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Cadernos de Psicologia Social do Trabalho

versão impressa ISSN 1516-3717versão On-line ISSN 1981-0490

Cad. psicol. soc. trab. vol.27  São Paulo  2024  Epub 05-Jul-2024

https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.cpst.2024.206661 

Artigos originais

Meio ambiente de trabalho equilibrado: análise da atividade de eletricistas de linha viva

Balanced work environment: analysis of live-front activities

Flavia Traldi de Lima1 
http://orcid.org/0000-0002-6389-4764

Gustavo Tank Bergström2 
http://orcid.org/0000-0003-0648-6278

Sandra Francisca Bezerra Gemma2 
http://orcid.org/0000-0002-8567-157X

Marcella Silva Ribeiro Gonçalves2 
http://orcid.org/0000-0001-7429-6797

Milton Shoiti Misuta2 
http://orcid.org/0000-0001-5426-7083

José Luiz Pereira Brittes2 
http://orcid.org/0000-0003-2419-1342

Amanda Lopes Fernandes3 
http://orcid.org/0000-0002-5593-0681

Eliezer Silva Franco3 
http://orcid.org/0000-0002-7825-8904

1Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo, SP, Brasil)

2Universidade Estadual de Campinas (Limeira, SP, Brasil)

3Companhia Paulista de Força e Luz (Campinas, SP, Brasil)


RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar aspectos do trabalho real no setor elétrico, os quais distanciam e aproximam os operadores de um meio ambiente de trabalho equilibrado. A pesquisa foi realizada com oito Eletricistas de Linha Viva (ELV), que atuavam em uma companhia elétrica do setor privado em processo de distribuição de energia executando tarefa de Poda de Vegetação. A pesquisa baseou-se na aplicação da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) para compreensão do trabalho real, articulada às contribuições teóricas do campo do direito acerca do conceito de “meio ambiente de trabalho equilibrado”. Como resultado, identificaram-se condições que podem gerar fadiga física e riscos aos trabalhadores, assim como questões relacionadas à organização do trabalho e demandas cognitivas com implicações para a segurança, que podem distanciar os operadores de um meio ambiente de trabalho equilibrado. Também foram identificados aspectos de satisfação no trabalho, que favorecem a constituição da identidade revelada por meio do desenvolvimento do ofício e pelo senso de pertencimento e cooperação no trabalho desempenhado em equipe, situações que aproximam os trabalhadores de um meio ambiente de trabalho equilibrado.

Palavras-chave Meio ambiente de trabalho; Setor elétrico; Eletricistas; Linha viva

ABSTRACT

This article analyzes real work aspects in the electricity sector, which distance and bring electricians closer to a balanced work environment. Research was conducted with eight live-front electricians from a private electric company who worked in energy distribution processes performing vegetation pruning. Ergonomic Work Analysis (EWA) helped to understand real work, articulated to theoretical contributions from Law about the concept of “balanced work environment”. Analysis identified conditions that can generate physical fatigue and occupational risks, as well as issues related to work organization and cognitive demands which can affect safety and distance operators from a balanced work environment. The aspects of job satisfaction identified favor constituting the identity revealed by the development of the craft and the sense of belonging and work cooperation, situations that bring workers closer to a balanced work environment.

Keywords work environment; energy sector; electricians; live-front

Introdução

Osistema elétrico de potência brasileiro interliga geradoras, transmissoras e distribuidoras de energia elétrica. Pesquisas apontam que, independentemente das fases que compõem esse sistema, o trabalho desempenhado por eletricistas nesses processos confere perigo à vida e à integridade física e mental deles, dada a exposição a riscos, acidentes e mortes no trabalho.

De acordo com os dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho de 2018 (Smartlab, 2018 ), entre as categorias de geração, transmissão e distribuição de energia que compõem o Sistema Elétrico de Potência (SEP), a distribuição elétrica registrou 10.605 casos de acidentes de trabalho, enquanto transmissão e geração registraram 1.986 e 5.542 casos, respectivamente 9 . De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), no Brasil ocorreram 28 mortes no setor elétrico decorrentes de acidentes do trabalho em 2019, somando funcionários próprios e terceirizados (ANEEL, 2020 ).

Além do evidente risco de natureza elétrica (García-Sánchez & Morell, 1999 ; Fordyce et al., 2007 ), os eletricistas estão expostos aos: riscos mecânicos, decorrentes do trabalho em altura; riscos biológicos, oriundos de ataques de animais e contaminações; riscos físicos, provenientes de exposição ao calor, frio e chuvas; riscos biomecânicos, oriundos de esforço físico excessivo; entre outros (Martinez & Latorre, 2008 ).

Em relação à saúde física, estudos apontam para Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) em eletricistas (Oliveira, Martins & Costa, 2016 ), além de dores na coluna vertebral, nos ombros, nos punhos e nas mãos e desconforto em ombros e troncos (Seeley & Marklin, 2003 ). Tais problemáticas se associam ao trabalho estático de membros superiores, combinado aos esforços físicos resultantes de movimentos de manipulação, pressão de ferramentas e dificuldades relacionadas ao alcance do corpo pelo melhor campo de visão do trabalho.

