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Natureza humana

 ISSN 1517-2430

Nat. hum. vol.20 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

 

ARTIGOS

 

Sartre e a psicanálise existencial: apontamentos sobre o caso Jean G

 

Sartre and existential psychoanalysis: notes on the case Jean G

 

 

Thana Mara de Souza*

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Endereço para correspondência

 

 


RESUME

Este artigo pretende compreender a noção de psicanálise existencial, tal como proposta por Jean-Paul Sartre em O ser e o nada, em sua relação com as estruturas ontológicas do Para-si e também com a biografia sobre o escritor Jean Genet, escrita por Sartre. Veremos que se trata de realizar, por meio de um método elaborado na psicanálise existencial, aquilo que a ontologia descreve, mas é, por si própria, incapaz de realizar: a compreensão de uma pessoa (Genet, no caso do artigo) em sua relação específica com os outros e com as facticidades do mundo.

Palavras-chave: Sartre; psicanálise existencial; ontologia; fenomenologia; Genet.


ABSTRACT

This article intends to understand the notion of existential psychoanalysis, as proposed by Jean-Paul Sartre in The Being and Nothingness, in its relation with the ontological structures of the Being-for-itself and also with the biography about the writer Jean Genet, written by Sartre. We will see that it is about realizing, through a method elaborated in existential psychoanalysis, what the ontology describes, but is itself incapable of realizing: the understanding of a person (Genet, in the case of the article) in his specific relation with the others and with the facticities of the world.

Keywords: Sartre; existential psychoanalysis; ontology; phenomenology; Genet.


 

 

1. Introdução

A filosofia de Jean-Paul Sartre se preocupa com questões da psicologia ao longo de todo seu percurso. Não apenas vemos três de seus quatro livros teóricos iniciais dialogar de modo direto com a psicologia associacionista e a psicanálise, como também em suas últimas obras o estabelecimento de um método para compreensão de uma pessoa (no caso, Flaubert) aparece como fundamental. A imaginação, obra de 1936, já apresenta um diálogo crítico com boa parte da psicologia "positivista" do final do século XIX e início do século XX, enquanto o Esboço para uma teoria das emoções vai além ao propor, depois da crítica às "teorias clássicas" e à "teoria psicanalítica", um "esboço de uma teoria fenomenológica" (título das três partes do livro), delimitando, assim, que as questões psicológicas serão tratadas a partir da fenomenologia – o que indica que Sartre já se coloca como um filósofo que utilizará o método fenomenológico para criticar a psicologia associacionista e até mesmo a psicanálise, propondo, em seu lugar, um novo método para abordar a relação entre subjetividade e objetividade, e entre subjetividades. E logo depois, em O imaginário, podemos observar o subtítulo "psicologia fenomenológica da imaginação", ou seja: assim como posteriormente a ontologia, em O ser e o nada, será modificada radicalmente pela fenomenologia, aqui também há a proposta de modificar a psicologia a partir da fenomenologia.

Trata-se, portanto, de uma preocupação com temas com os quais a psicologia trabalha (emoção, imagem etc.), mas que serão colocados a partir de uma outra perspectiva: a da fenomenologia. "Diversas obras anteriores à publicação de O ser e o nada expressaram essa tentativa de usar a fenomenologia para pensar problemas típicos da Psicologia" (Sass, 2017, p. 187). Mas longe de identificar nos anos 1930 apenas uma preocupação primeira, inicial e ingênua, que seria abandonada na década de 1940 pela ontologia e na década de 1960 pelo marxismo, os temas da psicologia se mantêm constantes em suas obras. Isso pode ser observado em O ser e o nada, que dedica um capítulo todo a elaborar uma psicanálise existencial, nas biografias que escreveu nas décadas de 1940 e 1950, na proposta de um método progressivo-regressivo em Questões de método na década de 1960, e até mesmo em sua última obra escrita, O idiota da família, na qual Sartre ensaia compreender como Flaubert se torna o autor de Madame Bovary a partir do método existencialista-marxista-psicanalítico exposto anteriormente.

Em outras palavras, a psicologia não é uma preocupação inicial abandonada por questões ontológicas e depois por questões político-morais, mas permanece fundamental no pensamento sartriano em todas as etapas1. Mesmo que essas preocupações adotem contornos distintos nas diversas obras – e não cabe a nós aqui tratar essa questão por demais complexa –, é certo que não podemos tão facilmente criar momentos estanques e incomunicáveis no pensamento sartriano.

Assim, concordamos com Simeão Donizetti Sass (2017, p. 211) ao dizer que "a psicanálise existencial de Sartre não aparece somente como um momento secundário de seu trajeto intelectual, ela se constitui como 'a empreitada de sua vida'". E na tentativa de delimitar a questão de um artigo, nos propomos aqui a compreender a noção de psicanálise existencial tal como aparece em O ser e o nada e como essa compreensão é inseparável da tentativa de tornar possível o método exposto na obra de "ontologia fenomenológica", o que pode ser visto, no mesmo período, em Saint Genet. Por meio dessas duas obras, pretendemos mostrar que é necessário estabelecer uma relação entre ontologia e fenomenologia, estrutura e história, a fim de compreender como cada pessoa se projeta em um mundo já dado e nele se modifica, modificando também o mundo do qual faz parte. Dito de uma outra forma, a relação entre objetivo e subjetivo, entre dado e construído, é o que essa psicanálise pretende compreender em seu novo método – e é o que nos possibilitará não apenas verificar o que depois será colocado explicitamente como método progressivo-regressivo, mas também o que é o próprio pensamento sartriano, que tenta se equilibrar na fina e tensa corda que nos joga, de um lado, no idealismo, e de outro, no realismo2.

Para isso, veremos primeiro como se estabelecem as críticas sartrianas à psicologia empírica e à psicanálise freudiana (também denominada empírica) e como, a partir dela, o filósofo descreve um método que possibilitará não reduzir a singularidade de uma pessoa a conceitos abstratos e ditados a priori, e, ao mesmo tempo, dar conta de uma condição comum a todos e todas, que é a de estarmos em um determinado mundo com valores já dados, rodeado por certas pessoas, que nos definem de um modo ou outro, e nessas circunstâncias, com e/ou contra tudo isso, termos de nos fazer "eu", de construir cada um a seu modo a sua singularidade. Com esse método, é possível compreender como ocorrem essas escolhas3 situadas, o modo como a subjetividade nunca está totalmente descolada das condições em que vive e também como ela nunca está totalmente submersa nessas condições, tal como a análise das palavras e ações de Genet nos permitem verificar.

Trazer o livro sobre Genet, biografia na qual Sartre "aplica" o método de sua psicanálise existencial, é importante não só como exemplo, mas principalmente para mostrar que não basta ao filósofo apenas apontar a metodologia de uma psicanálise existencial, mas que apontá-la implica também na necessidade de realizá-la, dado que a noção mesma não está dissociada das particularidades de cada pessoa. É por isso que, se é verdade que, no escrito sobre ontologia fenomenológica, Sartre diz que "pouco nos importa, aqui, que ela exista: o importante para nós é que ela seja possível" (Sartre, 2006b, p. 620, tradução nossa), é verdade também que a frase anterior é: "esperamos poder tentar alhures dar dois exemplos, acerca de Flaubert e Dostoiévski" (Sartre, 2006b, p. 620, tradução nossa), o que mostra a intenção do filósofo de não apenas apontar a necessidade de estabelecer um novo método psicanalítico, mas também de realizá-lo por meio de biografias – que não foram feitas exatamente como previsto em 1943, mas foram incessantemente escritas desde então sobre Baudelaire (1947), Mallarmé (1953), sobre Genet (1952) e sobre Flaubert em O idiota da família, a mais complexa tentativa sartriana de realizar a psicanálise existencial de Flaubert, autor que o obceca desde o Esboço de uma teoria das emoções4.

