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Revista de Etologia

versão impressa ISSN 1517-2805versão On-line ISSN 2175-3636

Rev. etol. v.7 n.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Comportamento parental de machos da Ema Rhea americana (Linnaeus, 1758), em ambiente natural, no Rio Grande do Sul*

 

Parental behavior of male rheas Rhea americana (Linnaeus, 1758), in a natural enviroment, in Rio Grande do Sul, Brazil

 

 

Marcela Adriana de Souza Leite; Thaïs Leiroz Codenotti

Universidade de Passo Fundo, Instituto de Ciências Biológicas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Registrou-se, numa propriedade agropecuária de Coxilha, RS, o comportamento parental de 3 machos de ema Rhea americana com filhotes de 0 a 30 dias de idade e, num caso, com filhotes de 30 a 60 dias de idade. Houve diferenças entre os machos na freqüência e duração de categorias do comportamento parental e decréscimo do cuidado da primeira para a segunda faixa de idade. O cuidado parental parece estar relacionado ao sucesso reprodutivo dos machos."

Descritores: Comportamento dos pais (animal), Emas, Rhea americana.


ABSTRACT

The parental behavior of 3 male rheas Rhea americana with young aged 0 to 30 days (in one case, also with young from 30 to 60 days of life) was observed in a rural property of Coxilha, Rio Grande do Sul, Brazil. Males differed in the frequency and duration of parental behavior displayed and there was a decrease in this behavior towards older young. Parental behavior seems to influence the reproductive success of rhea males.

Index terms: Animal parental behavior, Greater Rhea, Rhea americana.


 

 

O modo de fertilização pode ser considerado, nos vertebrados, como relevante para a determinação do progenitor que fornecerá cuidado parental. A fertilização interna coincide com o cuidado parental por parte da mãe, já que, no intervalo entre a fertilização e o nascimento do filhote, o macho pode desertar. Já no caso da fecundação externa, se os ovos são liberados antes do esperma, há a oportunidade de a fêmea desertar (Ridley, 1978). A seleção natural favorecerá a deserção de um dos progenitores, quando este tenha alta probabilidade de acasalar-se de novo e quando a deserção não tenha um efeito grande na sobrevivência das crias (Lazarus, 1972; Trivers, 1972).

Nas aves, em que sempre acontece fertilização interna, o sucesso reprodutivo pode ser limitado pela taxa de fornecimento de alimento aos filhotes no ninho. Pelo menos entre as espécies onde a alimentação parental é importante, pode-se supor que, em princípio, os pais, juntos, serão capazes de alimentar o dobro de filhotes do que um deles sozinho, havendo maior sucesso reprodutivo de machos e fêmeas que cooperam no cuidado. Alguns autores acreditam que nas Ratitas e nos Tinamiformes o cuidado parental exclusivo dos machos é a forma primitiva existente (Elzanowsk, 1995; Handford & Mares, 1985; Van Rhijn, 1984). Já o cuidado biparental do avestruz, por exemplo, seria uma resposta à forte predação nas savanas africanas, que evoluiu para um sistema de postura comum. A atividade dos predadores pode levar ao prolongamento do investimento parental, no sentido de uma estratégia defensiva (Wilson, 1975).

Para Brown (1998), a definição de quem assumirá o comportamento parental depende do sistema de acasalamento da espécie. O cuidado parental exclusivo do macho da ema Rhea americana é determinado pelo sistema de acasalamento poligínico-poliândrico, que garante a aptidão genética tanto dos machos como das fêmeas. Quanto mais fêmeas adultas viáveis conseguir para o seu harém, mais genes o macho conseguirá passar na fertilização. O êxito da fêmea está diretamente relacionado ao número de machos com os quais forma harém durante os seis meses do período reprodutivo. O macho pode ter ainda, um ganho a longo prazo, preparando os filhotes machos para serem futuros cuidado-res, e, conseqüentemente serem escolhidos pelas fêmeas (Codenotti, 1995).

As crias de Rhea americana são nidífugas e em menos de um dia da eclosão podem andar e correr, sem receber do pai qualquer tipo de alimento. A função do macho destina-se a vigiar o ambiente, reunir os filhotes, ocultá-los e conduzi-los a locais com fartos recursos, alternando comportamentos à medida em que a idade da prole aumenta (Codenotti, 1995). O objetivo da presente pesquisa foi comparar o cuidado parental de três machos de R.. americana e este cuidado em duas classes de idade dos filhotes.