Observa-se nesse trabalho também riscos psicossociais relacionados a demandas e exigências por qualidade, responsabilidade, segurança no emprego, apoio social e convívio constante com diferentes riscos, que são situações que podem culminar em problemáticas relacionadas à saúde mental. A pesquisa de Martinez e Latorre ( 2008 , 2009 ) aponta que tais fatores do trabalho exercem estreita relação com o desenvolvimento de distúrbios emocionais leves. Já Souza et al. ( 2011 ) demonstram que, em decorrência das circunstâncias e do perigo presente no trabalho, a prevalência dos transtornos mentais comuns em eletricistas foi semelhante à encontrada em policiais civis.

Pelos perigos e decorrentes riscos apresentados nas atividades, o trabalho dos eletricistas é comumente desempenhado em equipes. Comumente elas são formadas por duplas de trabalhadores, o eletricista executor e o observador da tarefa. O eletricista executor opera posicionado sob o caminhão no cesto aéreo, enquanto o observador da tarefa é responsável por se manter no solo, nas imediações do poste, para observar a realização da atividade pelo executor, de forma a sinalizar e orientar o parceiro quanto aos possíveis riscos provenientes da situação de trabalho e ações decorrentes (Gonçalves, 2020 ).

Diferentemente de outras categorias de eletricistas vinculadas a companhias de energia elétrica, os Eletricistas de Linha Viva (ELV) apresentam características que conferem riscos ainda maiores à saúde, à segurança e à vida dos trabalhadores. Isso porque tais trabalhadores atuam por meio do método ao contato em redes energizadas de média tensão (13,8 kV ou mais), ou seja, sem o desligamento da passagem da corrente elétrica pelos fios condutores, a fim de que não seja interrompido o consumo de energia.

Diante do contexto apresentado, este artigo tem como objetivo analisar aspectos do trabalho real no setor elétrico que distanciam e aproximam os operadores de um meio ambiente de trabalho equilibrado. A pesquisa foi realizada com oito eletricistas de Linha Viva de uma companhia elétrica privada, que atuavam em processos de distribuição de energia executando a tarefa de Poda de Vegetação. A pesquisa baseou-se na aplicação da Análise Ergonômica do trabalho (AET) para compreensão do trabalho real, articulada às contribuições teóricas do campo do direito acerca do conceito de meio ambiente de trabalho equilibrado.

Meio ambiente de trabalho equilibrado

Meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordens física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” 10 . Absorve-se dessa disposição normativa que meio ambiente não é somente um sistema, mas sim um conjunto interdependente, categoria essa que pressupõe uma necessária relação de interconexão entre os elementos coexistentes (Feliciano & Pasqualeto, 2019 ).

No entanto, igualmente se constata que o conceito jurídico não incluiu as interações de ordem psicossociais que interferem no ambiente, sendo necessário complementar a definição legal de maneira a torná-la mais sistêmica e adequada às características do meio ambiente 11 . Com esse objetivo e salientando sua característica extensa, o meio ambiente pode ser dividido em quatro classificações 12 envolvendo as dimensões natural, artificial, cultural e laboral, com essa última disposta no artigo 200, VIII, da Constituição Federal de 1988 13 .

Embora tal divisão tenha vistas a identificar o objeto e aprofundar seus estudos, percebe-se que o ambiente de trabalho ainda é um termo que carece de maiores discussões, embora seja caro às relações laborais. Por muito tempo, a acepção clássica restringiu o meio ambiente de trabalho ao local no qual a atividade é desenvolvida ou o reduziu acerca de adicionais de insalubridade e periculosidade, negligenciando diversos outros aspectos que são igualmente fundamentais ao trabalho.

Atualmente, a assertiva definição engloba todos os fatores que, direta ou indiretamente, se relacionam com a execução da atividade pelos trabalhadores, independentemente da existência de vínculo de emprego. São considerados em meio ambiente de trabalho tanto as questões materiais (local dos serviços, estrutura, máquinas, ferramentas, etc.), quanto às questões imateriais, ligadas à organização do trabalho e compreendendo as relações horizontais e verticais, a rotina, o ritmo, entre outros (Brandão, 2015 ).

Dessa maneira, o conceito ampara igualmente as relações interpessoais (relações subjetivas), especialmente as hierárquicas e subordinativas, pois a defesa desse ambiente se espraia na totalidade de reflexos na saúde física e mental dos trabalhadores (Rocha, 2013 ). Meio ambiente de trabalho deixa de ser uma estrutura apenas espacial, estática e reducionista, para se consolidar em um sistema ativo, funcional e genuinamente social (Camargo, 2013 ).

Se, por um lado, tal definição está em harmonia com as normas internacionais, a citar a Convenção n. 155 da Organização Internacional do Trabalho e o art. 12 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, por outro, no plano nacional não é diferente. Além dos já citados artigos, a Constituição Federal de 1988 prevê, no caput de seu artigo 225, “o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A disposição constitucional, ao citar que meio ambiente é bem de uso comum de toda a população e direito de todos os cidadãos e das gerações presentes e futuras, revela uma inexorável interdependência com os direitos humanos fundamentais, já que é impossível alcançar qualidade de vida sem ter qualidade de trabalho, como também não se pode atingir meio ambiente equilibrado e sustentável ignorando o meio ambiente do trabalho (Oliveira, 1998 ).

