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Estilos da Clinica

versão impressa ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.20 no.3 São Paulo dez. 2015

https://doi.org/10.11606/issn.1981-1624.v20i3p535-548 

TEXTO HISTÓRICO

 

Diálogo psicanalítico com uma pequena criança

 

 

Tradução: Elisabete Mokrejs

Docente da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), São Paulo, SP, Brasil.

Correspondência

 

 

"Psychoanalytische Gespräche mit einem kleinen Kind"
Liselotte Gerö (1934)
Zeitschrift für psychoanalytische Pädagogik, 8, 3/4, 96-108.

 

 

A seguinte exposição minuciosa do início do tratamento de uma neurose infantil existente surgiu do seguinte modo: em um grupo de estudo de pedagogia psicanalítica, mães e professoras de educação infantil relatavam suas dificuldades com crianças. Chegou-se ao consenso de que precisamos dialogar sobre diversas coisas com a criança, seja para compreendê-la melhor, seja para uma ação terapêutica. Disso resulta que mães e pedagogos, nas tentativas de aproximação das crianças, notem desamparo frequentemente, sobretudo no caso de crianças pequenas. Por isso o plano foi concebido, no momento oportuno, com o desenrolar preciso de tal conversa terapêutica para descrever uma criança.

O seguinte relato da interação com Heine, que estava com dois anos e nove meses, talvez seja de interesse de outro ponto de vista. Ele mostra como, com pequenos recursos, uma pequena neurose pode ser detida, e como é importante o treinamento analítico de professores do jardim da infância e de pedagogos. As dificuldades do pequeno Heine persistiam quando a mãe saía; chorava e gritava por horas a fio e nada o acalmava. Além disso, tinha dificuldades para dormir à noite.

Frequentemente, essas e outras situações similares de medo em crianças dessa idade e como elas as perturbavam eram observados, porém, como não pareciam necessitar de tratamento, eram ora combatidas com rigor, ora amparadas com imensa flexibilidade.

Geralmente, as dificuldades desapareciam durante certo tempo, o que, com frequência, era o fundamento de severos sintomas neuróticos. Quando os métodos pedagógicos não resolviam, foram empregados métodos analíticos e, portanto, o medo gerado não foi omitido; antes, porém, fora reprimido, mas agora podemos ter esperança de que a ação de um sintoma tardio possa ser evitada.

A mãe relatou no trabalho referido anteriormente que Heine, desde os dois anos e nove meses até recentemente, era um menino saudável e contente sem maiores dificuldades. Há algumas semanas, Heine se modificou: ficou mais estranho especificamente após uma viagem na época do Natal com seus pais. Ele revelou que durante o período de Natal dormiu num sofá perto da cama da mãe, enquanto o pai no mesmo recinto não dormiu ao lado da mãe como de costume. Em casa, os pais dormem na cama de casal, e Heine tem seu próprio quarto perto do dormitório dos pais.

Após a viagem de Natal, Heine atormentava a mãe frequentemente chamando-a para cobri-lo. Heine só dormia com a luz acesa. Sua exigência sobre a luz se fundava no fato de querer ver sempre suas mãos sobre a coberta. Ao mesmo tempo, a mãe percebia que Heine demonstrava ciúme do pai. Quando a mãe se afastava para chamar Walter (nome do pai) do escritório, Heine justificava: "Walter já é grande (adulto), pode ir sozinho". A inquietação quando a mãe se afastava persistia desde essa viagem citada e se tornava tão forte, que cada afastamento da mãe o levava à maior agitação. Pode-se depreender do relatório da mãe que não se apresentava aí nenhuma falha pedagógica.

A mãe de Heine é uma mulher inteligente, espontânea e tecia elogios amorosos para seu filho. Ela sentia o sintoma da criança como algo incompreensível, como algo que as normas costumeiras da educação pudessem ter privado. Assim, concordava que uma pedagoga com treinamento em psicanálise assumisse a observação regular do menino e relatasse continuamente seus encontros com a criança.