Mas para compreender essa tentativa apaixonante de responder à pergunta "o que se pode saber de um homem hoje"5 (Sartre, 1983, p. 8), é necessário antes estabelecer as exigências que a fenomenologia coloca à psicologia.

 

2. As críticas fenomenológicas sartrianas à psicologia associacionista e à psicanálise freudiana

Compreender a proposta sartriana de estabelecer um novo método para uma psicologia só faz sentido a partir das críticas estabelecidas por ele às metodologias já existentes. Mecanismo costumeiro no pensamento não só de Sartre, mas de todo fazer filosófico, sua fenomenologia se constrói conjuntamente com a crítica e releitura de outras vertentes e pensadores – e o mesmo ocorre em relação às questões da psicologia.

Desde os livros iniciais, é possível perceber que a principal crítica estabelecida por Sartre é a de que a psicologia empírica6 parte de princípios preestabelecidos, os quais são utilizados para classificar de forma definitiva cada pessoa: "em primeiro lugar, semelhante análise psicológica parte do postulado de que um fato individual é produzido pela intersecção de leis abstratas e universais" (Sartre, 2006b, p. 603). A pessoa – Flaubert, no exemplo utilizado por Sartre – é apenas uma combinação específica de desejos primários que todo adolescente teria, algo que já é determinado de antemão. Uma pessoa seria uma organização específica de um feixe de tendências já dado, de certos desejos primeiros comuns a todos. Desse modo, para Sartre, essa psicologia parte do abstrato para só depois se voltar ao concreto, ao particular: "o abstrato é, pois, por hipótese, anterior ao concreto e o concreto é apenas uma organização de qualidades abstratas; o individual não é senão a intersecção de esquemas universais" (Sartre, 2006b, p. 603).

Essa escolha de partir do universal para determinar o singular não só vai de encontro a uma fenomenologia que pretende descrever a realidade humana, como também – e isso é essencial no pensamento sartriano – é incapaz de explicar o que é a individualidade de Flaubert, o que o torna diferente dos outros adolescentes, como também o que tornará Valéry diferente de outros burgueses, para retomar a discussão em Questões de método, quando, contra a frase de marxistas de tentarem enquadrar Valéry como pequeno burguês, Sartre responde: "Valéry é um intelectual pequeno-burguês, eis o que não suscita qualquer dúvida. Mas nem todo intelectual pequeno-burguês é Valéry" (Sartre, 2002a, p. 54). Em O ser e o nada, a psicologia empírica apresenta equívocos e limitações, ou melhor, apresenta a limitação de não conseguir explicar a singularidade de Flaubert justamente porque comete o equívoco de partir do abstrato e universal para depois ir em direção ao concreto, determinado pelas classificações já feitas.

O essencial: como Flaubert vivenciou suas situações e como as transformou em um certo sentido, acaba por ser omitido nessa psicologia empírica que pensa a singularidade a partir do universal, isto é, que anula a primeira em prol do segundo. E, ao fazer isso, o próprio objeto de pesquisa (Flaubert) se esvai nessa bruma abstrata. Como a psiquiatria, que "se satisfaz quando esclarece as estruturas gerais dos delírios e não procura compreender o conteúdo individual e concreto das psicoses (porque esse homem supõe ser tal ou qual personalidade histórica, em vez de outras quaisquer)" (Sartre, 2006b, p. 605), a psicologia empírica estabelece apenas as estruturas gerais e não se importa com o que será indispensável em todo o percurso filosófico de Sartre: a singularidade, ou subjetividade, ou, ainda, a pessoa.

Mas se é possível criticar facilmente a psicologia empírica, mais mecanicista, o mesmo não ocorre com o que Sartre chamará de "psicanálise empírica", ou psicanálise freudiana. Aqui há o reconhecimento de que essa psicanálise busca, assim como a psicanálise existencial irá propor7, compreender as subjetividades não como soma de ações e intenções, mas como uma totalidade que se manifesta em cada momento: "Psicanálise empírica e psicanálise existencial buscam, ambas, uma atitude fundamental em situação que não saberia expressar-se por definições simples e lógicas, e que exige ser reconstruída segundo leis específicas de síntese" (Sartre, 2006b, p. 615).

Ambas se voltam para a polivalência das significações e para a complexidade dos modos de encontrar a totalidade, que se manifesta não mais em definições lógicas e articuladas, mas também nas narrativas, sonhos e atos falhos, por exemplo. No entanto, se há semelhanças metodológicas, há ainda, segundo Sartre, na psicanálise empírica, alguns postulados que são, além de abstratos, nocivos à compreensão do fazer singular. Em O ser e o nada, o filósofo aponta principalmente dois elementos da psicanálise freudiana que devem ser criticados: a noção de inconsciente e a de libido.

Ao partir da fenomenologia husserliana e da noção de consciência como intencionalidade, Sartre a pensa como translucidez e movimento, e não mais como uma substância cognoscente8 que pudesse ser dividida em subpartes. Nesse sentido, o filósofo insiste desde a introdução de O ser e o nada que "ter consciência de…" não é sinônimo de conhecer, possível apenas em um segundo momento, quando a reflexão se instala. Assim, mesmo que não conheçamos os motivos de uma determinada atitude, isso não significa que não tenhamos consciência dela, já que "odiar alguém" é nada além do movimento de uma consciência emotiva em direção a esse alguém. No lugar de jogar a consciência em um ambiente isolado e quase inacessível, Sartre a transforma no próprio movimento e relação entre humanos e coisas, e entre humanos.

É por isso que a noção de inconsciente não tem lugar em seu pensamento: além de ser inútil (é possível explicar o não saber de outro modo), é contraditório (uma censura que censura o que não se deve saber já não sabe aquilo que censura?)9 e prejudicial, porque acaba por reinserir, de um modo mais elaborado, o mecanicismo e determinismo da psicologia empírica, dado que os traumas acabam por governar, a despeito de nós mesmos, as nossas ações10. Além disso, Freud também acaba por decidir seu irredutível universal ao invés de deixá-lo se anunciar a cada analisando:

A psicanálise empírica decidiu seu irredutível ao invés de deixá-lo anunciar por si mesmo em uma intuição evidente. A libido ou a vontade de poder11 constituem, com efeito, um resíduo psicobiológico que não é claro por si mesmo, e que não nos aparece como devendo ser o termo irredutível da investigação. (Sartre, 2006b, p. 617)

Sartre lê na psicanálise empírica (freudiana) uma decisão a priori do irredutível, de forma que, ao invés de tentar, a cada pessoa, compreender seu irredutível (ou projeto, como falaremos depois) particular, coloca de antemão aquilo que deve ser encontrado em todas as manifestações: a libido ou a vontade de poder. Desse modo, é novamente a singularidade que perde sua importância diante de pressupostos universais e abstratos. Se inicialmente a psicanálise freudiana se volta para a subjetividade a fim de nela encontrar o irredutível, na verdade esse procedimento acaba por ser uma mise-en-scène, já que também já se sabe o que lá encontrará. "Ele […] lia com muito interesse a incipiente teoria da Gestalt. Desde essa época, Sartre não partilhou do valor explicativo e da validade universal de dois conceitos fundamentais de Freud: o inconsciente e a libido" (Sass, 2017, p. 188).

