Temos presenciado a intensificação de formas de desregulamentação e precarização do trabalho. Historicamente, a atividade de transporte individual de pessoas se constituiu no compasso do processo de urbanização e crescimento das cidades. Em princípio, esse serviço foi prestado por motoristas que, em seus veículos e de acordo com suas próprias normas, o forneciam de forma independente.
O trabalho com táxi significou a profissionalização dessa atividade, com características específicas do ofício, cuja localização histórica remonta ao final do século XIX e início do século XX, tendo como sua característica mais marcante o taxímetro, que foi inventado em 1891 pelo alemão Friedrich Wilhelm Gustav Bruhn (Zaid, 2016 ). O serviço de táxi se disseminou globalmente no início do século XX e começou a ser institucionalizado nos países em desenvolvimento na década de 1920. No Brasil, o surgimento dos primeiros automóveis nas cidades, no início do século passado, sinalizou uma mudança no modelo de deslocamento, baseado no transporte rodoviário, culminando na criação da primeira montadora de veículos automotores do país em 1925. Contudo, a expansão significativa da indústria automobilística brasileira só ocorreu anos depois, por meio do projeto desenvolvimentista da Era Vargas. Essa evolução do transporte rodoviário refletiu não apenas o desenvolvimento tecnológico, como também as transformações na mobilidade urbana e nas formas de trabalho dos taxistas, que se tornaram elementos fundamentais da dinâmica das cidades, proporcionando uma perspectiva única sobre esse ambiente (Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas [Crepop], 2018 ).
Atualmente, esses profissionais se veem diante do modelo “uberizado” do serviço de transporte, o qual acabou por reconfigurar esse tradicional e importante segmento do mercado de trabalho. Nesse cenário, faz-se imprescindível analisar os reflexos de tal processo na vida e no trabalho desenvolvido pelos taxistas na contemporaneidade.
Fundada em 2010, a empresa Uber iniciou suas operações no Brasil em 2014. Não apenas no setor de transportes, essa plataforma impactou significativamente a sociedade como um todo, que foi apresentada de forma intensa ao trabalho mediado por plataformas digitais baseadas em algoritmos. Hoje, as plataformas digitais regulam o trabalho desempenhado por diversas categorias, como motoboys, diaristas, psicólogos, médicos, demais profissionais da saúde, entre outras.
Sobre os impactos dessa nova forma de trabalho, Abílio ( 2019 ) considera que é preciso produzir dados sobre trabalhadores da América Latina, território de existências e modos de vida associados ao desenvolvimento periférico. A autora argumenta que é preciso compreender, em uma perspectiva global, elementos que são insistentemente invisibilizados e diretamente associados à constituição da periferia em sua especificidade no desenvolvimento capitalista, sendo que a realidade dos países latinos não é idêntica à dos países do hemisfério norte no que tange às modalidades de configuração das relações de trabalho e dos circuitos econômicos ativados na relação com a tecnologia.
Diante desses aspectos, este artigo se propõe a apresentar uma metassíntese da produção científica latino-americana sobre o trabalho de taxistas, com o objetivo de analisar como são referidas as modificações no trabalho desses profissionais em função da entrada no mercado do serviço de transporte de passageiros por motoristas de aplicativos, buscando, mais especificamente, discutir sobre as diferenças e os elementos laborais comuns a essas duas categorias profissionais.
Parte-se da Psicologia Social do Trabalho (PST), campo que focaliza os fenômenos e problemas do trabalho (Coutinho et al., 2017 ) em suas dimensões objetivas e subjetivas, pautado em uma leitura crítica e interdisciplinar da realidade e na ênfase na experiência dos trabalhadores (Pereira, 2020 ). A PST é um campo ainda em construção, que inicialmente voltou-se para o trabalho urbano, formal e industrial, ajustando suas lentes para compreender as transformações velozes que temos presenciado no mundo laboral e suas repercussões sobre as novas configurações dos postos de trabalho, que deixam de ter na forma emprego seu principal modelo, assim como as repercussões dessas questões sobre os trabalhadores.
Ao se debruçar sobre as mudanças no trabalho dos taxistas em virtude da entrada no mercado do serviço de transporte de passageiros por motoristas de aplicativos, inevitavelmente há que se discutir também o fenômeno da uberização. Nesse sentido, toma-se como principal referência a perspectiva de Ludmila Abílio, para quem a uberização sintetiza um processo em curso há décadas, relacionado a novos arranjos produtivos, à perda de direitos e à transferência de riscos e custos para os trabalhadores no bojo da intensificação da precarização do trabalho, tendo como elementos centrais o gerenciamento de multidões, a partir do controle do trabalho por meio das tecnologias digitais e de informação, e a consolidação do trabalho sob demanda (Abílio et al., 2021 ).