 

Primeira visita

Heine foi me buscar na estação com sua mãe. No percurso estava quieto, mas se desinibiu ao chegar em casa, o que é um início até promissor.

Chegando em casa, observou o fato de estar com luvas sujas. Isso chamou minha atenção como algo excessivo.

Após tirar o agasalho, Heine me mostrou com orgulho seu bonito quarto. Ele tinha uma pequena mesa de brinquedo sobre a qual havia uma pequena cama de bonecas; eu trouxe para ele dois pequenos bonecos que, casualmente, ali caberiam. Heine se alegrou muito com os bonecos. Quando perguntei como o boneco se chamaria, se Pedro ou Heine, respondeu-me "Heine", e acatou meu conselho de chamar "boneca-mamãe" a grande boneca.

Perguntei se era uma boa ou má mãe, e Heine disse: "Uma mãe é má quando ela se afasta". Mais tarde, referia-se frequentemente, enquanto brincava: "Minha mãe, minha mãe". Dizia isso com muito afeto. Depreendi dessa afetuosa expressão que a simpatia por sua mãe é intensa, e isso o motiva a realçar seu vínculo com ela.

Quando trouxemos os bonecos para a cama e perguntei se Heine já se cobre sozinho ele responde: "Não, mamãe sempre cobre Heine". Mais tarde, Heine cobre a boneca-mãe, por vezes cobre todo seu rosto, outras vezes, a cobre inteiramente. A seguir, Heine brinca de estar deitado na cama, sua mãe chega, deita-se com ele e ele acrescenta: "Mamãe está sob a barriga do Heine". Então, brinca de "túnel", que é como se o boneco Heine atravessasse entre as pernas da boneca-mãe. Quando pergunto onde Walter (seu pai) deve dormir, Heine mostra que é sobre a boneca-mãe que está sob a cama e diz: "Mamãe não tem lugar". Está claro que ele quer dormir com a mãe, mas o pai não cede o lugar ao lado dele.

Durante a brincadeira, Heine criticou que no nosso quarto de bonecos não há nenhuma lâmpada. Então, afirmou com pesar que Boska não estava lá. Ela é a serviçal, com a qual se entende bem. Algum tempo depois, apontando para seu boneco, disse: "Heine grita porque Boska traz de fora lixo para sua cama".

Mais tarde, Heine me mostrou um ferimento em uma de suas mãos e percebeu que eu também tenho um pequeno ferimento em um dedo. Heine toma na mão cada dedo meu separadamente, olha-os detidamente e conclui que não tenho ferimento algum. Refleti que essa criança que à noite queria ver suas mãos se interessasse especialmente pela ausência de ferimento em minhas mãos.

Saí da casa de Heine com o sentimento de que sua natureza não condizia com a de uma criança neurótica. Percebi, após a conversa acompanhada da expectativa, que há receio contra um perigo ameaçador de danos em seu corpo (medo da castração), o ciúme do seu pai, talvez o medo de se sujar também poderia ser uma parte da sua inquietação. Queremos saber se seu receio manifesto de ser deixado pela sua mãe não está ligado com esses medos de alguma maneira.

 

Segunda visita

Heine me cumprimentou amigavelmente. Percebi que embora estivesse com meias brancas limpas, censurava-se por não estarem limpas. Começamos novamente a brincar com os bonecos. A mãe fez camisetas para dormir para ambos os bonecos, as quais Heine achou muito bonitas. Para servir de cama para a grande boneca, atendendo ao conselho da sua mãe, Heine usou um carro. Quando indaguei onde o boneco de Heine deveria ficar, ele deitou seu boneco perto da boneca– mãe, no carro.