Colocar a libido como um princípio que deve ser encontrado é de certo modo supor ainda uma "ação mecânica" (Sartre, 2006b, p. 618) da história sobre o sujeito, é ainda pensá-lo como governável por leis estabelecidas de antemão. E é por isso que, se coloca preocupações semelhantes às da psicanálise existencial, a psicanálise freudiana tende a manter os mecanismos deterministas da psicologia empírica: "a psicanálise empírica, na medida em que seu método vale mais do que seus princípios, acha-se muitas vezes à beira de uma descoberta existencial, embora sempre termine no meio do caminho" (Sartre, 2006b, p. 619).

Caberá à psicanálise existencial uma radicalização, por assim dizer, da psicanálise freudiana. Adotando sua metodologia, essa nova psicanálise tentará eliminar os princípios que a impediam de chegar de fato na concretude das singularidades. E para percorrer esse caminho, Sartre trará as principais noções da fenomenologia (tais como desenvolvidos por ele). Vejamos.

 

3. A psicanálise existencial

Trata-se, pois, de propor uma psicanálise que não aceita os princípios freudianos e que vai em direção à singularidade e concretude das pessoas em suas situações. É deste modo que Sartre define sua psicanálise existencial:

É um método destinado a elucidar, com uma forma rigorosamente objetiva, a escolha subjetiva pela qual cada pessoa se faz pessoa, ou seja, faz-se anunciar a si mesmo aquilo que ela é. Uma vez que o método busca uma escolha de ser, ao mesmo tempo que um ser, deve reduzir os comportamentos singulares às relações fundamentais, não de sexualidade ou vontade de poder, mas de ser, que se expressam nesses comportamentos. Orienta-se desde a origem em direção a uma compreensão de ser, e não deve partir rumo a outro objetivo que não o de encontrar o ser e a maneira de ser frente a este ser. (Sartre, 2006b, p. 620)

Em outras palavras, o objetivo dessa psicanálise existencial é o de compreender como cada singularidade se constrói em meio a situações específicas e convívio com outras singularidades. Apenas mostrar que há um princípio de sexualidade que pode ser aplicado a todas as pessoas é insuficiente e traz o risco de ignorar aquilo que é justamente o mais importante para Sartre: o modo como uma pessoa se torna determinada pessoa; ou seja, o espaço das subjetividades em meio às objetificações. É preciso, então, que a psicanálise existencial se volte para as experiências singulares e tente compreender como se dá não só o ser, mas a maneira de ser em face desse ser, isto é, as reações particulares a um movimento que, partindo dos pressupostos da ontologia fenomenológica, é condição comum.

É o que Sartre chamará de projeto original ou unidade pessoal que a psicanálise terá por objetivo desvelar sobre cada pessoa:

O ser considerado não se dissolve em poeira e que possamos descobrir nele essa unidade – da qual a substância não passa de uma caricatura – e que deve ser unidade de responsabilidade, unidade amável ou odiável, repreensível ou louvável, em suma: pessoal. Essa unidade que é o ser do homem considerado é livre unificação. E a unificação não poderia surgir depois de uma diversidade que ela unifica. Ser, para Flaubert, assim como para todo sujeito de "biografia", é unificar-se no mundo. (Sartre, 2006b, p. 606)

Unidade que não se distingue de uma unificação pessoal, livre, diversa, no mundo, e que deve então ser compreendida em todas essas especificidades, e não por meio de princípios estabelecidos de antemão, tal como a psicologia empírica e a psicanálise freudiana fariam, segundo Sartre. Isso implica considerar que a pessoa está sempre em processo de unificação e o realiza na concretude, nos comportamentos diversos (mas unificáveis) que assume diante das facticidades – e uma psicanálise, em sua metodologia, não deveria determinar a priori esse movimento que só pode ser pessoal e livre, como escolha.

A psicanálise existencial procura determinar a escolha original. Essa escolha original, produzindo-se frente ao mundo e sendo escolha da posição no mundo, é totalitária como o complexo; é anterior à lógica como o complexo; é ela que escolhe a atitude da pessoa diante da lógica e dos princípios; não se trata, portanto, de interrogá-la em conformidade com a lógica. Ela conglomera em uma síntese pré-lógica a totalidade do existente. (Sartre, 2006b, p. 615)

É importante perceber a tensão estabelecida por Sartre: se é pessoal, singular, concreta e contingente, essa escolha só se dá em um movimento de totalidade e unidade que parece funcionar como um esquema ou estrutura presente em todos os humanos que, por sua vez, só pode ser compreendida singularmente. E a essa estrutura é que ele nomeia de projeto ou escolha original. Mas em que exatamente essa noção consiste?

A citação anterior já nos deixa ver que, tal como o complexo na psicanálise freudiana, a escolha original seria totalitária e anterior à lógica, mas ao mesmo tempo preservaria aquilo que a psicanálise freudiana teria esquecido (ou ao menos não dado o devido valor): a preocupação com a construção contínua, pessoal e livre de cada pessoa no processo de tornar-se essa e não outra pessoa.

Se é assim, é verdade também que esse movimento pessoal parece ser, à primeira vista, submetido ao movimento geral e universal que é o do próprio ser do Para-si. É ao menos o que algumas páginas de O ser e o nada parecem mostrar quando enfatizam a necessidade de pensar o irredutível de cada pessoa como sendo ao mesmo tempo a estrutura imediata do ser do Para-si: "O projeto original de um Para-si só pode visar seu próprio ser; o projeto de ser […] não provém, com efeito, de uma diferenciação fisiológica ou de uma contingência empírica; de fato, não se distingue do ser do Para-si" (Sartre, 2006b, p. 610).

Não se trata, pois, de uma contingência empírica, mas do próprio ser do Para-si, ou seja, fazendo referência à segunda parte de O ser e o nada, podemos verificar que Sartre estabelece ali, a partir da descrição de uma atitude do humano-no-mundo – a interrogação – que haveria estruturas imediatas do Para-si, tal como a presença-a-si, a facticidade (presença ao mundo), o ser do valor e o ser dos possíveis.

Nessa descrição, Sartre coloca o Para-si (todo Para-si) como falta e desejo de ser (já que é dele que a nadificação do mundo se opera, algo que só é possível em um ser que se afeta ele próprio do nada que secreta, e que, portanto, não pode ser igual ao Em-si), como um ser que não é si mesmo e nem o mundo que é à maneira de não ser. Esse ser, por não ser idêntico a si mesmo, projeta-se no futuro como uma totalidade – que de fato será apenas totalização e nunca totalidade – e partir dos possíveis que escolhe12 em seu projeto original. Este, aliás, é exatamente essa projeção rumo a uma completude impossível, mas desejável, com a determinação do que nos faltaria para deixarmos de ser falta de ser.