Dessa forma, a uberização pode ser considerada como a face atual do mundo laboral, articulando elementos novos e antigos na gestão da polimorfia do trabalho (Uchôa-de-Oliveira, 2020 ). Um olhar superficial sobre esse campo poderia tomar os motoristas de aplicativos como o elemento novo, enquanto os motoristas de táxi seriam o antigo, no que diz respeito às características do trabalho e da prestação de serviços desempenhados por esses dois grupos. Todavia, há relações muito mais profundas nesse sentido, posto que a uberização é uma estratégia de aprofundamento da precarização do trabalho, que incide sobre a polimorfia do trabalho e (re)organiza a massa de trabalhadores, produzindo efeitos que se fazem sentir tanto sobre o trabalho não regulado quanto sobre as profissões assalariadas, assim como sobre as mentalidades dos sujeitos que vivenciam esse tempo histórico. Assim, a uberização é indissociável do neoliberalismo, no seio do qual o fenômeno se consolida e produz um tipo de trabalhador conformado a um discurso empreendedor e a uma racionalidade de individualização extrema. Tais elementos teóricos serão retomados e aprofundados na seção que trata da relação entre a uberização e o trabalho dos taxistas na atualidade.
Método
A metassíntese é um procedimento metodológico que realiza análise interpretativa dos resultados de estudos realizados em determinada área do conhecimento ou em diferentes áreas que mantenham um objeto de interesse comum (Oliveira et al., 2017 ). Tal procedimento proporciona novas compreensões, construídas a partir das articulações possíveis entre os resultados já encontrados e a literatura científica do campo. Pretende-se, portanto, transpor a síntese, ir além da condensação dos dados, e buscar um conhecimento que se apresente no cruzamento, no confronto e nas relações estabelecidas entre as informações (Bastos, 2014 ).
Este estudo contou com quatro fases: exploração, refinamento, descrição e análise. Na exploração, as bases de dados consultadas foram Lilacs, Scielo, Pepsic, Portal de Periódicos Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Redalyc, as quais cobrem uma variedade de disciplinas e áreas relacionadas, o que é importante para garantir uma perspectiva interdisciplinar nos trabalhos selecionados para análise.
Os descritores “táxi”, “vida” e “trabalho” foram utilizados em uma pesquisa cruzada com o operador “and” articulando os três termos, o que ajudou a refinar os resultados, garantindo que os artigos encontrados abordassem todos os três termos-chave (táxi, vida e trabalho). Isso possibilitou que a pesquisa enfocasse os documentos mais diretamente relacionados à temática do estudo. Já a escolha dos descritores foi fundamentada na ideia de buscar elementos relacionados ao cotidiano dos taxistas, visando encontrar publicações que tomassem em consideração aspectos de sua realidade no intercruzamento com as vivências laborais da categoria. Esperava-se, assim, acessar informações mais ampliadas sobre seu processo de trabalho e seus efeitos sobre as demais dimensões vitais desses trabalhadores, as quais forneceriam pistas sobre como o processo da uberização poderia ter gerado mudanças não somente sobre o campo laboral, como sobre as demais esferas da vida desses sujeitos, proposta condizente com o princípio da centralidade do trabalho, tão caro à PST.
O campo de busca utilizado, em todas as bases, cada qual com sua denominação, foi aquele que conferia mais abrangência aos resultados. Nesse sentido, não foram estabelecidos filtros, inclusive quanto ao ano de publicação, estratégia deliberada para garantir que a pesquisa fosse abrangente e englobasse um espectro mais amplo de estudos ao longo do tempo. Essa abordagem é particularmente relevante quando se investiga um tópico histórico ou quando se deseja analisar como as pesquisas e perspectivas sobre um assunto evoluíram ao longo dos anos, sendo o ajuste dos filtros necessário para a ampliação dos resultados (Rodrigues & Neubert, 2023 ).
Os resultados alcançados nessa fase de exploração estão expressos na Tabela 1 , que apresenta a quantidade de documentos localizados nas bases de dados.
Base de dados | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
Lilacs | Scielo | Pepsic | Portal de Periódicos Capes | Redalyc | Total | |
Quantidade | 48 | 4 | 0 | 99 | 57 | 208 |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Como indicado na Tabela 1 , foram localizadas 208 referências. Pode-se observar, nesses primeiros resultados, que o Portal de Periódicos Capes apresenta o maior volume de dados da busca (99), enquanto a Pepsic não apresenta pesquisas relacionadas ao objeto de estudo em suas bases. A esse respeito, leva-se em conta que o Portal Capes congrega documentos de várias áreas do conhecimento, enquanto a Pepsic apenas os da psicologia.
Na fase de refinamento foram analisados todos os documentos coletados na fase de exploração, com o objetivo de verificar a sua correspondência com o objeto da pesquisa. Inicialmente, os seguintes critérios de inclusão foram definidos: artigos publicados em português, inglês e/ou espanhol e artigos revisados por pares. Embora o escopo de análise seja a produção latino-americana, a escolha por incluir o idioma inglês se justifica por ser amplamente reconhecido como central na comunicação científica e acadêmica mundial, o que aumenta a probabilidade de encontrar pesquisas relevantes e abrangentes.
