Natureza humana
ISSN 1517-2430
Nat. hum. vol.21 no.spe São Paulo dez. 2019
DOSSIÊ
A Natureza em Sade
Nature in Sade
Clara Castro
Professora substituta da Universidade Federal do Paraná (UFPR) / E-mail: clara.castro@ufpr.br
RESUMO
A proposta deste artigo é analisar a ideia de natureza na obra clandestina de Sade, mais especificamente, nas histórias de "Justine" (1787/1999) e de "Juliette" (1801). O exame recairá sobre a fala de dois narradores (dos "Infortúnios da virtude" e da "Nova Justine") e de cinco personagens (Dubois, Noirceuil, Rodin, Braschi e Juliette). Pretende-se estudar quatro noções diferentes de natureza (a compensadora, a criadora, a estúpida e a inexistente) a fim de demonstrar que tais noções formam, na verdade, um único raciocínio, desenvolvido em uma gradação regressiva. Tudo começa em uma natureza onipotente e amoral. Esta se transforma em noção imoral, menos poderosa e que necessita do libertino para desorganizar a matéria, mas passa a se mostrar impotente e inconsequente, até revelar-se uma força tão misteriosa e incompreensível quanto a divindade.
Palavras-chave: Sade; Natureza; Matéria; Energia; Organização; Desorganização.
ABSTRACT
The purpose of this article is to analyze the idea of nature in Sade's clandestine work, more specifically, in the stories of "Justine" (1787/1999) and "Juliette" (1801). The discussion will be based on the speech of two storytellers (from "The Misfortunes of Virtue" and "The New Justine") and five characters (Dubois, Noirceuil, Rodin, Braschi and Juliette). It is intended to study four different notions of nature (the compensator, the creator, the stupid and the nonexistent) in order to show that these notions actually form a single reasoning, developed in a regressive gradation. Everything begins in an omnipotent and amoral nature, which develops in an immoral, less powerful one that requires the libertine to disorganize matter, but it becomes impotent and inconsequential until it reveals itself to be as mysterious and incomprehensible as divinity.
Keywords: Sade; Nature; Matter; Energy; Organization; Disorganization.
Aquele que se propõe estudar a ideia de natureza logo esbarra na grandiosidade do tema, assim como na plurivocidade do termo. Basta folhear o "Idée de nature en France", de Ehrard (1994), para constatar a multiplicidade de noções apenas na primeira metade do século XVIII. Não à toa, em seu livro recente, Pimenta (2018, p. 6-7) observa que a palavra "[...] quer dizer muitas coisas diferentes, não raro excludentes". Um exemplo desta plurivocidade está no verbete "Natureza" da "Enciclopédia" (1751-1772). Nele, d'Alembert (2015, p. 121) afirma que se trata de um "termo utilizado de muitas maneiras diferentes", que em Aristóteles há "[...] um capítulo inteiro sobre os diferentes sentidos dados pelos gregos à palavra", que "[...] entre os latinos, os seus diversos sentidos são tão numerosos que um autor conta catorze ou quinze" e que Boyle conta "[...] oito principais". O verbete de d'Alembert será criticado por estudiosos do século XVIII, como o próprio Ehrard e Larrére (Leca-Tsiomis, 2013), sendo qualificado de tímido e vazio, respectivamente. Mas o fato é que a definição de um termo tão polissêmico foi um "verdadeiro quebra-cabeça" (Leca-Tsiomis, 2013, p. 47) para os autores de dicionários da Idade Moderna. Sade, como bom romancista de sua época, está longe de empregar a palavra em um único sentido, ainda que não transite por tradições opostas.
Quando se pensa na ideia de natureza na obra do marquês, é preciso primeiro delimitar uma tradição de pensamento para, em seguida, apreender as diferentes noções enunciadas por seus personagens. A tradição da qual falamos é a de d'Holbach e de Diderot: um materialismo químico, mas também físico, em seu sentido mais experimental. Ou melhor, nas palavras de Delon (1988, p. 184), "um materialismo que, graças à noção de energia, é uma visão totalizante e dinâmica da natureza sem Deus". Isso quer dizer que, como afirma d'Holbach (2008, p. 19), a "ideia de natureza encerra necessariamente a de movimento", já que a matéria "[...] se move por sua própria energia". Materialistas como Sade, d'Holbach e Diderot tentam, portanto, dar conta da natureza mediante a própria energia desta, sem qualquer força exterior (Pépin, 2013). É por isso que Pépin (2013) fala de uma "imanência radical" que se diferencia do materialismo mecanicista. A primeira centra-se nas forças e poderes da matéria, enquanto o segundo se ocupa mais do "movimento matematizável" e dos "princípios da inteligibilidade". Às explicações do movimento local e da extensão, sobrepõe-se "[...] um novo modelo de imanência mais dinâmico, operacional e qualitativo" (Pépin, 2013, p. 131). O interesse recai então nos elementos da matéria, na sua composição, operações e transformações.
A dificuldade da análise da filosofia em uma obra literária como a de Sade exige que o pesquisador lance mão de algum recurso. O "Sistema da natureza" (1770), de d'Holbach - um livro que o marquês leu "seis vezes", "um livro de ouro", que "deveria estar em todas as bibliotecas e em todas as cabeças" (Sade, 2009, p. 196) -, tem a vantagem de sistematizar algumas noções de natureza que aparecem dramatizadas nos romances sadianos, consistindo um excelente guia de leitura. O primeiro capítulo desse "Sistema", do qual Sade (2009, p. 196, itálico do autor) se diz "sectário até o martírio", trata de duas noções de natureza: uma com "N" maiúsculo e outra com "n" minúsculo. A primeira é a Natureza entendida como "o grande todo que resulta do conjunto das diferentes matérias, de suas diferentes combinações e dos diferentes movimentos que vemos no universo" (Holbach, 2008, p. 14). A segunda é a natureza de cada ser particular: "O todo que resulta de sua essência [a do ser particular], ou seja, das propriedades, das combinações, dos movimentos ou modos de agir que o distinguem dos outros seres" (Holbach, 2008, p. 14). O barão faz, pois, uma distinção entre diferentes sistemas que estão um dentro do outro e são interdependentes: um sistema maior (o universo), um sistema mediano (os seres individuais) e um sistema menor (matérias heterogêneas que formam os seres individuais). A soma desses três sistemas interdependentes é o que ele chama de Natureza com "N" maiúsculo. É desta que vamos tratar neste artigo, ainda que Sade não explicite essa diferença em seu texto pelo uso de maiúsculas e minúsculas.