Dado seu caráter fundamental, o meio ambiente de trabalho é indissociável do bem-estar físico, psíquico e social do trabalhador. Percebe-se, dessa forma, que a tutela jurídica do meio ambiente de trabalho é resultado de estudos interdisciplinares que visam não apenas a compreensão do trabalho em si, mas sim a interação com o meio em que estão inseridos e suas variáveis (Franco & Arruda, 2017 ).

Dentro dessa lógica estão presentes outros conceitos pouco compreendidos na teoria jurídica, mas fundamentais para que se atinja o almejado equilíbrio (Teixeira, 2013 ). A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a exemplo, não regulamenta o adicional de penosidade e tampouco define porcentagem, como o faz com os adicionais de insalubridade e periculosidade, ainda que os três estejam previstos no mesmo artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal. O resultado prático é que mesmo que a constituição reconheça o trabalho penoso, ordinariamente inexiste a potencialidade para ensejar indenização por tal fator.

Por outro lado, o caráter penoso de determinadas atividades tem sido alvo de análises interdisciplinares, sendo possível chegar à conclusão de que a penosidade no trabalho está ligada àquilo que é desgastante para a pessoa humana, seja por si ou pelas condições em que são exercidas, e às exposições aos esforços além do normal, provocando sobrecarga de ordem física e/ou psíquica (Melo, 2016 ). Silva ( 2011 ), por sua vez, relaciona o trabalho penoso a atividades que acarretam dor, sofrimento e desgaste físico e mental ao trabalhador.

Percebe-se que, mesmo inexistindo uma regulamentação que defina o trabalho penoso, sua discussão circunda a humanização e a dignificação do trabalho, elevando o ser humano a sua posição central. Tal raciocínio ressalta a importância da construção de um conceito de labor-ambiente que, efetivamente, leve em conta o trabalhador, e não apenas o trabalho.

Quando os conceitos estão, na prática, integrados, é que a base para que se alcance o equilíbrio ocorre. Dessa forma, o ambiente de trabalho equilibrado representa uma equalização entre os elementos – aqui obviamente incluídos os trabalhadores – que dividem, coexistem e interagem em um mesmo local (Feliciano & Pasqualeto, 2019 ). Assim, o equilíbrio é o resultado de construções e combinações de diversos campos do conhecimento, com vistas a preservar a saúde do trabalho em seus mais diversos aspectos.

Ergonomia da Atividade

A Ergonomia é uma disciplina que surge no século XX, interessada na relação estabelecida entre o trabalho e o homem. Assim como a definição recentemente incorporada pela área do direito acerca do conceito de meio ambiente equilibrado, a corrente francofônica da Ergonomia, também conhecida como Ergonomia da Atividade, se apoia em uma compreensão crítica acerca dos processos de trabalho, igualmente associada a singularidade das situações laborais e dos sujeitos (Wisner, 2004 ).

A Ergonomia, como disciplina que objetiva adaptar o trabalho ao indivíduo (Guérin et al., 2001 ), insere-se nessa perspectiva ao se debruçar sobre a qualidade do ambiente de trabalho e o bem-estar dos trabalhadores, com a possibilidade de proporcionar o equilíbrio nas interfaces existentes (Falzon, 2007 ). A lógica fornecida pela Ergonomia aprimora sua compreensão quando incorporada e repercutida na conceituação de meio ambiente de trabalho, promovendo melhor efetividade às relações de trabalho de modo geral.

Tal promoção somente é possível por uma questão indissociável da própria Ergonomia: reconhecer o trabalhador como aquele que detém a expertise para compartilhar as vivências da complexa relação que envolve o trabalho e o ato de trabalhar. Não por acaso, a legislação incorporou no sistema pátrio a Norma Regulamentadora 17 (NR-17) sobre Ergonomia, obrigatória a todas as empresas, sejam públicas ou privadas (Franco & Arruda, 2017 ). Por meio dela, a aplicação da Ergonomia no meio ambiente do trabalho tem por objetivo “estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente no trabalho” (Ministério do Trabalho e da Previdência, 2022 , NR-17, 17.1.1).

Para isso, na Ergonomia da Atividade é necessário reconhecer que os processos de trabalho estão igualmente associados à singularidade das situações laborais e dos sujeitos (Wisner, 2004 ). Desse pressuposto, considera-se distinguir o trabalho prescrito, que determina de forma antecipada normas e padrões organizacionais, e a atividade ou trabalho real, expresso na maneira como cada indivíduo mobiliza suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir os objetivos da organizacionais (Guérin et al., 2001 ). Baseado nisso, parte-se do entendimento que o trabalho é permeado por imprevistos, anomalias e, portanto, variabilidades que interagem entre si, sejam elas humanas e/ou organizacionais (Falzon, 2007 ).

Dessa forma, atravessam diversos fatores sobre o trabalho, como ambiente físico, jornada de trabalho, hierarquia e formas de comando, dispositivos técnicos, instrumentos, qualidade dos materiais e insumos, relação com pares e hierarquias, tempo alocado para a realização do trabalho, critérios de produtividade e qualidade, salário, ganhos financeiros, formas de reconhecimento e outros (Gemma et al., 2021 ). Isso permite dizer que a ação está associada a uma situação de trabalho inserida em um contexto sociotécnico, constantemente submetida a um processo de regulação interna (Abrahão et al., 2009 ).

