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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.3 no.1 São Paulo abr. 2001
ARTIGOS
Encaminhamento genético e seis estressores segundo pais de crianças com suspeita de Fibrose Cística1
The genetic assignment and its stressors according to the parents of the children with evidence of Cystic Fibrosis
Rosa Maria Cecílio de Souza Lima; Sônia Regina Fiorini Enumo2
Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Espirito Santo
RESUMO
A relação entre stress e doença crônica tem sido estudada geralmente a partir do diagnóstico médico. Contudo, pode ocorrer antes da identificação da doença, especialmente no encaminhamento para exames genéticos. Pretendeu-se identificar, por entrevista gravada, as dificuldades geradas por esse tipo de encaminhamento em 40 pais de crianças com suspeita de fibrose cística. Destacam-se alguns dos inúmeros estressores gerados pela possibilidade de um diagnóstico positivo. Os pais (56%) já haviam passado por vários profissionais, sendo encaminhados pela rede pública de saúde (55%) na busca de um diagnóstico; o que os tornou mais suscetíveis ao desenvolvimento de respostas de stress. A maioria (62,5%) relatou que não obteve do profissional qualquer informação sobre o procedimento adotado, fato que gerou ansiedade e preocupações no meio familiar (35%). Conclui-se, entre outros aspectos, que a equipe profissional necessita identificar e considerar esses estressores no acompanhamento que oferece às famílias, como suporte social.
Palavras-chave: Fibrose cística, exame genético, stress, impacto psicológico, pais.
ABSTRACT
The relationship between stress and chronic disease has usually been studied starting from the medical diagnosis. However, it can happen before the identification of the disease, especially in genetic testing. This paper intended to identify, by recorded interview, the difficulties generated by medical orientation for genetic testing in 40 parents of children with suspicion of cystic fibrose. There are some stressors generated by the possibility of a positive diagnosis. The parents (56%) had already seen several professionals, being directed by the public health services (55%) in search of a diagnosis; a factor that made them more susceptible of developing stress answers. Most of them (62,5%) told that they didn't obtain any information about the procedure adopted, which, in his turn, generated anxiety and distress in the family (35%). It is suggested, among other aspects, that the professionals need to identify and to consider those stressors in die assistence offered to the families, like the social support.
Key words: Cystic fibrosis, genetic testing, stress, psychological impact, parents.
A relação entre stress e doença crônica tem sido geralmente estudada a partir do diagnóstico médico. Essa relação, contudo, pode existir antes mesmo da identificação da doença, especialmente nas situações de encaminhamento para exames genéticos por suspeita de doenças hereditárias (anemia falciforme, doença de Tay-Sachs e fibrose cística, por exemplo). Nessas doenças recessivas, os exames genéticos identificam o status do portador, sendo utilizados na tomada de decisão reprodutiva, principalmente.
A análise dessa relação do stress com o encaminhamento genético por suspeita de fibrose cística do pâncreas é justamente o tema da pesquisa aqui relatada.
Convém lembrar, inicialmente, que suspeitar a existência de fibrose cística do pâncreas (FC) em uma criança significa antever um futuro nada promissor, o qual pode incluir diversas patologias ligadas ao sistema respiratório, como bronquites freqüentes, broncopneumonias, abscessos, enfizemas e fibrose. Além disso, podem ocorrer diversas manifestações clínicas como o comprometimento pancreático, hepatobiliar, das glândulas exócrinas- sudoríparas e salivares, manifestações gastrointestinais e alteração da função reprodutora. Neste caso, para as mulheres, implica numa diminuição da fertilidade de 20 a 30% do normal, na esterilidade dos homens em 98% dos casos, além da gravidez ser um fator de risco para a mãe e o feto, segundo Thompson & Gustafson (1996).
Todas essas alterações decorrem do fato da FC ser uma doença hereditária, relacionada a uma anomalia genética no cromossomo 7, que ocorre numa freqüência de 1 a cada 2.000 recém-nascidos, afetando mais freqüentemente pessoas da raça branca (Thompson & Gustafson, 1996). O diagnóstico daFCP é feito pela identificação de uma elevada taxa de cloreto no suor.
O tratamento médico inclui uma suplementação enzimática, pela ingestão de pancrease, para compensação da insuficiência pancreática. A partir da confirmação do diagnóstico, e independentemente do grau de comprometimento pulmonar, deve ser instituído um programa de cuidados diários no domicílio, com retornos mensais ou bimensais ao centro de FC. Este programa engloba uma atividade física espontânea, com exercícios próprios da idade, com treinamento regular, em alguma modalidade de esporte, como natação, corrida, ballet e outras, a critério da criança. Durante os exercícios físicos, é importante a ingestão abundante de líquidos e fisioterapia respiratória, com drenagens posturais, estimulação da tosse espontânea e inaloterapia. Sobre a alimentação, é importante que a dieta seja balanceada para suprir as necessidades de crescimento e desenvolvimento adequados da criança e adaptada conforme os hábitos familiares, preferências e intolerâncias pessoais.
Mesmo com tratamento adequado, em países desenvolvidos, há uma expectativa de vida de 40 anos de idade e de 25 anos para países como o Brasil, caracterizando-se como uma doença crônica ao longo desse período (Thompson & Gustafson, 1996). A existência de um filho com FC altera a vida familiar: há grande tensão no casal e frustração de papéis maritais, altos níveis de conflito em relação aos cuidados com a criança, a realização de mais tarefas diárias e poucas interações positivas com o parceiro no cotidiano (Quittner, Espelage, Opipari, Cárter, Eid & Eigen, 1998).
