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Revista de Etologia

 ISSN 1517-2805

Rev. etol. vol.10 no.2 São Paulo dez. 2011

 

Artigo

 

Respostas comportamentais do camarão de água doce Macrobrachium amazonicum à estimulação por cloreto de amônia1

 

Behavioural responses of the freshwater prawn Macrobrachium amazonicum to chemical with ammonium chloride

 

 

Kauê Machado Costa; Amauri Gouveia Jr.

Universidade Federal do Pará


Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi analisar as respostas comportamentais do camarão de água doce Macrobrachium amazonicum, mediante estimulação química com cloreto de amônia a 100mM. Espécimes desse crustáceo foram posicionados em um aquário com quatro litros de água doce desclorificada, e um pulso de solução estimulante foi injetado no recipiente na extremidade oposta em relação à posição do animal. Os animais estudados não apresentaram resposta aos estímulos utilizados. Isso pode sugerir que o limiar de resposta comportamental é maior do que o limiar fisiológico dos neurônios receptivos primários, ou que o cloreto de amônia precisa ser associado com outros compostos ou determinadas variáveis físicas para poder gerar uma resposta ecológica na espécie estudada.

Palavras-chave: cloreto de amônia, comportamento alimentar, Macrobrachium amazonicum, quimiorrecepção


ABSTRACT

The objective of the present study was to analyze the behavioral responses of the freshwater prawn Macrobrachium amazonicum, elicited by stimulation with ammonium chloride at 100mM. Specimens were positioned in a four liter dechlorinated freshwater tank and a 0.5ml pulse of stimulant was applied in the opposing corner of the recipient. The studied animals demonstrated no response to the stimuli applied. This may suggest that the behavioral response threshold is higher than the physiological response threshold of the primary chemoreceptor neurons or that the ammonium chloride must be associated with other compounds or certain physical attributes in order to evoke an ethological reaction from the studied species.

Keywords: ammonium chloride, chemoreception, feeding behavior, Macrobrachium amazonicum.


 

 

Introdução

Nos ambientes aquáticos, principalmente os de águas escuras ou turvas, a quimiorrecepção é o principal mecanismo utilizado por diversos animais para a orientação espacial, localização de alimentos, identificação de parceiros sexuais e comunicação (Kozlowski et al., 2001; Derby & Sorensen, 2008). Esse sentido vem sendo amplamente investigado em crustáceos aquáticos, devido, em grande parte, pela relativa simplicidade de seu sistema nervoso e pela extraordinária sensibilidade de seus sistemas quimiorreceptivos, assim como pelas aplicações ecológicas, tecnológicas e econômicas que podem resultar de tais estudos (Mendoza et al., 1997; Grasso, 2001; Derby & Sorensen, 2008).

Os comportamentos associados à quimiorrecepção de crustáceos têm atraído grande atenção nos últimos anos. Os padrões de orientação espacial de crustáceos foram utilizados para criar sistemas de orientação em robôs subaquáticos (Grasso, 2001) e como base para modelos cognitivos de localização espacial (Kozlowski et al., 2001; Grasso & Basil, 2002; Horner et al., 2004). Foi demonstrado, também, que comportamentos de limpeza (Barbato & Daniel, 1997), agonísticos (Horner et al., 2008) e exploratórios (Goldman & Koehl, 2001) são eliciados por estímulos químicos em diversas espécies de crustáceos decápodes. Capacidades importantes para o estabelecimento de hierarquias e organização social, como o reconhecimento específico, também possuem uma importante contribuição dos sentidos quimiorreceptivos (Johnson & Atema, 2005).

Dentre a vasta gama de substâncias químicas percebidas por esses animais, uma que se destaca é o cloreto de amônia (NH4Cl). Esse composto inorgânico já foi utilizado na literatura como estimulante químico em estudos neurofisiológicos, e estudos indicam que crustáceos aquáticos podem ser capazes de detectar presas e outras fontes alimentares através da detecção da amônia liberada pelas mesmas (Derby & Harpaz, 1988; Derby et al., 1991a; 1991b; Johnson et al., 1984; 1988; Schmiedel-Jakob et al., 1989; Costa et al., 2008).

Apesar do grande número de estudos realizados nos últimos anos, apenas algumas espécies modelo foram estudadas, em especial as lagostas H. americanus e Panulirus argus e o lagostim Procambarus clarkii. Nesse trabalho, propomos como modelo para estudos comportamentais o Macrobrachium amazonicum (também conhecido como camarão canela), uma espécie nativa, abundante, resistente e de grande importância econômica e nutricional para a região amazônica (Pezzato et al., 2003).

 

Material e Métodos

Foram utilizados oito animais adultos, em período entre-mudas. Os animais foram adquiridos junto a pescadores locais e mantidos em um aquário de 150L com água doce desclorificada, alimentados periodicamente com ração e mantidos sob condições controladas.

