Natureza humana
ISSN 1517-2430
Nat. hum. vol.19 no.2 São Paulo dez. 2017
ARTIGOS DE FLUXO CONTÍNUO
O pai e a tendência antissocial: considerações a partir da psicanálise de Winnicott
The father and the antisocial tendency according the psychoanalysis of Winnicott
Claudia Dias Rosa*
Escola Winnicottiana de Psicanálise do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW)
RESUMO
Segundo Winnicott, ao se examinar a etiologia da tendência antissocial deve-se levar em conta dois tipos de deprivação: um deles se dá em termos da perda da mãe e o outro é relativo à perda do pai. Nesta exposição discutirei alguns aspectos sobre a participação paterna no desencadeamento deste distúrbio, focalizando a especificidade da falha do pai e suas repercussões no amadurecimento da criança.
Palavras-chave: tendência antissocial; deprivação; falhas paternas; Winnicott; delinquência.
ABSTRACT
According to Winnicott, when examining the antisocial tendency etiology, one must take into account two types of deprivation: one is in terms of the mother loss and the other is related to the father loss. In this exposition, I will discuss some aspects about the father's involvement in triggering such disorder, focusing on the father's failure specificity and its repercussions on the child's maturational process.
Keywords: antisocial tendency; deprivation; father's failure; Winnicott; delinquency.
1. Introdução
Winnicott ensaiou os primeiros passos do que viria a ser a teoria do amadurecimento quando deu início às suas pesquisas sobre a delinquência, as quais resultaram numa importante e mais abrangente teoria sobre o assunto, a teoria da tendência antissocial, que circunscreve as origens da delinquência.
Esse interesse surgiu da experiência que ele teve, no início de 1940, como supervisor geral para assuntos psiquiátricos do programa de evacuação das crianças de Londres, durante a guerra. Nessa ocasião, juntamente com Bowlby, Winnicott investiga os efeitos da separação precoce da criança em relação à mãe e ao ambiente familiar, mas mesmo em textos anteriores, da época em que ele escrevia como pediatra para pediatras, ele já levava em conta o fator ambiental.
Num artigo de 1967, "DWW sobre DWW" (1989f/1994), o autor apresenta aos colegas psicanalistas uma visão retrospectiva de seu percurso teórico. Referindo-se ao fato de a teoria psicanalítica tradicional ter negligenciado o fator ambiental, ele afirma que durante cerca de 15 anos, os psicanalistas eram os únicos que ainda desconsideravam esse fator. Com relação à delinquência de um garoto, por exemplo, enquanto todo mundo entendia que o problema se devia ao fato de o pai ser alcoólatra etc. – ou seja, que o ambiente não dava suporte suficiente ao menino – os psicanalistas continuavam a atribuir os problemas à constituição e a pesquisar os conflitos internos.
2. O conceito de tendência antissocial
Na classificação winnicottiana dos distúrbios psíquicos, a tendência antissocial, do mesmo modo que a psicose, é um distúrbio cuja origem se deve a uma deficiência/falha ambiental. Nesse sentido, esse distúrbio pertence à raiz identitária do amadurecimento a qual leva, no devido tempo, à integração num eu unitário, o que inclui a constituição paulatina da capacidade de se relacionar, a começar com os objetos subjetivos, em seguida com os transicionais para, finalmente, ser capaz de relacionar-se com objetos externos.
A deficiência ambiental, no período anterior ao estabelecimento do eu unitário, causa o que Winnicott denomina "privação": o bebê reage à falha sistemática do ambiente, e com isso a linha do ser é interrompida; mas nesse momento a imaturidade do bebê o impossibilita de ter qualquer conhecimento sobre o fato de que o ambiente externo existe e de que foi o ambiente o responsável pela falha; a dependência é de tal ordem que a perturbação ambiental impede, em algum grau, ou num grau extremo, que a personalidade se constitua. Esta fica como que "suspensa" num estado reativo de alerta.
Após o alcance da identidade unitária, a falha ambiental causa "deprivação". Com esse termo, Winnicott quer significar que a criança teve um bom começo, já havia constituído a capacidade de acreditar em…, ou seja, a "contar com", e sofreu em seguida a perda desse algo com que já contava. Nessa época, tinha suficiente maturidade para perceber que a perda foi causada pelo ambiente, ou seja, que houve falha ou omissão externa (Winnicott, 1958c/2002, p. 135)1. A característica central da deprivação é
[…] a perda de algo bom que foi positivo na experiência da criança até certa data, e que foi retirado; a retirada estendeu-se por um período maior do que aquele em que a criança pôde manter viva a lembrança da experiência. (Winnicott, 1958c/2002, pp. 139-140)
Este trabalho tratará, em especial, da tendência antissocial que tem origem na infância; iluminará, particularmente, aspectos das falhas do pai2 que contribuem para o desenvolvimento desse distúrbio nessa época, ou seja, apresentará aspectos daquilo que foi chamado por Winnicott de deprivação paterna mencionarei apenas lateralmente as falhas maternas que podem igualmente originar uma deprivação. Com isso, quero deixar claro que não examinarei a tendência antissocial que pode surgir mais tardiamente e cuja etiologia é diversa, podendo ser desencadeada em virtude, por exemplo, de uma guerra e cuja origem é devida, não necessariamente a uma deprivação provocada pelos pais, no ambiente familiar, mas ao desmantelamento do ambiente seguro com o qual o indivíduo, adolescente ou adulto, já contava à época. Num e noutro caso a sintomatologia antissocial é semelhante, assim como é semelhante o tratamento a ser oferecido nas duas situações, mas é importante considerar que a etiologia da tendência não é a mesma.
