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Natureza humana
versão impressa ISSN 1517-2430
Nat. hum. vol.20 no.1 São Paulo jan./jun. 2018
DOSSIÊ
Vulnerabilidade pós-humana, crítica e a agência da matéria
Posthuman vulnerability, criticism, and the agency of the matter
José Sérgio Duarte da Fonseca*
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
RESUMO
O artigo explora a viabilidade da produção de uma perspectiva teórica que possibilite descrever como se dá a crítica social e política a partir de uma ontologia pós-humana. Para tanto, serão examinados aspectos das produções teóricas de Judith Butler e de Karen Barad, especialmente aqueles relacionados à ética levinasiana, para saber de que forma elas contribuiriam para a produção de uma perspectiva teórica a um tempo crítica e pós-humana, centrada no que passo a chamar de "vulnerabilidade pós-humana".
Palavras-chave: ontologia; pós-humanismo; ética.
ABSTRACT
The aim of this paper is to gauge the possibility of producing a theoretical perspective which might be capable of describing the ways in which social and political criticism are given in view of a posthuman ontology. Therefore, we examine some aspects of the theoretical productions of Judith Butler and Karen Barad, markedly the ones related to Levinasian ethics, in order to grasp to what extent they may contribute towards producing a theoretical perspective that is both critic and posthuman, focused on what I shall call "posthuman vulnerability".
Keywords: ontology; posthumanism; ethics.
1. Introdução
A ontologia pós-humanista, também conhecida sob o epíteto de "novo materialismo", resulta de um renovado interesse pela materialidade no interior da filosofia feminista mais recente e pela defesa de uma visão não inerte, agencial, da matéria. As teóricas feministas adeptas do "novo materialismo" têm em comum a convicção de que a produção teórica anterior, focada no discurso, na linguagem e na cultura, leva a uma visão empobrecida e conceitualmente equivocada dos problemas éticos e políticos da sociedade contemporânea, devido a uma compreensão inadequada do complexo intercâmbio entre linguagem e matéria.
Explorarei no presente artigo a viabilidade da produção de uma perspectiva teórica que possibilite descrever como se dá a crítica social e política a partir de uma ontologia pós-humana. Para tanto, serão examinados aspectos das produções teóricas de Judith Butler e de Karen Barad, para saber de que forma elas contribuiriam para a produção de uma perspectiva teórica a um tempo crítica e pós-humana, centrada no que passo a chamar de "vulnerabilidade pós-humana".
2. Judith Butler: Discursividade, vulnerabilidade e a possibilidade da crítica
A produção intelectual de Butler da década de 1990 caracteriza-se pela influência foucaultiana (Butler, 1990, 1993, 1997a, 1997b). Em tais textos, Butler desenvolve um modelo discursivo da formação da identidade, a partir da defesa de duas teses: primeiro, que não há subjetividade anterior às categorias simbólicas que formam as bases de uma dada ordem social; segundo, que a formação da subjetividade, como uma forma estável de identidade, resulta de uma performance reiterativa destas categorias em nossa atividade cotidiana. Destas duas teses, retira-se como consequência uma visão em que a subjetividade nunca é o ponto de partida para o exame filosófico, o que a afasta de boa parte da filosofia política tradicional. Isso não quer dizer que os papéis sociais como ser "feminino", ou "masculino", ser "heterossexual", ou "homossexual", são preexistentes ao sujeito (Butler, 1990, p. 13), e sim que não há identidade para além da performance reiterativa. De fato, é somente através da reiteração de tais papéis que surge a subjetividade. Em outras palavras, é através da performance que essas categorizações se tornam reais e produzem identidades mais ou menos estáveis. Em vista disso, qualquer posição em filosofia política que tenha o sujeito reflexivo como ponto de partida para a crítica à ordem social é fadada ao fracasso. De fato, mais que isso, ela está fadada a manter esta mesma ordem, talvez por outros meios. Se seguirmos a perspectiva butleriana, o problema que imediatamente se impõe é o de pensar a possibilidade da crítica sem o recurso a algo como um "self reflexivo", já que sabemos que o sujeito é construído discursivamente, i.e., um efeito das relações de poder. É necessário pensar em uma outra versão de atitude crítica e escapar desta situação ambígua que poderíamos chamar de "autorreflexão sem distanciamento".