Após o descarte das duplicidades e da aplicação dos critérios de inclusão, foram pré-selecionadas 55 referências. Dessas, 33 foram excluídas em função de focalizarem trabalhadores de outras categorias de transporte (como mototaxistas e motoristas de ônibus), portarem relatos de taxistas apenas como pano de fundo para outras discussões (como pesquisas sobre o meio urbano e a cidade), apresentarem dados de países não pertencentes à América Latina, ou por serem pesquisas exclusivamente sobre trânsito, conforme indicado na Tabela 2 .
Duplicidades/Critérios de inclusão | 153 | |
Tema | Trabalhadores de outras categorias | 8 |
Urbano e cidade | 5 | |
Países não pertencentes à América Latina | 4 | |
Trânsito | 3 | |
Outros | 13 | |
Seleção final | 22 |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Com o refinamento, foi obtido um avanço no processo da seleção gradual do corpus de análise, composto por 22 referências, o que corresponde a 10,57% do material inicialmente encontrado na exploração. O corpus está detalhado na Tabela 3:
Título | Ano | Autores | Periódico |
---|---|---|---|
Incidência de lombalgia em taxistas do Aeroporto Internacional André Franco Montoro (Cumbica) em Guarulhos, São Paulo, Brasil | 2009 | Costa et al. | Terapia Manual |
A identidade em discursos de taxistas | 2009 | Velôso et al. | Psicologia & Sociedade |
Nivel de satisfacción y calidad de vida en el trabajo de los choferes de taxi y microbús de la Ciudad de México | 2011 | Berrones Sanz e Rosales Flores | Revista Mexicana de Salud en el Trabajo |
Estrés cotidiano en trabajadores del volante | 2013 | González Ramírez et al. | Summa Psicológica UST |
El desarrollo urbano y el proceso de configuración de un espacio empresarial. El caso de los concesionarios de transporte público de pasajeros en la modalidad de taxi en Zumpango, Estado de México | 2013 | Hernández Romero e Galindo Sosa | Quivera |
Sintomas osteomusculares em taxistas de Rio Branco, Acre: Prevalência e fatores associados | 2014 | Luna e Souza | Cadernos de Saúde Coletiva |
Estresse no trabalho: Estudo com taxistas na cidade de Belo Horizonte | 2015 | Braga e Zille | CONTEXTUS: Revista Contemporânea de Economia e Gestão |
Conflictividad por la operación del transporte público de pasajeros (modalidad taxi) en conjuntos urbanos de Tecámac, Estado de México | 2015 | Hernández Romero e Galindo Sosa | Espacios Públicos |
Influência da condição de trabalho na qualidade de vida de taxistas | 2016 | Oliveira et al. | Revista Baiana de Enfermagem |
Trabajo y salud en conductores de taxis | 2017 | Ledesma et al. | Ciencia & Trabajo |
Fatores associados à autopercepção de saúde em taxistas | 2018 | Matos et al. | Fisioterapia e Pesquisa |
Condiciones de vida, salud y trabajo en conductores de taxi en la Ciudad de México | 2018 | Rosales-Flores et al; | Revista M é dica del Instituto Mexicano del Seguro Social |
General enterprising tendency (CET) in Brazilian taxi drivers: Alternative to unemployment or form of action? | 2019 | Silva et al. | Innovar |
Qualidade e hábitos de sono de taxistas | 2020 | Soares Junior et al. | Research, Society and Development |
Asociación entre condiciones de trabajo, estilos de vida y síndrome metabólico en conductores de taxi de la Ciudad de México | 2020 | Mendoza Rodríguez et al. | Salud Problema |
La vulnerabilidad en el trabajo de los taxistas en la Zona Metropolitana del Valle de México ante la pandemia por COVID-19 | 2020 | Hernández Romero e Galindo Sosa | Espacio Abierto |
Detección de factores de riesgo cardiovascular en conductores de sitio de taxis | 2020 | Torres Sánchez e Pintor Prado | Red de Investigación en Salud en el Trabajo |
Relación entre estrés laboral y síndrome de burnout en conductores de taxi de la ciudad de Trujillo. Perú, 2019 | 2020 | Chunga-Trigozo et al. | Revista Médica Vallejiana |
Educación para la salud y prevención de la accidentabilidad de los conductores de taxis de la cooperativa San Francisco de Milagro | 2021 | Vargas López | Revista Publicando |
Análisis de la situación económica de los taxistas por el COVID-19 en el cantón Echeandía | 2021 | Pozo Hernández et al. | Dilemas contemporáneos: Educación, Política y Valores |
Female taxi drivers in Mexico City: Facing patriarchal structures as a force of oppression | 2021 | Hiramatsu | Gender, Work & Organization . |
Fatiga laboral y desempeño atencional en choferes de taxi y remise | 2021 | López et al. | Revista Interamericana de Psicología |
Fonte: elaborado pelas autoras.
As publicações mais antigas encontradas sobre a temática são de 2009 e as mais recentes de 2021, sendo que quinze delas se concentraram nos períodos entre 2017 e 2021, o que indica um interesse crescente sobre o tema. Dos 22 artigos analisados, nove foram produzidos por pesquisadoras brasileiras, seis por mexicanas, três por equatorianas, dois por argentinas, um por colombianas e um por peruanas, focalizando seus respectivos países.
