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Revista de Etologia

 ISSN 1517-2805 ISSN 2175-3636

Rev. etol. v.7 n.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Turismo de observação de cetáceos como ferramenta no estudo do comportamento de baleias Jubarte (Megaptera novaeangliae)

 

Whale-watching as a tool to study humpback whales (Megaptera novaeangliae) behavior

 

 

Diana Gonçalves SimõesI; Regina Helena Ferraz MacedoI; Márcia H. EngelII

I Universidade de Brasília, Instituto de Biociências, Laboratório de Ecologia
II Instituto Baleia Jubarte - BA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O comportamento das baleias jubarte foi observado para detectar diferenças nas probabilidades de ocorrência de determinadas categorias comportamentais observadas a partir de cruzeiros de pesquisa e de turismo. Foram analisados dados de 256 grupos observados durante os cruzeiros de pesquisa e 122 grupos em cruzeiros de turismo, nas temporadas de 2001 a 2003, no litoral norte da Bahia. A análise de rede bayesiana forneceu maiores probabilidades de ocorrência para as categorias do tipo deslocamento, socialização e agressivo, enquanto a análise comparativa não forneceu diferenças expressivas entre as duas categorias de cruzeiro. De acordo com as probabilidades de ocorrência da conduta repouso para grupos com filhote e devido a uma possível interrupção do ato de amamentação causada pelas embarcações, sugere-se uma distância mais conservativa e um menor tempo de permanência com esses grupos.

Descritores: Métodos de observação, Cetáceos, Baleias jubarte, Megaptera novaeangliae.


ABSTRACT

Humpback whales behavior was observed to determine the existence of differences between observations occurring from research vessels vs. whale-watching vessels. A total of 256 groups were observed from research vessels and 122 groups from whale-watching vessels during the breeding seasons from 2001 through 2003 in the northern coast of the state of Bahia, Brazil. A Bayesian network analysis yielded greatest probabilities of occurrence of the behavioral conducts traveling, socialization and aggressive. Significant behavioral differences between cruise types were not obtained through comparative analysis. Given the probability of occurrence of resting conducts in calf pods and the possibility of the interruption of suckling caused by vessels, it is suggested that a more conservative distance and shorter visits be adopted by whale-watching groups.

Index terms: Observation methods, Cetacea, Humpback whales, Megaptera novaeangliae.


 

 

A indústria do ecoturismo de observação de cetáceos surgiu em resposta à redução de populações de baleias em todo o mundo. Em 1966 a divulgação desta atividade e da atividade de cientistas criou um cenário favorável para que as baleias jubarte (Megaptera novaeangliae) se tornassem uma das espécies protegidas, seguida pela proteção da baleia azul (Balaenoptera musculus) em 1967 (Ceballos-Lascurain, 1996).

O turismo de observação de cetáceos (TOC) movimenta mais de 1 bilhão de dólares e anualmente atrai mais de 9 milhões de turistas em 87 países e territórios. Essa atividade vem se expandindo no Brasil, com mais de 1.600 pessoas participando do TOC em Imbituba, Santa Catarina, em 1998, e mais de 10.000 pessoas, em 2000. Em muitos locais, o TOC promove valiosa e, algumas vezes, crucial renda para a comunidade, gerando novos empregos e negócios, e ajudando a promover a conservação marinha e a pesquisa científica com esses animais (Hoyt, 2001). Entretanto, o uso de cetáceos como atração turística pode também ser visto como uma forma de exploração danosa para as espécies (Orams, 2000).

