Natureza humana
ISSN 1517-2430
Nat. hum. vol.14 no.2 São Paulo 2012
Artigos
Recalcamento e passibilidade na leitura de Freud por Michel Henry1
Repression and liability in Michel Henry's reading of Freud
Nuno Miguel Proença
Pós-doutorando no Centro de História da Cultura da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
e-mail: nunomiguelproenca@gmail.com
Resumo
Retomando algumas noções fundamentais da metapsicologia freudiana e insistindo na passibilidade fundamental da vida que elas revelam, Michel Henry re-elabora a relação entre pulsão, inconsciente, representação e afecto de maneira a ultrapassar as aporias que identifica na teoria do recalcamento. O intuito do seguinte artigo é o de analisar os momentos principais da leitura que Henry faz dessa noção, de modo a avaliar algumas conseqüências que essa interpretação original pode ter tanto para uma fenomenologia que pretende reformular o estatuto da subjectividade e da ipseidade "aquém" da intencionalidade, como para a própria teoria do recalcamento e as suas incidências clínicas.
Palavras-chave: Recalcamento, inconsciente, afecto, pulsão, passibilidade.
Abstract
By taking back some fundamental notions of the Freudian metapsychology and insisting upon on the fundamental liability of life they reveal, Michel Henry re-elaborates the relation between drive, unconscious, representation and affect in order to overcome the impasses he identifies in the theory of repression. This article's aim is to analyze the decisive moments of Henry's reading of this notion in order to evaluate some consequences that this original interpretation can have either for a phenomenology that intends to reformulate the statute of subjectivity and selfhood "beneath" intentionality, as for the theory of repression itself and its clinical consequences.
Keywords: Repression, unconscious, affect, drive, liability.
1. Contornos
Apesar do obstáculo que um amplo conjunto de noções oriundas da meta-psicologia freudiana (e ramificadas em torno da noção de inconsciente que, por definição, escapa à fenomenalidade) parecem oferecer a uma filosofia originariamente centrada sobre as descrições das vivências e das configurações imanentes da consciência, a relação entre a tradição fenomenológica e psicanalítica revelou-se profunda.
Numa obra publicada em 1991, editada por Pierre Fédida e Jacques Schotte, no seguimento de um encontro inter-disciplinar sobre "Psiquiatria e Existência", Michel Henry afirma, no capítulo "Fenomenologia e Psicanálise", que está fazendo o esquisso de uma nova interpretação da relação entre fenomenologia e psicanálise como conseqüência da sua própria concepção da disciplina criada por Husserl.2.
Por um conjunto significativo de trabalhos, cujo mais importante é sem dúvida a "Genealogia da Psicanálise" de 1985, Henry interroga, de forma original e muitas vezes polémica, o estatuto da psicanálise, bem como o de um conjunto de noções que a ela estão ligadas, situando-as no historial da metafísica ocidental que tornou possível a descoberta do médico de Viena. No cerne das suas leituras fenomenológicas da teoria e da clínica freudianas, encontra-se a questão da possibilidade e do significado de um inconsciente para uma tradição filosófica centrada no primado da consciência e das suas representações.
2. Inconsciente e recalcamento
No dispositivo metapsicológico freudiano, e isto apesar da sua reinvenção incessante, o conceito de inconsciente aparece-nos como indissociável da noção de recalcamento. Retomando alguns elementos da teoria freudiana, e situando-os em relação à herança freudiana, Henry faz deles uma leitura singular da qual decorrerá a sua própria apresentação do inconsciente, da afectividade e das pulsões, no seio de uma fenomenologia radical. Proponho-me (assim) identificar os argumentos sobre os quais se funda esta leitura, começando por identificar a relação entre a descentração da consciência, em Freud, e a passibilidade do sujeito, tal como se apresenta em Michel Henry.
Os comentadores têm optado pela segunda alternativa e procuram superar o sotaque epistêmico. É provável que o próprio Heidegger abrisse mão dele se fosse consequentemente confrontado com os problemas de tal posição. No entanto, por estar fortemente sugerido no modo como Heidegger muitas vezes expressa-se, e de certo modo implicado na concepção de filosofia e de fenomenologia que o pensador cultiva durante o período de elaboração de Ser e tempo, ele não é tão facilmente eliminável e precisa ser expressamente vencido, se a literatura secundária espera obter uma elucidação consequente do caráter formalmente indiciador das enunciações usadas na analítica existencial. A tarefa fica especialmente difícil enquanto não se enfrentar com seriedade o sentido que "indiciar" e os correlatos que surgem nesta discussão, tais como "apontar" e "mostrar", recebem aqui. Sobretudo, é preciso resistir à tentação de dispensar a essas palavras um sentido metafórico e mal explicado em seu alcance e pertinência.