Na fase de descrição, o material foi examinado e seus dados gerais organizados em categorias descritivas, em um processo semelhante ao utilizado em revisões sistemáticas de literatura. A seguir, passou-se para a análise, na qual buscou-se relacionar as informações encontradas ao objetivo do estudo e adensar as discussões por meio de leituras que abarcassem o contexto produtivo atual, especialmente no que tange ao fenômeno da uberização. Esses aspectos serão apresentados na próxima seção.
Descrição das categorias encontradas
As informações encontradas foram organizadas em três categorias descritivas principais: informações metodológicas, perspectiva teórica adotada e principais temas abordados. Esse mapeamento auxilia a melhor compreender como se configuram as produções bibliográficas analisadas e fornece subsídios para a etapa analítica.
Informações metodológicas
Nessa categoria, foram contabilizadas as ocorrências de cada tipo de informação metodológica. Ressalta-se que nem todas as pesquisas informam-nas explicitamente. Também foram encontrados estudos híbridos, como o de Braga e Zille ( 2015 ), que afirmaram produzir um estudo descritivo explicativo de cunho qualitativo-quantitativo.
Como se observa no Gráfico 1 , há o predomínio da abordagem quantitativa. Vale destacar a frequência do uso de questionários e escalas psicométricas na avaliação de quadros físicos e psicológicos em taxistas (Berrones-Sanz & Rosales Flores, 2011 ; Braga & Zille, 2015 ; Costa et al., 2009 ; Oliveira et al., 2016 ).
No estudo de Hernández Romero e Galindo Sosa ( 2020 ), realizado já na pandemia de covid-19, as investigações se concentraram na produção de dados por via documental e jornalística, devido às limitações impostas ao contato presencial. Outro exemplo de mudança metodológica provocada pela pandemia foi encontrado no estudo de Pozo Hernández et al. ( 2021 ), em que se aplicou um questionário online de perguntas fechadas.
A escolha por determinados procedimentos em detrimento de outros está diretamente relacionada à proposta do estudo e ao fenômeno que este se propõe a compreender. Os delineamentos metodológicos que pareceram mais efetivos para os estudos no contexto do cotidiano de taxistas foram os exploratórios, conforme se verifica no Gráfico 3 . Salienta-se que dois materiais do corpus de análise não declararam expressamente o tipo de estudo.
Pode-se observar uma estratégia semelhante quanto ao delineamento temporal: o uso da técnica transversal ao mesmo tempo em que se revela uma lacuna na escolha de desenhos de pesquisas longitudinais, como ilustrado no Gráfico 4 . Ressalta-se que, em três materiais do corpus de análise, não se aplicou a classificação de delineamento temporal, uma vez que são pesquisas documentais.
Perspectiva teórica adotada
Os marcos teóricos adotados pelos estudos podem ser consultados na Tabela 4 . Verificou-se o quão difícil é a identificação de um referencial teórico específico nos textos analisados, ao mesmo tempo, em que se destaca a multidisciplinaridade de teorias e uma diversidade de campos de estudo. Tal aspecto pode ser considerado positivo, visto que uma abordagem que consegue ler o trabalho a partir de várias dimensões pode alcançar resultados que se traduzem em uma implicação ético-política, sem perder o rigor que a produção científica exige (Bastos, 2014 ).
Um aspecto relevante refere-se à diferença de abordagem entre os estudos que focalizaram a Saúde do Trabalhador em comparação com aqueles que discutiram a qualidade de vida e o estresse ocupacional. A Saúde do Trabalhador, ao invés de responsabilizá-lo por seu adoecimento, aprofunda-se na complexa dinâmica do processo de trabalho, que vai colocando cargas e sobrecargas sobre os trabalhadores. Trata-se de um campo contra-hegemônico nos estudos da relação trabalho e saúde, pois, ao exercer a crítica, avança sobre os limites epistemológicos e, nesse movimento, expõe o comprometimento político-ideológico presente nos diversos referenciais teóricos (Bastos, 2014 ).
Saúde do Trabalhador | 3 |
Autopercepção de saúde | 2 |
Modelo de qualidade de vida desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) | 2 |
Modelo da tendência empresarial geral (Caird, 1991 ) | 1 |
Teoria da produção da função social | 1 |
Teoria do Patriarcado de Walby | 1 |
Modelo Teórico de Explicação do Estresse Ocupacional em Gerentes (MTEG) | 1 |
Não especificado | 11 |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Ao abordar o estresse no trabalho, as pesquisas indicam que os principais fatores associados a esse fenômeno são as condições físicas e psicológicas dos próprios indivíduos. As discussões sobre qualidade de vida dos taxistas tendem a considerar fatores como lazer e saúde, além de aspectos focados na remuneração. Esse tipo de enquadre mostra-se mais alinhado à perspectiva da Saúde Ocupacional, que representa o discurso hegemônico e comprometido com os interesses do capital, que produz e reproduz conhecimentos ancorados em uma lógica de adaptação do trabalhador ao ambiente e às condições de trabalho, sem que o trabalho em si seja tomado como principal dimensão de análise.