A presença de baleias jubarte em áreas próximas à costa tem promovido o crescimento do TOC, estando entre as espécies focais mais comuns (Hoyt, 2001). No entanto, muitas das espécies de cetáceos exploradas por essa atividade são classificadas em alguma categoria de ameaça e o potencial para o distúrbio de seus padrões comportamentais têm atraído muita atenção e estudo (Baker & Herman, 1989; Corkeron, 1995; Glockner-Ferrari & Ferrari, 1990). Algumas pesquisas mostraram que o TOC pode causar alterações no comportamento dos cetáceos, incluindo aumento no intervalo de mergulho, aumento na velocidade de natação, mudança nas taxas ou no padrão de ocorrência dos comportamentos, alteração nos padrões de distribuição e variações na vocali-zação (Baker & Herman, 1989; Constantine, Brunton, & Dennis, 2004; Corkeron, 1995; Tyack, 1983).

Como resultado do rápido crescimento do TOC, muitos países vêm adotando normas de avistagem para o manejo dessa atividade, principalmente restringindo o número de embarcações e a distância entre estas e o grupo de animais. Por exemplo, o Queensland Department of Environment and Heritage (1997), que regulamenta as normas de avistagem no estado de Queens-land, Austrália, permite, para áreas de especial interesse, uma proximidade máxima de 300m entre a embarcação e o grupo de baleias. No entanto o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, órgão responsável pela regulamentação das normas de avistagem no Brasil, permite que qualquer embarcação se aproxime de qualquer espécie de baleia a uma distância de até 100m (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, 1996, 2002).

Baker e Herman (1989) conduziram um estudo experimental de aproximação com embarcação, onde o comportamento das baleias jubarte foi registrado. Esses autores relataram que o comportamento respiratório foi o indicativo mais sensível de resposta ao tráfego de embarcações, tendo sido registrado um aumento no tempo de mergulho dos animais, quando os barcos estavam presentes. Estudos também evidenciaram a existência de correlações entre taxas de respiração, mergulho, velocidade de natação, instabilidade social e comportamentos aéreos com a proximidade, a velocidade, as mudanças de direção e o número de embarcações (Bauer & Herman, 1986). Também existe evidência de que as jubartes freqüentemente alteram a direção e reduzem a proporção de tempo na superfície, realizando longos mergulhos, quando os barcos se aproximam, e diminuindo a velocidade de natação, após a saída destes (Green & Green, 1990).

Williams, Trites e Bain (2002) descreveram uma relação complexa entre o comportamento das baleias e a atividade das embarcações, mostrando que um único barco de turismo pode afetar os padrões de movimento das orcas (Orcinus orca). Ainda, os autores alertam para os riscos de uma distância inferior a 100m entre a embarcação e a baleia, sugerindo a adoção de uma distância mais conservadora, que confira maior benefício para os animais. Correlações canônicas, obtidas por Williams et al. (2002), entre o comportamento das baleias e a proximidade dos barcos, sugerem que o TOC resulta em altos níveis de distúrbio.

Outros trabalhos têm enfocado o impacto do ruído causado pelas embarcações. Um estudo conduzido em Maui, no Havaí, relata que é improvável que os níveis de sons produzidos pelos barcos tenham algum grave efeito no sistema auditivo das jubartes (Au & Green, 2000). No entanto, em outro estudo (Baker & Herman, 1989) é sugerido que o tipo de embarcação, o ruído gerado e o modo como o barco é operado são variáveis mais importantes na causa do distúrbio do que a proximidade das embarcações ao grupo de baleias.

De acordo com Corkeron (1995), na presença de embarcações, o mergulho foi o comportamento mais comumente observado em grupos com e sem filhote, e os comportamentos batida de nadadeira caudal e batida de pedúnculo caudal foram intimamente associados a grupos sem filhote. Tyack (1981) sugeriu que esses comportamentos poderiam ser evidências de interações agonísticas.

Outros comportamentos também podem, aparentemente, sofrer alteração. Por exemplo, a duração e o tempo gastos em repouso e socialização pelo golfinho-nariz-de garrafa (Tursiops truncatus) foram significativamente diminuídos devido à presença dos barcos (Lusseau, 2003). Como a conduta socialização é geralmente descrita como um potencial reprodutivo da população, menor tempo gasto em socialização pode acarretar em menor sucesso reprodutivo para esses indivíduos (Lusseau, 2004).