É por intermédio da noção de recalcamento que Freud dá conta de um jogo de forças em razão do qual se constitui uma zona da vida psíquica composta por aquilo que não só não está em medida de aceder à consciência, mas que igualmente não cessa – só por isso – de ter efeitos sobre o curso da vida consciente e das suas representações. A formação, no seio da vida psíquica, de uma zona inconsciente destitui o "eu" do papel central que este se arrogava no seio da vida psíquica e inflige à humanidade, nas palavras de Freud, a última de uma série de feridas narcísicas que devem conduzi-la à humildade. As duas primeiras foram conseqüência das descobertas de Copérnico e de Darwin: não só a humanidade, ao habitar o planeta Terra, não está no centro do universo, como não advém senão depois de um processo de evolução das espécies vivas. Por fim, a psicanálise mostra que o eu não é senhor em sua própria casa e que é o inconsciente que aí reina. Não só os processos psíquicos só se tornam acessíveis e subordinados ao eu por uma percepção incompleta e incerta, como a nossa vida pulsional revela uma passibilidade de fundo. Em razão desta, ao aparecermo-nos, aprecemo-nos sempre e desde logo implicados num já dado de uma vida da qual não estamos na origem e que nos situa num meandro de necessidades e de sensações, de significações e de desejos, de interditos, de regras e de usos que não são oriundos da nossa iniciativa e que condicionam a nossa vida vígil e intencional. Não são só a fome, a sede, as necessidades que resultam da ingestão e da digestão, a respiração (ou outros esforços de auto-conservação que resultam de uma actividade incessante e pulsional) que situam a vida consciente depois do dinamismo orgânico de um corpo vivo e vivido, mas também o desejo e o prazer sexuados, bem como uma imaginação e uma afectividade involuntárias.
Este descentramento da consciência, o seu condicionamento por processos que não resultam da sua iniciativa, só está na origem da constituição de uma zona psíquica inconscientese os representantes da vida orgânica no seio da vida psíquica forem objecto de um recalcamento. Freud apresenta-no-lo como constituindo "a pedra angular do edifício da psicanálise" e define-o como um dos quatro destinos possíveis das pulsões. No léxico freudiano, a Trieb aparece definida pelas noções de "fonte", "meta", "objecto" e "pressão". É um processo dinâmico, consistindo numa carga energética, que é factor de motricidade: é a essa carga que Freud dá o nome de "pressão" e é em razão dela que o organismo tende para uma "meta". A "fonte" da pulsão é uma excitação corpórea, que é o estado de tensão que faz pressão e a sua "meta" consiste em suprimir a tensão que se encontra na sua fonte. A pulsão atinge a sua meta graças ao "objecto". É ele, ou por ele que a tensão oriunda da fonte – e criando uma pressão – é suprimida: nisso consiste o prazer, ou a satisfação, que constitui a verdadeira "meta" da pulsão.
Para satisfazer a excitação pulsional, e liquidar a tensão que a acompanha, é preciso tipos de acção específica. Porque – contrariamente a outras formas de excitação fisiológica (como as que resultam da percepção de um objecto ameaçador ou perigoso) as pulsões não provêm do mundo exterior, mas do interior do próprio organismo. Enquanto que as excitações vindas do exterior têm um impacto único e podem ser suprimidas empregando a sua carga energética num tipo de acção única, como a fuga, as excitações pulsionais têm uma força de impacto permanente, que é índice do mundo interior. Os seus destinos essenciais, e já que não se lhes pode suprimir a fonte, são quatro: a inversão no seu contrário, o redireccionamento sobre a pessoa própria, o recalcamento e a sublimação. Mas em nenhum caso a fuga. É o terceiro destes destinos das pulsões (na maior parte sexuais, no texto de 1915 sobre o Recalcamento, se bem que Freud antecipe já os problemas ligados às "pulsões do eu" presentes nas psicoses), que as liga à formação do inconsciente, já que é como consequência da impossibilidade de as satisfazer que este se forma enquanto grupo separado, composto dos seus representantes, e regido por uma série de processos que lhe são próprios (os do processo primário).
3. Recalcamento e passibilidade
A constatação de Freud, a propósito das pulsões e o facto de que não possamos nem escapar-lhes nem suprimi-las, vai ser retomada por Henry, que a utilizará como argumento servindo para evidenciar uma passibilidade de fundo da ipseidade. No caso das pulsões, escreve Freud, "a fuga não serve de nada, já que o eu não pode fugir a si próprio" (Freud 1915/1968, pp. 45). Henry, por seu turno, ao sublinhar que a pulsão, mesmo podendo não ter uma representação mental (Vorstellung) que a represente ao nível da vida consciente (precisamente no caso do recalcamento) não cessa de se manifestar pela prova do seu representante afectivo, que nunca se torna inconsciente; por outras palavras, e por meio desta leitura, "a constância da afecção e o facto de não ser possível escapar-lhe para lhe fugir, desenvolver uma distância, uma diferença, ter um recuo qualquer em relação a ela, quer dizer em relação a si próprio não qualifica senão a subjectividade absoluta e assim, enquanto afecção imanente de si por si, a essência da ipseidade, e consequentemente, desta forma, o eu (já não nomeado do exterior, mas implicado na sua passibilidade mais interior e mais inalienável)" (Henry, 1985, p.373). Tomada em si-mesma e prisioneira de si própria, uma tal afecção – se bem que sendo o resultado de uma pressão consequente da alteridade da pulsão – ela é auto-afecção. A subjectividade absoluta, para a qual Henry nos permite assim apontar, confunde-se com a actividade de que não tem a iniciativa, assim como com a afecção que a acompanha. A força interna e formadora da vida revela-se assim ao vivente. Pelo seu corpo, é o lugar (é o hic) desta auto-revelação afectiva e é por si só – enquanto está sempre e desde logo implicado numa comunidade viva (cósmica) – que o mundo se dá nas suas ek-stases projectivas. Em razão disso, a própria percepção seria trabalhada por dentro por estes estratos de realidade pré-intencional e passiva, pulsionais e afectivos – que a informariam – de maneira que a matéria da doação, a partir da qual se compõem as formas dadas, teria uma força formadora que partilharia com a actividade de um sujeito que percepciona.