Esta nova abordagem tem, ela mesma, raízes foucaultianas. Para evitar a prisão naquilo que chamei "autorreflexão sem distanciamento", Foucault sugeriu a categoria da "experiência limite" (Foucault, 1984). Butler desenvolve esta noção e a define como a experiência de sermos determinados por um discurso historicamente situado, experiência esta que nos oferece a possibilidade de sermos críticos e, assim, capazes de transformar a nós mesmos e a sociedade (Butler, 2002). Em outras palavras, a própria possibilidade de resistência contra uma ordem social injusta está ligada a uma dimensão da experiência, a da precariedade, da vulnerabilidade, a de ser exposto a algo que nos obriga a mudar. A experiência-limite está vinculada a um evento que nos expropria de nós mesmos e que, precisamente por isso, nos daria a possibilidade de criticar as condições sociais nas quais nos encontramos. Tal experiência tornaria possível a atitude crítica, sendo esta de forma alguma relacionada à determinação racional de nós mesmos, mas a um momento de passividade radical, i.e., a possibilidade de experienciar algo que tem a força de nos mover para fora da nossa posição assujeitada.
Se pensarmos a partir desta experiência-limite, o sentido da resistência de uma minoria política marginalizada contra a ordem social existente não seria fundado em uma moralidade individualista e liberal, quer dizer, o engajamento político não se reduziria ao desejo por uma sociedade que, p.ex., salvaguardará finalmente a igual oportunidade para todos os indivíduos, e sim em nossa vulnerabilidade enquanto seres corporificados e da decorrente precariedade da vida. A partir desta experiência de passividade radical, de exposição, de expropriação do self, seria possível pensar de outra forma a responsabilidade moral e social.
Butler desenvolve o tema das relações entre vulnerabilidade, corporeidade e a possibilidade de atitude crítica em seu livro Giving an Account of Oneself (Butler, 2005), desta vez a partir do exame das perspectivas de Jean Laplanche e Emmanuel Lévinas. De Laplanche, Butler retira a tese de que a corporeidade implica inescapavelmente a vulnerabilidade, como condição que preexiste à nossa existência como seres autoconscientes e autorreflexivos. A experiência da passividade radical, de um sentido de expropriação inescapável que, em sua dimensão pública, nos remete à nossa incompletude e dependência dos outros, é uma experiência de dessubjetivização, que revela a inescapável dimensão pública do corpo. De Lévinas, ela retira a tese de que o ponto de vista para a moralidade está intimamente relacionado não ao sujeito reflexivo, e sim à vulnerabilidade da carne, do corpo, da possibilidade de exposição à violência. Com isso, antes mesmo que possamos decidir se atendemos ou não aos apelos do outro, nós já fomos tocados por ele, para além de qualquer controle subjetivo. O fato de que estamos desde já expostos ao outro nos impõe o ônus da responsabilidade e do engajamento crítico, que nos obriga a assumir um ponto de vista não indiferente. Em outras palavras, se seguirmos Butler de perto, podemos entender que, tanto para Laplache quanto para Lévinas, o sujeito não é o fundamento da ética, possibilitando assim a teorização sobre o que seria a crítica para além do âmbito do discurso.
3. Karen Barad e o entrelaçamento entre discurso, matéria e ética
As primeiras influências filosóficas de Karen Barad encontram-se nas obras de Michel Foucault e de Judith Butler. A partir das teorias da discursividade destes dois autores, Barad explora a possibilidade de entender de forma radicalmente nova o papel do discurso no processo de medição na física quântica, tendo como resultado a proposição de uma nova ontologia, o realismo agencial. O realismo agencial proposto por Barad tem como unidade ontológica básica o fenômeno. Não há, assim, para Barad, partículas elementares e propriedades, e sim fenômenos. No contexto da prática científica, entendida nos termos do realismo agencial, os fenômenos são descritos como arranjos experimentais, ou seja, como configurações materiais do mundo, constituídas através de um corte agencial entre o aparato de medição e o "objeto" medido, corte este definido no interior da medição como intervenção no mundo, sendo o mundo, por sua vez, entendido como um padrão significativo de fenômenos. Esta descrição de fenômeno contraria a visão da física clássica do que seja o processo de medição e o objeto observacional, já que, segundo a nova visão, o limite entre o objeto observacional e o aparato de medição não é algo bem definido, ou seja, interno e inerente a ambos, e sim um corte, ou "intra-ação", estabelecido no interior da própria prática da medição, através da escolha correta da configuração material do aparato. Em outras palavras, não há como estabelecer a priori a distinção entre objeto observado e o aparato experimental usado para sua observação, nem entender a medição como o resultado da interação entre o aparato de medição e o objeto medido, tal como na visão da física clássica. Na perspectiva do realismo agencial proposto por Barad, tal distinção é prática e não metafísica, e depende de como o aparato é configurado de forma significativa, segundo as normas de uma prática discursivo-científica dada. Desta forma, a materialidade do aparato e a prática discursiva que produz sua descrição como aparato estão intrinsecamente relacionados, ou seja, não é possível estabelecer um limite entre o material e o discursivo. O discursivo e o material estão fisicamente entrelaçados1.