No carro havia bilhetes, mapas e um furador. Heine se interessava muito por isso. Ele não conseguiu furar, mas ficou radiante que eu o soubesse, acreditava mesmo que somente sua mãe o conseguia e exigia que eu perfurasse cada buraco no mapa de brinquedo. É notório que ele me pedisse que nas cartas de paus os furos não devessem ser feitos na flor, que é como ele chama o símbolo do naipe. Nas cartas de ouros, no entanto, eu devia fazer o furo no meio do símbolo.

Mais tarde, retomou o jogo de bonecos. O boneco "Heine" se encontrava agora sozinho no carro, na frente. Sobre o radiador estava uma pequena lanterna de bolso. Ele acrescentou: "Heine deve se sentar inclinado para que veja a lâmpada". Indaguei para que Heine precisava da lanterna, se era para ver as mãos. Heine respondeu afirmativamente. Enquanto Heine dizia isso, batia contra a mesa dizendo "o boneco Heine faz bagunça".

Nessa visita, Heine inesperadamente beijou minha mão. Como não me esforço em conquistar a atenção da criança, minha resolução íntima parece fazer que a criança se esforce para formar uma opinião positiva a meu respeito.

Heine conversa com muita espontaneidade sobre uma pequena menina, Mimi, que ele tinha visto tomando banho. A mãe, que tinha a impressão que Heine se preocupava com perguntas sobre questões sexuais, perguntou-lhe se Mimi também tinha um pênis (klutsschischeck; "Bubi" era a expressão de Heine para pênis). Heine respondeu que sim. Eu disse a ele que estivesse seguro de que era somente uma brincadeira; meninas e mulheres não têm nenhum, só meninos e homens. Mamãe também não tem. Heine diz: "Sim, mamãe tem um e titia também". A mãe e eu repetimos que nós e todas as outras meninas e mulheres não tinham pênis.

 

Terceira visita

Observo que Heine sempre retorna à questão da sujeira no brinquedo. Ele tem, por exemplo, uma garagem, e explica que a cama não pode ficar lá porque está suja. Quando conversamos a respeito, digo-lhe que não é grave quando alguma coisa está suja, e a mãe, ao sabê-lo, não o recriminará por isso; a mãe confirma isso. Pergunto se Boska ralha quando ele suja alguma coisa. Heine responde afirmativamente. O que Boska acha disso? Heine responde: "Veja, Heine sujou".

Mais tarde, Heine me mostrou uma revista ilustrada. De muitas figuras, ele ressaltou: "Aqui é Walter e lá mamãe". Então me mostrou a figura de um gordo policial do qual tinha medo. Dissera à sua mãe antes da minha visita que ele queria devorá-lo. Heine não mencionou nada para mim sobre seu medo específico e eu esqueci de perguntar algo sobre isso. Disse-lhe que o policial era certamente tão gordo porque comia muitos bolinhos e massas, mas ele era, com certeza, uma boa pessoa. Pensei mais tarde que eu bloqueei Heine a falar de suas fantasias com minhas rápidas explicações sobre o policial em suas funções.

 

Quarta visita

Dessa vez, trouxe para Heine um terceiro boneco com o qual ele se alegrou muito. Perguntei como se chamaria e ele imediatamente respondeu "Walter". Deu assento novamente aos bonecos "mamãe" e "Heine" no carro. "Para Walter não há lugar", esclareceu inicialmente, e após algum tempo, feliz, como se tivesse encontrado uma solução melhor, disse: "Walter tem lugar sim", ele senta junto com toda a família.