No entanto, ao dizermos que o recalque é o destino das pulsões pelo qual estas estão ligadas à formação de uma zona das representações em estado de latência e às quais não podemos ter acesso durante a nossa vida vígil e consciente, ainda não dissemos em que é que este processo consiste, segundo Freud. Constatando, clinicamente, que cada um dos grupos psico-patológicos tem formas específicas de recalcamento que tem relações particulares com as formas de defesa, e que é possível distinguir as histerias, as neuroses e as psicoses segundo as formas de recalque que lhe são próprias, Freud constata também que na origem da constituição patológica do grupo inconsciente se encontra uma negação específica das pulsões, que não as destrói mas as suspende. A essência do recalque, diz Freud, consiste unicamente em "afastar e manter à distância do consciente" (Freud, 1915/1968, p. 47). os representantes destas pulsões, nesta zona da vida psíquica nomeada inconsciente. A razão desse afastamento que diz respeito às representações, parece ser afectiva. São recalcados os representantes das pulsões cuja satisfação provocaria desprazer, ou antes (já que Freud postula que a meta da pulsão é a satisfação) os representantes daquelas cuja satisfação provocaria simultaneamente prazer e desprazer, se nsatisfações do eu na altura da satisfação das pulsões sexuais e do conflito destes dois grupos pulsionais resultaria o recalque. Qualquer que seja a sua intensidade, no entanto, a força de inibição provocada pelo recalque não pode destruir inteiramente nem a pressão pulsional, nem a sua fonte. A transformação que gera no seio da vida psíquica antes gera uma nova forma de vida diminuída nos seus poderes. A possibilidade de levantamento do recalcamento e da inclusão dos representantes das pulsões anteriormente recalcadas na vida consciente, assim como o retorno do recalcado assentam, para além disso, no facto da negação específica do recalque, o seu tipo de recusa particular, também não destruir os seus representantes que permaneceram inconscientes.
Partindo destas constatações freudianas, e da leitura que delas faz em termos de passibilidade, Henry põe a essência do recalque em ressonância com a sua herança filosófica, que situa na senda da metafísica de Schopenhauer, e com aquilo que esta essência nos diz do inconsciente e, por este meio, da subjectividade e da vida. Esta herança é a de uma nova ontologia "que descobre a afectividade como revelação do Ser em si mesmo, como matéria de que é feito, como a sua substância e a sua carne" (Henry, 1985, p. 10). Porquê? Segundo Henry, o conceito de recalcamento, como "processo psíquico pelo qual certos factos, eles próprios psíquicos, empurram outros, proibindo-lhes, quando não a existência, pelo menos o acesso à consciência" (Henry, 2003, p. 131) foi introduzido pela primeira vez e "de forma temática" no pensamento ocidental por Schopenhauer, nomeadamente quando este pensa a relação entre a vontade e as representações que esta forma. Segundo Henry, esta vontade que não pode não querer é "semelhante aos desejos que nos laminam o corpo, ou por outra, idênticos a eles, é esta actividade sempre recomeçada, que nos atravessa, que nós somos e à qual não nos é possível escapar. Lembra-nos que no dizer do próprio Freud, a noção schopenhaueriana de vontade"equivale aos instintos da psicanálise" (Henry, 2003, p. 133) e que a relação que existe entre vontade e representação é análoga à que existe entre pulsões e representações em psicanálise.
