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Revista de Etologia

versão impressa ISSN 1517-2805versão On-line ISSN 2175-3636

Rev. etol. v.7 n.2 São Paulo dez. 2005

 

ARTIGOS

 

Aprendizagem e eficiência da predação: uma abordagem didática

 

Learning and efficiency of predation: a teaching approach

 

 

Ivone Rezende Diniz; Helena Castanheira de Morais

Universidade de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O efeito da experiência do predador na eficiência de predação foi examinado utilizando estudantes e docentes do curso de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília. As presas foram larvas de Lepidoptera, folívoras externas, expostas ou em abrigos nas plantas do cerrado de Brasília. Foram usados três conjuntos de predadores: 1. Inexperientes &– calouros; 2. Experiência variada &– estudantes do 3º ao último semestre do curso; 3. Experientes - docentes e estudantes com experiência nos projetos com lagartas no campo. A primeira vistoria das plantas marcadas foi feita pelos predadores 1 ou 2 que coletaram todas as larvas encontradas. Logo em seguida as mesmas plantas foram examinadas pelos predadores experientes (grupo 3). Os testes foram feitos em 1998, 2000 e 2003 e, em todos eles, os predadores experientes foram mais eficientes na detecção de presas, encontrando sempre um número maior de larvas (27 a 85%) e de plantas com larvas (18 a 76%).

Descritores: Eficiência da predação, Ensino, Lagartas, Lepidoptera.


ABSTRACT

Experiments were designed to investigate the effect of the experience on the efficiency of predation by using as “predators” students and lecturers of University of Brasília, Brazil. The preys were the external folivorous lepidopteran larvae, exposed or inside shelters on plants in the cerrado vegetation. The predators were classified in three groups: 1. Naive &– students without experience; 2. Varied experience &– including students from the third to the last semester; 3. Experienced &– lecturers and students that have had worked with caterpillars in the field. Plants were marked and during the first examination by the predators (1 or 2) all larvae were removed. Soon after that the third predator group examined the same plants and all remaining larvae, on each plant were recorded. This procedure was repeated in 1998, 2000 e 2003, and results were similar. The experienced predators were more efficient in prey detection than the naive ones, encountering always more larvae (27 to 85%) and also more plants with larvae (18 to 76%).

Index terms: Efficiency of predation, Teaching, Lepidoptera.


 

 

Um fator importante na eficiência de predação está relacionado à aprendizagem, que envolve o uso de informações sobre, por exemplo, onde encontrar, como detectar um tipo específico de presas e como reconhecer aquelas impalatáveis. Existe uma literatura imensa sobre mecanismos de aprendizagem e memória, bem como inúmeros modelos sobre eficiência de predação e forrageamento ótimo (p. ex., Krebs & Davies, 1978; Papaj & Prokopy, 1989; Real, 1994).

Os animais utilizam uma grande variedade de sinais presentes em seu ambiente para realizar suas atividades, incluindo sinais visuais e químicos para a detecção de presas e hospedeiros (p. ex., De Moraes, Lewis, Pare, Alborn, & Tumlinson, 1998; Farmer, 1997; Heinrich, 1993; Kothbauer-Hellman & Winkler, 1997; Real, Ianazzi, Kamil, & Heinrich, 1984; Takagi, Hirose, & Yamasaki, 1980; Yeargan & Braman, 1989). Todo biólogo de campo também utiliza conjuntos de características e sinais para encontrar seus objetos de estudo e sua eficiência na localização de tais organismos aumenta com a experiência. O relato da maneira como foi feita a detecção da lagarta críptica, Siderone marthesia nemensis (Illiger) (Nymphalidae), por uma das autoras é apresentado em Morais, Diniz e Silva (1996). Atualmente, experimentos sobre os mecanismos de detecção e seleção de presas vêm sendo realizados também com imagens geradas por computador, utilizando humanos (Tucker & Allen, 1993) e outros animais como predadores, o que foi denominado de ecologia virtual por Bond e Kamil (2002).

As principais características da fauna de lagartas folívoras da região do cerrado de Brasília estão apresentadas em Price, Diniz, Morais e Marques (1995), Diniz e Morais (1997) e em Marquis, Morais e Diniz (2002). A região tem uma estação seca bem marcada (maio-setembro) e a maior abundância de lagartas folívoras ocorre entre maio e junho (Morais, Diniz, & Silva, 1999).

Com o objetivo de discutir as dificuldades enfrentadas pelos predadores para encontrar e reconhecer suas presas, e possibilitar aos estudantes de biologia vivenciarem essa experiência no campo, elaboramos um exercício de campo com lagartas de Lepidoptera (Insecta) como presas. As autoras vêm desenvolvendo um projeto de levantamento de lagartas nesta área desde 1991, contando com a colaboração de diferentes estudantes de graduação e de pós-graduação durante todo esse período. Essa aula prática tem sido realizada nas disciplinas de ecologia do Bacharelado em Ciências Biológicas da Universidade de Brasília, examinando o efeito da experiência do predador na eficiência de predação. Estudantes e professores com diferentes experiências de observação no campo foram considerados como predadores que deveriam localizar as presas, lagartas folívoras externas, em plantas de cerrado.