A baleia jubarte, Megaptera novaeangliae, é uma espécie cosmopolita (Dawbin, 1966), sendo comumente associada a ilhas e ambientes recifais (Whitehead & Moore, 1982). Realiza, sazonalmente, grandes migrações entre áreas de alimentação, junto aos pólos, e áreas de reprodução e cria, em águas tropicais e subtropicais (Chittleborough, 1965; Dawbin, 1966). Há registro da espécie na costa do Brasil desde o Rio Grande do Sul, ~31°S (Pinedo, 1985) até Fernando de Noronha, ~3°S (Lodi, 1994).

A baleia jubarte foi drasticamente explorada comercialmente em quase toda sua área de ocorrência, inclusive na costa brasileira. O número de jubartes capturadas no Nordeste brasileiro alcançou 352 baleias no ano de 1913 (Williamson, 1975) e o último registro que se tem notícia é de 13 baleias capturadas em 1967 (Paiva & Grangeiro, 1970). Recentes estimativas para a costa Nordeste (Zerbini et al., 2004) e Leste (Andriolo et al., 2003) do Brasil indicam uma possível recuperação da população de baleias jubarte e a reocupação de uma antiga área histórica de distribuição.

A organização social das baleias jubarte é extremamente instável, com grupos tipicamente pequenos (Baker & Herman, 1984; Mobley & Herman, 1985; Whitehead, 1983). O comportamento exibido em áreas de reprodução é comumente determinado pela categoria dos indivíduos presentes no grupo (Baker & Herman, 1984; Herman & Antinoja, 1977).

Grupos competitivos são caracterizados por substancial atividade na superfície e, algumas vezes, altos níveis de agressão entre os membros (Clapham, Palsboll, Mattila, & Vasquez, 1992). Esses grupos tipicamente contêm um animal nuclear (comumente uma fêmea), um escort (acompanhante principal, comumente o macho alfa) e um ou mais machos que desafiam a posição deste (Tyack & Whitehead, 1983). Nesses grupos o comportamento agressivo é freqüentemente observado durante as disputas dos machos pelo acesso a uma fêmea fértil (Baker & Herman, 1984; Tyack & Whitehead, 1983).

As baleias jubarte são conhecidas pela freqüência com que se engajam em comportamentos aéreos e de alta energia. Muitos desses displays são observados em áreas de alimentação e de reprodução e praticados por animais de ambos os sexos e de diferentes classes etárias. Sua função, no entanto, é geralmente desconhecida (Clapham, 2000).

Neste estudo, investiga-se a existência de diferentes padrões comportamentais em baleias jubarte observados a partir de duas categorias de cruzeiro. Dados de cruzeiros de pesquisa em contraste a cruzeiros de turismo, coletados no litoral norte da Bahia, foram usados para testar a hipótese de que a ocorrência das condutas comportamentais difere entre os dois tipos de cruzeiro. Isso porque as metodologias de aproximação (distância entre a embarcação e o grupo de baleias), as atividades realizadas durante a permanência com os grupos (biopsia de pele e gordura, em cruzeiros de pesquisa) e o tempo de permanência com os grupos de baleias jubarte diferiram de acordo com as duas plataformas de observação.

A investigação dos padrões comportamentais pode prover valioso conhecimento sobre a utilização da área pela espécie e sobre a resposta dos grupos à aproximação das embarcações, sendo igualmente útil no manejo de áreas potenciais ao turismo de observação de cetáceos. Além disso, pode fornecer subsídios para a avaliação das normas de avistagem no Brasil.