4. Freud com Schopenhauer: a propósito do recalcamento
Encontramos assim o conceito de recalcamento a propósito de três problemas aos quais, no dizer de Henry, Schopenhauer iria "trazer soluções absolutamente originais": o da memória, o da percepção e o da relação entre razão e loucura" (Henry, 2003, p. 131). Estas três teorias, consideradas como "decisivas", assentam na dicotomia entre representação e do querer – viver, que se distribuem também como o consciente e o inconsciente, de tal maneira que o segundo determina o primeiro. Em consequência do facto desta dicotomia ser "constitutiva do psiquismo", a determinação da consciência representativa pelo "instinto cego" é a lei geral do psiquismo. O recalque (quer tenha um papel negativo ou positivo) é desta forma "a expressão permanente e incontornável da sua estrutura essencial". Isso quer dizer, por exemplo, que toda a vida imaginária"atesta esta manipulação da representação pela pulsão" (Henry, 2003, p.137). Isso explica também, a posteriori, a constituição do método psicanalítico em torno da livre associação para "descobrir o inconsciente[...] quer dizer, induzi-loa partir dos fenómenos conscientes pensados como seus produtos" (Henry, 2003, p. 137).
É esta doutrina da relação entre vontade e representação que permite elaborar uma teoria da memória que, segundo Henry, é também uma teoria do recalcamento. Se Freud define a essência deste como "não consistindo senão no facto de afastar e de manter à distância do consciente" (Freud, 1915/1968, p.47), é precisamente esta essência que reencontramos em Schopenhauer que nos diz, de facto, que "a formação da representação a quando do apelo da lembrança ou da sua rejeição [quando a lembrança é recalcada] explica-se pela vontade". Tal ou tal representação particular é ou não é querida, e neste último caso, é a vontade que "a mantém de certa forma encoberta pela mão". A representação assim encoberta mantém-se, mas não é admitida. A sua rejeição equivale à forma particular de negação própria ao recalcamento, que não destrói, mas conserva e que se acompanha de um saber. Henry recorda-nos que
é exactamente este processo que Freud descreve desde 1893 nos Estudos sobre a Histeria: "tratava-se, escreve Freud, de coisas que o doente queria esquecer e que intencionalmente mantinha, empurrava, recalcava para fora do seu pensamento consciente. (2003, p.135)
Desta forma, é portanto o recalcamento que se encontra definido por Schopenhauer como exclusão, levada a cabo pela vontade, de uma representação do domínio da consciência. "Esta teoria da memória e do esquecimento, escreve Henry (2003, p. 136), estende-se à percepção". No caso desta, "é ainda a vontade que quer ou não ver certos fragmentos do campo perceptivo, [terá uma força formal] e fará incidir sobre eles o olhar ou, pelo contrário, afastá-lo-á, "rejeitando assim um objecto ou uma parte desse objecto para fora da representação e dessa forma para fora da consciência, e mantendo-o à distância do consciente, como diz Freud" (Henry, 2003, p. 136).
A teoria da loucura assenta na mesma clivagem no psiquismo entre a força pulsional e a representação e prefigura de forma espantosa, aqui também, as concepções freudianas.
A origem do mundo é a recusa da vontade em deixar penetrar na consciência uma representação que lhe é contrária. Daqui resulta que, na hipótese de uma representação recalcada, o tecido das representações que forma o mundo apresente bruscamente uma lacuna, um vazio deixado por uma representação ausente. (Henry, 2003, p. 136)
E que será preciso colmatar por outra que não estará no seu lugar e que, em razão deste deslocamento, desfará o conjunto coerente das representações em que consiste o mundo, quer se trate daquelas que definem o presente ou do conjunto das representações passadas ou futuras "as quais deverão, também elas, submeter-se a certas regras sem as quais não seriam possíveis". Quer seja em termos de memória ou de antecipação, a projecção representativa é condicionada pela vontade.
5. Aporias da doutrina do recalcamento
Todavia, se a doutrina de Schopenhauer antecipa a doutrina freudiana do recalcamento, também encerra as suas aporias. Henry evidencia-o ao constatar que, "para permitir que uma representação chegue ao espírito ou para o proibir, é preciso saber primeiro o que é uma representação e conhecê-la de alguma forma, nem que seja para apreciar a sua conveniência ou não conveniência ao desejo". No entanto, pergunta Henry,
como é que a vontade poderia possuir ou adquirir um tal conhecimento necessário para rejeitar uma representação, ela que não conhece nada e que se define pela Erkenntnislosigkeit? Se não representa nada, como é que poderia representar-se a representação litigiosa? (Henry, 2003, p. 137)
Interessa, por isso notar que esta aporia, ao ser formulada por Schopenhauer, atinge tanto o cerne da teoria do recalcamento como atinge, indirectamente, qualquer concepção que pretenderia explicar "a forma como um poder desprovido de consciência pode afastar uma representação que não conhece de forma nenhuma" (Henry, 2003, p. 138). Quer dizer que encontramos a mesma aporia em qualquer filosofia que faça do inconsciente – "estratega infinitamente inteligente que sabe e conhece tudo" (Henry, 2003, p. 138) – o princípio organizador do psiquismo. Por essa mesma razão, esta aporia estará presente em Freud e na psicanálise. Henry pretende resolvê-la postulando que o saber inconsciente, inerente à vontade e operando na formação ou não formação das representações, é afectivo. É na substância afectiva da subjectividade que se resolve, segundo Henry (e de uma forma inaugural) a aporia à qual conduz a hipótese do recalcamento na sua relação constitutiva com o inconsciente. É esta nova teoria – que, no fundo, é a do próprio Michel Henry –
que torna inteligível o deslocamento essencial – entrevisto por Schopenhauer mas não levado por ele à clareza do conceito – em virtude do qual todas as faculdades representativas, o olho, a memória, o pensamento, encontram doravante o seu princípio num poder que já não é o da consciência intencional: na vida. (Henry, 1985, p.10)
Ora, esta é auto-afecção. A sua essência é pulsional (Henry, 2004, p. 107). Sabendo isso, diz-nos Henry, temos de ora em diante a possibilidade de ler filosoficamente Freud.