Os experimentos foram realizados em um aquário (4 cm de comprimento, 10cm de largura e 15cm de altura) com 4L de água doce desclorificada. Cada animal foi primeiramente posicionado no meio do aquário e deixado para adaptação ao local por seis minutos. Após esse período, foi administrado um pulso de 0,5 ml de cloreto de amônia a 100mM em água destilada (Costa et al., 2008) no lado oposto ao que o espécime se encontrava. As atividades de resposta do animal foram gravadas através de uma câmera digital (Kodak MX1063) durante três minutos após a aplicação do estímulo.

Cada animal foi exposto a uma sessão experimental, sendo que após cada uma a água do aquário foi trocada e o mesmo limpo com etanol a 70%. Foram analisados comportamentos de repulsão e atração, principalmente o deslocamento do animal, e comportamentos alimentares e exploratórios, como a movimentação das antenas, quelas e pereiópodos. Em alguns ensaios, após a execução do protocolo padrão, pulsos de solução estimulante foram aplicados diretamente sobre as antenas do animal.

 

Resultados e Discussão

Imediatamente após o posicionamento no aquário, todos os animais apresentaram um comportamento tipicamente exploratório por até dois minutos, ocorrendo o deslocamento de uma ponta a outra do aquário, a movimentação rápida e intermitente das antenas I e II (flicking), e a movimentação rápida dos pereiópodos. Após esse período exploratório inicial, os animais permanecem imóveis em um ponto do aquário, exibindo pouca ou nenhuma ação motora, exceto o movimento das brânquias durante o restante do experimento. Em um indivíduo, observou-se um lento deslocamento para outro ponto do aquário, onde o padrão de inatividade fora retomado, e o posterior retorno ao ponto inicial. No entanto, esse comportamento ocorreu de forma não motivada, no final da seção experimental, e aparentemente não foi correlacionado com os estímulos químicos.

Não foi observada nenhuma reação comportamental aos estímulos administrados, sendo que os animais permaneceram em estado de inatividade mesmo quando os pulsos de cloreto de amônia eram administrados diretamente sobre as antenas. Esse resultado não era esperado, tendo em vista que experimentos eletrofisiológicos realizados no nervo das antenas dessa espécie registraram padrões claros de respostas excitatórias mediante estimulação com cloreto de amônia em concentrações de 1, 10 e 100mM (Costa et al., 2008). Esses resultados indicam que essa concentração de substância estimulante, apesar de provocar respostas fisiológicas, não é suficiente para gerar respostas comportamentais no M. amazonicum, o que pode significar uma disparidade entre o limiar de resposta fisiológico das células quimiorreceptoras primárias e o limiar de resposta comportamental (Costa et al., 2009).

Pode ser também que, para poder extrair o componente espacial do estímulo e localizar a origem do odor, o animal necessita de um fluxo de corrente de água, de forma semelhante ao que se encontra em condições naturais, onde o indivíduo está sempre exposto a um meio com variações hidrodinâmicas. Estudos prévios já utilizaram métodos de simulação de correntes naturais para a aplicação de estímulos químicos em outras espécies de crustáceos e, portanto, podem servir como base para estudos posteriores da mesma natureza com o M. amazonicum (Kozlowski et al., 2001; Grasso & Basil, 2002; Horner et al., 2004).

Outras hipóteses incluem a de que a amônia, apesar de não suscitar respostas isoladamente nessa espécie, pode ser um componente importante na formação de odores complexos, assim precisando estar associado a outros odorantes, como aminoácidos ou proteínas, para gerar uma contrapartida comportamental nesse camarão.

Em experimentos futuros, deve-se utilizar concentrações maiores de cloreto de amônia, outros tipos de substâncias estimulantes ou diferentes mecanismos para a aplicação dos estímulos, a fim de se analisar o comportamento associado à quimiorrecepção no M. amazonicum.

 

Agradecimentos

Agradecemos a Dayvison de Jesus Gomes e Silvio Boulhosa pela colaboração na aquisição dos espécimes. Agradecemos também ao Prof. Dr. Manoel da Silva Filho por ter gentilmente cedidos dados experimentais para a discussão. Apoio financeiro: Universidade Federal do Pará. Amauri Gouveia Jr. é bolsista de produtividade do CNPq.

 

Referências

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Recebido em: 01/11/2009
Aceito em: 01/11/2012

 

 

Endereço para correspondência
Amaury Gouveia Jr.
Laboratório de Neurociências e Comportamento
Instituto de Ciências Biológicas
Universidade Federal do Pará
Campus Básico Avenida Augusto Corrêa 1, CEP 66065-110, Belém – PA, Brasil.
Email: agjunior@ufpa.br


 

I Origem do trabalho: Estágio de graduação. Trabalho apresentado no 6º Congresso Norte-Nordeste de Psicologia. Apoio financeiro: Universidade Federal do Pará.