS. Psicologia: Ciência e Profissão, 26(3), 426-439. https://doi.org/10.1590/S1414-98932006000300007. [ Links ]
Rodrigues, R. A., & Cantera, L. M. (2017).Violencia en la pareja: el rol de la red social. Arquivos Brasileirosde Psicologia, 69(1), 90-106. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672017000100008&lng=pt&nrm=iso&tlng=es. [ Links ]
Santos, C. M., & Izumino, W. P. (2018). Violência contra as Mulheres e Violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Estudios interdisciplinarios de América Latina y el Caribe, 16(1), 147-164. Recuperado de http://eial.tau.ac.il/index.php/eial/article/view/482. [ Links ]
Sylaska, K. M., & Edwards, K. M. (2014). Disclosure of intimate partner violence to informal social support network members: A review of the literature. Trauma, Violence, & Abuse, 15(1), 3-21. https://doi.org/10.1177/1524838013496335. [ Links ]
Taft, C. T., LaMotte, A. D., & Gilbert, K. S. (2014). Intimate Partner Violence. In Kleespies, P. M. The Oxford Handbook of Behavioral Emergencies and Crises. New York: Oxford. (pp. 1-38). https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199352722.013.17. [ Links ]
Torpy, J. M., Lynm, C., Glass, R. M. (2010). Intimate Partner Violence. JAMA, 304(5):596. https://doi.org/10.1001/jama.304.5.596. [ Links ]
UN Women (2015). Ending violence against women: Focusing on Prevention to Stop the Violence. Recuperado de http://www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violenceagainstwomen/prevention (DOI INEXISTENTE) [ Links ]
Valdez-Santiago, R., Híjar, M., Martínez, R. R., Burgos, L. Á., & Monreal, M. D. L. L. A. (2013). Prevalence and severity of intimate partner violence in women living in eight indigenous regions of Mexico. Social Science & Medicine, 82, 51-57. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2013.01.016. [ Links ]
Von Smigay, K. E. (2008). Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: desafios para a psicologia política. Psicologia em Revista, 8(11), 32-46. Recuperado de: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/136. [ Links ]
Wright, E., & Valgardson, B. (2017). Intimate Partner Violence. In: Oxford Research Encyclopedia of Criminology and Criminal Justice. https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190264079.013.97. [ Links ]
Zhou, E. S. (2014). Social support. In Michalos, A. C. (Ed.). Encyclopedia of quality of life and well-being research. (pp. 2359-2364). Dordrecht: Springer. https://doi.org/10.1007/978-94-007-0753-5_2789. [ Links ]
Recebido: 18.09.21
Corrigido: 17.01.22
Aprovado: 10.04.22