Frente a um tema tão amplo, convém alertar o leitor à limitação da nossa proposta. A análise aqui apresentada se restringe aos textos clandestinos de Sade1 e, dentro destes, às histórias das duas irmãs, Justine e Juliette. As aventuras de Justine possuem três versões diferentes, que se tornam progressivamente mais longas e menos próprias ao grande público: "Os infortúnios da virtude" (escritos em 1787, mas publicados em 1930), "Justine ou As desgraças da virtude" (1791) e a "Nova Justine ou As desgraças da virtude" (1799). A "História de Juliette ou As prosperidades do vício" (1801) é a sequência da "Nova Justine" e possui uma única versão. Seria impossível, no espaço de um artigo, examinar a ideia de natureza na totalidade desses textos, que somam juntos cerca de duas mil páginas. Faremos, portanto, alguns recortes das falas de dois narradores (o dos "Infortúnios da virtude" e o da "Nova Justine") e de cinco personagens (Dubois, Noirceuil, Rodin, Braschi ou Papa Pio VI e Juliette). O objetivo é exemplificar e examinar quatro noções de natureza: a compensadora, a criadora, a estúpida e a inexistente. Pretende-se mostrar que tais noções, ainda que expostas de modo alienar no corpus sadiano, formam um único raciocínio e que este se desenvolve por gradação. Parte-se de uma natureza onipotente e amoral. Paulatinamente, esta se torna imoral, menos poderosa e passa a necessitar do libertino para reencontrar sua potência criadora, mas ela logo se revela impotente, inconsequente e imbecil, mostrando-se, por fim, misteriosa, sem sentido e tão inexistente quanto Deus. As duas primeiras noções são de longe as principais e as mais bem desenvolvidas nos discursos libertinos. Não podemos, entretanto, ignorar as duas últimas que, embora menos frequentes, são importantes tanto para o raciocínio geral quanto para a trama dos romances. Salienta-se que as quatro noções não são exaustivas: quem sabe não haveria outras?
1. A natureza compensadora
A primeira noção de natureza supõe que ela seja capaz de compensar bens e males no mundo, de tal modo que a soma final esteja sempre equilibrada. O argumento se funda em um determinismo absoluto. Este prega que os seres, agindo e reagindo continuamente uns sobre os outros, respondem sempre e necessariamente à combinação de suas propriedades. É o que Diderot bem exemplifica nos "Princípios filosóficos sobre a matéria e o movimento" (1792):
Eu que sou físico e químico, que tomo os corpos na natureza e não na minha cabeça, que os vejo existentes, diversos, revestidos de propriedades e de ações, e se agitando no universo como no laboratório, onde uma faísca não se encontra ao lado de três moléculas combinadas de salitre, carvão e enxofre sem que se siga uma explosão necessária (Diderot, 2010, p. 448).
Assim como a explosão dada pela combinação de salitre, carvão, enxofre e faísca, os vícios e as virtudes produzidos pelos seres são meras reações necessárias, devido à mistura das propriedades de cada criatura. Como todos os seres agem e reagem mútua e perpetuamente, supõe-se que, em uma grande escala (no sistema maior), tudo acaba se equilibrando. A natureza seria então capaz de se autorregular, mesmo que, em uma escala menor (no sistema médio), haja focos de vício ou de virtude.
É uma ideia claramente presente no "Sistema" de d'Holbach. No primeiro capítulo da primeira parte, ele explica que a Natureza é desprovida tanto de bondade quanto de maldade, pois apenas segue leis necessárias e imutáveis. Ao seguir tais leis, ela altera os seres incessantemente, produzindo-os e destruindo-os. Com isso, distribui bens e males às criaturas, fazendo-as ora sofrer, ora gozar (Holbach, 2008). No quinto capítulo dessa mesma parte, o barão assinala que nada pode perturbar a "ordem geral da Natureza" (Holbach, 2008, p. 44). Aquilo que chamamos de ordem e desordem, relativamente a nós mesmos, consiste em alterações de seres particulares que não perturbam a marcha ordinária da Natureza. Ao contrário, essas alterações individuais são uma consequência das leis da Natureza, "na qual é necessário que algumas de suas partes, para a manutenção do todo, sejam perturbadas" (Holbach, 2008, p. 45). Consequentemente, a desordem particular de um ser configura tão somente "sua passagem a uma nova ordem, a uma nova maneira de existir" (Holbach, 2008, p. 44). O décimo segundo capítulo, ainda da primeira parte, mostra de uma forma mais explícita que "a Natureza distribui [...], da mesma mão, aquilo que nós chamamos de ordem e de desordem, aquilo que nós chamamos de prazer e de dor", ou seja, "ela dissemina, pela necessidade de seu ser, o bem e o mal no mundo" (Holbach, 2008, p. 154, grifos do autor). Vale frisar que o bem e o mal, assim como a ordem e a desordem ou o prazer e a dor, referem-se somente aos seres particulares: a Natureza é "imparcial em todas as suas produções" (Holbach, 2008, p. 155). Nada pode, desse modo, alterar o curso constante da Natureza. Ela encerra seres felizes ou infelizes, mas não pode ser, ela mesma, feliz ou infeliz, já que "o mal físico e o mal moral não se devem à maldade, mas à necessidade das coisas" (Holbach, 2008, p. 154).
Como constata Deprun (1987) e lembra Wenger (2012), essa ideia de equilíbrio se encontra também no "Da natureza" (1761-1763) de Robinet - um livro que Sade tinha em sua biblioteca em La Coste (Mothu, 1995). A primeira parte do primeiro tomo é intitulada "De um equilíbrio necessário de bens e males na natureza". O livro se inicia então com a hipótese do equilíbrio, que aparece já na primeira página do prefácio. Neste, Robinet observa que alguns só veem bem na natureza, outros só mal, outros mais bem do que mal ou ainda mais mal do que bem. Robinet, porém, nela constata um equilíbrio perfeito:
Vejo por toda parte uma dose igual de um e de outro. Eu refleti sobre esse equilíbrio; e ele me pareceu de uma necessidade absoluta. Dê às ideias de bem e de mal toda a extensão que elas podem ter. Não há nada, na Natureza, a que as qualidades de bom e de mau não possam convir (Robinet, 1761, p. V-VI, grifos do autor).
O tema reaparece na "Introdução", que anuncia a proporcionalidade e a união entre bem e mal nas coisas materiais (o "finito" em oposição ao Deus infinito). Tal união e proporção permitiria, assim, uma harmonia da Natureza:
Em virtude de uma necessidade metafísica, o mal é essencialmente unido ao bem no finito. Com um pouco de atenção e de boa fé, descobriremos que um e outro nele se encontram em porções iguais. De onde resulta um EQUILÍBRIO NECESSÁRIO DE BENS E DE MALES NA NATUREZA, que faz sua harmonia (Robinet, 1761, p. 3, maiúsculas do autor).
No primeiro capítulo, Robinet (1761, p. 7) explica que, se em um primeiro olhar, as coisas boas e ruins parecem ser jogadas ao acaso no mundo, mas, em um segundo olhar, descobre-se "ordem nessa distribuição". Embora pareça então que há focos de vício ou de virtude, ambos circulam no universo proporcionalmente.
O tema é, com efeito, comum no século XVIII (Delon, 1988), mas, para não nos alongarmos, convém falar de uma última obra: "Zadig ou O Destino" (1747), de Voltaire. Esta é especialmente importante por dois motivos. Primeiro, porque toda a estrutura dos "Infortúnios da Virtude" se funda na de Zadig (Mattos, 2015). Segundo, porque a história de Justine, nas suas três versões, começa com uma referência ao anjo Jesrad do conto (II, 3, 131 e 395). No décimo oitavo capítulo, Zadig encontra um eremita, que posteriormente se transforma no anjo Jesrad. Indignado com as desgraças que recaem sobre as pessoas de bem, Zadig questiona o anjo a respeito da necessidade dos infortúnios no mundo. O anjo, em um esforço consolador, responde que "não há mal do qual não nasça um bem" (Voltaire, 1954, p. 62). Ele tenta, assim, atenuar a contradição entre o mal do mundo e a Providência divina justa (Nascimento, 1993).