Os processos de regulação interna nada mais são que estratégias operatórias adotadas pelos trabalhadores para enfrentar os desafios que a realidade de trabalho impõe constantemente. As estratégias operatórias “levam em conta que o sujeito ordene um conjunto de passos por meio do raciocínio para a resolução do problema formulado, criando assim as condições para sua ação” (Gemma et al., 2021 , p. 358), de modo a organizar suas competências para desempenhar a tarefa imposta pela organização do trabalho.

Portanto, ao conceber o trabalho como dinâmico, parte-se do pressuposto que o processo de regulação e gestão das variabilidades ocorrem no campo do real, ou seja, a partir de estratégias, adaptações e flexibilizações empregadas e mobilizadas pelos sujeitos individual e coletivamente. Logo, o reconhecimento pela ergonomia da atividade do corpo, das competências e da inteligência, e não somente dos fatores físicos e ambientais do trabalho em seu sentido estrito, permite legitimar o trabalho por seus aspectos humanos, majoritariamente invisíveis. Isto é, possibilita considerar o protagonismo do trabalho e daqueles que trabalham como fator fundamental para enfrentar os desafios que a realidade impõe (Sznelwar, 2015 ).

Método

O artigo apresenta resultados parciais de um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), realizado entre 2018 e 2021 em parceria entre uma Companhia de Energia Elétrica localizada no interior de São Paulo, uma fabricante de ferramentas para o setor elétrico e a Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O estudo, de cunho qualitativo (Markoni & Lakatos, 2007 ), foi realizado com oito Eletricistas de Linha Viva (ELV) do quadro próprio de uma estação avançada de abastecimento, atuantes no sistema de distribuição de energia em tarefas de manutenção de sistemas elétricos.

Para compreensão do trabalho real, realizou-se a aplicação das primeiras etapas do método da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) (Guérin et al., 2001 ). A aplicação da AET esteve focada na Poda de Vegetação, elencada em plenária pelos ELV como a atividade mais crítica em termos de esforço, frequência e riscos associados, para além de ser apontada como crítica por outros atores da produção como os gestores e os membros da segurança do trabalho. A poda de árvores e outras vegetações se torna responsabilidade das companhias elétricas quando a vegetação entra em contato com as redes elétricas. O trabalho é realizado visando evitar curto-circuito em redes aéreas e rompimento de cabos, que podem causar interrupção no fornecimento de energia, riscos para os pedestres, perda de eficiência da iluminação pública, entre outros.

Fonte: Arquivo da pesquisa.

Gráfico 1: Eletricista de Linha Viva realizando poda de vegetação 

Nas primeiras etapas da AET (Guérin et al., 2001 ), realizou-se análise da demanda, coleta de informações sobre a empresa, levantamento das características da população, escolha das situações de análise, análise do processo técnico e da tarefa e observações globais e abertas da atividade.

As etapas de coleta de informações sobre a empresa e levantamento das características da população foram realizadas junto às lideranças e ao administrativo da estação avançada, por meio de diálogos e levantamento de dados e documentações.

Já as observações globais se pautaram pelo acompanhamento em campo da tarefa de Poda de Vegetação a partir de registros em diários de campo, fotos, vídeos e áudios. As observações globais realizadas acerca da tarefa de Poda de Vegetação ocorreram em duas visitas realizadas ao local da pesquisa, durante quatro horas cada e levaram em consideração o proposto por Guérin et al. ( 2001 ) quanto ao deslocamento, a direção do olhar, as comunicações e as posturas.

Em relação ao deslocamento, as observações tiveram como foco o trajeto do operador para efetuar seu trabalho, desde a saída da subestação até os endereços dos serviços, o ambiente de execução das operações dos eletricistas de linha viva, incluindo o perímetro limitado da utilização do cesto aéreo, entre outros. Quanto a direção do olhar e comunicação, as observações foram direcionadas à comunicação visual entre as duplas ou equipes de ELV e as comunicações verbais, gestuais ou por meio de intermediários específicos – smartphone, notas de serviços, entre outros – no que tange o contato dos eletricistas de linha viva com a subestação de distribuição de energia elétrica, como entre os eletricistas atuando em dupla ou em grupo. Em relação às variadas posturas, foram observadas aquelas adotadas pelos ELV de acordo com a tarefa, os constrangimentos que pesam sob os movimentos, bem como a precisão, o equilíbrio, a fadiga e as diferentes dificuldades nas distintas situações de trabalho desempenhadas. Ressalta-se que as observações globais passaram por autoconfrontação e validação junto aos eletricistas, após o término de realização das tarefas.

Após essa etapa, realizou-se entrevistas semiestruturadas com oito ELV, todos do sexo masculino, com pelo menos cinco anos de experiência na Companhia. As entrevistas ocorreram de forma voluntária e em duplas, na sede administrativa da estação avançada, no horário regular de trabalho e tiveram duração de aproximadamente uma hora cada. A cada um dos participantes foi entregue um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por meio de aprovação ética e de acordo com o CAAE 16531119.0.0000.5404.