Para o diagnóstico de tendência antissocial, à diferença de uma psicose, há o requisito de que a criança já tenha amadurecimento suficiente para separar o Eu do nãoEu, uma vez que ela é capaz de perceber que o ambiente é responsável pela falha, e que, por ter tido condições ambientais satisfatórias no início, ela já construiu a capacidade de "acreditar em…" que é a base da fé. É essa fé que é perdida.
Enquanto da privação resulta psicose, da deprivação resulta a tendência antissocial. A carência de um suprimento básico de facilitação ambiental nos estágios iniciais da vida, que caracteriza a privação, leva a um amadurecimento paralisado ou distorcido e "o resultado é um defeito na personalidade, não um defeito de caráter" (Winnicott, 1966c/2002, p. 296), como acontece na tendência antissocial diante de uma deprivação.
O caráter, para Winnicott, diz respeito ao modo como o indivíduo, mesmo não tendo tido uma história plenamente satisfatória, ainda assim, "acomoda as anormalidades" e se responsabiliza por seu lugar na sociedade como um lugar onde viver, lugar que merece preservação e para o qual ele deve contribuir. Quando têm "bom caráter", as pessoas, diz o autor, aceitam o que são (se gostam disso ou não é outro assunto) e aceitam "a história de seu amadurecimento pessoal, juntamente com as influências e atitudes ambientais locais; elas têm de continuar vivas, e vivendo, tentar se relacionar com a sociedade de modo a haver contribuição nos dois sentidos" (Winnicott, 1986g/1999, p. 189). Isso é diferente do indivíduo que permanentemente precisa cobrar o prejuízo sentido e aproveitar qualquer chance de se ressarcir das falhas que o ambiente teve para com ele. Nestes casos, é a deprivação que vigora.
Winnicott entende que o "distúrbio de caráter refere-se de maneira mais significativa à distorção da personalidade intacta, que resulta dos elementos antissociais nela existentes" (Winnicott, 1965ve/2002, p. 277). Dizer que a personalidade é intacta significa dizer, via de regra, que não sofreu privação, ainda que seja possível que o distúrbio de caráter esteja, muitas vezes, escondendo um problema mais básico de privação3. O caráter é uma manifestação de integração bem-sucedida e, segundo o autor, "um distúrbio de caráter é uma distorção da estrutura do ego, sendo a integração, não obstante, mantida" (Winnicott, 1965ve/2002, p. 276). Quando o indivíduo padece de uma deprivação, ele passa a viver a partir da distorção que a personalidade sofreu, e, durante o período em que essa distorção dura, o indivíduo pode experimentar algo que se assemelha à vivência de uma psicose.
Por dizer respeito ao caráter e não diretamente à personalidade, a tendência antissocial não constitui um diagnóstico relativo à constituição da personalidade, podendo estar associada a outras classificações diagnósticas, como a neurose, a depressão, podendo estar acoplada, inclusive, às personalidades normais.
Como o ponto de origem da tendência antissocial tem um largo espectro – dos dez meses até o período de latência, pode-se conjecturar que a deprivação que ocorre num período mais primitivo é diferente da que ocorre num mais tardio. As primeiras manifestações da tendência antissocial podem ser a avidez, a enurese etc. seguidas mais tarde de outras como a mentira, o roubo e a destrutividade. De qualquer modo, o não reconhecimento pelos pais desses sinais como manifestação da existência de uma deprivação impede o fornecimento dos cuidados específicos que poderiam evitar o desenvolvimento da tendência antissocial na direção de uma delinquência. Enquanto os primeiros indícios de deprivação são relativamente fáceis de serem revertidos, a delinquência, quando se estabelece, é muito mais difícil de ser corrigida, pois já há ganhos secundários que se tornam mais importantes do que a causa original, que se perdeu. A vantagem do conceito de tendência antissocial é a possibilidade de compreender e flagrar a deprivação perto do ponto de origem, o que permite que sua reversão seja muito mais simples.
A propósito da deprivação enquanto falha ambiental, ressalto aqui um tema caro a Winnicott, que permeia toda a sua psicopatologia, qual seja: a questão não é a mãe, o pai ou a família falharem nesse ou naquele aspecto específico; afinal, isso acontece constantemente, é humano e natural. O problema é o não reconhecimento da falha, e, portanto, a não correção desta em tempo hábil, de maneira que um padrão de falhas no relacionamento da criança com seus familiares pode se estabelecer. Ou seja, o ponto nodal é o padrão de falhas que se institui e o fato de este apontar para uma ausência de comunicação, para a impossibilidade dos pais de alcançarem a aflição que está crescendo na criança. Os sintomas, vistos desse ângulo, constituem o fracasso da comunicação infantil, que anseia por ser compreendida e por ter reconhecido o seu profundo sentimento de perda. É por isso que, ao descortinar e enumerar os sintomas precoces da tendência antissocial, Winnicott oferece aos pais, aos analistas, educadores etc. a chance de perceber e corrigir a falha ambiental, antes que esta, permanecendo como padrão, caminhe e estabeleça uma defesa patológica na direção de uma delinquência. Delinquência, diz o autor, é uma tendência antissocial que não foi curada a tempo.