Ao citar o anjo, o narrador dos "Infortúnios da virtude" objetiva criticar sua filosofia, prevenindo o leitor daquilo que ele chama de sofisma: a ideia do equilíbrio da natureza, segundo o qual haveria "uma soma de males igual a de bens" (II, 4). O tal sofisma prega então que "é essencial, para a manutenção do equilíbrio, que haja tanto bons quanto malvados" (II, 4). Daí a pergunta do narrador: "A coisa sendo igual para as visões da natureza, vale infinitamente mais tomar partido entre os malvados que prosperam do que entre os virtuosos que perecem?" (II, 4). Nessa primeira versão, a resposta é não, pois "Os infortúnios da virtude" pretendem se adequar a um público mais abrangente. O narrador critica, portanto, um sistema que desconsolaria os virtuosos ao tornar seus sofrimentos necessários em uma natureza sem Deus ou com uma Providência divina enigmática, indiferente ao crime ou à virtude. O narrador da terceira versão, porém, responde afirmativamente. Abstraindo as convenções sociais, ele não deixa dúvida quanto à adesão a uma natureza acolhedora do mal e do bem: "É, não disfarcemos mais, para apoiar esses sistemas que daremos ao público a história da virtuosa Justine" (II, 396). Na "Nova Justine", o crime não somente se mostra triunfante como também sublime (II, 396). Isso porque essa natureza compensadora, que desconsola os virtuosos, funciona muito bem para justificar os crimes dos viciosos.
Tal é o recurso empregado pela libertina Dubois. Logo no início da trama da terceira versão, Justine se vê emprisionada injustamente. Sua vizinha de cela é uma grande criminosa que decide se livrar dos grilhões colocando fogo na cadeia. Interessando-se por Justine, Dubois a salva do fogo e das grades, a fim de incluí-la em seu bando (II, 431-2). Após ser forçada a fazer parte da trupe, a jovem consegue fugir (II, 461). Mas, dez anos depois, reencontra a libertina em um albergue (II, 1040). Após escutar os infortúnios da heroína virtuosa, Dubois lhe mostra os frutos de sua carreira no crime: estojos plenos de ouro e diamantes. Justine adverte que, se a fortuna se deve a crimes, a justa Providência não a deixará dela gozar por muito tempo. A libertina corrige a jovem, apontando que a Providência não favoriza somente a virtude, mas recompensa também o crime. A razão disso é justamente o equilíbrio entre bem e mal:
É igual à manutenção das leis da natureza que Paulo siga o mal, enquanto Pedro se entregue ao bem. O que é necessário a essa natureza compensadora é uma soma igual de um e de outro; e o exercício do crime, mais do que o da virtude, é a coisa do mundo que lhe é a mais indiferente (II, 1041).
Embora Justine compreenda muito bem o funcionamento dessa "natureza compensadora", ela não entende por que Dubois insiste na escolha do vício em detrimento da virtude, já que esta também faz parte das leis naturais:
Você admite que há uma soma de bem e de mal na natureza e que é preciso, por conseguinte, uma certa quantidade de seres que pratica o bem e uma outra que se entrega ao mal. O partido que tomo, adotando o bem, está então na natureza: por que você exige que eu me afaste das regras que ela me prescreveu (II, 1045)?
O raciocínio de Justine é impecável, mas ela deixa passar um desenvolvimento imprevisto da argumentação de Dubois. Pois ao longo da fala das personagens, a noção de natureza se desenvolve, transitando para outros sentidos. O mesmo acontece com Noirceuil na "História de Juliette".
No início de sua carreira como prostituta, Juliette faz um programa na casa de Noirceuil. Vendo-o, no meio da orgia, tratar sua esposa de modo atroz, a cortesã critica o comportamento do libertino. Ele replica, dizendo que toda paixão tem dois sentidos: um muito justo em relação ao agente e outro muito injusto em relação ao paciente. Embora injusto para com a vítima, o órgão das paixões é inspirado pela voz da natureza: há, pois, nesta, "injustiças necessárias" (III, 302). A explicação para tanto é novamente a compensação entre bens e males. As leis da natureza
exigem uma soma de vício ao menos igual a de virtudes; aquele que não tem inclinação para a virtude, deve então se curvar cegamente sob a mão que o tiraniza, bem certo de que essa mão é a mão da natureza e de que ele é o ser escolhido por ela para manter o equilíbrio (III, 304).
O criminoso torna-se, assim, "um agente de equilíbrio", cumprindo uma função "sincrônica" (Deprun, 1987, p. 140) junto à natureza. Sincrônica porque, concomitantemente à virtude e em proporção equivalente a esta, o vício contribui para os processos naturais de ação e reação, construção e desconstrução, geração e corrupção. Por consequência, "a curto prazo, [o crime] assegura o equilíbrio" (Deprun, 1987, p. 143) da natureza.
2. A natureza criadora
A longo prazo, no entanto, o libertino deve destruir esse equilíbrio para suscitar novas criações; sua função deixa de ser "sincrônica" para tornar-se "diacrônica" (Deprun, 1987). Explica-se: em uma evolução do tempo, o criminoso deixa de atuar como "agente de equilíbrio", tornando-se um "agente de inovação" (Deprun, 1987). Ele não serve mais à natureza em suas compensações, mas sim na retomada de sua capacidade primeira de criação. Se prestarmos atenção na progressão das narrativas ficcionais, uma natureza compensadora faz muito mais sentido na história de Zadig, cujos infortúnios se neutralizam com episódios bem-aventurados e um final bem feliz. Nas histórias de Justine e de Juliette, contudo, como os próprios subtítulos das obras acusam, essa compensação não ocorre de fato: há sempre prosperidade do vício e desgraça da virtude. Em uma natureza compensadora, a prevalência do crime funcionaria a curto prazo. Mas a longo prazo, essa vantagem seria contraditória com as leis que regem o equilíbrio, causando um desbalanço entre bem e mal. Entretanto, essa primeira noção de natureza não basta para explicar as tramas das duas histórias. É preciso trazer para a cena uma natureza que favoreça a destruição entre os seres, a fim de monopolizar toda a atividade criadora.
Um exemplo desse tipo de argumentação está no discurso do cirurgião Rodin, da "Nova Justine". Após ter sido cruelmente açoitada, a heroína bate na porta do cirurgião da cidade para tratar suas feridas. Mal ela sabia que Rodin, além de libertino, desenvolvia suas pesquisas em anatomia via vivisseções, em parceria com outro cirurgião local, Rombeau (II, 522-523). A jovem fica um mês na casa do devasso se recuperando e, depois, aceita o convite para se tornar dama de companhia de sua filha, Rosalie. É claro que Rodin não tinha interesse algum em dar mais conforto à filha, desejando somente colher as volúpias do corpo de Justine, certo de que o reconhecimento iria obrigá-la a ceder. A mocinha não cede e ainda desmascara o cirurgião. Mas, na tentativa de salvar Rosalie, continuamente violada pelo pai, acaba incitando a ira deste, que decide unir o prazer do infanticídio ao da pesquisa em anatomia.
