Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.1 São Paulo abr. 2001
ARTIGOS
Quem tem medo de punição?
Who is afraid of punishment?
João Cláudio Todorov
Universidade Católica de Goiás. Universidade de Brasília
RESUMO
As diversas definições de punição da literatura nem sempre esgotam o assunto mesmo quando a comparam com estímulos discriminativos, extinção, saciação e restrição física. O trabalho experimental sobre punição foi relegado, embora, em diversos locais, ela seja utilizada para supressão imediata do comportamento e pelo reforçameiito de quem a administra. A pergunta instigante é porque não estudá-la.
Palavras-chave: Punição, procedimentos de punição, definição.
ABSTRACT
In literature we find several definitions for punishment which do not comprise die subject thoroughly, even when it is compared to discriminative stimuli, extintion, saciation and physical restriction. The experimental work on punishment was discarded even though it has been used consistently for an immediate supression of behavior or reinforcement for the person who has it ministrated. The relevant question must be about why not study it.
Key words: Punishment, definition, procedures of punishment.
Azrin e Holz (1966) definem punição como "uma conseqüência do comportamento que reduz a probabilidade futura daquele comportamento". De maneira mais completa, dizem que punição é uma redução na probabilidade futura de uma resposta específica como resultado da apresentação imediata de um estímulo para aquela resposta.
Essas definições merecem ser comentadas, contudo. Nem todas as conseqüências de um comportamento que reduzem a probabilidade futura desse comportamento são punição (segundo as definições acima). Em um trabalho anterior (Holz, Azrin e Ayllon, 1963) os autores compararam punição com quatro outros procedimentos que reduzem a freqüência de uma resposta: mudança de estímulos discriminativos, extinção, saciação e restrição física.
A mudança de estímulos discriminativos tem efeito imediato na diminuição da freqüência de respostas, mas não tem efeitos duradouros, não produz supressão completa da resposta e tem efeito reversível. A extinção tem efeito duradouro, mas não tem efeito imediato, não leva à completa supressão da resposta e tem efeito reversível. A saciação tem efeito imediato, duradouro, mas não tem supressão completa nem efeito irreversível. A restrição física (impossibilidade física de emissão da resposta) tem efeito imediato, duradouro, leva à completa supressão da resposta, mas não tem efeito irreversível. A punição, quando aplicada nos termos que mencionaremos a seguir, tem vantagens sobre os outros quatro procedimentos: tem efeito imediato, duradouro, completa supressão da resposta e tem efeito irreversível.
O trabalho de Azrin e Hoiz (1966) centra- se exclusivamente no processo de punição como definido por eles. Tanto para efeitos práticos quanto teóricos, convém ver ainda outros procedimentos que podem levar à diminuição da probabilidade futura da resposta, e suas vantagens ou desvantagens sobre o procedimento que reduz o processo de punição ao caso em que a diminuição da probabilidade da resposta deve-se à apresentação de um estímulo para aquela resposta.
Na prática, os quatro procedimentos listados por Azrin e Holz (1966) poderiam também se enquadrai" na definição de punição. Se a resposta produz a mudança nos estímulos discriminativos presentes, e essa mudança leva à diminuição imediata na probabilidade da resposta, temos um exemplo da definição de Azrin e Holz.
No esquema de reforço de taxas baixas de respostas, DRL (diferential reinforcement of low rates of responding), respostas emitidas antes de um determinado tempo fixado pelo experimentador entram em processo de extinção. A diminuição na probabilidade futura da resposta será tão maior quanto maior o tempo especificado para o intervalo entre duas respostas.
O procedimento de extinção também está presente no esquema de reforço de outros comportamentos, DRO (differential reinforcement of otlier behavior). A resposta alvo nunca é reforçada, mas qualquer outro comportamento o será. A probabilidade futura da resposta alvo também diminui rapidamente.
Quanto à saciação, a resposta pode produzir uma quantidade tal de estímulo reforçador que bastará uma apresentação do estímulo contingente à resposta para diminuir de imediato a freqüência dessa resposta. Isso é punição? O mesmo quanto à restrição física. A resposta pode ter como conseqüência alterações no ambiente físico que impedem a emissão de novas respostas. A probabilidade futura da resposta desaparece. Outra vez, isso é punição?
Há ainda outro procedimento que vale a pena mencionai": timeout (suspensão discriminada da contingência de reforço - Todorov, 1971) A resposta produz a apresentação de um estímulo associado a um período de extinção dessa resposta. A freqüência dessa resposta cai mesmo que a resposta continue sendo reforçada na ausência do estímulo associado ao timeout.
Enfim, as alternativas à punição enquanto estritamente definida por Azrin e Holz (1966) são várias. Ao examinarmos os subprodutos da punição, veremos que a busca de novos procedimentos que não produzam tais subprodutos faz sentido. Ao afirmarem que a punição pode levar à completa supressão do comportamento, Azrin e Holz (1966) listam 14 circunstâncias necessárias para que o processo funcione:
1. Não pode haver fuga possível do estímulo punitivo.
2. O estímulo deve ser tão intenso quanto possível, e (3) tão freqüente quanto possível.
4. A punição tem que ser imediata.
5. A intensidade não pode ser aumentada gradualmente - desde a primeira aplicação, o estímulo tem que ser tão intenso quanto possível.