Ressalta-se, ainda, a predominância de referenciais teóricos provenientes da área organizacional, que apresentam um foco funcional nos processos de trabalho. Tal aspecto pode ser justificado em parte pelos descritores utilizados, embora também seja possível inferir uma menor atenção de outros campos que se voltam para a temática da uberização, como a Psicologia e a Sociologia do Trabalho, sobre a categoria dos taxistas.
O modelo Teórico de Explicação do Estresse Ocupacional em Gerentes, citado por Braga e Zille ( 2015 ), endossa a lógica adaptativa e individualizadora ao sugerir questões como a realização de atividade física regular por parte dos taxistas, além do descanso regular (férias) anual, como formas de combater o estresse no trabalho.
Evidencia-se, nessa interface organizacional, a presença de discussões interessadas no resultado produtivo e nas adaptações e mudanças cognitivas que podem impactar positivamente os trabalhadores. O modelo da tendência empresarial geral faz menção ao empreendedorismo, embasando o estudo de Silva et al. ( 2019 ), que buscou apresentar uma tendência ao empreendedorismo dos taxistas como resposta às mudanças que estão ocorrendo na sociedade.
Por sua vez, a teoria do patriarcado de Walby sugere que as estruturas patriarcais nas famílias e no emprego oprimem sistematicamente a vida privada e profissional das taxistas mulheres (Walby, 1990 ). Especificamente, essa teoria serviu como uma estrutura analítica relevante para Hiramatsu ( 2021 ) examinar as condições de trabalho das motoristas de táxi mexicanas.
Principais temas
A última categoria descritiva busca fornecer um panorama dos principais temas focalizados nas produções analisadas. A Tabela 5 retrata a diversidade de assuntos abordados.
Observa-se a predominância de temas relacionados à saúde e segurança, que foram frequentemente associadas às condições de trabalho. Entre os principais aspectos relacionados às condições de trabalho de taxistas, destacam-se as intempéries climáticas, os ruídos, a vibração e os aspectos relacionados à segurança ambiental, como a falta de sinalização adequada das vias públicas, como fontes relevantes de tensão no trabalho desses profissionais (Silva et al., 2019 ). Em relação às doenças físicas advindas dessas condições, são mencionadas dores crônicas de coluna, ocorrência de sintomas osteomusculares e cardiovasculares, síndromes metabólicas, problemas de sono e obesidade, assim como riscos psicossociais causados pelo consumo de álcool e os hábitos de tabagismo prevalentes em taxistas (Luna & Souza, 2014 ). Percebe-se que apenas Ledesma et al. ( 2017 ) abordaram a organização de trabalho 3 , marcada pela ausência de relação formal de trabalho e pela relação competitiva e sem cooperação entre os taxistas.
Riscos e doenças ocupacionais | 7 | Segurança viária e comportamentos de condução de risco | 1 |
Condições de trabalho | 5 | Estratégias de enfrentamento ao sofrimento no trabalho | 1 |
Tensão e estresse no trabalho | 3 | Qualidade de vida | 1 |
Impactos da pandemia de covid-19 | 2 | Empreendedorismo | 1 |
Organização de trabalho | 1 | Identidade laboral | 1 |
Satisfação no trabalho | 1 | Desafios da mulher taxista | 1 |
Educação em saúde e trabalho | 1 | Autopercepção da saúde | 1 |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Observa-se, ainda, associação entre a presença de local para descanso dos taxistas e a vitalidade e qualidade de vida 5 . Nesse sentido, os taxistas que não têm um local de descanso apropriado e os que não conseguem conciliar os intervalos de descanso com o trabalho podem colocar em risco a própria saúde e diminuir sua vitalidade (Soares Junior et al., 2020 ), sendo essa questão abordada exclusivamente por um viés individual.
Por fim, a temática da educação em saúde e trabalho aparece como meio de intervenção para promover práticas saudáveis junto aos condutores de táxi. Geralmente, esses assuntos vêm acompanhados de subseções sobre estratégias de enfrentamento ao sofrimento no trabalho e comportamentos protetivos, como em Mendoza Rodríguez et al. ( 2020 ).
Um aspecto que chamou a atenção, dentro do material analisado, foi a pesquisa de Hiramatsu ( 2021 ), que partiu de análises feministas para pensar como a estrutura patriarcal incide no trabalho de taxistas mulheres. Nota-se um olhar original sobre esse campo de trabalho, historicamente ocupado por homens, sendo interessante aprofundar-se em reflexões interseccionais que considerem o gênero e também a raça e que possam tecer laços com o fenômeno do trabalho por aplicativo, essencialmente racializado e masculinizado, como discute Fernandes ( 2022 ).
Os taxistas e a uberização: apontamentos iniciais para análise
Nessa seção, o tratamento dado às informações levantadas nas fases anteriores possibilita aprofundar o conhecimento e ampliar a compreensão acerca do objeto de estudo. Esse é o objetivo da análise interpretativa dos dados, que pretende alcançar um entendimento a partir do que pode ser apreendido na relação entre as informações descritas.