Antes da terrível vivissecção, Rodin discute os preparativos da cirurgia com seu amigo Rombeau. O primeiro confessa que seu prazer é proporcional ao grau de sofrimento da vítima e que todas as dores que produz, mediante a vivissecção, excitamlhe prodigiosamente os "animais espermáticos" (II, 556). O segundo diz experimentar os mesmos "movimentos" e questiona: "Por qual inexplicável contradição a misteriosa natureza inspira todos os dias ao homem o gosto da destruição de suas obras?" (II, 556). Rodin se propõe a resolver o enigma:
Essas porções de matéria, desorganizadas e lançadas por nós no crisol de suas obras [da natureza], dão-lhe [à natureza] o prazer de recriar sob outras formas; e se o deleite da natureza é a criação, o do homem que destrói deve lisonjear infinitamente a natureza; ora, ela só consegue fazer suas criações pela destruição. É preciso então admiravelmente destruir homens para lhe proporcionar o deleite voluptuoso de criá-los (II, 556-557).
Rombeau conclui que "o assassinato é um prazer" (II, 557). Mas Rodin o retifica: "É um dever; é um dos meios do qual a natureza se serve para chegar aos fins que ela se propõe para nós" (II, 557). A partir do momento em que a arte médica pode "fornecer tão grandes luzes", "o assassinato torna-se a mais bela, a mais sábia de todas as ações" (II, 557). Não há, portanto, crime. Mesmo porque, se todas as partículas de matéria são eternas e circulam continuamente entre os reinos animal, vegetal e mineral, não há morte de fato:
Se nada morre, se nada se destrói, se nada se perde na natureza, se todas as partes decompostas de um corpo qualquer só esperam a dissolução para logo reaparecer sob novas formas, que indiferença não haverá na ação do assassinato? E que imbecil seria o ser que ousasse nele encontrar um crime! (II, 557)
O diálogo entre os dois libertinos se baseia na suposição de que a natureza tem uma quantidade fixa e restrita de matéria-prima para empregar nas suas criações (Deprun, 1987, p. 144; Deprun, 1990, p. LXV-LXVI). Nas palavras de Wenger (2012, p. 28), "a natureza é composta de uma soma finita de matéria, reutilizada ao infinito, sem que nada jamais se perca". Mas, para poder criar, ela precisa ter acesso à matéria esparsa em partículas, ou seja, à matéria desorganizada - aquela que ainda não está disposta em um arranjo específico (o de um mineral, vegetal ou animal). Assim, para que recupere sua atividade criadora, é imperativo que haja destruições: a matéria, antes organizada em uma forma específica (um mineral, vegetal ou animal), será desorganizada por algum crime ou desgraça, tornando-se novamente dispersa em partículas e pronta para ser reutilizada pela natureza. Desse modo, as partículas circulam perpetuamente entre os seres dos três reinos, permitindo a ação de renovação natural. Essa ideia, por mais própria que pareça à argumentação de um libertino criminoso, já aparece claramente no terceiro capítulo da primeira parte do "Sistema da natureza":
Naquilo que os físicos chamaram de os três reinos da Natureza, faz-se, com a ajuda do movimento, uma transmigração, uma troca, uma circulação contínua de moléculas da matéria. A Natureza precisa num lugar daquelas que ela havia colocado por um tempo noutro (Holbach, 2008, p. 28, itálico do autor).
D'Holbach, como vimos, pressupunha o equilíbrio entre criações e destruições pelas leis naturais. No sexto capítulo de seu "Sistema", contudo, ele sugere que a natureza pode lançar criaturas totalmente novas, nunca vistas até então (Holbach, 2018). Ele traça, assim, a imagem de um laboratório de elementos capaz de criar gerações inteiramente novas, como se a natureza fosse, sobretudo, uma "potência criadora" (Deprun, 1987):
Àqueles que questionam por que a Natureza não produz seres novos, nós lhes perguntaremos sobre qual fundamento eles supõem esse fato? O que lhes autoriza a acreditar nessa esterilidade da Natureza? Sabem eles se, nas combinações feitas a cada instante, a Natureza não se ocupa em produzir seres novos sem o conhecimento de seus observadores? Quem lhes disse que essa natureza não reúne atualmente, no seu imenso laboratório, elementos próprios a fazer eclodir gerações inteiramente novas, que nada terão em comum com aquelas das espécies existentes até o presente? (Holbach, 2008, p. 59).
Como se vê, d'Holbach não emprega o termo "potência". Mas este é bastante utilizado na introdução do décimo segundo tomo da "História natural" de Buffon (17491804, p. III), intitulada "Primeira vista": "Pode-se considerá-la [a natureza] como uma potência viva, imensa, que cinge tudo, que anima tudo". Diferentemente de d'Holbach, no entanto, Buffon supõe a natureza subordinada a Deus, sendo incapaz de criar - tarefa atribuída unicamente à divindade: "Ela poderia tudo, se ela pudesse extinguir e criar; mas Deus reservou a si mesmo esses dois extremos de poder: extinguir e criar são atributos da onipotência; alterar, mudar, destruir; desenvolver, renovar, produzir são os únicos atributos que ele quis ceder" (Buffon, 1749-1804, p. IV). A potência criadora em Buffon seria então Deus e não a natureza. Embora o conde desenvolva a possibilidade de uma renovação da natureza, com espécies novas a partir de moléculas orgânicas antigas, tais espécies seriam diminuídas. Ainda que houvesse então uma destruição de todas as formas organizadas, a natureza não reencontraria sua energia primeira, mas apenas poderes debilitados (Deprun, 1987).
Por certo, pode-se argumentar que d'Holbach tampouco pressupõe a criação das partículas de matéria, que são eternas. Ele prevê, entretanto, uma "verdadeira inovação" na natureza, capaz de desenvolver formas orgânicas completamente inéditas, que não possuem nada em comum com as espécies existentes no presente (Deprun, 1987). Ela poderia não somente engendrar essas formas orgânicas inéditas, mas também se renovar inteiramente. Planetas e sóis seriam destruídos e dispersados para que novos sóis e novos planetas surgissem no lugar:
Sóis se apagam e se encrostam, planetas perecem e se dispersam nas planícies dos ares, outros sóis se acendem, novos planetas se formam para fazer suas revoluções ou para traçar novas rotas [...]. Homem! Você não conceberá jamais que é apenas um efêmero? Tudo muda no universo, a Natureza não encerra nenhuma forma constante e você pretende que tua espécie não pode desaparecer e deve ser exceptuada da lei geral que quer que tudo se altere! (Holbach, 2008, p. 60).