Essa tendência a ser não é, desse modo, uma diferenciação fisiológica ou mesmo uma contingência empírica, que poderia estar presente em alguns Para-sis e ausentes em outros. É uma estrutura que, como tal, apresenta-se de forma universal: todo Para-si deseja ser e se projeta em direção ao Em-si-Para-si inalcançável13, e o objetivo da psicanálise existencial é justamente o de desvelar como esse objetivo é projetado por cada pessoa. Trata-se, assim, de uma ontologia ou descrição a priori do ser-Para-si.

O homem é fundamentalmente desejo de ser e a existência desse desejo não deve ser estabelecida por uma indução empírica; mas resulta de uma descrição a priori do ser do Para-si, posto que o desejo é falta, e o Para-si é o ser que é, a si mesmo, sua própria falta de ser. O projeto original que se exprime em cada uma de nossas tendências empiricamente observáveis é, assim, o projeto de ser. (Sartre, 2006b, pp. 610-611)

O que nos aparece como contingência, fisiológico e empírico é, na verdade, a estrutura ontológica do projeto de ser, ou projeto original. E a função da psicanálise existencial é trazer à tona, é tornar reflexivo esse movimento fracassado, mas necessário, do desejo de ser.

Ora, mas se é assim, em que medida essa psicanálise não percorreria o mesmo trajeto da psicologia e psicanálise empíricas? Não seria também começar pelo abstrato, dado que é o irredutível desejo de ser que guiará os procedimentos da psicanálise existencial? Em outras palavras: não teríamos aqui a reprodução do que é criticado nas outras psicologias: partir de princípios preestabelecidos e forçar a existência a se adaptar ao que já foi definido?

Essa não é uma questão que passa despercebida por Sartre. Pelo contrário, poderíamos dizer que se trata de uma das questões fundamentais não só da psicanálise existencial, mas também de todo o livro, dado que traz justamente em questão a relação entre ontologia e fenomenologia. E assim como a ontologia será compreendida fenomenologicamente e o ser será alcançado pela descrição do que é imediato, como o tédio14, aqui também a resposta sartriana será a de pensar o estrutural como intrinsecamente ligado ao histórico, ou, em outras palavras, o ontológico só faz sentido na descrição fenomenológica. E é por meio dessa relação, que não opta simplesmente pela total separação entre os termos, mas também não opta simplesmente pela total fusão, mas que mantém de modo tenso uma distinção que é ao mesmo tempo impossibilidade de pensá-los concretamente separados, que Sartre mostrará como a psicanálise existencial não prescinde de uma estrutura, a qual, no entanto, não "dirige" nem determina as escolhas individuais porque ela não é nada senão uma forma sem conteúdo que não existe sem esse conteúdo não definido de antemão. O estrutural, em Sartre, não é fixo nem fundamenta nada, pois é vazio, e sendo assim, nada determina.

Assim como a liberdade não é fundamento positivo do Para-si e, com isso, não pode ser dita como "essência", "definição"15, o mesmo ocorre aqui com a questão do projeto de ser. Descrever o Para-si ontologicamente como desejo de ser não é assumir a priori qual será sua maneira de ser esse desejo de ser. E como vimos na descrição mesmo do que é a psicanálise existencial, o desejo de ser não é nada sem a maneira de ser esse desejo de ser, o que implica pensar a ontologia, compreendida de forma fenomenológica, como existência. Não temos, aqui, uma determinação de que todos nós necessariamente nos guiaríamos por meio da libido e apresentaríamos um complexo de Édipo, por exemplo, mas apenas uma indicação que se coloca ao mesmo tempo como insuficiente, fazendo com que desviemos nosso olhar da estrutura para a história.

Se as "estruturas imediatas do Para-si" se colocam como estruturas, se podemos dizer que todo Para-si projeta uma totalidade inalcançável e que em todos é possível verificar uma escolha original, essa estrutura aparece como vazia, como não fundante. Se podemos ainda falar em estrutura, devemos compreender que se trata de uma estrutura maleável, que existe para indicar a existência como fundamental. Do mesmo modo que esvazia a noção de sujeito, retirando dela os marcos da modernidade16, e a noção de consciência, tentando ser mais radical que Husserl na retirada de qualquer conteúdo dela, Sartre mantém a noção de estrutura e ontologia, mas a reinterpreta, tornando impossível pensá-las dissociadas de uma historicidade e uma fenomenologia.

É por isso que essa questão de como relacionar a noção estrutural do Para-si como desejo de ser, com a psicanálise existencial que compreende como tal pessoa se torna pessoa em tais condições dadas, é compreender também a relação entre ontologia e fenomenologia: do mesmo modo que aquela não existe de forma independente da fenomenologia e o ser do fenômeno é alcançado por meio do fenômeno de ser, o estrutural também não suporta nada sem a própria pessoalidade, sem o modo como nas situações dadas, cada humano se constrói como determinada pessoa. Em outras palavras, falar de estrutura do Para-si, pensar a psicanálise existencial como projeto (ou escolha) original do Para-si em direção a um Em-si-Para-si, não é o mesmo que falar de libido ou complexo de Édipo, noções que já mostrariam a maneira como cada um viveria certas situações. Aqui, no pensamento sartriano, a estrutura se mostra em sua incapacidade de compreender o principal: a maneira de ser desse ser, ou a pessoa. É por isso que podemos dizer que, nessa filosofia, o estrutural não vem antes do histórico, e o ser e a maneira de ser esse ser se dão ao mesmo tempo:

Se é assim, se o homem em seu próprio surgimento é conduzido rumo a Deus como seu limite, se ele não pode escolher senão ser Deus, o que acontece com a liberdade? Pois a liberdade não é nada mais do que uma escolha que cria suas próprias possibilidades, ao passo que, aqui, parece que o projeto inicial de ser Deus que "define" o homem assemelha-se bastante a uma "natureza" humana ou a uma "essência". Nós responderemos dizendo precisamente que, se o sentido do desejo é, em última análise, o projeto de ser Deus, o desejo de ser não é jamais constituído por tal sentido, mas, ao contrário, representa sempre uma invenção particular de seus fins. (Sartre, 2006b, p. 612)

Esse fim é projetado a partir de uma situação empírica particular e inventado, em meio aos outros, singularmente.

Essa estrutura abstrata não existe na realidade senão como desejo particular de ser nessas circunstâncias dadas. Não é algo que poderia ser separado da própria situação e das invenções que cada um faz diante dos outros e de suas situações. Ou seja: não aparece "antes" para fazer com o que o concreto seja submetido ao dado de antemão. Pelo contrário: a "estrutura" serve aqui apenas para dizer que há uma condição comum, que é justamente que nada é dado de antemão. Ou mais precisamente: que somos na forma de não ser o que somos; e, portanto, como falta que tenta se eliminar enquanto falta.