A psicoterapia que visa lidar com a tendência antissocial só funciona, diz Winnicott, "se o paciente está no início de sua carreira antissocial, antes que se estabeleçam habilidades delinquentes e ganhos secundários. É só nos primeiros estágios que o paciente sabe que é um paciente e sente necessidade de ir à raiz do problema" (Winnicott, 1984i/1999, p. 103).
Quando o que prevalece, e não encontra facilmente reconhecimento e tratamento, é a desesperança nos relacionamentos pessoais, paralelamente ao desenvolvimento de habilidades delinquentes e de ganhos secundários, o distúrbio de caráter pode se estabelecer. Aquele que se tornou delinquente, tendo perdido a esperança na restituição da segurança do ambiente, fica "cada vez mais inibido no amor e, por conseguinte, cada vez mais deprimido e despersonalizado, tornando-se por fim totalmente incapaz de sentir a realidade das coisas, exceto a realidade da violência" (Winnicott, 1946b/2002, p. 131).
O resultado da deprivação é, num primeiro momento, desesperança e humor deprimido, mas trata-se aqui não de depressão reativa (que, nos bons casos, indicaria saúde), e sim de perda da esperança e da confiança nas relações ambientais e objetais, na possibilidade de comunicar o fato de que a pessoa foi e sentiu-se lesada e de esperar pelo ressarcimento do dano.
Após a perda, a criança se reorganiza gradualmente até atingir um estado relativamente neutro e, por algum tempo, aceita as novas condições impostas, ainda que isso seja uma defesa contra o medo da aflição intolerável provocada pela perda. Esse estado de coisas perdura até que surja a esperança de reaver o ambiente bom que possuía, e é nesse momento de esperança que a criança passa a cometer atos antissociais.
Quando a criança se vê numa situação favorável na qual ela reencontra algo da experiência positiva que havia sido perdida – algum aspecto que lhe restitui elementos da confiabilidade ambiental que existia anteriormente –, os comportamentos antissociais começam a surgir.
Segundo Winnicott,
[…] o comportamento antissocial pertence a um momento de esperança numa criança que está, sob outros aspectos, sem esperanças. No ponto de origem da tendência antissocial está uma deprivação, e o ato antissocial visa a corrigir o efeito da deprivação, negando-a. (Winnicott, 1966c/2002, p. 296)
A pressão e a agitação que a criança exerce são formas de alerta, de SOS, para que o meio perceba que houve deprivação, se reorganize e tolere o incômodo. Os sintomas antissociais são, assim, um pedido de ajuda que, embora distorcido, está ainda manifesto; um sinal de que a esperança na criança ainda não morreu, ou seja, de que ela ainda crê que o meio reconhecerá e a ressarcirá do dano causado.
Nesse sentido, os atos antissociais apontam para o fato de que, sendo uma manifestação de esperança, ainda é possível alcançar a raiz da deprivação e promover uma recuperação significativa. Winnicott diz que se isso acontece e a situação se mantém,
[…] o ambiente deve ser testado repetidamente em sua capacidade para suportar a agressão, para impedir ou reparar a destruição, para tolerar o incômodo, para reconhecer o elemento positivo na tendência antissocial, para fornecer e preservar o objeto que é procurado e encontrado. (Winnicott, 1958c/2002, p.146)
Se a tudo isto não estiver acoplada uma paranoia ou uma compulsão inconsciente que complicam o quadro (cf. Winnicott, 1958c/2002, p. 146), as condições favoráveis podem, com o tempo, possibilitar à criança encontrar e amar uma pessoa "em vez de continuar a busca através de reivindicações dirigidas a objetos substitutos que perderam todo o seu valor simbólico" (Winnicott, 1958c/2002, p. 146). Tudo isso muda nos casos em que o que se instala é uma desesperança, conjuntamente a um severo estado deprimido, devido à desesperança na possibilidade de comunicação.
Para se ter uma ideia da gravidade do que se passa com o indivíduo quando uma deprivação acontece, Winnicott diz que a criança deprivada passa a habitar uma "área de aflição intolerável" (Winnicott, 1966c/2002, p. 296), assemelhando, dessa maneira, o sofrimento sentido na deprivação com aquele que ele descreve em termos de agonia impensável na psicose, embora nesta última exista a possibilidade real de uma aniquilação do ser. Referindo-se à aflição intolerável relativa à deprivação, Winnicott esclarece que "por sofrimento, entendo um estado de confusão, de desintegração da personalidade, um cair para sempre, uma perda de contato com o corpo, uma desorientação completa, e outros estados dessa natureza" (Winnicott, 1968e/1999, p. 90). Se, por exemplo, o lar era bom e de repente se rompe, se os pais passam a se ocupar de sua própria desavença e não cuidam de minimizar o impacto da mudança sobre a criança, esta perde o chão, ou seja, "ocorre uma modificação que altera a vida inteira da criança" (Winnicott, 1968e/1999, p. 82).