Sade parece ter se encantado com a imagem do laboratório que faz "eclodir gerações inteiramente novas" (Holbach, 2008, p. 59) e com essa "lei geral que quer que tudo se altere" (Holbach, 2008, p. 60), sem talvez esquecer a "potência viva" de Buffon (1749-1804, p. III). Não à toa, é frequente em "Justine" e em "Juliette" uma imagem química da natureza, como sendo um "gigantesco crisol, no qual se experimenta a criação de novas formas a partir de porções de matéria desorganizada" (Wenger, 2012, p. 30). A fala de Rodin já havia dado um exemplo disso (II, 556). No discurso libertino, a natureza se transforma então nessa potência criadora, que prefere criar a destruir, terceirizando essa última função a seres como Rodin e Rombeau. Para que ela coloque em atividade essa energia criadora, precisa de matéria-prima desorganizada. Logo, inspira ao libertino o gosto pela destruição. Quanto mais porções de matéria desorganizada, maior será o prazer da natureza em recriar as formas. Se o prazer da natureza é a criação e se o homem que destrói a agrada, supõe-se que aquele que cria a ofende. A destruição deixa de ser um crime para tornar-se um dever do ser humano junto à natureza. Enquanto o criminoso serve à natureza, o virtuoso a contraria. Com sua benevolência, o bonzinho contribui para a conservação dos humanos, agindo como uma "trava biológica" (Deprun, 1987, p. 144). Ele se opõe, desse modo, à marcha natural, ajudando os seres humanos a tomarem controle da biosfera. O resultado disso seria o bloqueio da evolução, logo, da ação renovadora da natureza (Deprun, 1987). Não surpreende que, nas tramas romanescas, os virtuosos sejam continuamente punidos e suas boas ações, anuladas.
Dubois e Noirceuil não chegam a realmente defender a natureza como uma potência criadora, mas ambos caminham para essa direção. Dubois, apesar de inicialmente explicar a Justine que é indiferente escolher a virtude ou o vício, desenvolve uma exceção à regra: não devemos fazer nossa escolha conforme as nossas próprias inclinações, mas sim de acordo com a "rota geral" (II, 1041). Por rota geral, ela quer dizer: se o mundo for inteiramente virtuoso, o melhor é caminhar pela virtude; mas se for totalmente corrompido, o vício se torna imperativo. O importante é não contrariar o curso geral, pois "aquele que não segue a rota dos outros perece inevitavelmente". Uma natureza compensadora supõe um mundo "composto de uma parte igual de bons e de malvados" (II, 1042). Contudo, tal igualdade entre vício e virtude, a própria libertina reconhece, não pode ser constatada na experiência. Esta, ao contrário, mostra uma sociedade inteiramente corrompida, em que um vicioso ultraja outro, que se vinga em um terceiro e assim por diante, de modo que "a vibração se torna geral; é uma multiplicidade de choques e de lesões mútuas, em que cada um, ganhando novamente aquilo que acabou de perder, encontra-se sem cessar numa posição feliz" (II, 1042).
Delon (nota 1, II, 101) chama a atenção para a vibração, que "designa o movimento simultaneamente físico e moral". Este provoca "o deleite no indivíduo e o choque dos interesses que garante a atividade social". Essa vibração é importante por marcar duas coisas: a energia do vício, em oposição à inércia da virtude, e a passagem de uma natureza amoral para outra imoral. Com efeito, Delon (nota 2, II, 101) observa que o trecho mistura duas concepções de vício, cada uma remetendo a duas noções de natureza: o vício como "submissão à lei comum", dentro de uma natureza amoral, que equilibra vícios e virtudes; (2) o vício como "aumento de energia", dentro de uma natureza imoral, que prefere "o dinamismo do vício à virtude". Acreditamos, entretanto, que as duas concepções de vício já estão dentro de uma natureza imoral. Isso porque, quando o vício se torna a lei comum ou a rota geral, como diz Dubois, ele deixa de ser a metade do todo para se tornar o próprio todo. A imagem que Dubois emprega é a da torrente de um rio que deve ser seguida e não remontada. Para que o vício fizesse parte de uma natureza compensadora, seria preciso haver dois rios ou duas rotas possíveis. Se a virtude "não existe mais sobre a terra", se "seu reino fastidioso acabou" (II, 1042), a natureza não compensa nada, mas prefere claramente o dinamismo do mal à inércia do bem. A vibração, na multiplicidade de choques e lesões mútuas, remete não somente à energia vício, mas também à necessidade da destruição. A virtude, "fraca e tímida, não ousa jamais nada empreender" (II, 1042), negando o crime que a natureza almeja. Mesmo que Dubois não argumente abertamente a favor de uma natureza como potência criadora, é esta que embasa o desenvolvimento de seu discurso. A libertina fala da Providência, mas, no contexto, leia-se natureza:
Por que você quer que os indivíduos viciosos lhe [a Providência] desagradem, uma vez que ela age, ela mesma, tão somente por vícios, que tudo é vício e corrupção nas suas obras, que tudo é crime e desordem nas suas vontades? (II, 1042).
O mesmo acontece com Noirceuil. Na dissertação sobre o crime que ele enuncia a Juliette, afirma primeiro que "é por uma mistura absolutamente igual daquilo que chamamos de crime e de virtude que suas leis [da natureza] se sustentam" (III, 331). Logo em seguida, porém, diz que "é por destruições que ela renasce; é por crimes que ela subsiste; é, numa palavra, pela morte, que ela vive" (III, 331). Concomitantemente à defesa de uma natureza compensadora, Noirceuil supõe a existência de uma natureza criadora, que se renovaria com o crime. Ou seja, a natureza dependeria das destruições causadas pelo criminoso para poder criar. As duas noções estão, portanto, fundidas no discurso do libertino, que segue falando do equilíbrio (III, 331), a tal ponto que o leitor poderia pensar que se trata somente da natureza compensadora. No entanto, ao continuar a sua fala, ele assinala que os crimes podem ser indiferentes ou necessários à natureza. Indiferentes, se forem "leves", como roubo ou estupro. Necessários, se implicarem um assassinato (III, 333). Um crime só é então entendido como leve e indiferente quando não engendra uma desorganização da matéria. O que o faz necessário é justamente essa desorganização, que devolveria matéria-prima à natureza, permitindo que faça novas criações. Nesse ponto, a argumentação de Noirceuil começa a se assemelhar à de Rodin, pois observa que "a perversidade da destruição, vista convencionalmente como a mais atroz, é porém aquela que mais lhe [a natureza] agrada" (III, 334). Aqui, novamente, percebe-se uma preferência da natureza pelo vício.
Isso fica mais explícito quando o libertino trata do estado de "descivilização" (o oposto do estado social ou o mesmo que estado de natureza). Neste, o forte serve à natureza destruindo o fraco. Logo, se decide ajudar o fraco, o forte compromete a ordem natural (III, 335-6). Noirceuil fala até de uma "lei geral" - lembrando muito a "rota geral" da Dubois - que rejeita a piedade por "perturbar uma desigualdade exigida pelas leis da natureza" (III, 336). Ele segue uma linha argumentativa muito similar à da libertina, sobretudo se levarmos em conta o fim de seu discurso sobre a virtude, em que diz observar, na experiência, "todo dia o malvado pleno de prosperidade e o homem de bem definhar nos ferros" (III, 309). É até perigoso, frisa, "querer ser virtuoso num século corrompido", valendo infinitamente mais ser "vicioso com todo o mundo que honesto sozinho" (III, 309). Desse modo, o homem bom, "entre tantos outros que não o são, perece cedo ou tarde" (III, 310). O discurso de Noirceuil, assim como o de Dubois, embora sustente uma natureza compensadora, prioriza o vício, sugerindo a passagem para a noção criadora.