Depois, Heine fala de alguém que já é grande e não sabe escrever. Eu respondo: "Então ele certamente sabe escrever". Perguntei se ele sabia que já fora bem pequeno. Heine responde: "Heine não é bebê". Eu digo: "Agora Heine é grande, porém, uma vez, ele foi bem pequeno; eu e todos os homens fomos pequenos também". Heine disse que esses esclarecimentos não o interessavam. Ele gostaria de se estender sobre algo bem diferente: a informação de que ele queria ser grande, mesmo que ele não soubesse escrever, eu deveria reconhecê-lo como grande e entender seu desejo: ter um lugar junto ao pai e à mãe, ou então ocupar pelo menos o terceiro lugar no grupo familiar. Para não forçar a situação dessa hora, impunha-se colocar outro tema. A realidade, de que Heine a cada segundo evidenciava um conhecido medo de sujeira, mostrou-me ser imprescindível conversar com ele diretamente sobre o aspecto anal. Perguntei a ele se notou como a Mimi, que ainda é pequena, se comporta com as fraldas. Heine respondeu afirmativamente. Eu disse a seguir que crianças tão pequenas fazem isso sempre na cama, mas crianças maiores como ele não o fazem mais, porém, às vezes, ainda têm medo disso. Heine não reagiu absolutamente, fez como se não tivesse ouvido e dava a impressão de uma manifesta resistência. Retrospectivamente, pode-se afirmar que, nesse momento, seguimos fluxos distintos de pensamento; isso demonstra que mesmo quando se entende mal uma vez, a criança não perde seu rumo, seu caminho. Ela permanece no seu tema (brinca com trens e os carrinhos) mesmo quando eu gostaria de conduzi-la à temática anal.

 

Quinta visita

Heine me mostra orgulhoso uma casa de madeira que ganhara de presente. Ele dirige com entusiasmo o trem pela casa e derruba a casa.

A mãe faz desta vez, na minha presença, a tentativa de dizer ao Heine que ela precisa se afastar para compras e ele deve ficar comigo.

Heine reagiu imediatamente chorando: "Mamãe não vá embora". A mãe cedeu e ficou em casa. Eu não expressei reação a respeito. Como saí, a mãe supôs que eu estivesse brava com Heine. Eu disse: "Não, não estou absolutamente brava. Como ele me perguntou se eu o amava respondi que sim, mas apesar disso, precisava ir embora". Como a mãe perguntou sobre o que eu dissera, Heine somente repetiu: "A tia foi embora".

O medo de sujeira sempre se repetiu. Quando, por exemplo, Heine ganha uma banana, que internamente está um pouco amolecida, inicialmente não quer comê-la achando-a suja; ele a come somente após a afirmação da mãe de que não há sujeira.

 

Sexta visita

Nesta visita, a mãe vem com Heine ao meu encontro. Ela me sugeriu já ir para casa com Heine, porque ela tinha alguma coisa para fazer e voltaria em seguida. Heine ficou, no início, inseguro comigo, procurou, com certeza continuamente, pela mãe em torno. Como não estávamos muito longe da sua casa, principiou, de repente, a chorar e explicou: "Procurar mamãe, não ir para casa". Ele se expressou tão desesperado que eu após certa reflexão disse-lhe: "Podemos voltar e esperar a mamãe". Consegui levá-lo para casa somente sob coerção e com isso ficava tudo perdido. Quando estávamos na curva na qual nos separamos da mãe, Heine se tornou impetuoso e disse: "Tia, procurar mamãe, mamãe foi embora, titia também vai embora". Dirigiu mesmo o punho na minha direção. Acedi, andei um pequeno trecho sozinha para procurar a mamãe e concordamos sobre o fato de que deveríamos procurar a mãe juntos. Eu o estimulei nos intervalos a protestar e a chorar e também a protestar quando a mãe chegasse. Indaguei-o sobre seu medo, ou se ele achava que a mamãe não voltaria. Ele confirmou isso. Nesse meio tempo declara sempre outra vez: "Não ir para casa, procurar mamãe." Uma vez disse também: "Titia irrita Heine". Quando a mãe finalmente chegou, a primeira pergunta de Heine foi: "Mamãe está brava?" Sua mãe deu-lhe em seguida um beijo, mostrou-lhe nitidamente quão pouco brava estava com ele. Esse comportamento da mãe foi definido pelas novas ideias que adquirira durante nossa conversa. Além disso, ela explicou que ficava brava quando ele chorava nas suas ausências. Ela compreendia que o motivo do seu choro era o medo da perda do seu amor e ela reforçava o medo dele quando manifestava sua zanga.