Como informado anteriormente, o objetivo deste artigo é analisar como são referidas nas publicações científicas latino-americanas as modificações no trabalho de motoristas de táxi em função da entrada no mercado do serviço de transporte de passageiros por motoristas de aplicativos, buscando, mais especificamente, discutir sobre as diferenças e os elementos laborais comuns a essas duas categorias profissionais. No entanto, a produção científica analisada não apresentou sequer indícios do que seriam essas transformações. Fez-se necessária, então, a busca por outras referências que ajudassem a deslindar essa questão, abordada de forma mais específica por Resende e Lima ( 2018 ) em um estudo produzido pelo Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que avaliou os impactos concorrenciais da entrada da Uber sobre o mercado de táxi. Uma das conclusões apontadas nessa publicação foi que a categoria dos taxistas não adotou uma estratégia de redução de preços como reação imediata ao aumento da concorrência, em função da regulação demasiadamente rígida que impõe tarifas fixas e tende a dificultar ou proibir a aplicação de descontos em corridas de táxi. Apesar disso, a depender da situação, identificou-se uma tendência dos taxistas a negociarem livremente com o cliente o valor da corrida. Tal aspecto, por si só, mostra um rearranjo operado por esses profissionais para lidar com a concorrência dos aplicativos.
Outra forma de reação identificada para lidar com a intensificação da concorrência foi a busca por contestar a legalidade dos aplicativos junto à esfera pública. Uchôa-de-Oliveira e Bastos ( 2022 ) mencionam a suspensão da oferta do serviço da empresa Uber por um breve período de tempo na capital paulista, fruto das manifestações de taxistas. Todavia, na sequência, a reação da empresa foi oferecer aos taxistas credenciados na prefeitura de São Paulo a possibilidade de aderirem ao trabalho pela Uber, viabilizando “a inclusão na plataforma daqueles que um dia protestaram contra ela” (Uchôa-de-Oliveira & Bastos, 2022 , p. 5).
Outra consequência relatada por Resende e Lima ( 2018 ) foi que o aumento da concorrência fez com que alguns taxistas decidissem abandonar o mercado de transporte individual, haja vista os preços impraticáveis da Uber, principalmente quando de sua entrada no Brasil. No entanto, devido aos problemas vivenciados pelos clientes com a institucionalização dessa modalidade de transporte, os taxistas persistentes no mercado puderam captar uma parte da demanda. Esse efeito acabaria compensando reduções nos rendimentos ocasionadas pelo surgimento de competição com os aplicativos de transporte privado.
Tais aspectos mostram efeitos evidentes da reorganização de aspectos do trabalho de taxistas em função do início de operação da Uber e outras empresas de transporte de aplicativo no mercado. Abílio et al. ( 2021 ), amparados nas análises de David Harvey, destacam que uma característica crucial da uberização é a organização na dispersão, posto que, embora o trabalho da multidão de indivíduos uberizados se mostre disperso e sem unificação enquanto categoria, também é altamente centralizado pelas empresas-aplicativo, produzindo uma forma complexa, intensa e simultaneamente invisível de controle sobre esses trabalhadores. Argumentamos aqui que tal controle se estende também aos taxistas, ainda que não trabalhem vinculados a essas empresas-aplicativo, pois eles acabam por redimensionar seu cotidiano laboral, sua renda e outros elementos do seu processo de trabalho em função da operação dessas empresas.
Abílio et al. ( 2021 ) discutem que a uberização, embora reconhecida como um fenômeno recente, está inserida em um processo mais amplo, relacionado à precarização estrutural do trabalho, característica do capitalismo. O que seria específico dessa modalidade é a introdução de um novo tipo de controle da força de trabalho a partir da consolidação do trabalho sobre demanda, que passa a ser gerido por plataformas digitais. Para os autores, o elemento central da uberização não estaria propriamente na plataformização, mas em seu uso para o gerenciamento de um grande contingente de trabalhadores just-in-time e com remuneração por peça.
Nesse sentido, pode-se questionar se os taxistas já experienciavam elementos desse modelo, uma vez que seu trabalho sempre dependeu da demanda de passageiros por transporte e sua remuneração sempre foi obtida a partir da quantidade e tipo das corridas realizadas. O que poderia ser um diferenciador nesse quesito é o fato de o taxista trabalhar por uma contratação direta com os clientes. No entanto, outras similaridades podem ser encontradas. Alguns dos aspectos significativos para o trabalhador uberizado, apontados por Uchôa-de-Oliveira ( 2020 ), seriam a falta de controle sobre a remuneração, decorrente das tarifas determinadas pela plataforma, e o repasse para esses dos custos operacionais do trabalho. Podemos pensar que tais elementos já estariam presentes no modelo de trabalho dos taxistas, visto que não definem o valor da “bandeira”, que é tabelado, além de terem que arcar com todos os custos relacionados à manutenção do veículo, licenças e documentos legais para o exercício da atividade laboral.