3. A natureza estúpida
Talvez o mais célebre discurso a favor de uma natureza criadora seja a longa dissertação sobre o assassinato de Braschi2, o papa Pio VI da "História de Juliette". Gradativamente, porém, sua argumentação desembocará em uma nova noção. Por um lado, o papa sonha com um assassino que fosse capaz de abrir espaço na terra para uma renovação completa e radical: eliminar toda a matéria organizada existente de modo a restabelecer, integralmente, o potencial criador da natureza. Por outro lado, percebe que a natureza é refém do constante acúmulo de matéria organizada. Sem conseguir desorganizá-la por si mesma, fica inerte até alguma outra coisa causar uma desorganização. Pressupõe-se, com isso, que a natureza seja incapaz de desorganizar a matéria, podendo apenas organizá-la. Essa incapacidade revela, simultaneamente, uma impotência da natureza e um poder do libertino. É ao devasso, pois, que a função da desorganização é atribuída, é a ele que a natureza deve recorrer: "Quando a natureza [...] envia [as crueldades dos tiranos e os crimes do celerado] à terra, com o desígnio de extinguir esses reinos que a privam da faculdade de novos lançamentos, ela comete um ato de impotência" (III, 874-5). Como os reinos mineral, vegetal e animal são reprodutores independentes, que seguem leis particulares, somente uma "destruição total" (III, 875) devolveria integralmente à natureza sua energia criadora. Ela não tem, contudo, poder para operar uma autodestruição. Tal qual todos os seres dos três reinos, ela também está sob o jugo de leis eternas das quais não pode escapar:
Porque as primeiras leis, recebidas por esses reinos [...], imprimiram-lhes essa faculdade produtiva, que durará sempre e que a natureza só extinguirá se destruindo totalmente, algo de que ela não é capaz, porque ela está submetida a leis cujo império lhe é impossível escapar e que durarão eternamente (III, 875).
Isso explica a função primordial do libertino e seu gradual aumento de poder (se compararmos com o contexto de uma natureza compensadora): "O criminoso, que poderia perturbar os três reinos ao mesmo tempo, extinguindo-os junto com suas faculdades produtivas, seria aquele que melhor teria servido à natureza" (III, 875). O grande problema é que o libertino tampouco tem a capacidade de extinguir os três reinos e suas faculdades reprodutivas. A ação do devasso se estende, no máximo, à extinção de uma forma, de uma primeira vida. Pois devemos lembrar que os elementos ou partículas circulam entre os três reinos: uma primeira forma extinta, por meio da geração espontânea3, pode passar diretamente a uma segunda forma. Isso quer dizer que a decomposição de um cadáver dá lugar à geração espontânea de pequenos animais, como vermes, fungos e insetos. A matéria, recém desorganizada pelo assassino, reorganiza-se automaticamente, sem que a natureza faça qualquer uso de sua potência criadora:
Seria preciso, para melhor servi-la ainda, poder se opor à regeneração resultante do cadáver [...]. O assassinato só tira a primeira vida do indivíduo que atacamos; seria preciso poder lhe arrancar a segunda [...]; pois é a extinção que ela quer e somos incapazes de dar a nossos assassinatos toda a extensão que ela deseja (III, 876).
Tal incapacidade exaspera Braschi, que julga a natureza inconsequente por ter inclinado os humanos a desejos que lhes são de impossível satisfação. Há na natureza, portanto, um imenso paradoxo, aparentemente inexplicável: ela incita nos homens os desejos mais violentos, porém limita a execução deles, ainda que tal execução lhe sirva tanto melhor quanto maior for a sua extensão. Daí a revolta crescente com essa inconsequência da natureza, culminando na necessidade de ultrajá-la:
Longe de agradecer essa natureza inconsequente pelo pouco de liberdade que ela nos dá para cumprir as inclinações inspiradas por sua voz, blasfememo-la [...]; ultrajemo-la, detestemo-la por nos ter deixado tão poucos crimes a fazer, dando tão violentos desejos de cometê-los a todo instante (III, 885).
A única maneira de explicar o paradoxo da natureza criadora parece ser dela retirar todo o poder, supondo-a uma força débil, cega, estúpida. O libertino deixa então de querer servi-la para desejar dela se vingar. Esse seria o ápice de sua revolta, quando percebe que jamais poderá dar toda a ferocidade que almeja a seus crimes, sentindo-se ludibriado pela trapaceira que incita a atrocidade, mas se recusa a fornecer meios para sua satisfação:
Ó você [...], força cega e imbecil da qual sou o resultado involuntário, você que me lançou sobre o globo com o desejo de que eu te ofendesse e que não pode, porém, fornecer-me os meios para tanto, inspire então minha alma inflamada a alguns crimes que te sirvam melhor do que aqueles que você deixa à minha disposição; eu quero muito cumprir as tuas leis, porque elas exigem crimes terríveis e destes tenho a mais ardente sede, mas mos forneça diferentes daqueles que tua debilidade me apresenta. Quando eu tiver exterminado da terra todas as criaturas que a cobrem, estarei bem longe do meu objetivo, pois terei te servido... madrasta... e aspiro tão somente a me vingar da tua estupidez, ou da maldade que você faz os homens experimentarem, jamais lhes fornecendo os meios para que se entreguem às atrozes inclinações que você lhes inspira (III, 885-6).
Essa impotência da natureza também se deve ao fato de que, no discurso do papa, as relações entre ela e o homem se atenuam a ponto de se extinguirem. Há, na sua dissertação, uma renúncia do modelo causal que faz com que o efeito perca sua relação com a causa (Israel-Jost, 2016). A natureza lança as criaturas à terra em um movimento maquinal, involuntário, impulsionada por leis específicas. As criaturas, igualmente, surgem a despeito de suas próprias vontades: "Um produziu a despeito de si; a partir desse momento, nenhuma relação real; outro foi produzido a despeito de si e, consequentemente, não há nenhuma relação" (III, 871). Depois do lançamento, as criaturas vivem sob leis específicas. A natureza não pode mais interferir, pois é regida por outras leis, que nada têm a ver com as humanas: "Uma vez lançado, o homem não está mais ligado à natureza; uma vez que a natureza o lançou, ela não pode mais nada com o homem; todas as suas leis são particulares" (III, 871). O desejo pelo crime não viria então de uma Natureza como Grande Todo, mas talvez da própria natureza humana, ou seja, das leis particulares que regem os homens. Pois uma Natureza com "N" maiúsculo seria indiferente aos seres particulares que cria. E, nesse sentido, a ânsia pelo crime do libertino nem mesmo serviria ao grande todo, sendo completamente estéril:
As relações do homem com a natureza, ou da natureza com o homem, são nulas; a natureza não pode acorrentar o homem por nenhuma lei, o homem não depende em nada da natureza, um não deve nada ao outro e não podem nem se ofender nem se servir (III, 871).