Enquanto o acto proto-fundador da exterioridade que serve de fundamento a qualquer representação possível se auto-afecta, a formação [desta exterioridade] resulta sempre da afectividade, a afectividade da representação é a do poder que a forma – ou que não a forma. Este último caso é o do recalque cujo enigma se desvela aos nossos olhos. (Henry, 1985, p. 233)
Para que uma representação seja empurrada para fora da consciência, "é preciso de uma certa forma conhecê-la" (Henry, 1985, p. 234) de modo a avaliar o que ela teria de inoportuno. Mas, como a representação não está formada, como é que isso seria possível? É possível porque "não é ela que nos pode instruir sobre si própria e nos convida a afastá-la, não é o seu conteúdo representativo, mas a sua afectividade"(Henry, 1985, p. 234). Henry (1985, p. 234) caracteriza esta como um "saber sem representação, saber antes da representação, saber secreto de qualquer representação, que já sabe o que ela vai representar, que lhe permite fazê-lo ou lho proíbe". Este saber subjacente, operante e que pode dar origem ao recalcamento, é o da vida na sua essência fenomenológica própria. É o afecto consubstancial a esta fenomenalidade não ek-stática, aquele que não poderia ser separado desta enquanto ela é oriunda de uma dinâmica de um sujeito encarnado. "De forma que, [...] situado no coração do inconsciente, o afecto determina este na sua essência e no seu fundo" (Henry, 1985, p. 10). Mas o próprio afecto, na leitura de Henry, apresentado como fonte do saber e do lugar de uma eficácia formal, nunca se torna inconsciente...! Por esta leitura, Henry pretende retomar a constatação de Freud. E se, por vezes falamos de afectos recalcados, "o recalque não significa aqui nenhum desaparecimento do afecto nem por consequência da fenomenalidade que lhe pertence por princípio, mas só a sua modificação noutro afecto" (Henry, 1985, p.370). E, enquanto que, no recalque, a representação ligada ao afecto não é formada, "o próprio afecto não é suprimido mas modificado qualitativamente, tornando-se tal ou tal tonalidade. Quando estas, por seu turno são interditadas, recalcadas, é na angústia que se transformam ao mesmo tempo que o afecto primitivo" (Henry, 1985, p. 370). Esta afectividade inultrapassável (aquém da qual há só a actividade incessante do corpo vivo e o conjunto dos seus poderes e das suas forças) revelaria uma subjectividade incarnada que, precisamente por não estar na sua origem, encontra a sua actividade enraizada numa passibilidade de fundo, que é a da vida, antes do mundo.
Por esta razão, diz-nos Henry, é no seguimento de Schopenhauer e de Nietzsche que é preciso situar o que há de melhor nos textos de Freud. Entre estes, neste sentido, os mais importantes seriam precisamente aqueles em que
aflora o primado da afectividade, em que desponta "esta subordinação do intelecto à vida" e que falam destas lembranças tenazes "de ofensas e humilhações", de amores ou de paixões, que afirmam que para agir, o passado não precisa de ser conhecido e que "no regresso à consciência das lembranças patogénicas a emoção renasce antes do seu conteúdo representativo", ou que "um complexo" é um "grupo de elementos representativos ligados entre si e carregados de afecto", etc. (Henry, 1985, p. 385)
Os textos e a terapia psicanalíticos poriam antes de mais em evidência " esta subordinação do pensamento representativo – percepções, imagens, lembranças, produções oníricas e simbólicas, estéticas e religiosas, etc. – e de tudo o que se mostra nele, a um poder de outra ordem" (Henry, 1985, p.10). São igualmente estes textos, podemos acrescentar, que apresentam a situação clínica como estando fundeada na dinâmica afectiva da transferência, que é o seu principal motor.3 Mostram que a representação pelo analisado da sua própria situação, dos seus conflitos e da história destes, não serve de nada enquanto uma modificação afectiva não acompanhar esta consciência, "quer dizer [enquanto] uma modificação da vida não tiver intervindo" (Henry, 1985, p. 385). A aceitação intelectual do sentido nada é sem uma transformação afectiva que abre novas possibilidades de vida. Esta subordinação estende-se à determinação do valor de verdade das interpretações e das construções, que será dependente, também ela, do teor afectivo da transferencia.4
6. O primado do afecto na caracterização do inconsciente
Tendo em conta esta subordinação do pensamento e da representação à afectividade, é possível compreender melhor o estatuto que Michel Henry dá ao inconsciente, a partir daquilo que entende por este termo. Nos textos de Freud, o autor da "Genealogia da Psicanálise" vislumbra uma caracterização dupla deste termo, em função da relação que ele tem com um saber da vida que precederia qualquer objectividade e seria o de uma subjectividade absoluta em que se enraíza todo o saber sobre a vida, sobre a humanidade e sobre o mundo. Se "a representação recalcada a representação cuja realidade formal [que é afectiva] impede a realidade objectiva – não é formada, isso quer dizer que também não se encontra num qualquer lugar da vida psíquica em que subsistiria. O que lhe serviria de receptáculo, um topos específico da vida psíquica, também não existe.