Ressaltei, então, para a mãe, que Heine estava zangado com a tia e com a mãe. Ao mesmo tempo, acentuei que, tanto eu como a mãe nutríamos muito amor por ele. Em casa, repetimos esse tema na brincadeira com os bonecos, na qual o boneco Heine xingava a boneca-mãe, enquanto que a boneca-mãe é muito querida para o boneco Heine. Na mesma tarde, Heine permitiu que a mãe saísse em paz, dormiu sem chorar e dormiu longamente. Esse foi o primeiro sono calmo desde algumas semanas.

 

Sétima visita

No dia seguinte, trouxe para Heine bilhetes de bonde que eu juntara para ele. Como ele tivesse se admirado com a grande quantidade, acentuei que gostava dele. Heine disse muito feliz: "Titia ontem estava brava, Heine gosta titia". Mais tarde, perguntou repentinamente à mãe: "Heine estava bravo, mamãe gosta dele?" A mãe me contou que ele afirmou temer a avó, porque ele a teria irritado. Eu disse: "Sim, eu acredito que Heine compreende sempre que quando irrita alguém, nesse caso, essa pessoa não o ama". E nesse caso, todos gostamos dele, mesmo quando, por vezes, nos irrita. Na brincadeira de bonecos, brincamos que ele de fato ralha com a boneca-mãe. Eu pergunto como Heine faz para xingar. Heine simplesmente responde: "Heine chora". Ralhar e chorar significam para ele a mesma coisa. A mãe propõe que o boneco Heine deve despedaçar o boneco-mãe. Heine não se atreve a isso, ele despedaça primeiro o boneco Heine. Só quando eu o ajudo ele participa. Parece-nos certo deixar de modo convincente que nós compreendemos sua agressividade e não a revidamos com agressões.

Também nesse dia Heine deixou sua mãe sair sem chorar e dormiu calmamente à noite.

 

Oitava visita

Desta vez, ocorre na sequência um breve diálogo. A mãe indaga: "Como você vê a mamãe?". Heine: "Querida". Eu digo: "O que mamãe é do Heine?". Heine: "Querida". Eu pergunto: "E a titia?". Heine: "A titia se irrita e Heine gosta dela".

 

Nona visita

Quando eu cheguei novamente, a mãe me contou o seguinte: durante uma visita da avó, Heine não comunicou a tempo que sua calça estava levemente molhada. A mãe não censurou o ato e para Heine ficou por fim esclarecido: "Heine irritou, mamãe não ralhou como a tia". Nesse dia, eu trouxe para Heine uma pequena cama de bonecos acompanhada de um pequeno boneco. Heine o batizou como Heine e assim temos agora dois bonecos, "Heine", um bem pequeno e um maior. Brincamos então que o pequeno boneco – mas nessa brincadeira Heine deu-lhe outro nome – também faz Hanba, que é o nome que Heine confere à urina e corresponde a "sujeira" em tcheco (Heine conversa na língua tcheca com Boska). Nós consolamos a boneca dizendo: "Isso pode acontecer", e coisa semelhante. Heine entrou feliz e contou imediatamente à mãe a sujeira Hanba que a boneca fez.

Isso ocorreu com a mãe nesse dia (no qual) deixou queimar os legumes. Eu disse: "Veja, a mamãe está triste pelo que passou, vamos confortá-la!". Heine disse imediatamente: "Comer verduras", isto é, ele queria poupar a mãe como ela fazia com ele. Era relevante para mim mostrar a ele que adultos podem vivenciar alguma coisa que as liberte do sentimento de culpa. Finalmente, Heine pegou uma caixa e a atirou em mim. Perguntei amigavelmente por que o fazia, ou se pretendia me ferir; ele respondeu negativamente. Disse-lhe que se achasse graça deveria atirar mais longe; ele atirou em seguida a caixa contra a mãe e ficou radiante com isso.