Outra característica desse distúrbio é o estabelecimento de uma dissociação da personalidade – ou seja, uma falta de comunicação entre os diversos elementos que constituem o eu total – de tal forma que, embora cometa atos antissociais, a criança não tem consciência de tê-los feito, provavelmente porque ela deu outro sentido aos atos que aquele da realidade compartilhada. Quando, diante dos pais ou professores a criança nega o que fez, ela não está propriamente mentindo, mas, sim, "declarando algo que é verdadeiro para ela como um todo, e o aspecto do eu que cometeu o ato não faz parte da sua personalidade total" (Winnicott, 1966c/2002, p. 293), tratando-se de uma parte dissociada de si mesma. Portanto, ela não se sente culpada; consigo mesma, sente-se louca porque pratica os atos sob forte compulsão sem saber qual a verdadeira razão desses comportamentos. Roseana Garcia, que realizou uma pesquisa aprofundada a respeito do tema, diz que:
A negação do ato antissocial, pela criança, ainda significa que ela está aflita e buscando por ajuda, pois esse ato é praticado sob compulsão, e ela não tem a menor noção de porque age assim. O seu sentimento é de loucura. O que a criança necessita é de alguém que a compreenda e a ajude nesse estágio, em que ela é ainda uma pré-delinquente. A compulsão está ligada à esperança que a criança tem de ter reconhecido o débito do mundo para com ela. (Garcia, 2004, p. 83)
Se for pressionada a assumir o delito, a criança em geral nega, se estiver falando a partir do si-mesmo verdadeiro: ela não roubou, ela apenas está se ressarcindo de um dano sofrido; a roubada é ela. Contudo, sob pressão, ela poderá até confessar o roubo, mas "o investigador estará falando para um sistema intelectual. Nesse caso, a integração (falsa) não é difícil. O indivíduo é capaz de saber, compreender e recordar […]. A culpa agora é admitida, mas não é sentida" (Winnicott, 1966c/2002, p. 294).
3. Aspectos da etiologia da tendência antissocial
Winnicott descreve dois tipos de deprivação, um que se relaciona à perda da mãe, e o outro à perda do pai. Mais precisamente,
Um deles se dá em termos da perda do objeto [subjetivo] e o outro em termos da perda de molduras, de limites. Em certo sentido, poder-se-ia dizer perda da mãe e perda do pai – o pai paterno, não o pai que fica no lugar da mãe. O importante é a moldura, a força – a deprivação em termos disso. (Winnicott, 1989f/1994, p. 440)
Muitas vezes, se o pai se afasta, ou se separa, ou, de qualquer modo, se ausenta, deixando de fornecer o aspecto específico que permitia à mãe sentir-se mais segura e protegida, a criança pode sentir falta da mãe que ela conhecia, embora o que tenha faltado é a moldura que dava à mãe essas condições.
Em geral, a criança manifesta que houve deprivação relativa à perda da mãe (que se ausenta ou se transforma) mediante, sobretudo, roubo e mentira; no que diz respeito à deprivação paterna, implicando perda dos limites, da situação sustentada e assegurada em sua ordem, a manifestação ocorre, em geral, em termos de destrutividade.
Grosso modo, pode-se dizer que há dois tipos de tendência antissocial. Em um, a enfermidade se apresenta na forma de furto ou chamando atenção especial através do ato de urinar na cama, falta de asseio e outras delinquências menores que, de fato, dão à mãe trabalho e preocupações extras. No outro, há a destrutividade provocando atitudes firmes, ou melhor, firmes sem a qualidade adicional da retaliação. Sem entrar em detalhes, o primeiro tipo de criança sofre deprivação no sentido de perda do cuidado materno ou de um objeto bom, e o segundo tipo sofre deprivação em termos do pai […]. (Winnicott, 1971b/1984, p. 230)
Na direção materna, a criança deprivada "busca algo em algum lugar e, fracassando em seu intento, procura-o em outro lugar, quando tem esperança" (Winnicott, 1958c/2000, p. 411). O que está sendo procurado, quando a criança rouba, não é o objeto, mas a sua capacidade de encontrar objetos, ou seja, de encontrar no mundo aquilo de que ela necessita; trata-se da capacidade criativa de encontrar objetos, pois é só sendo criativa que encontrar do objeto faz sentido para ela. Pode-se, portanto, dizer que a criança que rouba está procurando pela mãe, pelo retorno do contato com a mãe, sobre a qual ela tem direitos, tendo em vista que, se houve um bom começo, foi ela quem criou a mãe. É a mãe que lhe permitirá recuperar essa capacidade. Diz Winnicott:
Explico essas coisas da seguinte maneira. Quando uma criança rouba açúcar, ela está procurando a boa mãe, de quem ela tem direito de tirar toda a doçura que houver. De fato, essa doçura é a da própria criança, pois ele inventou a mãe e a doçura desta a partir de sua própria capacidade de amar, a partir de sua própria criatividade primária, seja ela qual for. (Winnicott, 1946b/2002, p. 130)
Na outra modalidade de deprivação, que é relativa ao pai, a criança está buscando
[…] a quantidade de estabilidade ambiental necessária para suportar o embate do comportamento impulsivo. Trata-se da busca por uma provisão ambiental perdida, uma atitude humana que, por ser confiável, proporciona ao indivíduo a liberdade de mover-se e agir e excitar-se. (Winnicott, 1958c/2000, p. 411)
Quando a falha aponta para a falta pai, o indivíduo perde os limites ambientais e os atos de destrutividade que ele manifesta expressam a busca incessante pelo retorno da estabilidade perdida. Segundo o autor, a criança que rouba, mente compulsivamente ou é destrutiva ainda "está (nos estágios iniciais) procurando a lacuna, esperançosa ou não inteiramente desesperançada, de descobrir o objeto perdido ou a provisão maternal perdida, ou então, a estrutura familiar [o pai] perdida" (Winnicott, 1971ve/1884, p. 230).