Se há estrutura – e há – é para indicar sua própria insuficiência, é para nos mostrar que é à historicidade que devemos nos reportar. É desse modo que, em sua psicanálise existencial, Sartre mantém ao mesmo tempo o objetivo (o dado, a facticidade) e o subjetivo; o estrutural e o histórico; o universal e o singular; o ontológico (Para-si como desejo de ser Em-si-Para-si) e o fenomenológico (tal Para-si, nessas determinadas situações, diante dessa família, desse grupo, inventa-se como singularidade, como Paul Valéry e não qualquer outro pequeno burguês). "O projeto original não está por trás de condutas e atitudes do sujeito, mas é sua própria maneira de estar no mundo, de ser, e portanto, é cada uma dessas condutas e atitudes" (Gonçalves, 1996, p. 147).

E se é assim, se a estrutura indica e exige a historicidade, assim como o universal se volta para o singular, a psicanálise existencial exige, então, para além do desvendamento ontológico da estrutura de ser do Para-si, a compreensão de que "entender o ser" não se dá de forma separada da compreensão de "maneira de ser esse ser". Em outras palavras: colocar a estrutura que aponta para a historicidade é exigir a atenção para essa invenção de saídas e construção de si-mesmo. Por isso, Sartre não poderia deixar de ensaiar essa compreensão por meio de biografias17. E foi o que fez com o escritor Jean Genet, como veremos agora.

 

4. O caso Jean G.18

Ao publicar O ser e o nada em 1943, Sartre anuncia que tentará escrever biografias sobre Flaubert e Dostoiévski19, que permitiriam verificar o método da psicanálise existencial, e também que tentará escrever uma moral a partir da ontologia fenomenológica (que seria Os cadernos para uma moral, inacabado e publicado apenas depois de sua morte). Ou seja: essa ontologia fenomenológica indica uma historicidade e particularidade que não são diretamente realizadas por ela mesma, de modo que é necessário, para essa ontologia, desdobrar-se em uma moral e uma psicanálise, que de fato atingiriam o que a ontologia coloca como necessário, mas que não atinge: a singularidade da pessoa e da situação na qual ela vive.

Mas, embora anunciado, o livro sobre Dostoiévski não foi escrito, e os livros sobre a moral e Flaubert ficaram inacabados, incompletos, embora o que foi escrito nos permita compreender a direção que o filósofo tentou dar às questões apontadas. No lugar deles, na década de 1940 e início de 1950, outras biografias foram ensaiadas por Sartre: sobre Mallarmé, Baudelaire e Genet.

Convidado para escrever o prefácio das obras completas de Genet, que seriam publicadas pela Gallimard na coleção Pleiade, Sartre começa a ensaiar sua psicanálise existencial mostrando concretamente como se pode compreender uma pessoa nas situações nas quais ela se encontra, sem anular o que é dado, mas também sem anular a construção pessoal que é inventada a partir desses dados e das outras pessoas. É, pois, uma tentativa de mostrar a intersecção entre subjetividade e objetividade, ambas essenciais na psicanálise existencial, que Sartre ensaiará no texto sobre Genet.

O objetivo do livro é anunciado logo no início:

Se desejamos compreender esse homem e seu universo não há outro meio senão reconstruir cuidadosamente, através das representações míticas que ele nos oferece, o acontecimento original a que ele se refere incessantemente e que reproduz em suas cerimônias secretas. Impõe-se um método: pela análise dos mitos, restabelecer os fatos em sua verdadeira significação. (Sartre, 2002b, p. 19)

Trata-se de partir do acontecimento original, de encontrar, na vida de Genet, um acontecimento que ele reviverá e recriará incessantemente – algo que não pode ser estabelecido de antemão, tal como um complexo de Édipo, mas que é encontrado na própria história de Genet, no que as pessoas fizeram com ele na infância.

É do dado que se parte, mas de um dado historicamente situado, particularizado, que não pode ser estendido a todas as pessoas. No caso de Genet, esse acontecimento original se deu aos 10 anos, quando, órfão e adotado por uma família agricultora do interior da França, é pego em uma brincadeira de roubar e tem seu destino definido: é um ladrão! A partir desse momento, em que o olhar de um outro o olha e o define como ladrão, todos irão tratá-lo como sendo ladrão, e ele viverá esse destino em todas suas ações. Em outras palavras, "Genet fica sabendo o que é, objetivamente" (Sartre, 2002b, p. 30).

Ser ladrão se torna, a partir de então, a essência de Genet, o modo como os outros o olham, o definem e estabelecem relações com ele. Mas, para Sartre, esse é só um dos lados importantes, pois se é verdade que somos vistos objetivamente pelo Outro, é verdade também que essa objetividade nos escapa porque somos subjetividades e além de não conseguirmos nos olhar com os olhos do Outro, também reagimos ao modo como o Outro nos olha. Em outras palavras, a subjetividade não se anula diante do Olhar do outro. No entanto, às vezes pode acontecer da fala do Outro nos aparecer com mais realidade do que o que nós mesmos projetamos, e esse será, segundo Sartre, o caso de Genet: "Para os outros, a função de Genet é assumir os seus desejos proibidos e refleti-los; para si mesmo, ele deve incorporar esses desejos, interiorizá-los, fazer deles os seus desejos" (Sartre, 2002b, p. 45).

Essa será a primeira decisão de Genet, ou o que Sartre chamará de "primeira conversão", dado que o fato de assumir o modo com o Outro nos vê não anula, nem assim, uma vivência subjetiva. Como diz Renato dos Santos Belo (2006, p. 136), há uma "passagem do objetivo ao subjetivo, já que se trata de enfatizar a maneira mesma como Genet elaborou sua própria história". Sua primeira conversão será, de acordo com a psicanálise existencial de Sartre, a de fazer o Mal para ser Mau, ou de, sendo Mau, realizar o Mal. Na tentativa de identificar o ser ladrão com o fazer-se ladrão, Genet deseja ser o que os outros lhe olham. Tenta-se apreender como sendo Outro, e para isso trabalha seu ser ladrão, roubando, assumindo como missão o que foi coação. Mas, como diz Sartre: "Agora, é preciso viver; no pelourinho, com o pescoço no garrote, é preciso viver: […] o importante não é o que fazem de nós mas o que nós mesmos fazemos com o que fizeram de nós" (Sartre, 2002b, p. 61).

Ao decidir-se viver, era preciso viver e fazer algo do que fizeram de nós; ou seja, transformar a condenação de ladrão que marcou o acontecimento original de Genet em uma conversão. E Genet escolheu ser o que era.