 

Métodos

A pesquisa foi realizada numa propriedade agropecuária de 1.023 ha, a granja "Passo do Assis" (52º 24' 052"W, 28º 07' 029"S), situada no município de Coxilha, no Rio Grande do Sul. Sua topografia é suave, com ondulações moderadas no terreno e predomínio do biótipo pasto cultivado para alimentar a pecuária, ocorrendo também os cultivos de soja e milho no verão, e de aveia, trigo e cevada no inverno. A granja possui matas, campos nativos e restingas preservadas, recursos hídricos abundantes e um sistema agropecuário que procura respeitar a flora e a fauna silvestres.

Foram observados três bandos de machos, com crias na idade de 0 a 30 dias de vida (M1, M2 e M3). O bando do macho M1 também foi observado com crias na idade de 30 a 60 dias de vida. Registrou-se, em janeiro e fevereiro de 2001, totalizando 12 dias inteiros e consecutivos para cada idade das crias, os comportamentos de cuidado do macho (incluindo: conduzir cria, proteger cria, ocultar cria, chamar cria, fugir oferecendo proteção, fugir sem dar proteção às crias, atacar estranhos) do clarear do dia ao anoitecer, sendo feitas observações até registrar-se o local de pouso do bando. Usou-se o método do animal focal, com dois registros contínuos de 15 min cada, a cada hora (125 de aplicação), avaliando-se freqüência e duração das categorias, e, nos intervalos, o método ad libitum para o registro de eventos relevantes totalizando-se 720 horas de esforço de campo.

 

Resultados

As categorias de cuidado executadas pelos machos foram desempenhadas em freqüência diferente, sendo a mais freqüente a de conduzir cria, e a menos freqüente a de atacar estranhos (Figura 1). O êxito reprodutivo diferiu entre os machos: M1, 71,4 % (número inicial = 7; número final = 5 filhotes); M2, 0% (número inicial = 2, número final = 0); M3, 83,3 % (número inicial = 12, número final = 10).

 

 

A freqüência média por dia das categorias parentais, para os três machos, está na Tabela 1. M3, o macho que também teve maior êxito reprodutivo, obteve as maiores médias de freqüência diária em três importantes categorias do cuidado parental: conduzir cria, proteger cria e fuga com proteção. M1 fugiu várias vezes sem oferecer proteção às crias, especialmente diante de situações pouco usuais na granja (aviões pulverizadores), e M2 abandonou as crias quando atacado por aves de rapina (gaviões e falcões) e quando ouvia latidos de cães, ou devido a outras interferências humanas. Não foi observada a categoria fuga sem proteção no caso de M3. M2 foi o macho que mais vezes apresentou a categoria atacar estranhos sempre direcionado à presença de cavalos e de bois no pasto. Já M1 atacou em menor escala, mas em 75% das vezes seu alvo foi a observadora. Os animais atacados por M3 foram: um lagarto e um cão.

 

 

Foram encontradas diferenças no cuidado parental dispensado nas duas idades, de 0-30 e de 30-60 dias de vida dos filhotes, tanto para a freqüência como para a duração dos comportamentos (Tabela 2, Friedman, p < 0.05). Quanto à freqüência, houve diferenças entre 0-30 e 30-60 dias nas categorias conduzir cria (Wilcoxon, p < 0,01) e chamar a cria (Wilcoxon, p < 0,01). Quanto à duração, houve diferenças nas categorias conduzir cria (Wilcoxon, p < 0,01), proteger cria (Wilcoxon, p < 0,01), ocultar cria (Wilcoxon, p < 0,01), fuga com proteção (Wilcoxon, p < 0,01) e chamar cria (Wilcoxon, p < 0,05). Em todos os casos, o cuidado parental era maior para a faixa de 0-30 dias de idade do que para a faixa de 30-60 dias de idade.

 

 

Verificou-se, na idade de 0 a 30 dias, uma correlação significativa entre entre a duração das categorias fuga com proteção e chamar cria (Spearman, p < 0,05), e entre a freqüência das categorias conduzir cria e proteger cria (Spearman, p < 0,0595), ocultar cria e chamar cria (Spearman, p < 0,05), fuga com proteção e chamar cria (Spearman, p < 0,05). Na idade de 30 a 60 dias, houve correlação somente entre atacar estranho e chamar cria (Spearman, p < 0,05).