6. Se a intensidade for baixa, os períodos de punição devem ser curtos.
7. A punição não deve ser associada à apresentação de um estímulo reforçador positivo, para não adquirir propriedades de estímulo discriminativo
8. A punição deve sinalizar um período de extinção para a resposta.
9. O grau de motivação para a resposta deve ser diminuído.
10. A freqüência de reforço positivo para a resposta deve ser diminuída.
11. Uma resposta alternativa à que é punida deve estar disponível.
12. Se não há resposta alternativa na situação, o sujeito deve ser levado a outra situação com acesso ao estimulo reforçador.
13. Se um estímulo aversivo primário não pode ser aplicado após a resposta, pode-se usar um estímulo aversivo condicionado.
14. Em último caso, punição pode ocorrer pela apresentação de timeout ou pelo aumento no custo da resposta.
Catania (1992) amplia a definição de Azrin e Holz (1966) da seguinte forma: na punição, a conseqüência do responder torna o responder menos provável. Note-se que na definição de Catania não há menção à apresentação imediata de qualquer estímulo. Todos os exemplos que demos acima cabem na definição de Catania.
Millenson (1967) ainda adotava a definição de Keller e Schoenfeld (1950): "Quando um estímulo reforçador negativo (aversivo) é apresentado após uma resposta falamos de punição do operante. Mas punição, para Millenson, ocupa apenascinco páginas em um livro texto de 488. Morse e Kelleher (1977) e Hutchinson (1977), da mesma forma, não dão tratamento devido ao tema.
Blackman eLejeune (1990) simplesmente omitem o assunto em seu livro "Análise do comportamento na teoria e na prática", assim como Staats e Staats (1966) em "Comportamento humano complexo'". Da mesma forma, "Condicionamento clássico e condicionamento operante'" de Henton e Iversen (1978) não tratam do assunto. Mesmo Skinner (1938) trata o processo de punição de maneira superficial: algumas páginas para dizer que punição não funciona. Thorndike (1911), apresentava sua Lei do Efeito (a versão forte) com punição como contrapartida do reforço positivo. Depois de verificar que punir seus sujeitos com a palavra "errado" não produzia efeito, Thorndike ficou apenas com a versão "fraca" da Lei do Efeito, aquela que diz que o reforço reforça. Obras importantes como Krech e Crutchfield (1959), Marx (1963) e Tolman (1951) não dão importância ao tema.
Em resumo, o tema punição (e trabalhos experimentais sobre ele) sempre foi relegado em relação a outros temas, exceto por duas iniciativas que datam dos anos cinqüenta: os trabalhos experimentais de Azrin e colaboradores, nos porões de um hospital psiquiátrico, o Anna State Hospital, em Anna, Illinois, trabalhos já mencionados acima, e a discussão teórica do tema por Skinner (1950) em "Ciência e Comportamento Humano". A partir dos anos 70 o tema volta a ser relegado (com exceção de Stretch, 1972). Hoje em dia, qualquer experimento com uso de estimulação aversiva, com humanos ou outros animais, é vigiado de perto pelos comitês de ética na pesquisa. Como assunto delicado, tende a ser evitado. Em 1984, dois colegas e eu tivemos um problema para publicar um artigo no "Journal of the Experimental Analysis of Behavior". Trabalhamos com intensidade de choque elétrico sobre o comportamento de esquiva sinalizado. O editor sugeriu que incluíssemos um parágrafo final explican do que, depois de nosso experimento, e pelos resultados obtidos, não se deveria mais usar altas intensidades de choque (Souza, Moraes e Todorov, 1984).
Skinner (1953) dedica todo um capítulo ao tema. Não apresenta dados novos, nem faz uma revisão da literatura sobre dados experimentais. É mais um manifesto contra o uso de punição. Reconhece que punição é a mais comum das formas de controle do comportamento humano na vida moderna. Depois de começar o capítulo afirmando que punição é uma técnica questionável, Skinner pergunta: será que a punição funciona? Uma pergunta meramente retórica, pois vai a seguir tentar explicar porque não funciona. Recorre até a Freud com seu conceito de desejos reprimidos. Seusexemplos envolvendo sempre o comportamento humano são interessantes; na verdade explica porque a punição funciona, e porque é usada na vida cotidiana. Seu trabalho mais importante é a exposição dos motivos pelos quais a punição não deveria ser usada: tem subprodutos indesejáveis. A punição gera conflitos, discutidos em ainda outro capítulo, "A análise de casos complexos". A punição gera respostas emocionais, de consequências sérias, abordadas no capítulo "Psicoterapia".
A análise de Skinner é interessante e importante. Mostra como seria saudável uma vida sem estimulação aversiva. Por outro lado, deixa claro porque a técnica é tão usada: o comportamento de quem administra a punição é reforçado pela supressão imediata (ainda que não funcione a longo prazo) da resposta punida. Dos anos 50 para cá, mesmo com o interesse científico pelo processo diminuído, a punição como técnica de controle do comportamento parece ter aumentado. Nas Febens e nas prisões (ou serão a mesma coisa?), nas escolas, o que se lê na imprensa mostra que ainda é a técnica preferida para o controle do comportamento.
Então, por que deixamos de fazer a análise experimental do processo de punição?
Referências
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