Garcia diz que, ao ser destrutiva, o que a criança procura é "um ambiente forte e estável que suporte os resultados de seus estados excitados, liberando-a para que possa viver suas ideias e impulsos agressivos de forma segura" (Garcia, 2004, p. 64). Se não há moldura, a possibilidade de ser saudavelmente destrutiva fica ameaçada.
As duas formas de deprivação – materna e paterna – costumam vir juntas. Quando a criança rouba, ela está procurando pela mãe, mas está, igualmente, procurando pelo pai "que protegerá a mãe de seus ataques contra ela, ataques realizados no exercício de amor primitivo" (Winnicott, 1946b/2002, p. 131). Apesar de os casos individuais apresentarem maior ênfase em uma ou outra das duas direções da tendência antissocial, elas em geral estão articuladas:
Quando uma criança rouba fora de casa, ainda está procurando a mãe, mas procura-a com maior sentimento de frustração, necessitando cada vez mais encontrar, ao mesmo tempo, a autoridade paterna que pode pôr e porá limite ao efeito concreto de seu comportamento impulsivo e à atuação das ideias que lhe ocorrem quando está excitada. (Winnicott, 1946b/2002, p. 131)
4. Deprivação dificultando a conquista do senso de culpa e de responsabilidade pessoal
Sabemos que, quando tudo corre bem, é durante o estágio do concernimento que a criança tem que se deparar com as questões relativas à integração de sua impulsividade, pois é só então que existe nela maturidade suficiente para a conquista do senso de culpa e de responsabilidade quanto aos resultados da sua impulsividade, o surgimento do sentido de valor (a criança descobre que a mãe tem valor e merece, portanto, ser preservada) e a capacidade de reparação. Para alcançar essa capacidade, a criança depende de poder experimentar ser destrutiva, pois somente assim ela adquirirá a possibilidade de efetivamente preocupar-se com o outro, de sentir culpa e, encontrando uma via para a reparação, assumir a responsabilidade pessoal por seus atos. Nas palavras de Winnicott, isso significa entrar para o círculo benigno em que ela se libera para o livre exercício do "machucar-curar". Para tanto, a criança depende da mãe, depende da sobrevivência desta diante dos ataques da criança, sem vingar-se dela, sem retaliar ou esmorecer, e do pai que, presente no ambiente, protege a mãe e mantém para a criança o sentido de indestrutibilidade ambiental. É pela entrada no círculo benigno que se abre, por sua vez, sob o fundo da destrutividade integrada, o caminho para a responsabilidade e, assim, para a possibilidade saudável do fazer construtivo, do contribuir, do trabalho, da cultura etc. Inerente a isso, como salienta Winnicott, está o fato de que qualquer manifestação de amor só é sentida como valiosa se implicar a agressão reconhecida e controlada; o oposto disso é sentimentalismo que nega a destrutividade subjacente a qualquer disposição construtiva (cf. Winnicott, 1957d/1999, p. 101).
Essa situação muda quando a criança chega ao início da elaboração das questões relativas ao concernimento com algum grau de deprivação, ou seja, quando houve uma experiência de perda repentina dos cuidados maternos e/ou da proteção paterna. Nesses casos, a criança não atinge o sentimento de culpa, ou, se já o alcançou, pode perdê-lo. A destrutividade em tais situações não é nem inibida, nem integrada, mas dissociada da personalidade, ela é atuada compulsivamente no ambiente por meio de atos antissociais. Repetindo, isso ocorre porque a criança deprivada, quer se trate de deprivação materna, paterna ou ambas, sente que o ambiente tem um débito para com ela. O sentimento é de ela ter sido roubada daquilo do qual tinha direito (a mãe, o ambiente estável mantido pela presença do pai etc.). Esse débito impede, por assim dizer, que ela entre no círculo benigno. Ou seja, impede que a solução buscada para a destrutividade que é inerente ao viver seja elaborada por via da reparação, pois, nesse caso, o devedor é o ambiente e não ela: portanto, a criança não se sente impelida a curar, remendar, consertar os estragos feitos; a capacidade para o senso de culpa fica prejudicada ou, dependendo do grau, não é alcançada. Ao contrário, ela espera (ainda que não tenha consciência disso) que sejam os pais que assumam e tomem para si esses cuidados.
5. As falhas paternas na tendência antissocial
Sem a devida contribuição paterna, em especial neste estágio do amadurecimento, a criança pode sofrer "deprivação em termos do pai ou da qualidade na mãe que mostra que ela tem o apoio de um homem; isto inclui a atenção dela, ou talvez sua capacidade para resistir a ataques e ser capaz de reparar estragos feitos nas roupas, tapetes, paredes ou janelas da casa" (Winnicott, 1971b/1984, p. 230).