 

Discussão

A presença dos machos contribuiu claramente para a alimentação dos filhotes. Os machos forrageavam em busca de cupins, cobras e insetos grandes como besouros, facilitando a ingestão dos filhotes; conduziam o grupo a lugares e biótopos que privilegiam a alimentação, como ocorreu em alguns pontos da granja onde se encontravam os butiazeiros (Butia capitata) em fase de frutificação que atraem grande número de insetos, muito apreciados pelas emas. A escolha dos machos pelo campo nativo como principal área de alimentação pode decorrer do fato de nela haver abundância de plantas, destacando-se as asteráceas em fase de floração, que atraem insetos e gado bovino que enriquece o ambiente com insetos atraídos pelas fezes dos animais.

Os machos conduziam a prole para beber água sempre no mesmo horário (das 10 h.30min até ás 12:00 h). Isto ocorria sempre antes do pico de freqüência da categoria esconder os filhotes que ocorria no meio do dia, momento de sol forte. O comportamento ocorria geralmente quando havia sol, os machos protegiam-se às vezes sob a sombra de arvoretas isoladas, no meio do campo, porém jamais em bosques e matas fechadas, nas quais estaria menor sua capacidade de vigilância.

O fato de os machos ocuparem-se diretamente dos filhotes quando parece que mais conviria entrar em novas parcerias reprodutivas, coloca a questão das vantagens provenientes do cuidado (Ades, 2003). Uma vantagem óbvia decorre da relação de parentesco, o cuidado oferecido aos filhotes, aumentará as chances de que se desenvolvam e de que se reproduzam. O maior êxito reprodutivo, no presente estudo, foi o de M3 que teve as médias mais altas em importantes categorias de cuidado parental (conduzir cria, proteger cria e fuga com proteção). Somente atacou inimigos potentes, não investindo energia com indivíduos freqüentes no hábitat, como bois e cavalos. M2, cuja prole não sobreviveu, teve menor desempenho paterno e foi o que menos tempo dedicou aos filhotes. Nem sempre suas escolhas comportamentais eram as mais apropriadas: por exemplo, sua escolha do biótopo usual, uma "várzea" delimitada por valas e bosques, de onde a fuga de predadores somente podia ser efetuada através de duas passagens isoladas e estreitas em pontos extremos. M2 fugiu sem dar proteção aos filhotes mesmo diante de predadores aéreos como o falcão (Poliborus plancus).

A porcentagem de sobrevivência dos filhotes foi menor na faixa de 30-60 dias, em que filhotes maiores foram mais predados. Nessa idade é que o cuidado parental diminuiu, muitas vezes por causa da maior independência dos filhotes. A categoria de conduzir cria diminuiu em tempo e freqüência com a idade, pois as crias afastavam-se gradativamente do pai indo atrás de alimento e o macho as seguia, chamando-as para oferecer proteção. O comportamento de ocultar cria aconteceu com freqüência relativamente igual nas duas faixas de idade, mas a duração na segunda faixa de idade diminuiu; os filhotes saiam de debaixo das asas do pai para alimentar-se perto dele.

Os dados da presente pesquisa sugerem que o sucesso reprodutivo de R. americana depende do desempenho de comportamentos de cuidado e da qualidade paterna do macho. Fornecem também uma informação a respeito do desenvolvimento dos filhotes e da sua repercussão na diminuição do comportamento paterno.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Thaïs Leiroz Codenotti
Instituto de Ciências Biológicas, Universidade de Passo Fundo
Caixa Postal 611, 99001-970, Passo Fundo, RS, Brasil
E-mail: marcela@consorciolambari.com.br; thais@upf.tche.br

Recebido em 17 de junho de 2005
Revisão recebida em 14 de setembro de 2005
Aceito em 3 de outubro de 2005

 

 

* Agradecemos a Alberi de Souza Leite e a Maria Osmilda de Souza Leite, pela ajuda na coleta e transcrição dos dados, a Márcia Jorge pela ajuda na elaboração das planilhas de dados e ao proprietário da granja Passo do Assis e ao engenheiro agrônomo César Pereira Félix por possibilitarem a realização da pesquisa.

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