Não nos cabe aqui continuar a psicanálise existencial e verificar até que ponto essa compreensão se sustenta nas escolhas, discursos e gestos de Genet, mas apenas apontar o modo pelo qual Sartre realiza sua psicanálise, dado que essa tentativa concreta de compreender como uma pessoa se torna tal pessoa está indissociada dos pressupostos que a ontologia indica à psicanálise. Assim, trata-se aqui de apontar os objetivos e o método sartrianos na busca dessa compreensão de uma subjetividade em meio a outras subjetividades e aos dados (facticidades). E é o que o próprio filósofo faz no livro, intercalando a descrição da vida de Genet com a explicitação de seu método:

[…] se quisermos compreender o que ele é hoje e o que ele escreve, devemos remontar a essa escolha original e tentar descrevê-la fenomenologicamente. Primeiro, vamos situá-la, pois ela é histórica, como o menor dos nossos gestos. O pequeno Genet ignora a história; mais tarde ele a substituirá por mitologias. Entretanto, é na história que a sua conversão o introduz, pois ela manifesta indissoluvelmente a sua singularidade e a da nossa época. (Sartre, 2002b, p. 63)

O primeiro movimento da psicanálise existencial, tal como aparece em Saint Genet, é esse de descrever fenomenologicamente a escolha original, e compreendê-la como situada historicamente: afinal, foi em uma população rural, no interior da França, na primeira metade do século XX, que Genet foi adotado e definido como ladrão. É preciso, pois, identificar esses traços objetivos a partir do qual o pequeno Genet, sufocado pelas condições históricas, se inventa – o que significa que, depois de situar a escolha original em uma certa historicidade (os valores dessa família adotiva, da comunidade, o significa de ser órfão na França etc.), é preciso também identificar o modo pelo qual essa pessoa vivencia essa escolha. Como já apontado na descrição sobre a psicologia existencial em O ser e o nada, o desejo de ser não está separado da maneira de ser desse ser, e é por isso que não basta indicar as facticidades que determinam a escolha original de Genet por meio do olhar do Outro, mas é necessário também compreender a "maneira de ser", ou o modo como essa tal subjetividade vivencia esse desejo de ser um Em-si-Para-si, ou aqui, ladrão:

Situamos objetivamente a decisão de Genet; sabemos o que ela é em si. Resta determinar o que ela é para ele, ou seja, como momento subjetivo de sua vida consciente. O que significa, aos olhos do próprio Genet, essa vontade de ser mau, qual é a sua estrutura intencional? (Sartre, 2002b, p. 70)

Ao tentar compreender como Genet faz dessa coação objetiva uma missão subjetiva, Sartre estabelece um vínculo indissociável entre objetividade e subjetividade, presença-ao-mundo (facticidade) e presença-a-si, de modo que não podemos compreender essa pessoa se abstrairmos os dados concretos e históricos de sua vida, nem se abstrairmos o modo como ela vivencia esses dados e os outros. Nesse caso, Genet tenta, em um primeiro momento, coincidir consigo mesmo, olhar-se tal como os outros o olham, fazer-se o que é: ladrão.

O homem é assim essa dialética entre subjetividade e objetividade, entre ação e reação. Não estamos inteiramente nas mãos dos outros, pois somos liberdade, mas somos obrigados a escolher alguma coisa diante do que os outros escolhem para nós e, ao mesmo tempo, os outros são objetos para nós, pois pensamos e agimos buscando definir o seu ser, seu comportamento, perante o que reagem. O homem é objeto para o homem, isto é certo, diz Sartre, mas também é verdade que sou meu próprio sujeito, na medida em que o meu próximo é objeto para mim. (Schneider, 2011, pp. 248-249)

No entanto, não há como se ver sem a mediação do Outro, e Genet fracassa nessa primeira tentativa de ser idêntico a si. E se não é possível ser tal como o Em-si, talvez o contrário seja possível – ao menos é o que Sartre compreende do que chama a segunda conversão de Genet, que é a passagem da tentativa de ser coincidente consigo mesmo para a tentativa de não-ser completamente: falso burguês (educado como, mas é órfão), falso "duro"20 (na cadeia, lugar em que os valores "machistas" são importantes, Genet se mostra homossexual), falsa mulher, o escritor decide interpretar papéis e mentir. É o modo como, segundo Sartre, ele se torna poeta, não por pensar na arte literária, mas como meio de salvação, como modo de colocar-se como não sendo totalmente, como sendo um irreal. É o que Sartre chamará de a segunda conversão, ou o esteta.

Não sendo o burguês no mundo dos burgueses, não sendo o "duro" no mundo das prisões, Genet coloca-se fora da linguagem. Se as palavras servem para designar e comunicar, estando fora da sociedade, sendo excluído dela, Genet não se comunica. E se não é possível ser ladrão como a mesa é mesa, agora o escritor tenta jogar o jogo da impostura, do gesto21, da palavra como coisa, da poesia. Em outras palavras: Genet se torna o esteta, que não é o mesmo que ser artista, como veremos a seguir: ser esteta é tentar-se irrealizar, é visualizar o imaginário, o irreal, como tentativa de salvação das contingências do mundo. Ser esteta é pensar que é possível tornar-se irreal – algo que também fracassará, dado que, como aparece insistentemente desde "O imaginário", imaginar é criação de um irreal por uma consciência que permanece no real.22

Assim, o fracasso reaparece. Se não é possível realizar-se tal como o Em-si (ser ladrão tal como a mesa é uma mesa), também não é possível, para Sartre, irrealizar-se totalmente – mesmo que Genet tudo faça para se tornar imaginário, ele existe, é real. E sua lucidez o levará dessa segunda à uma terceira conversão, numa passagem do gesto à ação, o que o faz deixar de ser esteta para se tornar artista.

Os poemas que escreve, essas palavras-coisas que recusam a comunicação, não conseguem tornar Genet irreal, e ele passa a ter necessidade de comunicar o incomunicável. É quando começa a ler seus poemas nas prisões, primeiro como ironia, e depois por necessidade, ainda mais quando dos poemas passa a escrever romances. Impossibilitado de ler a obra que escreveu23, precisa do leitor, mesmo que não goste dele. E não gostando dele, o fará necessário e ao mesmo tempo se vingará deles, desses "justos e honestos" que o transformam no ladrão que ele não era24.

Para Sartre, é essa a intenção dos livros em primeira pessoa e dos personagens que Genet escolhe para seus romances: ao colocar em cena homossexuais, ladrões, desertores, e ao narrar em primeira pessoa, o escritor convida o leitor burguês que o abandonou a se colocar em seu lugar de excluído. É uma forma de colocar os "honestos" em seu lugar, e mostrar a eles que, para além da condenação alheia, Genet também se escolheu como ladrão, como esteta e como escritor.

Nesse sentido, Genet teria percorrido três conversões a partir de seu acontecimento original. Desde os 10 anos, momento em que é condenado a ser ladrão, Genet lida com essa condenação desses três modos (que não se excluem e não aparecem isolados), operando sobre o dado uma invenção de saídas distintas, desejando ser o que fizeram dele, desejando irrealizar-se totalmente, e, no fracasso dessas duas tentativas, assumindo uma realização (o escrever romances e peças de teatro) que exige a intersubjetividade – saída que também trará suas armadilhas, como aponta Sartre, mas que ao menos indica assumir a liberdade que se é.

Genet é uma pessoa que se libertou, que, em suas invenções de saídas diante do mundo que o sufoca, foi, aos poucos, assumindo sua liberdade. E é justamente isso que, segundo Sartre, chocará tanto o leitor "honesto, justo, burguês" que tudo fez para excluir Genet da sociedade:

O que faz a força e o valor de Genet é que ele assume progressivamente a situação que lhe foi designada enquanto ela continua ligada à condição humana. Se Genet chega à sua libertação, não é por opor uma reivindicação abstrata e desencarnada de uma liberdade universal àqueles que o excluem. Pelo contrário: ele inventa, com os meios escassos, uma maneira de ser no trabalho, na história, com os outros e contra a morte: ele se apropria dos imponderáveis da liberdade. (Pams, 2015, pp. 191-192).