As entrevistas gravadas e posteriormente transcritas foram classificadas nas categorias “situações de trabalho que se distanciam de um meio ambiente equilibrado” e “situações que se aproximam de um ambiente de trabalho equilibrado”. As discussões foram articuladas às contribuições teóricas do campo do direito acerca do conceito de meio ambiente de trabalho equilibrado.

Resultados e discussões

A compreensão do trabalho e sobretudo do trabalho executado na tarefa de Poda de Vegetação pela Análise Ergonômica do Trabalho, bem como por meio das entrevistas realizadas com os Eletricistas de Linha Viva, apontou para categorias que estiveram associadas a situações do trabalho que se aproximam e se distanciam de um meio de trabalho equilibrado.

Situações de trabalho que se distanciam de um meio ambiente equilibrado

De acordo com as análises do trabalho real dos Eletricistas de Linha Viva da companhia, aspectos relacionados a intensificação do trabalho e a demanda física importante (esforços e movimentos repetitivos), exposição às intempéries climáticas, dificuldade de alcance das situações de operação por limitação de determinados tipos de cesto aéreo, bem como necessidade de constante diagnóstico e replanejamento da ação e tensão emocional, perante o perigo e os riscos, demonstram distanciamento de um meio ambiente de trabalho equilibrado.

Isso pois o trabalho de ELV realizado em cesto aéreo demanda a utilização constante dos membros superiores para a operação das tarefas em redes energizadas, como manter os braços esticados ou elevados acima do nível dos ombros por longos períodos. Na tarefa de poda de vegetação, essa situação de trabalho é acrescida pela necessidade de utilização de motopodas, ferramentas que variam entre 4,5 kg e 5,5 kg.

Nessas condições, estão presentes situações relacionadas a limitação de alcance do objeto de trabalho pelo uso do cesto aéreo e a necessidade, por norma regulamentadora, de manter o corpo distanciado das linhas energizadas, o que conduz o indivíduo a estabelecer posturas consideradas prejudiciais. Tais posturas, embora unicamente possíveis diante das variabilidades das situações apresentadas, inserem-se como fatores que também corroboram para riscos físicos.

Associada a tais questões, também se apresentaram queixas acerca de equipamentos de proteção individual (EPI), como luvas e mangotes de proteção que recobrem parte dos membros superiores. A forte resistência ao movimento das mãos e dedos pelo uso da luva de borracha e o peso do material dos mangotes de proteção proporcionado às costas e aos antebraços ocasionam resistência aos movimentos, implicando em sintomas de fadiga muscular.

A literatura revela que na profissão de eletricista é comum o aparecimento de Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) (Scopinho, 2002 ), assim como a pesquisa de Moriguchi et al. ( 2009 ), que evidenciou sintomas musculoesqueléticos na totalidade de Eletricistas de Linha Viva estudados, e nesta pesquisa, em que os oito eletricistas entrevistados apresentaram relatos de dores nos braços, antebraços, punhos, cotovelos e ombros associadas ao trabalho:

Dor é todo dia em mim, a gente faz poda hoje, amanhã cedo eu levanto eu tô travado. Da barriga pra cima assim ó, você levanta travado aí vai esquentando o esqueleto e você vai melhorando. É uma dor assim que eu acredito que seja normal, né? Que você tá fazendo um esforço físico, né? Você vai ter dor, né? É uma dor muscular nas juntas, ombros, dedos, cotovelos, é onde demanda o maior esforço nosso.

(ELV5)

Quanto às lesões decorrentes desse tipo de trabalho, os ELV relataram ainda o risco de acidentes derivados do contato do corpo com as redes e a ocorrência de choque elétrico. Em outro trabalho também realizado a partir do corte de vegetações próximas a rede elétrica, evidenciou-se acidentes associados ao ataque de insetos e animais peçonhentos próximos a redes, como abelhas, taturanas e até mesmo cobras, dado que o trabalho pode ser executado tanto nas zonas urbanas como rurais. Sobre os riscos ambientais, os eletricistas apontam:

Na linha viva tive há dois meses atrás, tive um acidente de origem elétrica, né, foi só uma queimadura que foi fechado um curto entre fase e fase e queimou a minha vestimenta e minha pele, deu 1 º e 2º grau de queimadura (ELV2).

A taturana passou, queimou e deu íngua em mim, debaixo do braço . . . as vezes você corta um galho e ela cai de cima e acaba queimando, mas você tem que ficar esperto né, principalmente abelha a gente sempre olha antes, pra ver se tem algum cacho, alguma coisa, já vai cortando já vai se preparando já, já, dessas vespas aí, judiaram de mim, nossa, dói!

(ELV3).

Outro fator apresentado pelos trabalhadores esteve relacionado à forte exposição a intempéries. Por ser um trabalho realizado a céu aberto durante o dia, o calor intenso pode gerar desidratação e fadiga, especialmente considerando o esforço físico intenso e uso de EPI. Esses últimos, extremamente necessários para a execução das tarefas, são roupas e acessórios isolantes que precisam ser usados durante toda a execução das atividades em redes energizadas, sobretudo pelo executante da tarefa em cesto aéreo. Embora proteja dos riscos físicos, o uso dos EPI somado à exposição em temperaturas elevadas pode representar desconforto aos trabalhadores (Melo et al., 2003 ).