Cabe lembrar a afirmação de Winnicott de que, na família, é o pai, sobretudo, que fornece a qualidade de indestrutibilidade do ambiente, as balizas, a moldura. Isso cabe para qualquer ambiente familiar, tornando-se imprescindível na situação de uma criança deprivada. Ela precisa reaver o ambiente seguro que a capacita a ir ao encontro dos objetos; se, pela falta de contorno e limites, sua destrutividade tornar-se compulsiva e sem freio, ela terá muita dificuldade de redescobrir a relação de comunicação que tinha com a mãe.
Quando a criança que sofreu deprivação é posta em contato com uma pessoa e com uma situação estruturada que a leva a sentir esperança pelo retorno da segurança ambiental, ela começará a quebrar e a destruir coisas, ou seja, a fazer o longo teste para certificar-se de que o ambiente pode tolerar: "Uma coisa muito complicada acontece quando a criança fica bem e começa a sentir confiança em um homem, em uma estrutura ou em uma instituição. Ela começa a quebrar coisas para ficar inteiramente certa de que o arcabouço pode aguentar" (Winnicott, 1989f/1994, p. 440).
A criança necessitará mais do que nunca da proteção e da solidez que o pai imprime ao ambiente para que este (e também a mãe) suporte e tolere suas reivindicações.
O que nos chama a atenção é a necessidade aguda que a criança tem de um pai rigoroso, estrito, que proteja a mãe quando ela é encontrada. O pai rigoroso que a criança evoca também pode ser amoroso, mas deve, antes de tudo, ser estrito e forte. Somente quando a figura paterna, rigorosa e forte, está em evidência a criança pode recuperar seus impulsos primitivos de amor, seu sentimento de culpa e seu desejo de corrigir-se. (Winnicott, 1946b/2002, p. 131, grifos meus)
É importante elucidar o que o autor quer dizer quando afirma que "o pai rigoroso que a criança evoca também pode ser amoroso, mas deve, antes de tudo, ser estrito e forte", pois creio que pode haver uma confusão nesse ponto, tanto no que se refere ao que cabe ao pai numa situação como esta quanto também ao analista.
Rigor, força, estritez e indestrutibilidade são qualidades ambientais que a criança precisa encontrar para sentir que a segurança do ambiente foi reestabelecida; se assim for, ela poderá então afrouxar, depender, reclamar, deitar no colo, fazer todas as experiências que lhe possibilitam ser ela mesma, podendo, enfim, novamente, contar com a ajuda e a sustentação do ambiente num momento em que ela ainda precisa desse chão para poder caminhar e, sobretudo, para ter condições de integrar os aspectos de sua personalidade que ficaram dissociados.
Mas é fundamental que a firmeza e severidade do pai estejam ancoradas em uma compreensão profunda das necessidades da criança. Ou seja, não se trata de uma rigidez arbitrária ou uma que normatiza, pune, educa ou busca apenas o controle do comportamento infantil. Ao contrário. A segurança que o pai fornece (ou o analista) ao ser forte e indestrutível depende de ele poder, antes de tudo, ser compreensivo e saber, verdadeiramente, que a criança que repetidamente riscou as paredes da casa, roubou, agrediu o irmão, cuspiu a comida, mordeu todos os amiguinhos da escola, repetiu o ano, está doente e precisa de ajuda. Só assim a criança poderá encontrar na compreensão e na moldura que o pai oferece as condições ambientais e pessoais que reavivam nela o sentimento de que ela não está só e incomunicável e de que a confiança nas pessoas de quem ela depende está viva e é real.
E mais, depende também de o pai admitir que houve uma falha ambiental (familiar) e, portanto, assumir a responsabilidade pelo que está acontecendo à criança e tomar para si as rédeas da situação. Portanto, os limites e o rigor, ou o que quer que se pretenda fazer nesta esteira, precisa estar pautado e orientado por esta compreensão, pela possibilidade de o pai ser íntimo e próximo e, assim, haver uma verdadeira comunicação entre pai e filho propiciando, desse modo, que a desesperança que se instalou na época da deprivação comece a ceder lugar à esperança.
A possibilidade de ver e de agir diante dos atos antissociais de uma criança dessa forma – ainda que com força, severidade e rigor – muda completamente o sentido dessa ação, que ganha o valor de proteção e de segurança, e isso chega à criança, sendo essa, eu diria, a precondição e o começo de um possível caminho para a cura.
A consideração vale, sobretudo, para crianças e jovens menos doentes, isto é, para a pessoa que ainda está apenas apresentando os primeiros sinais da tendência antissocial e não em vias, ou já a caminho, de encontrar o "conforto" e os "privilégios" advindos dos ganhos secundários que as práticas antissociais trazem. Ou seja, para a criança que ainda se vê "verdadeiramente perplexa por encontrar-se amarrada a uma compulsão para roubar, mentir, destruir e produzir reações sociais de uma ou outra espécie" (Winnicott, 1966c[1965]/2002, p. 297). Críticas, punição e castigo, vão na contramão da cura.