Genet se apropria, nessas conversões, da sua liberdade a partir dos poucos dados que lhe são dados, e, no reconhecimento da necessidade do leitor, também se coloca contra ele, fazendo com que, ironicamente, este assuma seu não lugar.

Para além das armadilhas dessas saídas, importa aqui compreender como se dá essa relação entre objetividade e subjetividade, como a psicanálise existencial não pode desconsiderar nenhum dos lados e deve mantê-los em tensão a fim de melhor compreender os paradoxos e complexidades de cada pessoa. Se fizeram de Genet um ladrão, ele se fez ladrão, esteta e escritor a partir do que fizeram dele. Assim, a compreensão de uma pessoa em sua totalidade não deve ignorar nem os dados do destino, nem as ações da liberdade – algo que nem a psicanálise freudiana nem o marxismo francês do início do século XX conseguiram fazer. É por isso que o objetivo final do livro, tal como Sartre escreve, é o de:

Indicar os limites da interpretação psicanalítica e da explicação marxista, afirmar que só a liberdade pode tornar inteligível uma pessoa em sua totalidade, mostrar essa liberdade em luta com o destino – primeiro, esmagada por suas fatalidades, depois, voltando-se para elas, digerindo-as pouco a pouco – provar que o gênio não é um dom, mas a saída que se inventa nos casos desesperados, descobrir a escolha que um escritor faz de si mesmo, da sua vida e do sentido do universo, até nas características formais do seu estilo e da sua composição, até na estrutura das suas imagens e na particularidade dos seus gostos, traçar detalhadamente a história de uma libertação: foi isso que desejei. O leitor dirá se consegui. (Sartre, 2002b, p. 546)

 

5. Conclusão

O livro sobre Genet se apresenta como um ensaio biográfico que aplica o método da psicanálise existencial tal como apresentado em O ser e o nada. Se a ontologia fenomenológica aponta a insuficiência de descrever o ser humano como desejo de ser Em-si-Para-si, se essa descrição exige que compreendamos também a "maneira de ser desse ser", é necessário, então, não nos focarmos apenas na descrição ontológica, mas também buscarmos a compreensão concreta de como uma pessoa se torna aquela determinada pessoa. Na medida em que a psicanálise existencial coloca em tensão o humano e o mundo, a presença-a-si e a facticidade, o singular e o universal, o histórico e o estrutural, a subjetividade e a objetividade, é preciso verificar como de fato essa tensão se estabelece. E Sartre realiza isso por meio de biografias25 sobre Baudelaire, Mallarmé, Genet e depois Flaubert, em uma tentativa obsessiva de ligar todos os pontos cruzados da vida de cada um deles e das escolhas inventadas diante das situações sufocantes.

A psicanálise existencial tem por objetivo dar conta de modo concreto de singularidades reagindo e modificando a condenação que os outros e o mundo lhe impuseram, de forma a não perder de foco nem o dado nem a liberdade. É como a biografia sobre Genet se mostra: uma "tentativa de superação da psicanálise tradicional e também do próprio marxismo, esse texto persegue de maneira sistemática a tarefa a que Sartre sempre se propôs: a compreensão da irredutível realidade humana" (Belo, 2006, p. 134). E um irredutível que se encontra na compreensão das saídas inventadas singularmente nos casos desesperados, diante do sufoco em que o mundo e os outros nos colocam. Na biografia sobre Genet, "está em jogo um mesmo objeto que Sartre sempre perseguiu: a compreensão de um indivíduo em sua singularidade, sem ignorar, contudo, as mediações entre o objetivo e o subjetivo, entre o particular e o geral" (Belo, 2006, p. 81).

E esse é o objetivo da psicanálise existencial: ir além da ontologia fenomenológica e não se deter na mera descrição a priori do Para-si como desejo de ser Em-si-Para-si, mas compreender como tal subjetividade se constrói de um modo e não de outro, em meio a valores já dados no seu mundo e em meio aos olhares dos outros que nos condenam a ser algo; e como essa mesma subjetividade, sufocada por essas exigências e opressões, inventa, de modo singular, suas saídas. Por isso, não basta a descrição da estrutura, mas é necessária a compreensão das pessoalidades em suas facticidades e relações com os outros.

A psicanálise existencial vai além das estruturas imediatas do Para-si porque realiza o que esta exige, mas não é capaz de compreender: a maneira de ser o desejo estrutural de ser – e não porque vai na contramão do que é descrito a priori pelas estruturas. Há, portanto, entre a descrição das estruturas e a psicanálise existencial uma diferença que se revela ao mesmo tempo como união de fato, tal como a relação entre ontologia e fenomenologia já nos apontava desde a Introdução de O ser e o nada. Podemos perceber desdobramentos no modo como Sartre pensa esses termos aparentemente duais: ontologia/fenomenologia, estruturas imediatas do Para-si/psicanálise existencial e como os transforma de modo a manter uma diferença estática, de direito, e ao mesmo tempo uni-los de fato – desdobramento esse que reaparece dentro da psicanálise existencial e na tentativa de estabelecer uma biografia a partir de seu método: ao compreender como Genet se tornou Genet (pessoalidade), vemos um mesmo jogo entre os termos objetivo/subjetivo, com a manutenção da diferença entre eles e ao mesmo tempo com a impossibilidade de pensar um desses termos sem relacioná-lo ao outro. E é por isso que a compreensão do papel que a psicanálise existencial desempenha dentro da sistemática de O ser e o nada nos revela, para além da compreensão dessa psicanálise e do livro, o modo mesmo como Sartre pensa sua filosofia como um todo.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Thana Mara de Souza
E-mail: thana.souza@gmail.com

 

 