A gente tem história de companheiros que já passaram mal, mesmo de manhã, casos aí que baixou a pressão e teve que interromper a função de supervisão e ser deslocado pra um atendimento médico. E vice-versa, em cima também teve problema de queda de pressão devido ao esforço, excesso de suor, chegar ao ponto de desmaio.

(ELV5).

Ainda sobre a tarefa de poda de vegetação, a questão das demandas físicas, somadas à dinâmica organizacional, são perceptíveis na fala dos eletricistas. Houve relatos de que as equipes chegaram a realizar poda de vegetação com a frequência de quatro a cinco vezes por semana, nos dois períodos de trabalho (manhã e tarde). As podas também apresentam duração variada, podendo levar de poucos minutos à extensivas horas, a depender da estrutura da vegetação e suas dimensões. Segundo os trabalhadores, para cumprir as exigências referentes à tarefa de poda de vegetação, a companhia estipulava metas mensais, nem sempre atingidas. Alguns eletricistas mencionaram uma média de 500 podas de vegetação realizadas ao mês pelas quatro duplas de linha viva.

A pressão por tempo na atividade de eletricistas ligada às metas pode possibilitar a presença de riscos psicossociais que apontam para a penosidade no trabalho, tendo em vista o esgotamento físico por conta da atividade com condições pesadas e exaustivas. Em relação às metas, um dos eletricistas entrevistado descreve sobre a frequência da atividade:

Então, a empresa impõe umas metas mensais, tipo mensal, mensal tem que podar 500 árvores, para podar, então dependendo do serviço não dá, . . . eu tô chutando né, às vezes tem 300, 400, depende, é um período por mês né, é mensal, mas geralmente não atinge né . . .

(ELV7).

Para além da intensificação do trabalho, observou-se a presença de grandes esforços cognitivos. Esses ocorrem pois as diferentes variabilidades presentes em cada situação de trabalho precisam ser equacionadas mediante estratégias e adaptações elaboradas pelos trabalhadores. Na atividade de poda de vegetação, os esforços cognitivos são evidentes à medida em que é necessário considerar a diversidade de vegetação, os tipos de galhos e troncos – grossos, finos, extensos, curtos –, as estratégias para podar sem abater a árvore, o cuidado com a queda de galhos na casa dos consumidores, nos pedestres e no próprio material de trabalho, além de identificar a melhor maneira de posicionar o caminhão para melhor alcance do cesto aéreo e decidir entre as diversas maneiras de manusear a serra, tendo cuidado constante com a fiação elétrica em torno da vegetação e outros.

Em decorrência das distintas variabilidades e mudanças ocorridas nas situações de trabalho a cada instante, as estratégias para compatibilizar os diversos elementos necessitam de diagnósticos, planejamentos e replanejamentos constantes. A pesquisa de Primo ( 2020 ), realizada com Eletricistas de Linha Viva, revela como os elementos da percepção, da atenção e da comunicação individuais e coletivas resultam em tomadas de decisão precisas para cumprir os objetivos organizacionais e evitar acidentes. Assim também foi observado na fala dos eletricistas entrevistados:

A diferença da poda para a manutenção, é que a poda é uma constante análise. Todo corte que você fizer na árvore você tem que estar analisando ou mudando de estratégia porque você vai... é tem várias coisas, depende né, tem maria fedida e ela queima na mordida. E conforme vai cortando, né, vai adentrando a poda da árvore, o cenário vai mudando. Não só tem árvore na poda, tem cerca viva também que ela trança muito, tem também sansão do campo (espécie de vegetação que apresenta espinhos).

(ELV6).

Evidencia-se que as situações apresentadas se distanciam de um meio ambiente de trabalho equilibrado pois as atividades podem ser realizadas em ambiente extremo (Wolf & Spérandio, 2007 ), isto é, com intensa demanda física e exposição a diferentes riscos. Tanto as implicações imediatas (como o risco de contato com animais peçonhentos) quanto as que se desenvolvem no decurso das jornadas (a citar dispêndios físicos ou psíquicos) podem causar implicações para a qualidade do trabalho executado e para a capacidade laboral, que estão relacionadas à qualidade de vida no trabalho bem como com a qualidade de vida em entendimento mais amplo.

Igualmente, percebe-se que, nas situações de trabalho aqui relatadas, as ferramentas disponíveis no ordenamento jurídico brasileiro foram pouco incorporadas no cotidiano laboral dos indivíduos estudados. Afinal, o Manual de Aplicação da NR-17 é sinalizado para um processo construtivo e participativo na resolução dos problemas complexos e que exigem o conhecimento das tarefas, da atividade desenvolvida para realizá-las e das dificuldades enfrentadas para se atingirem o desempenho e produtividade exigidos, mas as diretrizes do manual não repercutem na prática.

Sendo as normas desrespeitadas, os riscos provenientes do possível desequilíbrio no meio ambiente de trabalho podem culminar também no rompimento do equilíbrio social dos indivíduos, dada a centralidade do trabalho para a existência humana (Dejours, 2004 ). Portanto, ainda que exista o dever do empregador em proteger o trabalhador contra nocividades que prejudiquem sua integridade, percebe-se, por meio dos resultados apresentados, que tanto as condições de trabalho quanto a ausência de medidas protetivas pela organização de trabalho são somatórias que podem prejudicar o meio ambiente de trabalho, levando ao seu desequilíbrio.