O que existe, [pelo contrário], é uma tonalidade, perfilando-se na primeira esfera do ser, como um acidente, ou desenrolando-se aí como habitus. Para dar conta do recalcamento não é por isso precisa a mitologia dos tópicos, nem as suas personagens mais ou menos grosseiramente tomadas ao mundo da representação, o saber da vida é suficiente. (Henry, 1985, p. 388)
É este saber da vida, este saber inerente à vida, em função do qual é inibida ou formada uma representação, que serviria de critério para distinguir dois sentidos de inconsciente. Este termo, de facto,
queria [...] dizer duas coisas totalmente diferentes segundo nos estivéssemos a referir à obscuridade na qual cai inevitavelmente qualquer conteúdo de consciência assim que deixa o presente da intuição ou da evidência para não ser mais do que uma representação virtual, ou pelo contrário à própria vida enquanto se furta, por princípio, à luz da ek-stase. (Henry, 1985, p. 388)
Segundo Henry, esta dupla referência tem constantemente lugar nas obras de Freud. Uma grande parte do antepenúltimo capítulo da "Genealogia da Psicanálise" é dedicado a mostrar como a simples latência dos conteúdos representativos cede pouco a pouco o lugar a "uma consideração mais profunda que tematiza o inconsciente na sua conexão à essência da vida e ao modo primitivo do seu cumprimento imanente: a acção, a força, a pulsão, a Energia" (Henry, 1985, p.388). Se a primeira caracterização do inconsciente sucumbe à crítica de uma fenomenologia radical, a outra, pelo contrario, é esclarecida por ela e é situada por entre as formas que toma a imanência da subjectividade viva e o seu saber imemorial e carnal.
No que respeita ao inconsciente da "representeidade", propõe-se como a derradeira ilusão de uma metafísica da representação e como reverso necessário e indissociável do cogito. Na medida em que repousa sobre a virtualidade da maioria das representações, pressupõe a existência real destas sob a forma de conteúdos discretos justapostos num lugar inventado com o único intuito de os recolher nele. No inconsciente, as representações recalcadas, para serem inconscientes, mantêm paradoxalmente a "essência extática da fenomenalidade – na ausência desta todavia, na ausência da efectividade fenomenológica que a ek-stase constitui em si mesma e por si mesma" (Henry, 1985, p. 389). Este aspecto do inconsciente, que requer do recalcado as características das representações conscientes, será afastado por uma fenomenologia que constata que a tomada em consideração da latência das representações virtuais levava, por um lado, à "sua hipóstase num inconsciente realista" e, por outro, à constatação segundo a qual este não era senão a "hipóstase da estrutura ontológica das representações, do extático-horizontal enquanto tal" (Henry, 1985, 392). Pelo contrário, o outro aspecto daquilo a que Freud dá o nome de inconsciente, na linguagem mítica que é a sua, tem a maior importância, enquanto dá conta do "aquém do mundo onde se edifica interiormente a essência de qualquer poder" (Henry, 1985, p.392).
"Aquém do mundo", quer dizer, "no invisível, na imanência radical de uma subjectividade absoluta" (Henry, 1985, p. 392). Segundo Henry, é o próprio Freud que, ao longo da sua obra nos reconduz de uma primeira definição superficial do inconsciente a outra, que, sendo mais significativa, se confunde com a imanência radical do corpo, da sua actividade, dos seus poderes e da passibilidade da carne impressional. E é mesmo por aí que Freud toca no essencial e se aproxima desse Começo perdido por uma metafísica da representação que procurou a Vida na ek-stase em que ela nunca se dá. Este "inconsciente eficiente" é a fonte irrepresentável da representação, o reverso subjectivo, inobjectivável, da objectidade,5 o sentimento de si de uma vida exprimindo-se incessantemente pelas forças em que se forma o teor afectivo e semântico das relações entre sujeitos e as suas praxis. Aí se encontra, também, a fonte do que é dado como mundo à intencionalidade da consciência e a fonte dos comportamentos humanos. É por esta razão que Henry escreverá também, neste sentido, que "o inconsciente é o nome da vida" (Henry, 1985, p. 348).