 

A última visita

Nas últimas visitas percebi que Heine oportunamente manifestava uma antipatia contra a mãe. Assim, dizia frequentemente zangado: "vá embora" ou "vá passear". A mãe observava que ele emitia tais palavras contra ela, quando entendia que ela se preparava para sair. Ela tem noção de que o companheirismo com outras pessoas antecipa a sua socialização, isso o torna irritado e de acordo com as bravezas correspondentes à sua idade diz o seguinte: "vá embora". Ele se atreve com essas palavras a conferir uma expressão à sua agressividade, a partir do momento em que não tem mais medo que a mãe vá embora de verdade e realmente o abandone. Fica, porém, certo que na sua saída ele não chora e à noite não perturba mais.

Para mim, restou durante a última visita fazer um esclarecimento sobre a diferença entre meninos e meninas. Como ele me perguntou se um menino que ele conheceu por meu intermédio também tem um "pênis", assegurei-o que todos os meninos o têm, que ele crescerá e nunca poderá ser perdido.

A mãe me relatou na presença de Heine que ele a interpelara, como as mulheres sem "pênis" poderiam fazer Hanba (urina) e que ele queria acompanha-la ao banheiro para ver como se faz. Eu orientei Heine sobre o modo como meninas e mulheres urinam e sugeri que a mãe oportunamente, o deixasse observar uma menina.

Tive a impressão, a partir da sua declaração, de que ele investiga a origem das crianças, além disso, falei à mãe para esclarecer a criança sobre esse problema.

O interesse de Heine foi aguçado por intermédio do bebê da mulher do porteiro e ele se informou com a mãe se ele, enquanto bebê, fora amamentado com chocolate. Não esclareci a criança por mim mesma porque a mãe não partilhou comigo a ideia de que havia chegado o momento do esclarecimento. Como a mãe, apesar disso, alcança um modo especialmente compreensivo sobre todas as coisas, pareceu-me correto não antecipar, mas respeitar seu tempo para superar suas dúvidas.

A mãe de Heine foi dotada de especial tato e empatia pela criança; ela evidencia muita compreensão pelos meus cuidados com as suas dificuldades e sem o seu auxílio os rápidos resultados com a criança não teriam sido possíveis. Para eu continuar com a mãe em contato com a criança, deveria esperar uma nova etapa de esclarecimentos sobre futuros sinais convincentes da sua curiosidade.

 

Suplemento

Cinco meses se passaram após essas doze visitas. O resultado do nosso tratamento permanece. Nesse meio tempo, Heine fez uma grande viagem com seus pais, na qual frequentemente caminhavam o dia todo. Heine ficava tranquilo em casa também, suas dificuldades para dormir não retornaram.

Logo após o nosso diálogo, surgiram alguns sinais de que ele não interrompe a tempo sua brincadeira e, por conseguinte, molha um pouco suas calças. Cada vez que chega perto da sua mãe, comunica o acidente com as palavras "não é verdade, mamãe, não fiz nada". A mãe permaneceu tolerante. Ao mesmo tempo começa a se masturbar com as mãos. Mostra-se para a mãe e pergunta medrosamente se as mãos ficam sujas com isso. A mãe respondia com tranquilidade que as mãos poderiam ser lavadas novamente, e assim ela não continuou observando o onanismo do menino. A tolerância da mãe atiçou os desejos de Heine. Como a mãe estava ocupada com sua higiene corporal, perguntou-lhe se gostaria de brincar com seu pênis. A mãe respondeu-lhe que as mamães não brincam com o pênis das suas crianças, informação essa que Heine compreendeu calmamente.