Winnicott, pediatra e psicanalista, alerta os pais e profissionais da saúde dizendo:
É necessário, de fato, que o investigador esteja em contato com a escola ou o grupo privado, e que as crianças lhe sejam encaminhadas quando elas mostram os primeiros sinais de defeito de caráter, ou manifestam os primeiros sintomas que provocam a reação social: ou seja, na fase anterior àquela em que a punição entra em jogo. Logo que ocorre um choque entre a tendência antissocial e a reação social iniciam-se os ganhos secundários e o caso está a caminho do endurecimento que associamos à delinquência. (Winnicott, 1966c[1965]/2002, p. 297)
Caso os pais, o professor ou algum segmento da sociedade, enfim, qualquer pessoa ou instituição a quem caiba, ao longo da vida, prolongar o papel de moldura e dar continuidade ao sentido de indestrubilidade ambiental, não puder, de antemão, compreender e oferecer ajuda, ao mesmo tempo em que entende que o que a criança ou jovem reivindica é o ambiente seguro que lhe foi roubado, correr-se-á o risco, como aponta Winnicott, de que uma reação social diante dos delitos causados pela criança ou jovem infrator entre em cena. Então, muito provavelmente, a questão terá fugido ao controle dos pais, e o que a criança ou o jovem facilmente encontrará pela frente não serão as condições de compreensão, de cuidados e de tolerância frente aos estragos feitos – que proporcionaria uma ajuda terapêutica efetiva e a possibilidade de retrocesso da tendência antissocial – mas, ao contrário, encontrará punição4 e, com ela, há uma forte possibilidade para que os ganhos secundários entrem em cena. Nesse momento, retomando aqui as palavras do autor, a criança, infelizmente já estará a "caminho do endurecimento que associamos à delinquência". Esse alerta vale para os pais, mas também para todos aqueles que assumem sua posição no decorrer da vida de qualquer pessoa.
Se o comunicado da criança, por meio das ações antissociais, não é escutado, se os pais não conseguem reverter a tempo a situação de deprivação, se, em especial o pai, não consegue assumir o controle ambiental, corre-se ainda outro sério risco, entre vários, de que a criança se torne "um sistema controlador identificado com a situação parental [que precisaria existir] ou com o meio ambiente, perdendo completamente sua identidade" (Winnicott, 1989f/1994, p. 440). Neste tipo de circunstância, não raras vezes, a criança vê-se obrigada a assumir as rédeas da situação e, para "dar conta do recado", adquire, defensivamente, um alto nível de rigidez e inflexibilidade, o que na maioria dos casos significa apenas o outro lado da moeda, ou seja, outra forma de defesa frente à mesma falta de controle, de segurança e de estabilidade ambiental. Aqui as ações antissociais não aparecem no padrão destrutivo comum, pois a criança, ao invés de claramente agredir o ambiente, torna-se autoritária e radicalmente normativa com ela mesma, com os irmãos, a mãe, os amigos, não importa; ela assume o comando e se, num primeiro momento, aos desavisados, isso pode parecer um bom sinal e sugerir um alto nível de responsabilidade e maturidade, os ditames ocorrem sobre o cadáver da espontaneidade e da liberdade: a criança vira um pseudo-adulto imaturo, de qualquer forma, um déspota.
Quando o lar, os pais ou um ambiente forte e confiável consegue se reorganizar e possibilitar à criança o retorno da estabilidade ambiental, a criança tem uma nova oportunidade de experimentar o ódio que não pôde ser vivido quando a deprivação se deu, e que apenas se manifestou de forma dissociada, por meio de compulsivas atitudes antissociais.
Reposta a situação ambiental, anterior à perda, com a presença do pai reacendendo a força do ambiente, a criança deprivada sentirá novamente ódio. Se o ambiente puder, dessa vez, escutar, tolerar, acolher, responder à comunicação feita e se a indestrutibilidade ambiental for sentida de forma absoluta, o ódio poderá ser integrado e, aos poucos, a criança recuperará sua capacidade de amar. Para isso, o ambiente terá que suportar, durante o tempo em que essa elaboração está se processando na criança, o incômodo que ela ainda causará enquanto não estiver segura de que a estabilidade retornou. Winnicott esclarece que
[…] quando o controle começa a ser reimposto e essas crianças começam a ganhar confiança e a entregar os controles a outrem e, ao estabelecerem-se de novo, a primeira coisa que têm de fazer é provar se os controles serão suficientes. Quando isso funciona, as crianças serão muito agressivas. Poder-se-ia dizer que têm crises maníacas às vezes, mas o ponto é que elas estão começando a existir. (Winnicott, 1989f/1994, p. 440)
Suportar o incômodo, reconhecendo a veracidade e a pertinência das reivindicações feitas por meio dele, significa cuidar da criança, devolver-lhe a potência de ser saudavelmente agressiva tanto quanto a capacidade de amar e também algo que é relativo à recuperação da dignidade pessoal.
Por mais difícil que possa ser o enfrentamento de todas essas questões, e por mais que nenhum pai ou mãe deseje jamais passar por elas – exigindo destes um lugar que se assemelha a de um terapeuta –, o sucesso dessa tarefa traz não só a oportunidade de uma comunicação verdadeira entre pais e filhos, mas também o fortalecimento dos pais nessa função e, em certa medida também, o engrandecimento pessoal de cada um deles que teve a chance de, com esses cuidados, fazer suas próprias reparações pessoais.