O entrelaçamento entre o material e o discursivo não se limita ao discurso científico; de fato, as práticas discursivas da ciência estão intimamente correlacionadas a outras formas discursivas, em especial as ético-políticas. Isso traz consequências teóricas de grandes proporções para a compreensão da natureza das relações sociais e para a filosofia política feminista: se os resultados experimentais específicos no interior da prática discursiva da física quântica estão completamente entrelaçados com as outras práticas discursivas, científicas ou não, a inexistência de um limite entre o material e discursivo se espraiaria sobre toda e qualquer prática discursiva, em especial, as práticas discursivas ético-políticas.
Uma das preocupações de Barad, em seu reexame radical das ideias de materialidade, causalidade e discursividade, é lançar luz sobre o que seja a vida a partir da mecânica quântica, para repensá-la fora do paradigma biológico vigente, de forma a pôr em xeque a própria distinção entre o animado e o inanimado. Este esforço parte de sua constatação de que o inanimado sempre é posto de lado, como algo muito distante do humano para ter importância, o que mostra uma falha da imaginação ancorada no mais persistente dos dualismos, o dualismo animado/inanimado, dualismo este que considera as rochas, as moléculas e as partículas subatômicas como estando do outro lado da fronteira da morte, na região das coisas que não podem morrer (Barad, 2012b, p. 21).
Descrita em termos do realismo agencial de Barad, a agência é entendida não como o resultado de uma relação entre entidades individuais, humanas ou não, vivas ou não, mas em termos da inseparabilidade ontológica que tem origem em seu caráter quanticamente entrelaçado. As dicotomias humano/não humano e, mais amplamente, vivo/não vivo resultam da má compreensão da agência, devida à adesão à ontologia atomista característica da visão de mundo da física clássica. A partir da visão quântica do mundo, defendida por Barad, não há tal coisa como "componentes" (vivos ou não vivos) que existem por si mesmos antes de uma relação, e sim fenômenos, já que os fenômenos são ontologicamente primordiais.
O realismo agencial de Barad tem consequências para a compreensão do que seja o mundo social. Muito embora o foco da física envolva escalas subatômicas ou cosmológica, isso não traz como consequência a inaplicabilidade das percepções científicas para a compreensão da vida cotidiana dos seres humanos. Desde logo, Barad deixa claro que a aplicação da visão quântica do universo para o mundo social não é uma questão de simples analogia, em todo caso falsa (Barad, 2012b, p. 17). A falsidade de tal analogia advém do simples fato de que sua proposição já pressupõe a ideia de que existem domínios separados da existência, ideia que tipifica a visão clássica do mundo. De fato, o realismo agencial é concebido como sendo uma "ético-onto-epistemologia", expressão cunhada por Barad para apontar a inseparabilidade das dimensões ética, ontológica e epistemológica das práticas científicas em particular, e as práticas sociais em geral, que concorrem para a coconstituição intra-ativa do mundo (Barad, 2007; 2010; 2011; 2012; 2014).