7. Uma tensão contraditória inerente à psicanálise de Freud
Como consequência das duas formas que pode tomar o inconsciente e a sua significação, a psicanálise estaria atravessada por dois movimentos contraditórios. Por intermédio da sua análise fenomenológica, Henry identifica em Freud simultaneamente os restos da metafísica ocidental centrada no cogito – [da qual seria um epígono e um "herdeiro tardio" (Henry, 1985, p. 10) – mas também um ultrapassar desta mesma metafísica tornado possível pela Vontade schopenhaueriana e pela Vida nietzscheana. Por um lado, a psicanálise redescobre a importância decisiva da vida e do seu pathos, cuja essência é pulsional. Enquanto tal, a descoberta freudiana seria o último termo do reconhecimento de uma subjectividade onde se encontra este mesmo saber, numa época em que tem primazia uma ideologia da objectividade. Mas por outro lado, atravessada por um fito científico, e no próprio momento em que descobre a fonte do saber onde se enraíza a actividade subjectiva incarnada, desejaria desfazer-se dela e agiria (no sentido do Agieren de Freud) à sua maneira o desespero, que consiste em querer arrancar (-se) uma parte de si-mesmo, separando a actividade própria ao pensamento representativo e simbólico (onde se situa a clínica, assim como a teoria que a acompanha) da passibilidade subjectiva. O trabalho da cura teria em parte por tarefa situar a segunda sob as lógicas da primeira, levando ao mínimo possível a excitação que se encontra na origem da toda a actividade pulsional e afectiva não enfeudada à ordem da significação consciente e verbalizável.
A constatação metafísica redobra-se, então, de uma critica do conhecimento psicanalítico. Esta crítica incide antes de mais no privilégio dado à representação, esquemática ou simbólica, em detrimento do poder irrepresentável de padecer e de representar, com o qual se confunde a subjectividade. A crítica estende-se assim, consequentemente, a qualquer metapsicologia estabelecida de uma vez por todas, e que serviria de referência explicativa a qualquer ocorrência psíquica. Diz igualmente respeito a cada redução da subjectividade viva, que é praxis in-objectivável do saber, a modelos e a hipóteses oriundas das ciências humanas (nomeadamente da linguística) ou das ciências naturais. Por um lado, para além de Freud, é a "Escola de Paris", de J. Lacan que é apontada, e Henry declara que a
contaminação ou a desnaturação da psicanálise pela linguística e o conjunto das disciplinas que lhe estão hoje associadas é [...] possível [a partir do momento em] que se vai poder declarar com toda a seriedade que a estrutura do inconsciente é a de uma linguagem, (Henry, 1985, p. 356)
mas é também, por outro lado, a tendência inicial da psicanálise, a inspiração neuro-fisiológica que, segundo Henry, Freud nunca deixará, que se constata na sua teoria das pulsões e por causa da qual – mesmo quando introduz Eros (contra o prazer...) – parece exprimir um pessimismo, ou em todo o caso uma desconfiança fundamental para com a vida, para com a sua excitação incessantemente renovada e as fontes incontroláveis do desejo e da afectividade. Pelo desígnio de conhecimento que a guia desde a origem, a psicanálise freudiana participaria em parte no esforço para se desfazer da vida enquanto "imediatez" auto-afectiva, anterior ao mundo, aos seus horizontes e aos seus pro-jectos. "O freudismo, diz Michel Henry, é a última etapa que, contestando a definição do homempelo pensamento, descobre no mais profundo dele a vida. Mas o freudismo só tomou em conta a vida para a liquidar"6 (Henry, 1985, p. 382). De uma forma mais geral, a psicanálise, tal como o recalcamento ou o desespero, evidenciaria um movimento de negação inerente à constituição do sujeito do conhecimento, afastando e mantendo à distância – esquecendo e ocultando – uma passibilidadede fundo e um saber que se revelaria à sua própria revelia. O esforço do conhecimento no sentido em que se situaria ao nível da simbolização, e seria necessariamente mediatizado por ela, seria correlativo ao afastamento ob-jectivante. Ele negligenciaria a dimensão pática, agindo "teticamente" uma forma de desespero (num sentido que Henry retoma a Kierkegaard) e participaria no movimento que tende para a diminuição dos poderes da vida presente no recalcamento.
Compreende-se, então, porque é que Henry pode fazer a hipótese segundo a qual um conhecimento representativo (em razão da sua mediação simbólica), como forma de acesso a si, seria em última análise expressão de um esforço em cindir-se da dimensão pática, resultando de uma pulsão destruidora inicial e desejaria evacuar os indícios da passibilidade originária própria ao Fundo da Vida.