 

Método

As aulas práticas foram desenvolvidas na Fazenda Água Limpa (FAL), uma área de preservação da Universidade de Brasília, na região de Cerrado do Brasil Central (Eiten, 1984; Ratter, 1986). As coletas de dados no campo foram realizadas entre maio e junho, período de maior abundância de lagartas, pela manhã, em uma área de cerrado típico (15º 57’ S - 47º 55’ W), exceto em 2003 quando foi desenvolvida em abril.

Foram usados três conjuntos de “predadores” humanos: (1) inexperientes, estudantes calouros nos seus três primeiros meses de curso e que tiveram somente três ou quatro aulas práticas no campo; (2) com experiência variada, estudantes do 3º ao 8º período, com estágios em diferentes áreas de biologia e diferentes organismos, com ou sem experiência de trabalhos de campo, incluindo alguns que tinham tido esta prática no início do curso; (3) experientes, professores e estudantes que trabalham diretamente com levantamentos de lagartas em plantas de cerrado. Cada predador dos conjuntos 1 e 2 selecionou e marcou de cinco a dez plantas lenhosas, de um a dois metros de altura de qualquer espécie, com fita plástica numerada. Cada planta foi examinada à procura de lagartas (Vistoria I) e todas aque-las encontradas foram retiradas das plantas e, mantidas em sacos plásticos. Cada predador anotou o número de lagartas encontradas em cada uma das plantas marcadas, em planilha de dados. Logo após o exame das plantas pelo primeiro predador (Vistoria I), as mesmas plantas foram vistoriadas pelos predadores experientes do conjunto 3 (Vistoria II), com anotações, também, sobre o número de lagartas encontradas em cada planta marcada. O primeiro exame das plantas foi individual, sendo evitado o contato e a comunicação entre predadores. O exercício foi repetido em 2003, com um grupo de predadores com experiência variada (conjunto 2).

 

Resultados e Discussão

Os predadores experientes foram sempre mais eficientes na detecção de presas (Tabela 1). Em 1998, após o exame das plantas por predadores menos experientes (conjunto 1), os experientes (conjunto 3) ainda encontraram 70% (49/70) das plantas com lagartas e 71% (89/124) do total de lagartas. Em 2000 utilizando os predadores do conjunto 2, os resultados foram confirmados com a detecção de 18% das plantas com larvas e 27% do total de lagartas (Tabela 1). Em 2003 essas proporções foram ainda maiores, 76% e 85% respectivamente. Nesse último ano ocorreu uma menor abundancia de lagartas, 34 em 80 plantas examinadas (Tabela 1), e as larvas eram muito pequenas o que dificultou o encontro das mesmas pelos predadores inexperientes.

 

 

O número de lagartas por planta, encontrado na segunda vistoria, foi menor nas plantas examinadas por predadores com experiência variada (Tabela 2). Um predador experiente encontrou 12 lagartas em uma planta já examinada pelo inexperiente e mais de 20 lagartas em planta examinada anteriormente pelo predador com experiência variada. Nesse ultimo caso, as larvas encontradas eram de Pycnotena sp. (Zygaenidae), que são gregárias e especialistas em Davilla elliptica (Dilleniaceae). As larvas pequenas, de primeiros instares, estavam agrupadas sob uma folha e não foram vistas pelo primeiro predador. Por outro lado, larvas grandes e conspícuas como, por exemplo, de Megalopygidae e Saturniidae, com mais de 30 mm de comprimento, também, não foram encontradas por predadores inexperientes.

 

 

A categoria de presas utilizada no exercício é muito heterogênea. As lagartas folívoras podem estar livres no limbo foliar ou em diferentes tipos de abrigos construídos por diversos materiais como fezes, seda e as próprias folhas que podem estar enroladas, dobradas e ou unidas por seda (Diniz, Morais, & Hay, 2000; Gaston, Reavey, & Valladares, 1992); serem vistosas ou crípticas, solitárias ou gregárias e grandes ou pequenas. Assim, as pistas utilizadas na detecção das lagartas são muito variadas, e podem incluir tipos de danos nas folhas (p. ex., Heinrich, 1993; Real et al., 1984), presença de fezes e diferentes tipos de abrigos. Lagartas que se alimentam externamente têm maior proteção contra predadores inexperientes se permanecerem crípticas (Brown Júnior, 1988). Os padrões aposemáticos considerados ótimos devem proteger as lagartas contra os predadores, entretanto requerem aprendizagem por associação da coloração com a impalatabilidade. Assim, as lagartas aposemáticas devem ser mais capturadas pelos predadores inexperientes e, esse critério também pode ser incluído em um exercício como esse. Nessa nossa aula sobre ecologia de campo, mais próximo de história natural do que de ecologia virtual, não foi feito nenhum controle sobre a abundância dos diferentes tipos de larvas e não é possível discutir a “preferência” ou maior facilidade de detecção de qualquer tipo de lagarta pelos predadores menos experientes. No entanto, a aula sempre foi considerada bastante interessante pelos estudantes e de muito sucesso nas discussões teóricas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Helena Castanheira de Morais
Universidade de Brasília
E-mail: morais@unb.br

Recebido em 7 de agosto de 2004
Aceito em 3 de outubro de 2005

 

 

Agradecimentos aos nossos estudantes e aos técnicos de laboratório dos Departamentos de Ecologia e de Zoologia da UnB, que durante anos têm nos auxiliado nos trabalhos de campo e com sugestões. Este trabalho foi apresentado resumidamente nos Anais do II Simpósio de Ecologia Comportamental e de Interações. Apoio financeiro: Universidade de Brasília.

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