 

Método

Área de estudo

A área de estudo (Figura 1) compreende o litoral norte da Bahia, tendo como limite norte o distrito de Subauma (~12.6°S) e limite sul o porto de Salvador (~13°S). Apenas nos cruzeiros de pesquisa essa área pôde ser estendida, esporadicamente, até Ilhéus (~14.6°S). As amostragens foram realizadas, principalmente, de uma a sete milhas de distância da costa. Nessa área, os recifes de coral costeiros se distribuem em uma estreita faixa de aproximadamente 11 milhas e a temperatura da água na superfície do mar varia anualmente de 27° a 28°C durante o verão e de 25° a 26° durante o inverno (Castro & Miranda, 1998).

 

 

O litoral norte da Bahia foi definido pelo CONDER/CRA como área de proteção ambiental por meio do Decreto n° 1.046 de 17 de março de 1992.

Definições

As definições adotadas para grupo foram: um ou mais indivíduos que permanecem juntos durante o período de observação, mantendo uma distância inferior a 100m entre os indivíduos e geralmente movendo-se na mesma direção de forma coordenada (Mobley & Herman, 1985; Whitehead, 1983). Um filhote foi definido como um animal próximo a uma baleia adulta, estimado em menos que 50% do comprimento total do animal acompanhante (Chittleborough, 1965). Todos os indivíduos subadultos foram considerados adultos devido à imprecisão das estimativas de tamanho.

Baseado no número de baleias e atributos observados ou características comportamen-tais previamente descritas para a espécie (Baker & Herman, 1984; Clapham et al., 1992; Tyack & Whitehead, 1983), os grupos foram classificados, de acordo com a função social dos indivíduos, em oito composições: fêmea e filhote (fefi); fêmea, filhote e escort (fefiep); fêmea, filhote e dois escorts (fefiepes); fêmea, filhote e mais de dois escorts (fefimais); um adulto sozinho (sol); dois adultos (dupla); três adultos (trio); mais de três adultos (triomais).

Neste estudo denominou-se "grupo competitivo" todos os grupos contendo três ou mais adultos, com ou sem filhote.

Coleta de dados

Em cruzeiros de pesquisa a embarcação de observação foi principalmente um saveiro de madeira, com motor de centro, medindo aproximadamente 13m. Os cruzeiros tiveram duração de um dia, com amostragem média de observação de 461,5±109 minutos/dia. Três observadores, no mínimo, permaneciam simultaneamente em estado de observação, em posições diferentes e preestabelecidas. Permaneceu-se em torno de 30 minutos com cada grupo avistado, podendo estender esse período por mais 15 minutos.

Durante a coleta de dados comportamentais a distância entre a embarcação e o grupo de baleias manteve-se entre dez e 100m. Todas as distâncias foram estimadas subjetivamente. Foram realizadas também, quando possível, atividades de biópsia para coleta de pele e gordura dos indivíduos, muitas vezes, sendo necessário uma maior aproximação da embarcação ao grupo de baleias. No entanto os dados resultantes da atividade de biópsia não foram considerados neste estudo.

Em cruzeiros de turismo a embarcação de observação foi principalmente uma escuna de madeira, com motor de centro, medindo aproximadamente 14m. Os cruzeiros tiveram duração de um dia, com amostragem média de observação de 240,9±61,1 minutos/dia. Pelo menos um técnico do Projeto Baleia Jubarte permaneceu em estado de observação, durante todo o período de amostragem. Permaneceu-se, no máximo, 30 minutos com cada grupo avistado, mantendo-se uma distância mínima de 100m entre a embarcação de turismo e o grupo de baleias. Todas as distâncias foram estimadas subjetivamente. Em cruzeiros de turismo, foram coletados apenas dados comportamentais.

Para ambas as plataformas de coleta de dados as amostragens ocorreram durante os meses de julho a outubro, de 2001 a 2003, no litoral norte da Bahia, considerando as épocas de maior concentração de baleias jubarte na costa leste do Brasil (Engel, 1996; Martins et al., 2001; Morete, Freitas, Engel, Pace III, & Clapham, 2003a). A busca por jubartes foi feita a olho nu ou com o auxílio de um binóculo (7x50). O trabalho foi suspenso em condições desfavoráveis de tempo, visibilidade, chuva ou Beaufort superior a 5. A partir da localização visual e aproximação, a posição inicial e final do grupo e os atributos descritivos foram registrados.