A concepção de ética proposta por Barad é influenciada pela ideia levinasiana da súbita defrontação com o outro que nos obriga eticamente a responder à sua demanda (Lévinas, 2015, p. 39). O modelo baradiano do que podemos chamar de uma "ética do entrelaçamento quântico" é fundamentalmente acerca da descoberta e da resposta a esta demanda (Barad, 2011, p. 150). Entendida através da perspectiva do realismo agencial, que sublinha a intra-atividade, nosso débito ético com respeito aos outros está emaranhado no tecido do mundo (Barad, 2010, p. 265). Seguindo a visão levinasiana, também na ética de Barad o débito moral não pode ser descrito em termos de regras formais ou cálculos. No entanto, sendo a ética baradiana radicalmente pós-humana, a face do outro não pode ser limitada à face de um ser humano (Barad, 2007, p. 392). Nosso ser-no-mundo é desde já um entrelaçamento (no sentido técnico de entrelaçamento quântico) com a existência dos outros seres, humanos ou não, vivos ou não. Desta forma, na ética pós-humana de Barad, a Alteridade, frequentemente expressada em termos da dicotomia eu/Outro, nunca existe a priori, quer dizer, a Alteridade não existe em si mesma, e sim como uma implicação das intra-ações que se interpõem no mundo (Barad, 2007; 2014).
4. A vulnerabilidade pós-humana e a possibilidade da crítica
Considero que, apesar da relevância da ontologia pós-humanista de Barad para repensarmos a ética, não é possível produzir uma descrição do que seria uma atitude crítica a partir de seu realismo agencial. Butler mostra que a possibilidade da crítica é defensável em termos levinasianos, i.e., em termos da relação intrínseca entre a moralidade e nossa inescapável vulnerabilidade enquanto agentes corporificados. Barad, por seu turno, apesar de defender uma visão também levinasiana de ética, agora em sua versão pós-humana, não apresenta nenhuma descrição do que seria uma versão pós-humana da vulnerabilidade. Sem a explicação do que passo a chamar de "vulnerabilidade pós-humana", não há como oferecer, a partir do realismo agencial, uma versão pós-humana da possibilidade da atitude crítica.
Minha hipótese é a de que é possível chegarmos ao conceito de "vulnerabilidade pós-humana" se mostrarmos que não apenas nós, como seres humanos, somos vulneráveis, devido à materialidade do nosso corpo, mas que a própria matéria é precária, vulnerável, reestabelecendo, no âmbito de uma ética pós-humana, a simetria entre o humano e o não humano, entre o vivo e o não vivo. Para tanto, é necessário mostrar de que forma as noções de precariedade e de vulnerabilidade podem ser introduzidas no escopo do realismo agencial de Barad. Isso pode ser feito através da revisão da tese baradiana da não dualidade entre o animado e o inanimado. Barad propõe a continuidade entre o biológico e o material estendendo a perecividade ao material. No entanto, a vida não se reduz a um processo natural perecível; de fato, o que caracteriza a vida é sua precariedade. A vida, por ser material, é precária, e a precariedade é essencial para a atividade de produção de sentido que caracteriza os organismos vivos.
A tese de que a precariedade é a condição irrevogável de todo e qualquer organismo vivo é defendida pelos teóricos da perspectiva enativista em biologia, sendo Evan Thompson um de seus principais representantes. Barad pretende nos oferecer um novo paradigma para a biologia, uma versão pós-humana do biológico, mas o que temos em seus escritos está longe de ser uma teoria robusta, algo que pode ser atingido através de sua confrontação com um paradigma biológico já bem constituído, como a perspectiva enativista.
Se quisermos acompanhar Barad na construção de uma ética pós-humana, temos que estender a precariedade para o âmbito do não vivo, reconstruindo-a em termos de intra-ação, em que a própria precariedade é um fenômeno. Proponho que possa ser feito a partir do esboço de uma crítica "baradiana" ao enativismo, a qual passarei a abordar, logo após uma rápida apresentação da perspectiva enativista.
A ideia básica da abordagem enativista (Thompson, 2007) é que qualquer explicação adequada da atividade cognitiva deve levar em conta a capacidade de auto-organização dos organismos vivos. Através da auto-organização, o organismo gera e mantém a si próprio, a despeito de suas constantes mudanças estruturais e funcionais. Ao ser capaz de manter sua identidade perante o meio ambiente, os organismos vivos exibem uma forma de ser autônoma e normativa em relação ao mundo.