Nesses últimos, meses a conduta de Heine se modificou em relação ao pai. Ele recusou o pai com frequência, elogiou-se quando vestia o pijama, no qual se sentia um senhor; ele era agora o Walter. Oportunamente, tinha muita camaradagem com o pai e realçava a masculinidade.

 

Observações sobre a terapia deste caso

É interessante para os analistas notar como o relaxamento sobre a interdição anal torna os desejos sexuais mais leves1. Parece natural que o medo aproveita o que o pênis urinador valida, tudo o que está em conexão com o pênis. Por isso, encontramos nessa idade medo da masturbação também em crianças que não tiveram propriamente proibições de masturbação, mas que foram submetidas a uma severa educação de disciplina anal. Por outro lado, aparecem nessa idade fortes investimentos de excitações genitais (começo do Complexo de Édipo), desejos inéditos uretrais e anais. Assim, ouvimos frequentemente falar de crianças que por volta do terceiro ano, durante curto espaço de tempo, novamente se molham, após longo tempo de controle de limpeza. Sobre outras crianças dessa idade, ouvimos dizer que desenvolvem sintomas que correspondem a desejos anais recalcados.

Procuramos esclarecer como foi possível que a cura dessa neurose inicial ocorresse em tão curto espaço de tempo. Para isso precisamos ter uma ideia do significado das dificuldades neuróticas de Heine.

Heine desenvolveu por volta do terceiro ano um crescente amor pela mãe; ele a queria fortemente perto de si. Quando a mãe aparentemente prefere o pai, ele fica bravo e a afasta. Por força dos pensamentos imaginativos que dominam as crianças nessa idade, ele teme que seus desejos realmente possam se realizar. Então ele chora a cada afastamento da mãe como se ela jamais voltasse. Como durante a viagem de Natal sua cama estava ao lado da cama da sua mãe, crescia sua demanda de amor por ela e ao mesmo tempo seu ciúme e sua agressividade contra ela quando o deixava. Daí o agravamento após a viagem, quando ele se encontrava no seu quarto. Começavam também as grandes dificuldades para adormecer e os crescentes apelos para a mãe à noite. Nós presumimos que ele, nessa época, menosprezava a masturbação, sua ansiedade noturna fala disso, ele necessita de luz para olhar as mãos sobre a coberta. Como pode esse menosprezo ser compreendido?2 Heine tem ciência do esclarecimento e, mais tarde, ao atrever-se à masturbação, certifica-se se a mãe não vai repreendê-lo porque poderia sujar as mãos com isso. Assim como ele receia que o afastamento da mãe constitua um castigo para seus maus desejos, ele tem receio de que ela se irrite ainda mais, quando ele se suja; a masturbação representa para Heine sujar as mãos igualmente. Essa ansiedade reprimida deixava Heine sem sono. Mas ele chama a mãe muitas vezes para que o acoberte, assim, ele exterioriza as tendências conflitantes. A mãe deve protegê-lo da tentativa de masturbação quando ela o acoberta e com isso vê como suas mãos repousam sobre a coberta; por outro lado, satisfez seu desejo com a sua proximidade e por fim, em terceiro lugar, afasta-a do seu pai. Assim, vemos como nesses sintomas não só o desejo pulsional como também a rejeição de si mesmo encontram expressão. Mas nem nos sintomas, nem no diálogo e no brinquedo fica evidente que seu medo da masturbação com sentimento de culpa está relacionado com seu pai. Sua agressividade parece ser válida somente em relação à mãe.

No processo terapêutico preconizamos: nós o conscientizamos sobre essa agressividade contra a mãe e o ensinamos a lidar melhor com ela. Nós o encorajamos a xingar nas situações em que, até agora, só chorava. E nós o deixamos vivenciar, informamos que ele pode xingar e que a mãe, apesar de tudo, o ama; que seu medo era injustiçado de que a mãe ficava zangada quando ele tinha medo. Desse dia em diante, com essa vivência impressionante e com uma brincadeira posterior, abrandou-se a intensidade dos sintomas.