Comportamentos

Neste estudo, considerou-se estado, os comportamentos de duração prolongada e evento, os de curta duração. Uma conduta foi definida como um estado ou um grupo de eventos comportamentais que representem uma determinada circunstância.

Os dados comportamentais foram coleta-dos de acordo com a metodologia de amostragem 0/1 (Altmann, 1974) e atribuídos a uma ou mais das seis condutas comportamentais descritas a seguir:

(i) Deslocamento: Indivíduos envolvidos em atividade de mergulho e/ou natação (Corkeron, 1995; Morete, Pace III, Martins, Freitas & Engel, 2003b). A exposição da nadadeira caudal durante o mergulho pôde ser comumente observada.

(ii) Repouso: Estado em que o indivíduo permanece imóvel na superfície da água (Corkeron, 1995; Morete et al., 2003b).

(iii) Exposição caudal: Um ou mais indivíduos do grupo foram observados em exposição de pedúnculo e/ou nadadeira caudal (Morete et al., 2003b).

(iv) Socialização: Pelo menos um indivíduo do grupo esteve envolvido em atividades de salto (exceto salto de nadadeira caudal) e exposição ou batida das nadadeiras peitorais (Whitehead, 1985).

(v) Ativo: Indivíduos envolvidos em atividades comportamentais aéreas como: saltos de nadadeira caudal (Clapham, 2000) e batidas de pedúnculo e/ou nadadeira caudal (Whitehead, 1985).

(vi) Agressivo: Indivíduos envolvidos em atividades agressivas ou comportamentos agonísticos como: investida de cabeça (Baker & Herman, 1984), emissão de ruído (Corkeron, 1995), exalação de bolhas e golpe de nadadeira caudal (Tyack & Whitehead, 1983).

Análise estatística

Para a investigação dos padrões comporta-mentais, em função das diferentes categorias de cruzeiro, optou-se pela análise bayesiana de probabilidades (Charniak, 1991), utilizando-se o programa NETICA, versão 1.12 (NETICA, 2004). Os grupos denominados trio e triomais foram agrupados na categoria "compet" e os grupos fefiepes e fefimais não foram inseridos na análise de rede bayesiana devido ao tamanho reduzido da amostra.

Para a avaliação das diferenças entre grupos competitivos com e sem filhote e diferenças de ocorrência das condutas comportamentais, de acordo com as diferentes categorias de cruzeiro, utilizou-se o programa SPSS, versão 11.5 (SPSS, 2003).

 

Resultados

Composição dos grupos

Foram analisados dados de 256 grupos de baleias jubarte, observados a partir de cruzeiros de pesquisa, em 78 dias de amostragem, totalizando 599,9 horas de esforço. Nos cruzeiros de turismo 122 grupos foram analisados, sendo observados em 65 dias de amostragem, totalizando 261 horas de esforço.

A Figura 2 resume os dados descritivos de freqüência dos grupos observados, de acordo com a composição desses grupos e a categoria de cruzeiro. Os grupos do tipo dupla e sol foram observados com maior freqüência, enquanto fefiepes e fefimais foram observados em menor freqüência, em ambas as categorias de cruzeiro. Ainda, obteve-se uma predominância estatisticamente significativa de grupos competitivos sem filhote (trio e triomais), quando comparado a grupos competitivos com filhote (fefiepes e fefimais), tanto em cruzeiros de pesquisa (teste qui-quadrado, X2 =50,45, p<0,001) quanto em cruzeiros de turismo (X2 =17,64, p<0,001) (Figura 2).