Situações que se aproximam de um ambiente de trabalho equilibrado

Apesar de serem apresentadas questões do trabalho de ELV que se distanciam de um meio ambiente de trabalho equilibrado, evidenciou-se também aspectos do trabalho considerados positivos, isto é, que se aproximam do que o elemento jurídico entende como um meio de trabalho considerado equilibrado. De acordo com os trabalhadores, tais aspectos estavam relacionados à satisfação de realizar um trabalho que revela benefício à população, a noção de identidade revelada pelo ofício e a cooperação de um trabalho desempenhado em equipe.

O trabalho com linha viva, por conduzir operações complexas em redes energizadas, permite sua execução sem afetar o funcionamento elétrico de estabelecimentos como residências, escolas, hospitais, fábricas e comércios, entre outros. De acordo com os eletricistas entrevistados, para além de uma execução estritamente técnica, existe no trabalho um forte componente social, que deriva da realização de uma atividade essencial à comunidade.

Exatamente por isso, a pesquisa de Primo ( 2020 ) associa a figura do Eletricista de Linha Viva com a do herói invisível, pois enfrenta perigos e riscos diariamente para trabalhar proporcionando um serviço aos cidadãos que, na maior parte dos casos, desconhecem a existência desse ofício de suma importância para o desenvolvimento das sociedades. O componente social atribuído à tarefa é mencionado pelo ELV7 nesse estudo:

Assim, a empresa, o tipo de serviço que ela presta é um serviço à comunidade, à população né. Então eu acho prazeroso você participar disso entendeu? Você faz parte do anseio da população, você tem a perspectiva que a população tem da sua energia né, se tem um temporal, se você chega lá t á tudo desligado, você chega na rua assim ó tudo apagado. Você vai lá e reestabelece a energia, eu acho gratificante pra caramba, eu sempre achei, nossa!

(ELV7).

Para além disso, existe também um sentimento de honra pelo próprio ofício operado em linha viva. Por ser um trabalho de alta periculosidade, representante do topo de uma carreira em distribuição, extremamente especializado e qualificado, e demandante de grande carga de treinamentos, responsabilidades, exigências e experiência profissional, os eletricistas reconhecem as dificuldades, os perigos e as complexidades inerentes ao trabalho. Esse reconhecimento e valorização revela a construção de uma identidade para com a profissão, de forma associada ao sentimento de pertencimento à companhia elétrica da qual fazem parte.

Eu tenho três anos e meio de linha viva e cinco de companhia. Como eletricista desde os 14 anos. Aí eu vim pra cá pra realizar um sonho também, né, porque quem é eletricista tem o sonho de vir trabalhar nessa companhia

(ELV5).

Para Salvagni ( 2013 ), o trabalho no setor elétrico que implica em riscos está intimamente ligado a uma posição de gozo e dominação, característico da identidade masculina. Observa-se tal aspecto no relato do ELV3:

É desafiador porque imagina, você tá ali naquele cesto 11 mil volts passando ali, e você em contato com ele. Você pega uma ferramenta e ouve o barulho dela. Então é desafiador pra gente, a hora que você desce, você olha pra cima e pensa ‘olha o que eu acabei de executar!’. Acho bacana, acho muito legal, gratificante

(ELV3).

No entanto, a virilidade que permeia o trabalho e confere orgulho também se torna uma forma de negação dos riscos, fator muitas vezes visualizados na própria negação do uso de equipamentos de segurança como forma de garantir a virilidade pelo trabalho, tal como apontado por Dejours ( 2018 ) nas pesquisas com trabalhadores da construção civil ao se referir às estratégias coletivas de defesa.

Frequentemente o trabalho é desempenhado em equipes formadas por duplas de eletricistas, o executor (que faz as tarefas de manutenção no cesto aéreo) e o observador da tarefa, também chamado na Companhia estudada de “guardião da vida” (que executa as tarefas de supervisão e apoio). Nesse caso, a cooperação se torna elemento fundamental não apenas para o cumprimento da tarefa, mas para a preservação da segurança no trabalho, dado que o guardião da vida é responsável pelo zelo. Destaca-se que a comunicação estabelecida entre as duplas também necessita ser assertiva, sobretudo quando essa se estende para a realização de trabalhos com mais de uma dupla de eletricistas, demandados para tarefas mais complexas.

Para que a operação seja realizada com qualidade e de forma segura, o grupo é entendido como maior que a soma de seus elementos, ou seja, é visualizado um todo que necessita de inteligência, consciência, e local em que corpos e gestos são coordenados e sincrônicos. A pesquisa de Guardia e Lima ( 2019 ) em uma concessionária elétrica estatal aponta a cooperação e a confiança construída nas relações entre as equipes como base para a regulação das variabilidades individuais, ou seja, serve para melhor agir sobre o estado emocional, cognitivo e físico, constituindo uma gestão coletiva dos riscos em situações complexas. Nesse estudo, visualizam-se tais elementos na fala do ELV1:

Pra esse tipo de serviço eles - a companhia - usam muito a palavra guardião, mas é equipe. Se você falar é só eu e mais um, não serve pra esse tipo de serviço. É equipe. Além de ser o guardião tem que ser equipe. Estávamos em seis pessoas executando o trabalho, então a gente faz tudo em conjunto.