Assumir a independência do homem, que obedece a leis que lhe são próprias, "permite a Braschi apontar o lugar onde a natureza se revela impotente" (Israel-Jost, 20016, p. 7). Com isso, o papa mostra que a natureza, "uma vez que fez uma lei, dela se torna escrava" (Israel-Jost, 2016, p. 7). Toda a grandiosidade de uma potência criadora cai por terra, resta somente a cegueira e a estupidez.
4. A natureza inexistente
Antes mesmo de ouvir o discurso do papa, Juliette também enfrenta o problema de uma natureza débil e de um ser humano dela independente. Ela conclui, tal qual o pontífice, na renúncia de um modelo causal, mas vai além disso. Tudo se passa em Roma, um pouco antes do encontro com Braschi, quando ela espera pela entrevista no Vaticano, divertindo-se com sua amante Olympe. Ambas haviam planejado e executado um "espetáculo encantador" (III, 846), que admiravam de um terraço. Tratava-se do incêndio de 37 hospitais, culminando no assassinato de mais de vinte mil pessoas. Ao testemunhar tamanha atrocidade, Juliette se dá conta da arbitrariedade da natureza e repensa o significado de sua noção. Se a natureza é absolutamente indiferente às ações humanas, por mais atrozes que sejam, trata-se de uma força tão inacessível e ilusória quanto qualquer divindade:
Inexplicável e misteriosa natureza, se é verdade que esses delitos te ultrajam, por que então você me deleita com eles? Ah!, puta, você me engana talvez como o fui outrora pela infame quimera deífica à qual te diziam submetida; não dependemos mais de você do que dela: as causas são talvez inúteis aos efeitos e nós todos, por uma força cega tão estúpida quanto necessitada, somos só máquinas ineptas da vegetação, cujos mistérios, explicando todo o movimento que se faz aqui embaixo, demonstram igualmente a origem de todas as ações dos homens e dos animais (III, 846-48).
O termo vegetação é importante aqui, pois indica atividade: ele "tem um sentido ativo (a ação pela qual as plantas se desenvolvem) antes de designar um estado (o reino vegetal)" (Delon, nota 1, III, 848). A "Enciclopédia" deixa essa atividade bem clara, definindo o termo como um "fenômeno da natureza que consiste na formação, no crescimento e na perfeição das plantas" (Anônimo, 1751-1772, p. 953). A ideia fica ainda mais explícita quando o autor faz uma diferença entre "vegetação" e "vida". As plantas que vivem, mas ficam inativas em tempos de seca, como as aquáticas, não vegetam. Elas só começarão novamente a vegetar quando voltarem à atividade com o retorno das águas. A "não-vegetação" (itálico do autor) é, pois, uma sorte de inércia. Isso faz da vegetação um estado ativo. O verbete também fala de quatro idades dos vegetais: o nascimento ou germinação, o crescimento, a perfeição e a decrepitude. No dicionário de Trévoux (1771, p. 306), o sentido ativo também aparece: "Ação pela qual as árvores e as plantas se alimentam ou crescem, florescem e se multiplicam". O verbete chega até a comparar a circulação do suco da terra ou do alimento das plantas com a do sangue nos animais e se encerra referindo-se à "vegetação metálica" dos alquimistas, como a "árvore de Diana" (Trévoux, 1771, p. 308, itálico do autor). Pode-se entender então o termo "vegetação" em um sentido mais abrangente de vida ativa do ser, seja ele qual for. Minerais, vegetais e animais, em seus momentos de atividade, passam então por várias fases de desenvolvimento.
Juliette, ao revelar sua própria revolta, nega tanto a natureza na qual o vício tem uma função sincrônica, quanto aquela que incita sua função diacrônica, aproximando-se da natureza estúpida do papa. Mas a cortesã parece superar a argumentação de Pio VI, pois ela extirpa toda a materialidade da natureza, conferindo-lhe uma existência puramente ilusória ao compará-la com Deus. Assim como jamais dependeram dos deuses, os seres humanos em nada dependem de uma força paradoxal, inconsequente, inexplicável ou ainda misteriosa como a natureza. Eles se desenvolvem na terra como as plantas, por "um mecanismo secreto e que se ocultou de todas as pesquisas dos Físicos" (Trévoux, 1771, p. 307). Juliette prefere então admitir a própria ignorância acerca dos mistérios do universo a acreditar em uma força que ela mesma julga inapreensível. A força ativa dos três reinos, aquela que pode ser apreendida pelos sentidos, esta sim basta para explicar as transformações que verificamos na experiência. Não há, portanto, nenhum grande todo capaz de fornecer alguma ordem, lei ou princípio aos três reinos. Há apenas os próprios os animais, vegetais e minerais e a vegetação própria a cada um.
A visão da narradora nessa passagem faz cair por terra qualquer ímpeto libertino de transgressão fundamentada no ultraje da natureza. Mesmo que o celerado fosse capaz de mudar o curso dos planetas, como almejava o papa, tal ação perderia o sentido aqui, posto que é impossível afrontar uma força inexistente. O discurso de Braschi marcava o momento em que a energia do libertino se amplificava até quase superar a da natureza. O discurso de Juliette aponta o cume dessa progressão: a energia do celerado anula, por fim, a de sua madrasta. A noção da libertina, embora não pareça se encontrar no "Sistema" de d'Holbach, talvez não fosse original da obra de Sade. Pimenta (2018, p. 1) explica que o verbete "Natureza" da "Enciclopédia" havia sido encomendado por Diderot a Buffon. Este havia recusado a redação sob a justificativa de que "a palavra 'natureza' se refere a algo que não existe enquanto tal, mera ideia a que cada um pode atribuir uma miríade de significados" (Pimenta, 2018, p. 2).
5. Considerações finais
Esse desenvolvimento da noção de natureza no pensamento dos libertinos se deve a "uma relação conflituosa" (Delon, 1988, p. 221) destes com aquela. No início do raciocínio e na extremidade mais forte do embate, está a natureza, "ela mesma contraditória", pois simultaneamente "criadora e destruidora" (Delon, 1988, p. 221). Amoral, compensadora e logo incapaz de priorizar vício ou virtude, a natureza vê, contudo, sua energia consumida com o lançamento à terra de seres vivos reprodutores subsistentes. Como "a quantidade de matéria é limitada" e "desproporcional à sua energia criadora" (Delon, 1988, p. 221), é fundamental, a longo prazo, liberar partículas para reutilizá-las em novas criações. Ela deixa assim sua amoralidade e seu equilíbrio de lado, passando a desejar a destruição total das criaturas. Seu novo objetivo, claramente imoral, passa a ser "reencontrar sua disponibilidade primeira, sua inventividade original" (Delon, 1988, p. 221). É como se o desenvolvimento da existência humana ocorresse somente às custas da energia da natureza e, por isso, ela quisesse "romper toda continuidade da vida individual ou coletiva" (Delon, 1988, p. 223).