Através desta visão de organismo, é possível estabelecer um critério para a distinção entre sistemas vivos e não vivos, i.e., em virtude da capacidade de auto-organização, podemos reconhecer bactérias e amebas como coisas vivas, mas não cristais e vírus. No entanto, a mera auto-organização não é suficiente para caracterizar um organismo vivo. A auto-organização de um sistema vivo deve garantir sua autonomia, ou seja, garantir a este uma "adaptatividade" ou "flexibilidade" suficientes para a produção de respostas adequadas às modificações do meio onde vive. Para a abordagem enativista, a autonomia é uma característica fundamental da vida, que revela uma profunda continuidade entre vida e mente (Thompson, 2007, p. 128 ss.).
Organismos não são apenas sistemas operacionalmente fechados, isto é, que se mantêm em funcionamento autorregulatório; como sistemas autônomos, eles buscam manter-se em funcionamento, o que exige uma capacidade de resposta às vicissitudes causadas pelas mudanças no meio-ambiente muito mais sofisticada e flexível do que a mera manutenção de sua integridade. Para que o fechamento operacional implique a autonomia do sistema autopoiético, foi necessário acrescentar a condição da precariedade do sistema, decorrente de sua materialidade. A autonomia exige precariedade, já que o organismo busca reiteradamente suplantar sua tendência, decorrente de sua materialidade, à dissolução. Mas a precariedade não é uma propriedade positiva do sistema: "A precariedade não pode ser 'revelada' como uma propriedade positiva e, no entanto, seus efeitos negativos são aquilo contra o qual o sistema está constantemente atuando" (Di Paolo e Thompson, 2014, p. 73).
A descrição enativista da precariedade supõe uma visão não agencial da matéria, já que, segundo tal visão, a materialidade é uma condição pré-dada, inerte, a partir da qual o organismo busca manter sua integridade. Uma caracterização baradiana da precariedade precisará descrever a autonomia do organismo em termos intra-ativos, incluindo a própria precariedade material como parte do fenômeno por ele operado2. A partir de tal caracterização, será possível produzir uma extensão da precariedade, ou da vulnerabilidade, para o não vivo, retomando a visão baradiana, agora sob bases teóricas consideravelmente mais robustas.
Com o elemento novo da precariedade material, ou da "vulnerabilidade pós-humana", é possível mostrar não só que a descrição intra-ativa dos organismos supera o construtivismo biológico de Thompson, mas também, e principalmente, mostrar que é viável a incorporação da precariedade, da vulnerabilidade como "condição" da própria matéria "não viva". Com isso teríamos uma definição precisa do que seja a "vulnerabilidade pós-humana", o que possibilitaria retornar ao objetivo primordial do presente artigo, que é produzir uma versão pós-humana de crítica, a partir da perspectiva butleriana-levinasiana da vulnerabilidade, agora reformada. A partir da vulnerabilidade da matéria podemos mostrar a possibilidade da experiência da "vulnerabilidade pós-humana", pois agora a matéria não viva também está exposta à violência, o que chamarei de "violência pós-humana". O entrelaçamento entre o humano e o não humano, entre o vivo e o não vivo está exposto à possibilidade de "violência pós-humana", algo que não poderia ser descrito na ontologia de Barad. Se quisermos saber o que poderia ser uma experiência de exposição pós-humana, creio que um exemplo, para ficarmos no âmbito internacional e "distante" de nós, seria a comoção causada pela destruição de grandes partes da cidade de Palmira pelos ativistas do Estado Islâmico. O objeto do ataque é a cidade de Palmira em sua materialidade, cuja consumação expôs o entrelaçamento entre nossa própria vulnerabilidade corpórea e a vulnerabilidade material de Palmira, uma "vulnerabilidade pós-humana" que precede o sujeito e que nos obriga a assumir uma postura não indiferente.
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Endereço para correspondência
José Sérgio Duarte da Fonseca
E-mail: sergio-fonseca7@hotmail.com
* Professor do Departamento de Filosofia e Coordenador do Mestrado Profissional em Filosofia (PROF-FILO) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). E-mail: sergio-fonseca7@hotmail.com
1 Uma descrição mais extensa do realismo agencial de Barad encontra-se em Fonseca (2017).
2 Tal crítica foi apresentada de forma mais detalhada em Fonseca (2017).