(ELV1).

Mediante as falas apresentadas, percebe-se que, apesar das dificuldades enfrentadas no real do trabalho, os ELV discorrem acerca de aspectos que lhes conferem satisfação, identidade, cooperação e, portanto, um ambiente de trabalho considerado equilibrado. Um trabalho com tais características para além da gratificação pessoal, quando confere sentido à atividade desempenhada, insere-se como mediador para a saúde física e mental, para a segurança e, portanto, para qualidade de vida dos trabalhadores (Dejours, 2018 ; Sznelwar, Uchida & Lancman, 2011 ).

Ainda que parcialmente, o desenvolvimento de atividades em um ambiente de trabalho reconhecidamente equilibrado pode gerar consequências positivas para a vida dos indivíduos, já que o equilíbrio social é indissociável do equilíbrio laboral. Assim, percebe-se que a dignidade do trabalhador está diretamente relacionada com o desempenho de suas atividades em um ambiente seguro, saudável e equilibrado.

Considerações finais

Este artigo identificou aspectos do trabalho real de Eletricistas de Linha Viva em poda de vegetação que distanciam e aproximam os operadores de um meio ambiente de trabalho equilibrado, de acordo com o que se entende pelo conceito originário do Direito Ambiental.

Embora os trabalhadores atuem de forma a se adaptar diante do real e cumprir os objetivos propostos pela organização na tarefa de poda de vegetação, foram mencionadas situações de dispêndio muscular, risco de lesões e acidentes que podem se configurar como condições prejudiciais à integridade dos trabalhadores. Quando analisadas questões relacionadas ao contexto e a dinâmica de trabalho, também se identificou questões de ordem psicossocial relacionadas a pressão por tempo, metas e esforços cognitivos que, quando associados, dificultam a livre organização do tempo de planejamento da tarefa, fundamental para que as equipes de eletricistas operem de forma sincronizada e segura.

Nesse sentido, seria necessário a formação de grupos de discussão com participação da hierarquia e dos ELV, bem como dos profissionais ligados à saúde, ergonomia e segurança no trabalho, para pensar estratégias de enfrentamento que possam minimizar os riscos advindos do trabalho. Estima-se que pausas regulares e investimento em ferramentas e vestimentas possam ser de grande valia. Destaca-se que, nesse projeto de P&D, foram desenvolvidas quatro ferramentas de apoio ao trabalho dos ELV e que já foram depositadas as patentes.

Quanto aos aspectos que se aproximam de um meio ambiente de trabalho equilibrado, identificou-se questões relacionadas à satisfação de realizar um trabalho que revela benefício à população, a identidade associada ao ofício e a cooperação de um trabalho desempenhado em equipe. Tais questões asseguram sentido e pertencimento ao trabalho e seu papel como mediador de saúde aos trabalhadores. Também se tornam imprescindíveis para a segurança à medida em que manifestam formas individuais e coletivas de regulação das variabilidades presentes no trabalho, ao mesmo tempo que, em certa medida, apresentam relações paradoxais quando analisadas pela ótica da virilidade e enfrentamento do perigo pela negação dos riscos.

Assim, entende-se a importância da aproximação do Direito Ambiental com a Ergonomia da Atividade, de forma a se atentar às situações reais de trabalho, as quais favorecem um entendimento mais amplo e contextualizado não apenas do trabalho, mas dos trabalhadores e da relação desses com o meio ambiente de trabalho equilibrado.

Se, por um lado, o desequilíbrio pode refletir na qualidade de vida do trabalhador, seja de forma súbita ou paulatina, por outro, o equilíbrio do meio ambiente laboral é capaz de garantir tanto um trabalho digno quanto à realização humana e social. Desse modo, importa reconhecer as situações e aspectos que se aproximam de um meio ambiente de trabalho equilibrado, na ampliação de práticas garantidoras de saúde, dignidade e desenvolvimento dos indivíduos no trabalho.

Agradecimentos

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao grupo da Companhia Paulista de Força e Luz pelo apoio técnico e financeiro, por meio do projeto de Pesquisa e Desenvolvimento PD-00063-3036/2018 com recursos do programa de P&D da ANEEL.

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9Destaca-se que, ainda que os dados sejam alarmantes, não são consideradas as subnotificações, uma vez que os dados do SmartLab são baseados somente nas Comunicações de Acidente de Trabalho (CAT) enviadas aos órgãos públicos.

10Artigo 3º, inciso I, da Lei n. 6.938 de 1981.

11Feliciano, G. G.; Pasqualeto, O. Q. F. Op. Cit.

12 Raimundo Simão de Melo define que “meio ambiente natural diz respeito ao solo, à água, ao ar, à flora e à fauna; o artificial, ao espaço urbano construído; o cultural, à formação e cultura de um povo, atingindo a pessoa humana de forma indireta. O meio ambiente do trabalho, diferentemente, está relacionado de forma direta e imediata com o ser humano trabalhador no seu dia a dia, na atividade laboral que exerce em proveito de outrem”. (Melo, 2013 . p. 28).

13Art. 200, VIII, da Constituição Federal de 1988: “Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.”

Recebido: 10 de Janeiro de 2023; Aceito: 16 de Maio de 2024; Revisado: 26 de Março de 2024

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