 

 

Comparação comportamental

Para a realização da análise bayesiana as composições de grupo foram inseridas em uma ou mais das seis condutas comportamentais. A Figura 3 resume o modelo de rede bayesiana utilizado para a obtenção das probabilidades comportamentais, em função das composições de grupo consideradas na análise.

 

 

Desconsiderando-se a função social dos indivíduos no grupo, foram obtidas maiores probabilidades de ocorrência para as condutas comportamentais do tipo deslocamento, socialização e agressivo, e menor probabilidade para a conduta exposição caudal, em ambas as categorias de cruzeiro (Figura 3).

Levando-se em consideração a função social dos indivíduos no grupo, obteve-se maiores probabilidades de ocorrência da conduta comportamental exposição caudal em indivíduos solitários, em ambas as categorias de cruzeiro. Em cruzeiros de pesquisa, foram obtidas maiores probabilidades de ocorrência da conduta repouso em grupos de fefi e fefiep e maiores probabilidades das condutas do tipo deslocamento, socialização, ativo e agressivo em grupos "compet" (trio e triomais).

No entanto, em cruzeiros de turismo, obteve-se maior probabilidade de ocorrência da conduta repouso em grupos de fefiep. Maiores probabilidades de ocorrência foram também obtidas para as condutas do tipo ativo e agressivo em grupos "compet" (trio e triomais) e para a conduta do tipo socialização em grupos de fefiep (Tabela 1).

 

 

A porcentagem de ocorrência do comportamento repouso é apresentada segundo os diferentes tipos de grupo e de acordo com as duas plataformas de observação (Tabela 2). A porcentagem de ocorrência do comportamento repouso variou entre 10% e 40%, sendo igual ou superior a 20% em grupos com filhote.

 

 

Comparando-se as duas categorias de cruzeiro, quanto às condutas comportamentais de maior ocorrência, não foram obtidas diferenças significativas para a conduta exposição caudal (Qui-quadrado de Pearson, X2=0,906, p>0,05) em indivíduos solitários. Tampouco foram significativas as diferenças para as condutas do tipo socialização (X2=0,449, p>0,05), ativo (X2=0,389, p>0,05) e agressivo (X2=0,539, p>0,05) em grupos "compet" e para a conduta repouso (X2=0,329, p>0,05) em grupos de fefiep. Apenas a ocorrência da conduta agressivo em grupos de fefiep diferiu quanto as duas categorias de cruzeiro, sendo esta mais comumente observada em cruzeiros de turismo que em cruzeiros de pesquisa (X2=6,667, p=0,01).

 

Discussão

Comparação entre duas plataformas de observação

Neste trabalho testou-se a hipótese de que as condutas comportamentais aqui investigadas diferem entre os dois tipos de cruzeiro. Isso porque as metodologias de aproximação, atividades e tempo de permanência com grupos de baleias jubarte diferiram em cruzeiros de pesquisa e de turismo. No entanto, comparando-se essas duas categorias de cruzeiro, não se obteve diferenças expressivas quanto às probabilidades de ocorrência das condutas comportamentais estudadas, levando à refutação da hipótese.

A análise da rede bayesiana forneceu probabilidades de ocorrência bastante similares para as condutas analisadas, em ambas as categorias de cruzeiro, quando a função social dos indivíduos no grupo foi desconsiderada.

Ao considerarmos a função social dos indivíduos, foram obtidas também probabilidades muito similares em ambas as categorias de cruzeiro, quanto à conduta exposição caudal em indivíduos solitários e quanto às condutas ativo e agressivo, em grupos "compet" (trio e triomais). Diferenças significativas entre as duas plataformas de observação foram obtidas apenas para a ocorrência da conduta agressivo em grupos de fefiep.