O libertino, por sua vez, na extremidade mais fraca da tensão, relaciona-se com a natureza em uma ambivalência entre "continuidade" e "descontinuidade" (Delon, 1988, p. 221). "Continuidade", porque ele lhe serve com os assassinatos e também com a recusa à procriação. A curto prazo, o serviço do libertino é parcial, já que o virtuoso lhe serve igualmente. Mas a longo prazo, o papel do devasso torna-se mais importante, pois só ele pode fornecer-lhe a matéria desorganizada da qual ela precisa para suas criações. A progressão da importância do papel do criminoso o leva, porém, a uma "descontinuidade" em relação à natureza. Isso porque passa a rivalizar com ela, desafiando e afrontando as leis que lhe impõe. São os limites dos quais o papa fala e que impedem a completa satisfação de seus desejos (cf. III, 885). Uma vez ciente de que seu trabalho de "servidor" será sempre insatisfatório e de que a própria natureza é débil e paradoxal, o libertino se revolta e anseia por ultrapassá-la, embora só consiga, na prática, injuriá-la. Recusando-se a dar existência a uma natureza misteriosa e inexplicável, o devasso prefere assumir a ilusão de toda noção a sustentar algo tão inapreensível quanto a divindade.
Embora os libertinos desenvolvam noções diferentes de natureza (mesmo ao longo de seus próprios discursos), podemos dizer que o raciocínio que embasa todas essas noções é um só e que se desenvolve por gradação4 . Em um primeiro tempo, portanto, a natureza é onipotente e amoral. Todas as inclinações às quais predispõe o homem justificam-se pelo equilíbrio. Vício e virtude se compensam. Criminoso e virtuoso são igualmente seus agentes, sem que um tenha prioridade sobre o outro. Em um segundo tempo, seu poder se reduz e a ideia de equilíbrio fica em segundo plano ou se perde por completo. A natureza passa a ser subordinada a leis específicas e deve recorrer ao libertino para recuperar sua energia criadora. Como sua necessidade de destruição contraria as leis humanas, o imoralismo impera: os virtuosos procriam e a ofendem, os criminosos destroem e lhe servem; os primeiros são punidos, os segundos recompensados. A completa destruição dos reinos mineral, vegetal e animal seria seu desejo mais profundo ‒o único modo de retomar integralmente seu poder de renovação. Ela incita então a crueldade nos homens, tornando-se "profundamente malvada" (Ruiz, 2013, p. 407). Se em um primeiro momento os discursos a descrevem como "indiferente às ações de homens", em um segundo momento, as falas a mostram como que "praticamente animada de uma vontade" (Ruiz, 2013, p. 407).
Em um terceiro momento, ainda, esse imperativo de destruição integral coloca a energia do devasso em conflito com a da natureza. Ela reclama o maior número de mortes possível e o incita a crueldades. Ele, entretanto, não admite freios e rebela-se contra aquela que controla sua energia. Percebe que nunca será grande enquanto estiver sob o jugo dessa injusta "senhora do crime a quem só podemos servir [...] cometendo outros crimes" (Deprun, 1967, p. 81). Não importa o que fizer, o libertino será sempre subjugado. Débil demais para realmente perturbá-la, resta-lhe a injúria, a blasfêmia, a ira, a depreciação. Nesse limite, é como se a natureza passasse de rainha do crime (ou cortesã de luxo) a prostituta de rua a quem o devasso atormenta a fim de assujeitá-la. A fórmula, ainda que bastante preconceituosa nos dias atuais, é empregada pela própria Juliette, para quem "a natureza é uma mulher que só conseguiremos dominar atormentando-a" (III, 651). Assim, ela acorda seus favores apenas às pessoas ferozes. Mas essa personificação da natureza acaba, em última instância, perdendo toda a sua realidade na ideia de que algo tão paradoxal e inexplicável talvez nem exista. Por fim, só há a vegetação dos três reinos e, se faz sentido usar o termo natureza, deveria ser simplesmente para designá-la.
Se a natureza é desenvolvida numa gradação decrescente é justamente porque o personagem libertino é explorado em uma progressão. A energia criminosa parece amplificar-se até quase superar a de sua madrasta. Se não é possível de fato ultrapassar a energia da natureza, pode-se ao menos anulá-la, qualificando-a de ilusória. Ruiz (2013, p. 409) pergunta se se pode dizer que a natureza é apresentada como personagem. Embora ele responda por uma negativa atenuada, elenca inúmeros casos de personificação da natureza na obra sadiana. É claro que, como reconhece Ruiz (2013, p. 409), trata-se de um recurso estilístico, utilizado por vários autores no século XVIII, como d'Holbach, que adverte o leitor ao fim de seu primeiro capítulo:
Quando, ao longo dessa obra, eu digo que a Natureza produz um efeito, eu não pretendo personificar essa Natureza, que é um ser abstrato, mas entendo que o efeito do qual falo é o resultado necessário das propriedades de certos seres que compõem o grande conjunto que vemos (Holbach, 2008, p. 14).
É como se Juliette pretendesse se liberar de todas as personificações e abstrações, voltando-se à pura e simples experiência dos sentidos. Mas, dada a importância da natureza na obra clandestina de Sade e todas as suas diversas noções, longamente desenvolvidas, é tentador pensá-la como uma protagonista com vida e morte. O próprio Ruiz (2013, p. 409) reconhece que a personificação contribui para "[...] criar um efeito geral de presença surda da natureza num segundo plano", concluindo que se trata de uma "quase personagem em diversas ocasiões" (p. 411). Assim como Juliette, ela sofre uma grande transformação ao longo das aventuras, mas diametralmente oposta. A libertina passa de órfã miserável à cortesã de luxo, amante de príncipes e ministros. A Natureza, porém, começa como mãe onipotente e imparcial, torna-se rainha do crime em busca de sua energia primeira, para logo se ver como madrasta estúpida, encerrando sua vida como uma simples quimera. Por certo, essa morte é temporária: se o raciocínio pode ser explicado por nós de modo linear, qualquer leitor perceberá que, nos romances, ele não se apresenta sequencialmente. Mas a extinção dessa personagem complexa, ainda que temporária, talvez sirva para melhor nos inclinar à vida de outra, igualmente importante: "Quando a própria verdade arranca os segredos da natureza, a qualquer ponto que os homens estremeçam, a Filosofia deve tudo dizer" (III, 1261, a maiúscula é nossa).
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1 Para as obras de Sade, utilizamos a edição de Michel Delon, publicada em três volumes (1990/95/98) pela Gallimard, na coleção da Biblioteca da Pléiade. As referências aos três volumes aparecerão somente com número de tomo e de página, seguindo a notação padrão dos estudos mais recentes. As referências às notas de Delon aparecem com o nome do comentador e o número da nota, seguidas de número de tomo e de página.
2 Para análises dessa dissertação, ver Castro (2015, p. 223-42; 2018, p. 230-2).
3 A teoria da geração espontânea, defendida com entusiasmo por Buffon (que tinha por base as experiências de Needham), foi retificada por Spallanzani. Sade, porém, parece desconhecer os trabalhos deste último. Ver Deprun (1987, p. 145-7) e Castro (2015, p. 230-1).
4 Ruiz (2013, p. 399, nota 6) afirma que "os discursos dos diversos personagens se completam, parecem se continuar ainda que os libertinos não se frequentem ou não se conheçam". Acreditamos que essa afirmação não pode ser válida para todos os casos, já que há inúmeras passagens em que as ideias dos libertinos se contradizem explicitamente. Mas, no que concerne ao tema da natureza, apesar de certas contradições aparentes, concordamos com essa continuidade.