Aponta-se, ainda, que a Uber e suas demais correlatas não só conquistaram majoritariamente novos clientes, que não utilizavam serviços de táxi, como também afetaram negativamente o número de corridas dos taxistas (Resende & Lima, 2018 ). Todavia, argumentamos que os efeitos são muito mais profundos. Há que se destacar o fato de que os motoristas de táxi também passaram a utilizar aplicativos para obtenção de corridas e, nesse sentido, também vivenciam aspectos semelhantes aos indicados. Ainda existem outros elementos relevantes: Abílio et al. ( 2021 ) e Uchôa-de-Oliveira ( 2020 ) analisam que a informalização e a precarização, aspectos típicos da uberização, são aprofundados por esse fenômeno, que objetiva, em última análise, a eliminação dos direitos, garantias e segurança, que historicamente eram associados ao trabalho formal e à sua forma emprego. Tal processo de informalização e precarização, embora em curso há décadas e atrelado à terceirização (Pereira, 2018 ), se intensifica em um ritmo acelerado no cenário da uberização e reorganiza todo o contingente de trabalhadores, inclusive aqueles que não estão necessariamente vinculados a essa forma de trabalho, posto que há uma construção subjetiva que opera nesse processo.
Nesse sentido, Dardot e Laval ( 2016 ) argumentam que o neoliberalismo não se trata apenas de um modelo econômico, mas fundamentalmente de um modo de produção de subjetividades. Safatle ( 2020 ) analisa como o neoliberalismo se configura como um tipo de psicologia moral, produzindo:
um profundo trabalho de design psicológico, ou seja, de internalização de predisposições psicológicas visando à produção de um tipo de relação a si, aos outros e ao mundo guiada através da generalização de princípios empresariais de performance, de investimento, de rentabilidade, de posicionamento, para todos os meandros da vida.
(p. 26)
Os discursos ideológicos centrados na noção de empreendedorismo são um bom exemplo dessa situação. Franco et al. ( 2020 ) analisam que a incorporação do discurso empreendedor deriva da situação de indeterminação e impotência na qual os sujeitos são colocados pela ordem capitalista, levando-os a aderir “de modo irrefletido a ideias que exaltam seu poder de ação, sua capacidade de empreender e ser bem-sucedido” (p. 69).
Leite e Lindôso ( 2021 ) apontam o empreendedorismo como uma manifestação do capitalismo, que apresenta, ao mesmo tempo, um caráter ideológico e celebrativo, ao ressignificar o termo “empreendedor”, que tradicionalmente era utilizado para destacar a iniciativa de empresários bem-sucedidos e passou a designar qualquer trabalhador por conta própria. Esse giro objetiva uma glamourização dos modos de trabalho que estão entre os mais precarizados e desprovidos de direitos.
Pode-se argumentar que, historicamente, os motoristas de táxi não eram identificados como empreendedores. Seu trabalho se classificava como prestação de serviço, sendo, portanto, atinente ao setor terciário (Rodrigues, 2005 ). Todavia, essa autora identificou a existência de uma estratificação dentro da categoria, havendo uma elite, composta por aqueles que atuavam há tempos na praça, eram donos do veículo e da licença, já haviam criado os filhos, possuíam casa própria e desfrutavam de uma situação de trabalho estável. Um segundo grupo seria formado por aqueles que estavam na praça há menos tempo (dois a cinco anos) e ainda estariam se consolidando na profissão. Um terceiro grupo, ainda, seria composto por aqueles considerados “frotistas”, que alugavam o táxi e por vezes usavam essa atividade como um “bico” para complementação da renda advinda de outra atividade.
Todavia, na atualidade, o discurso empreendedor também chegou à categoria de taxista, como verificado no estudo de Silva et al. ( 2019 ), que consideram a postura empreendedora um tipo de resposta dos taxistas às transformações em curso no mercado de trabalho. Abílio et al. ( 2021 ) apontam a necessidade de deslocar a noção de empreendedor para a de autogerenciamento subordinado, que abarca a transferência de responsabilidades, gestão do tempo, remuneração, custos etc. para o próprio trabalhador, que, no entanto, está inteiramente subordinado a mecanismos externos de controle sobre seu trabalho, sobre os quais muitas vezes não tem consciência. No caso dos motoristas de táxi, de acordo com a argumentação tecida até aqui, tais mecanismos não estão atrelados a uma plataforma, mas às complexas teias de regulamentação da atuação profissional, bem como às modificações objetivas e subjetivas que acabam por remodelar sua atividade laboral para se ajustar ao mercado competitivo e uberizado.
Foram indicadas algumas aproximações que se fazem notar sobre o trabalho dos motoristas de táxi e aqueles que atuam vinculados a empresas-aplicativo, aproximações que demonstram os ajustamentos operados no trabalho dos primeiros a partir da entrada no mercado dos últimos. No entanto, há diferenças significativas. Enquanto os motoristas uberizados não têm acesso às regras para definição do preço das corridas e das oscilações apresentadas ao longo da jornada de trabalho, os motoristas de táxi (e seus clientes) conhecem bem a determinação do valor por bandeira e por quilômetro rodado.