Essas considerações permitem-nos compreender por que bebês e crianças pequenas necessitam de forma absoluta do background de suas próprias famílias e, se possível, da estabilidade do ambiente físico.
É sobretudo por causa da segunda tendência [a deprivação paterna] que a criança provoca reações ambientais totais, como que buscando uma moldura cada vez mais ampla, um círculo que teve como seu primeiro exemplo os braços da mãe ou o corpo da mãe. É possível distinguir uma série – o corpo da mãe, os braços da mãe, a relação parental, o lar, a família (incluindo primos e parentes próximos), a escola, a localidade com suas delegacias policiais, o país com suas leis. (Winnicott, 1958c/2002, p. 141)
As crianças e jovens que perderam a estabilidade do ambiente (em termos de uma deprivação) não raras vezes procuram por ambientes fortes, protetores/e ou ditatoriais (seja o comandante da favela, ou do tráfico de drogas, as leis de uma seita ou igreja, ou o líder de um grupo de adolescentes etc.) que façam às vezes do pai forte que dá limites, moldura. Quando o lar não pode oferecer um sentimento básico de segurança, a criança procurará as quatro paredes fora de casa:
As crianças privadas de vida familiar ou são providas (provided) com algo pessoal e estável quando ainda são suficientemente jovens para fazer uso disso, em alguma medida, ou então nos obrigarão mais tarde a fornecer-lhes estabilidade sob forma de um reformatório ou, como último recurso, das quatro paredes de uma cela de prisão. (Winnicott, 1946b/2002, p. 134)
Na tendência antissocial, a perturbação gerada pela omissão paterna produz uma séria desestabilidade emocional em diversas áreas da vida. O pai falha enquanto representante do ambiente estável e, nesse sentido, o próprio existir da criança, como um todo, se torna ameaçado: o indivíduo perde o ambiente e fica à mercê da própria destrutividade, e o que havia de saudável em termos da organização do eu tem grande chance de ficar oculto por trás da sintomatologia que ganha terreno com os ganhos secundários.
Referências
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Winnicott, D. W. (2002). "Dissociação revelada numa consulta terapêutica". In D. W. Winnicott. (2002/1984a). Privação e delinquência (3ª ed., pp. 291-319). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1966c [1965] [ Links ].)
Endereço para correspondência
Claudia Dias Rosa
E-mail: diasclaudiarosa@gmail.com
* Psicanalista, Doutora em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora e supervisora da Escola Winnicottiana de Psicanálise do Instituto Brasileiro de Psicanálise Winnicottiana (IBPW), coordenadora do Serviço de Atendimento em Psicanálise (SAP) e do Centro Winnicott de São Paulo (CWSP), membra do Conselho de Ensino do IBPW e da International Winnicott Association (IWA).
1 Um estudo aprofundado sobre o tema da tendência antissocial pode ser encontrado na dissertação de mestrado de Roseana Garcia, A tendência antissocial em D. W. Winnicott, realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) (2004). Neste trabalho serão desenvolvidos apenas alguns dos aspectos do tema que estão relacionados ao pai.
2 O pai, aqui, não necessariamente se refere ao homem que gerou a criança. Winnicott ressalta em sua obra que, provavelmente, os pais biológicos, quando saudáveis (no sentido winnicottiano do conceito), seriam aqueles que têm as melhores condições de cuidar de seus filhos. Mas isso, em absoluto, quer dizer que outras pessoas não possam ocupar esses lugares. A questão principal, enfatizada incansavelmente pelo autor, diz respeito à qualidade dos cuidados que o bebê, criança ou adolescente precisam receber – cuidados estes que variam de acordo com os diversos estágios da vida. O que Winnicott nos ofereceu foi uma direção, ou seja, ele clarificou o que o ambiente precisa proporcionar e garantir ao individuo imaturo e, portanto, dependente (em graus diversos) de uma família e de um ambiente social. Antes de prescrever ou determinar uma configuração familiar padrão necessária para garantir um ambiente saudável, Winnicott proporcionou aos diversos agrupamentos familiares, sejam eles quais forem, um norte, uma ajuda na qual se apoiar, para uma compreensão das necessidades da natureza humana em desenvolvimento.
3 A ideia de que um distúrbio de caráter possa estar escondendo as consequências de uma privação, ou seja, um aspecto psicótico da personalidade, é muito complexa e não pode ser discutida nos limites deste estudo. Recomendo ao leitor interessado em aprofundar essa questão ao texto de Winnicott "Psicoterapia dos distúrbios de caráter" (1965ve).
4 A questão da punição está diretamente relacionada à discussão, atualmente em voga no Brasil, sobre a redução da maioridade penal, a qual, mais essencialmente, privilegia a punição de um delito à compreensão dos motivos que levaram o jovem a cometer a infração. Ao imputar grande parte da rresponsabilidade à criança ou ao adolescente que comete um ato antissocial, a sociedade, aparentemente, encontra uma "saída" para o problema, mas o fato é que o ato de punir não alcança o cerne da questão e, sobretudo, não o soluciona. Ao contrário, a redução da maioridade penal, além de diversas outras consequências nefastas, menospreza as ações que efetivamente proporcionariam uma resolução efetiva para o problema, quais sejam, cuidados terapêuticos que incluem dependência, tolerância, compreensão e moldura (no sentido aqui exposto) e, sobretudo, profilaxia.