Esta tentativa da vida em destruir-se a si própria, escreve Henry, em se separar de si, em se destruir ou em se conhecer, não destrói mais a vida do que a conhece, é um modo novo desta vida, uma forma de desespero. (Henry, 1963, p. 855)
No movimento pelo qual o sujeito se esforçaria por (se) arrancar (a) uma parte de si-próprio, revelar-se-ia – pela negativa – tanto o estatuto primordial da afectividade enquanto auto-revelação e saber ante-predicativo de uma actividade invisível, como o seu enraizamento na imanência de uma vida auto-afectando-se por meio de uma pulsionalidade incessante de que não está na origem. Esta seria a fonte absoluta de cada um dos poderes inerentes à sua actividade. Ela seria também fonte de sua significação. Ora, o conhecimento representativo parece esforçar-se por rejeitar essa imanência auto-afectiva da vida, resultando de uma negação original e de uma tentativa que Henry analisa como auto-destruidora e que reencontra na tendência hermenêutica presente na psicanálise, já que esta insiste sobre a mediação simbólica em que prevalece a dimensão representativa.
Para saber o que somos [os pensamentos da mediação] utilizam o desvio, ora porque o nosso ser verdadeiro só se constitui mediatamente, ora porque o conhecimento que dele temos é sempre ele próprio mediato. Para surpreender o segredo do nosso ser, a psicanálise abundou nesse sentido. A pulsão só se manifesta pelos seus "actos", pelo conjunto estiolado dos comportamentos desapercebidos do sujeito, das suas representações, dos seus afectos: tudo índices oferecidos a uma leitura hermenêutica. É por isso preciso mover-se através de uma floresta de símbolos para tentar identificar as grandes linhas ao longo das quais a pulsão tenta descarregar-se – e a vida tenta desfazer-se de si. (Henry, 1985, p. 397)
Ao insistir sobre a mediação simbólica, segundo Henry, a psicanálise está abrindo a porta à infinidade da tarefa hermenêutica, cortando o acesso a esta dimensão muda em que o sujeito se dá a si (próprio) na simplicidade da afecção pática e pulsional, que é também a forma pela qual aparecem uns aos outros os membros de qualquer comunidade viva. Pela sua insistência no devir consciente do recalcado pela interpretação e a rememoração, a clínica psicanalítica parece manifestar-se incapaz de revelar à subjectividade viva a vida inobjectivável como auto-afecção aquém da consciência e da representação. E, apesar de ser herdeira de uma corrente da metafísica que questionou a primazia do cogito, a psicanálise levaria no entanto ao "estabelecimento d[o] reino sem partilha [da representação]"(Henry, 1985, p. 194) e subjugaria a afectividade, bem como a energética que nela se anuncia, à dimensão simbólica pela qual se mantém a dimensão intencional. Deste modo, contrariamente ao que se passa quando insiste no irrepresentável do "inconsciente eficiente", está perdendo o Começo e está afastando a subjectividade da sua essência viva e das suas forças formadoras que se dão na imediatez da ipseidade.
Referências
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Recebido em 7/1/ 2013
Aprovado em 28/4/ 2013
1 Nota do editor: Neste artigo, optamos por preservar a grafia da língua portuguesa usada em Portugal.
2 "Tento fazer o esquiço de uma nova interpretação da relação entre fenomenologia/psicanálise e encontro-me de uma certa forma obrigado a fazê-lo na medida em que proponho uma nova concepção da fenomenologia" (Henry, 1991, p. 101).
3 Em "Pour une phénoménologie de la Communauté" (Henry, 1990, pp. 160-169), o próprio Henry toma a transferência analítica como exemplo da comunidade afectiva subjacente a qualquer relação humana e interroga a relação entre a transferência, a repetição e as formas de defesa, quando o recalcamento já não é entendido como exercendo-se sobre representações pré-existentes, mas como a causa formal pela qual não se forma a representação.
4 Sem nunca citar os textos em que orientação mitológica assume uma real dimensão epistemológica, como Die Verneinung, Henry formula, por seus próprios termos o que Freud nos ensina, ao sublinhar que a simples aceitação intelectual dos conteúdos recalcados não chega para levantar o recalcamento, que as formas afirmativas e negativas do juízo, próprias a qualquer representação verbal, exprimem, também elas, um teor afectivo e estão enraizadas na relação "viva" da transferência.
5 "Com o projecto de estabelecer a existência do inconsciente a partir do seu poder, o de determinar não só as representações mas os próprios comportamentos, e não só os comportamentos patológicos, com a afirmação de um "inconsciente eficiente", Freud situava-se pelo contrário perante o abismo em que se dissimula a própria essência de todo o poder possível, quer dizer a sua inaptidão de princípio (principial) em chegar na condição de ob-jetado do objecto" (Henry, 1985, p.392).
6 A critica ao (ab)uso ideológico da teoria freudiana está igualmente presente em "A Barbárie", em que a psicanálise, contrariamente às ciências humanas, é apresentada como evidenciando os poderes irrepresentáveis da subjectividade, de onde decorrem o poder de representar e as formas objectivas do conhecimento que os nossos tempos do cientismo confundem com a realidade, quando a realidade é essa praxis invisível, essa auto-afecção que por eles, e pelo conjunto das outras formas culturais, se manifesta.