O que aconteceu, além disso, no processo terapêutico? Embora o conflito, que presumimos, não tenha sido trabalhado em todos os detalhes, teve, no brinquedo com os bonecos, seu desejo trabalhado em relação à mãe (boneco-mãe com boneco Heine; para Walter nenhum lugar). Embora seu conflito não persistisse durante muito tempo, essa insignificante ajuda já pode dar um bom alívio no processo terapêutico.

A possibilidade de uma ajuda tão rápida pode ser de todo compreendida quando refletirmos sobre isso, sobre o fato de que as crianças na idade de Heine não apresentam superego. Embora Heine já tenha interiorizado a proibição da mãe, e nela aponta o bem e o mal, que proíbe sujeira e agressividade, sua possível identificação conquistada com a mãe durante a disciplina para higiene leva-nos a perceber as fases preliminares do Superego. Mas o verdadeiro Superego será concebido como Freud o representou em Ego e Id na superação do Complexo de Édipo. O medo do castigo e a vingança das invejas concorrentes redime a criança do seu desejo do Édipo: renuncia aos seus desejos edipianos (medo do castigo) e a identifica com os pais ao mesmo tempo mantenedores e autores das interdições. O resultado dessas identificações é denominado de Superego. Por que esse tão conquistado Superego serve para dar conta de uma tarefa grande como a superação do Complexo de Édipo, este tão difícil de atingir uma vez que já esteja estabilizado.

Heine, porém, está longe da superação dos seus conflitos edipianos, sua agressividade e seus desejos são totalmente ligados com a mãe. Embora haja ciúme do pai, seu medo não reconhece ainda o rival. Ao que parece a todos e o que dele depreendemos e dos seus sintomas, compreendemos que existe mais disponibilidade de amor da mãe do que ameaça de castração pelo pai. Por isso já foi suficiente para o seu alívio a insignificante ajuda.

A ajuda foi analítica apenas em parte, nesse ponto, ela deixou que seus conflitos com a mãe se tornassem conscientes. Ela foi uma análise pedagógica, tão longe quanto a mãe permitiu no seu pedido para abrandar e compreender a reação do seu medo3.

Vimos que no nosso rápido tratamento Heine certamente desenvolveu seu conflito, tornou-se agressivo contra seu pai e revelou que deseja a participação da mãe na sua brincadeira de masturbação. Nós podemos perguntar se o relaxamento do seu medo não dificulta a próxima tarefa que terá de vencer, ou seja, o sacrifício do Complexo de Édipo. Nós não acreditamos nisso porque sabemos, por experiência, que vem um conflito consciente que precisa ser mantido no recalcamento. Além disso, esperamos que a redução do medo de Heine com a nossa ajuda tenha dado bom resultado; seu ego foi tão fortalecido que evidenciará forças contra as próximas exigências do id.

 

 

Endereço para correspondência:
emokrejs@uol.com.br
Rua Cayowaá, 1924/43
01258-010 – São Paulo – SP – Brasil.

Recebido em setembro/2015.
Aceito em novembro/2015.

 

NOTAS

1 Compare-se aqui o trabalho de Steff Bornstein: "Uma terapia infantil", Revista de Pedagogia Psicanalítica, caderno 7, julho 1933, onde na mesma idade, também após a cura dos sintomas genitais anais o onanismo começa.
2 Quando pode ser verdade que, isso é um mandamento, as mãos estarem sobre a coberta evidencia uma oração – resultante não da influência da mãe, da avó ou de Boska; assim permanece a questão em aberto, porque uma tal oração poderia ser tão eficaz.
3 Sobre essa associação de análise e pedagogia, escreveu Anna Freud em Condução na Técnica da Psicanálise de Crianças no capítulo "Para uma Teoria da Psicanálise Infantil ".

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