As distintas metodologias de aproximação e permanência com os grupos parecem não ter causado diferenças comportamentais significativas. No entanto, é preciso ter cautela quanto a este resultado, já que o mesmo baseia-se em probabilidades de ocorrência e não em freqüências comportamentais. Diferenças quanto às categorias de cruzeiro, a posteriore, poderão ser obtidas, avaliando-se minuciosamente mudanças nos estados comportamentais dos indivíduos e reações à atividade de biópsia, por exemplo. É provável também que comparações entre cruzeiros mais conservativos (maiores distâncias entre o grupo de baleias e a embarcação) e os cruzeiros aqui analisados forneçam diferenças significativas quanto às condutas comportamentais investigadas. Embora não se tenha obtido diferenças expressivas quanto às duas plataformas de observação, muitos dos efeitos da presença de barcos no comportamento das baleias envolvem mudanças, especialmente, nas razões de ocorrência do comportamento, ou no padrão de ocorrência de um conjunto de comportamentos (Corkeron, 1995).

Ocorrência da conduta repouso em grupos com filhote

A análise das probabilidades de ocorrência das condutas comportamentais apontou probabilidades de ocorrência superiores à média para a conduta repouso, para grupos com filhote, em ambas as categorias de cruzeiro. Ainda, a porcentagem de ocorrência do comportamento repouso variou entre 10% e 40%, sendo igual ou superior a 20% em grupos com filhote. A comum observação do repouso nesses grupos pode estar refletindo uma conseqüência do alto custo da reprodução para as fêmeas, que além de não se alimentarem, ou se alimentarem esporadicamente em áreas de reprodução (Chittleborough, 1965), produzem um leite de alto teor calórico (Lockyer, 1986). Como conseqüência, o repouso seria mais comumente observado nesses grupos.

Baseado em probabilidades de ocorrência da conduta repouso, obtidas para grupos com filhote, e devido a uma possível interrupção do ato de amamentação causada pela aproximação das embarcações e à imaturidade intrínseca do filhote, sugere-se uma distância mais conservativa e um tempo menor de permanência das embarcações de turismo com esses grupos, podendo assim conferir maior benefício para esses animais. Há indicadores, em outras áreas, de que fêmeas com filhote têm desertado regiões que eram previamente favorecidas, aparentemente em resposta ao tráfego de embarcações (Glockner-Ferrari & Ferrari, 1990).

Orams (2000) dirigiu um estudo sobre o contentamento dos turistas de TOC e concluiu que a presença das baleias e seu comportamento são influências importantes na satisfação desses turistas, no entanto a proximidade dos barcos às baleias não parece ser um critério de peso nessa satisfação. Conseqüentemente, os operadores de TOC não necessitam de grande aproximação às baleias para satisfazer seus passageiros. Williams et al. (2002) advertiram sobre uma distância inferior a 100m entre o grupo de baleias e a embarcação, mostrando que o TOC pode resultar em altos níveis de distúrbio.

Muito pouco se sabe sobre os efeitos do turismo, a curto e longo prazo, no comportamento de cetáceos. No entanto, a investigação dos padrões comportamentais pode ser bastante útil no fornecimento de subsídios para a avaliação das normas de avistagem no Brasil e no manejo de áreas potenciais ao turismo de observação desses animais.

O turismo de observação de cetáceos oferece um uso comercial não letal desses animais, podendo promover o aumento da responsabilidade ambiental do público em geral (Corkeron, 1995). A utilização dos cruzeiros de turismo pode ser também uma ferramenta alternativa no estudo do comportamento de cetáceos, sendo de grande valia para cientistas de todo o mundo. O surgimento de parcerias entre operadoras de turismo e instituições de pesquisa pode gerar, por um lado, importantes elucidações compor-tamentais e, por outro, a fiscalização, principalmente por parte dos cientistas, das normas de avistagem de cetáceos decretadas pelos órgãos responsáveis.

 

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Endereço para correspondência
Diana Gonçalves Simões
E-mail: baiana@unb.br; ibj.caravelas@baleiajubarte.com.br

Recebido em 01 de fevereiro de 2005
Aceito em 14 de setembro 2005

 

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