* Professora doutora do Departamento e Programa de Pós-graduação em Filosofia na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
1 Há aqueles que fazem uma divisão em duas ou três fases do pensamento de Sartre, sendo a primeira, a parte "psicológica", que envolveria os textos da década de 1930. Depois, viria a etapa "ontológica" (de O ser e o nada) e, por fim, a etapa "marxista" (da Crítica da razão dialética). Sem entrar nessa discussão, é importante ao menos mostrar que a preocupação com problemas da psicologia aparece em todos os momentos.
2 Para isso, ver Souza (2017).
3 Essencial aqui compreender que escolha não significa, na linguagem sartriana, deliberação, e sim, ação. Assim, quando diz, por exemplo, que homossexualidade é escolha, é apenas no sentido em que é o modo como a pessoa se coloca no mundo. Não de forma deliberada, refletida, mas como ato. Para isso, cf. O ser e o nada, parte IV.
4 É interessante notar que Flaubert é o exemplo que "assalta" Sartre nos momentos em que fala da psicologia fenomenológica, da psicanálise existencial e do método progressivo-regressivo, e com quem ele lidará de forma exaustiva nos três volumes de O idiota da família.
5
Questão colocada por Sartre no início de O idiota da Família e à qual as quase 3 mil páginas do livro tentam responder.
6 A nomenclatura varia ao longo das obras, e em O ser e o nada Sartre opta por falar em psicologia empírica e psicanálise empírica, diferenciando-as.
7 Se Sartre a chama de psicanálise é porque reconhece justamente uma preocupação semelhante à de Freud.
8 Para isso, cf. Sartre (2005).
9
Para isso, cf. Sartre (2006b, parte I, capítulo II (a má-fé).
10 Claro que se trata de uma visão esquemática da psicanálise freudiana, mas o artigo tem como objetivo não comparar as duas psicanálises, mas apenas apontar as críticas elaboradas por Sartre a Freud em O ser e o nada.
11
É curioso que Sartre associe a Freud não apenas a noção de libido, mas também a noção de vontade de poder, própria de Nietzsche. É verdade que em ambas seria possível verificar esse resquício psicobiológico que Sartre pretende abandonar, mas atribuir a Freud a noção de vontade de poder não é tão evidente quanto seu texto pressupõe.
12 Escolha, aqui, como já apontado, não é deliberação, mas ato.
13 Sartre explica, na segunda e quarta partes de O ser e o nada, porque o desejo de ser Em-si-Para-si é fracassado. Em breves palavras, o Para-si é desejo de ser justamente porque não se fundamenta a si mesmo. Desejar ser é não ser plenitude, tal como o Em-si. Por isso, não haveria como alcançar-se como sendo Em-si-Para-si. Cf. as partes acima mencionadas para uma devida compreensão.
14 "L'être nous sera dévoilé par quelque moyen d'accès immédiat, l'ennui, la nausée, etc., et l'ontologie sera la description du phénomène d'être tel qu'il se manifeste, c'est-à-dire sans intermédiaire" (Sartre, 2006b, p. 14). Vale também lembrar que, no romance A náusea, a contingência é apreendida na náusea, no corpo de Roquentin, o que revela outra forma de dizer o mesmo: a ontologia é apreendida fenomenologicamente.
15 Para isso, cf. Sartre (2006b).
16 Falar em sujeito para Sartre é falar em incompletude, em intersubjetividade, em falta e desejo. Embora ainda utilizando a mesma palavra, estamos longe (até mesmo no caminho oposto) do sujeito moderno, racional, completo, independente. Nesse sentido, nos colocamos na contramão da leitura proposta por Bornheim (1971).
17 Cabe a pergunta sobre a relação entre psicanálise existencial e as biografias realizadas por Sartre a partir do método da mesma psicanálise: tratar-se-ia de uma identificação entre elas e a psicanálise não seria senão uma escrita sobre o estilo de um escritor? Não pensamos que podemos reduzir todo o projeto de uma psicanálise existencial a escritos biográficos. No entanto, as escritas de biografias foram o exercício realizado por Sartre que mais nos aproxima de uma aplicação da psicanálise existencial.
18 A abreviação é uma referência a um dos modos como os psicanalistas escrevem sobre as pessoas que clinicam, tal como o famoso caso Anna O.
19 Como já citado anteriormente.
20 Sartre, filósofo de meados do século XX, utiliza a terminologia da época. Mas aqui não se trata apenas disso, mas de mostrar como também o escritor Genet se utiliza desses termos eróticos (duro, forte, ereto, arma etc.) para designar o que não é. Sobre a homossexualidade de Genet, Sartre dirá que se trata de uma escolha, no sentido que a palavra tem em sua filosofia: ação, e não deliberação: "Ninguém nasce homossexual ou normal: cada um se torna um ou outro, segundo os acidentes da sua história e a sua própria reação a esses acidentes. Defendo que a inversão sexual não é o efeito de uma escolha pré-natal, nem de uma má-formação endócrina, nem mesmo o resultado passivo e determinado de seus complexos: é uma saída que uma criança descobre, no momento em que se sente sufocar" (Sartre, 2002b, p. 87). Apesar da terminologia não adequada ao século XXI (inversão, homossexual como não "normal"), o que Sartre aponta nesse trecho é a impossibilidade de encontrar, em determinações genéticas, pré-natal ou endócrinas, um comportamento. Ser homossexual ou heterossexual é uma reação que inventamos diante dos acidentes de nossas histórias, é uma saída encontrada no momento em que o mundo nos sufoca (interessante é notar que essa descrição do mundo como algo que nos sufoca, nos coloca em situações de urgência, já aparecia nas obras de Sartre desde, pelo menos, Esboço para uma teoria das emoções, quando a própria emoção é pensada como reação a um mundo que nos oprime). E essa compreensão é o oposto do que Schneider (2011, p. 135) coloca em seu livro: "Podemos agora buscar compreender como é possível que o poeta Genet, conforme descrito na biografia realizada por Sartre, pôde conceber sua homossexualidade não como um produto de sua escolha, mas de uma fatalidade em sua vida, na medida em que experimenta que a sexualidade é mais forte do que ele mesmo, que não pode negar o desejo, a atração que experimenta, como se fosse uma entidade que nele habitasse". Como apontado, não se trata de forma alguma de uma fatalidade, mas de uma saída inventada no momento em que a pessoa se sente sufocar. Nesse sentido, concordamos com Renato dos Santos Belo (2006, p. 146): "Homossexualidade é inseparável do processo de subjetivação. Ela tem, portanto, sua origem na ordem do tempo, na história mesma de cada indivíduo. Ela é uma reação subjetiva, assim como a heterossexualidade também o seria, às solicitações do mundo".
21 É interessante observar que Sartre faz uma diferença entre gesto e ação. Essa distinção também aparece em diversos momentos de suas obras, como em O imaginário, e é uma questão essencial, e pouco pesquisada, para mostrar a diferença entre imaginário e real em seu pensamento. Essa temática exigiria outro artigo para que seja devidamente desenvolvida, mas podemos ao menos indicar que Genet poeta, "esteta", acredita na possibilidade de ele mesmo irrealizar-se (por meio de gestos), enquanto Genet "artista" deixa de ter essa crença e assume a escrita literária (e, portanto, o imaginário) como ação.
22 Para isso, cf. Souza (2015).
23 O artista é incapaz, segundo Sartre em Que é a literatura?, de ler sua própria obra. A subjetividade na criação é total, de forma que ele não consegue olhar a obra como um objeto a ser decifrado. Para isso, ele precisa do público. Cf. Sartre (2004, segunda parte).
24 Como Sartre aponta desde o início do livro, as pessoas honestas, os justos, fizeram de uma criança um monstro: "Para Genet, usaram um processo mais sutil, porém o resultado foi o mesmo: pegaram uma criança, fizeram dela um monstro por razões de utilidade social. Se, nesse caso, quisermos encontrar os verdadeiros culpados, devemos voltar-nos para as pessoas honestas e perguntar-lhes por que estranha crueldade elas fizeram de uma criança o seu bode expiatório" (Sartre, 2002b, p. 35).
25 Poderíamos questionar se uma clínica a partir da psicanálise existencial seria possível, e se ela também permitiria trazer essa tensão. A isso, Sartre não respondeu. Talvez seja possível, mas seria necessário fazer as passagens entre o que é uma descrição ontológica-fenomenológica, uma biografia escrita, e uma prática clínica – algo que Daniela Schneider aponta, embora em muitos momentos traga essa clínica como busca de novos projetos (o que não está de acordo com a teoria sartriana, e seria, de fato, apenas uma troca de má-fé por outra). Para isso, cf. a proposta de uma "psicanálise existencial" do personagem Roquentin, realizada por Schneider (2011).

 

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