Outras diferenças importantes estariam relacionadas a elementos característicos dos motoristas uberizados: não participam da definição (ou sequer conhecem) as regras de distribuição das demandas de trabalho, não sabem como são feitas as médias de suas avaliações e estão sujeitos a serem bloqueados ou desligados do aplicativo a qualquer momento, sem justificativa (Abílio et al., 2021 ; Uchôa-de-Oliveira, 2020 ). Tais aspectos não incidem sobre os motoristas de táxi.
Na produção científica analisada, a profissão de taxista pode ser caracterizada por: extensa jornada de trabalho (igual ou superior a 11 horas); ausência de local apropriado de descanso, dado que este se dá dentro do próprio veículo; baixa adesão sindical, sendo essa mais comum apenas nos grandes centros urbanos; remuneração variável; modalidades de serviço variáveis, por exemplo, cooperativas ou motoristas com carros próprios ou alugados; e problemas de saúde decorrentes das condições e formas de organização do trabalho. Ao levar em consideração esses fatores, encontra-se uma dinâmica laboral que por si só já se mostra problemática. Todavia, com o advento dos fenômenos da uberização e plataformização do trabalho, esses aspectos tendem a se intensificar e aproximar ainda mais essa categoria profissional daquela dos chamados trabalhadores uberizados.
Considerações finais
Como exposto, os principais elementos abordados nos materiais que compuseram o corpus de análise selecionado para este estudo relacionam-se às influências das condições de trabalho na incidência de problemas de saúde, prioritariamente físicos/fisiológicos, dos taxistas. Esses temas são explorados em diferentes contextos geográficos e perspectivas disciplinares, oferecendo uma visão que reflete as complexidades associadas à profissão de taxista.
No entanto, diversas lacunas e temas pouco desenvolvidos são evidentes na literatura encontrada. Poucos estudos exploraram a organização do trabalho, e nenhuma publicação teve uma abordagem transdisciplinar para entender a profissão de taxista em sua multiplicidade. Apenas um estudo focou em questões de gênero. A pandemia de covid-19 gerou novos desafios para a profissão de taxista, mas a pesquisa sobre como os profissionais lidaram com esses desafios se mostrou limitada.
Consoante ao exposto, as publicações científicas analisadas não focalizam especificamente as mudanças recentes no trabalho de motoristas de táxi, o que é indicativo da necessidade de se realizar estudos empíricos junto a esses trabalhadores que levem em consideração as transformações operadas no mundo do trabalho em função da difusão de novas tecnologias e sua utilização para a criação de novas formas de exploração pelo trabalho, como no caso do autogerenciamento subordinado. Outro aspecto que deve ser aprofundado refere-se aos efeitos produzidos pelos discursos neoliberais sobre esses trabalhadores, sendo fundamental a construção de análises que busquem conjugar as mutações objetivas no cenário laboral com as consequências subjetivas que vão se produzindo nessa relação.
Seria interessante também focalizar os usuários desses serviços, dado que a uberização afeta não apenas os taxistas e trabalhadores que estão diretamente vinculados a essa modalidade de trabalho por demanda, mas todos que utilizam essa modalidade de transporte. Na interação nas plataformas, avaliamos os motoristas e alimentamos esse circuito. Esse modelo que, em um primeiro momento, pareceu beneficiar uma parcela da sociedade que não dispunha de meios para utilizar transporte privado, após alguns anos, é reconhecidamente marcado pelas perdas significativas dos direitos trabalhistas, o que joga um papel decisivo no comportamento dos usuários no aprofundamento desse padrão predatório de prestação de serviços e organização da força produtiva.
Conclui-se que a metassíntese apresentada neste estudo evidencia que as publicações da última década e meia sobre o trabalho e a vida de taxistas se circunscrevem dentro dos limites das análises tradicionais sobre as relações entre as condições de trabalho de motoristas e aspectos de sua saúde, não tendo ainda alcançado um olhar mais ampliado sobre como essa atividade tem se transformado de forma intensa com a configuração das formas contemporâneas de gestão do trabalho sob demanda mediado por tecnologias digitais, ao mesmo tempo em que a subjetividade dos membros dessa categoria também se transforma, no curso da remodelação subjetiva que opera sobre a massa de trabalhadores no contexto do capitalismo neoliberal.
Entendemos que a PST é uma fonte profícua para produção de reflexões e análises aprofundadas a esse respeito, podendo auxiliar na compreensão dos futuros possíveis do trabalho dos taxistas e motoristas de aplicativo, a partir da tendência geral observada de intensificação da precarização operada pelo fenômeno da uberização. A PST pode, ainda, inspirar a construção de olhares mais atentos sobre os movimentos de resistência e enfrentamentos produzidos por esses trabalhadores diante desse cenário degradado, encontrando “brechas” no sistema que façam emergir modos outros de ação coletiva e se configurarem práticas contestatórias aliadas a novas expressões de consciência de classe.