Para uma melhor abordagem do problema, convém destacar que a epidemiologia de uma doença crônica infantil é diferente daquela da doença crônica dos adultos. Estes enfrentam um número relativamente pequeno de doenças crônicas comuns, enquanto as crianças têm um número relativamente grande de condições raras (Thompson & Gustafson, 1996).
Uma das conseqüências dessa diferença é que a sociedade e os fornecedores de serviços de saúde estão mais familiarizados e mais acostumados às condições crônicas de adultos, como o diabetes, a artrite óssea e a hipertensão. A raridade da condição crônica infantil resulta em uma relativa falta de intimidade na comunidade e em falta de experiência para lidar com essas condições (Thompson & Gustafson, 1996). Na família, por exemplo, a presença da condição crônica muda sua estrutura social imediata. Os papéis podem ser alterados, criando uma crise de identidade; é provável que um dos cônjuges tenha que assumir novos papéis e até mesmo deixar o trabalho para permanecer em casa cuidando da criança doente (Tetelbom, Falceto, Gazal, Shansis & Wolf, 1993). As famílias com doenças crônicas estão sempre buscando o motivo e o culpado por essa situação, por isso parece necessário conhecer o "significado" que a doença tem para os pais, o que envolve tanto pensamentos e sentimentos quanto aspectos práticos em relação à doença. Os pais podem ter crenças distorcidas e mitos sobre a doença, baseados somente em sua ansiedade, subsidiando elaborações tais como: "foi castigo divino", "eu mereci isso", entre outros.
Lidar com uma doença crônica é um trabalho cansativo e desgastante, particularmente para as famílias que estão envolvidas no processo. Essa situação, por si só estressante, é também geradora de novos estressores, tanto que Trentini & Silva (1992, p.78) enfatizam que "(...) a condição crônica de saúde é uma intercorrência estressora, cujo impacto surge a qualquer tempo e vem para permanecer, alterando o processo cie ser saudável de indivíduos ou de grupos". E não são poucas as pessoas que vivem nessa condição: havia uma população estimada pela National Alliance for Caregiving and the American Association for Retired Persons de 22,4 milhões de indivíduos, nos Estados Unidos, em 1997. Os problemas dos cuidadores de pessoas com doenças crônicas estão relacionados à condição de serem expostos a estressores severos e de longo prazo, avaliados objetivamente por meio de medidas da incapacidade do paciente, déficits cognitivos e problemas de comportamento, assim como o tipo e a intensidade dos cuidados fornecidos. Já as variáveis-chave para o estudo do cuidador incluem o sofrimento e a opressão ou peso psicológicos, a morbidade psicológica e física, e resultados da condição do paciente, como a institucionalização e a morte, segundo Schulz & Quittner (1998). Ainda de acordo com esses autores, há uma moderada correlação entre o nível de incapacidade do paciente e o sofrimento do cuidador; mas, há também uma grande variabilidade de reações do cuidador em função de fatores, como: recursos econômicos e suporte social disponíveis; diferenças individuais relacionadas a gênero, atributos de personalidade (otimismo, auto-estima, autocontrole), estratégias de enfrentamento utilizadas; a qualidade do relacionamento entre o paciente e seu cuidador; e estressores secundários como conflitos de papéis decorrentes das demandas por cuidados ao paciente. Shulz & Quittner (1998, p. 108) concluem que esse campo intermediário da psicologia clínica e social, sociologia, ciências biológicas e da saúde "(...) é uma rica plataforma para aplicação de muitos conhecimentos teóricos e metodológicos por psicólogos da saúde."
Assim, essas famílias estão sob constante estado de alerta, vivenciando uma situação de stress crônico, seja pela ameaça potencial do diagnóstico de FCP, seja por estar lidando com uma criança cronicamente doente.
Neste ponto, já é possível identificar várias áreas de potencial .intervenção por profissionais da área da saúde, destacando-se a adesão ao tratamento e a prevenção das conseqüências do stress durante o processo de encaminhamento para exames genéticos. Estes, a despeito dos benefícios médicos potenciais- facilitar a tomada de decisão médica, promover a redução de comportamentos de risco e, por conseqüência, a morbidade e a mortalidade- geram seqüelas psicossociais no indivíduo, a partir do momento em que este aprende que carrega um elevado risco para dada doença, analisa Lerman (1997).
Para esse autor, a particularidade dessa área, como pesquisa, reside em aspectos relacionados à informação genética. Primeiro, diferentemente do diagnóstico de uma doença definida (câncer, por exemplo), a informação genética é probabilística e incerta, como também o consideram Baum, Friedman & Zakowski (1997). Assim, o portador tem um certo risco de adoecer, mas sem saber quando. Segundo, para certas doenças hereditárias, o controle é limitado (câncer, por exemplo) ou inexistente (doença de Huntigton). Terceiro, os resultados dos exames referem-se a eventos que podem ocorrer muito tempo depois. Finalmente, a suspeita genética é transmitida dentro das famílias, estendendo as implicações dos exames para além da pessoa testada. Dessa fornia, o contexto familiar é crítico quando se estuda as respostas à informação genética e, em todas essas situações, uma condição de stress se estabelece.
Atualmente, o termo stress está difundido de tal forma que qualquer pessoa o usa como explicação para vários de seus comportamentos e condições de vida. Foi conceituado cientificamente, em 1963, por Hans Selye, médico canadense, com um trabalho pioneiro na área, que propôs o constructo da "Síndrome de Adaptação Geral" para explicar um fato observado pelos médicos: independentemente da doença, seus pacientes relatavam sintomas comuns como sentir-se e parecer doente, ter dores difusas e nas juntas, distúrbios intestinais com perda de apetite, por exemplo. Esse constructo, nomeado posteriormente de "stress ", foi concebido como uma variável interveniente que teria um efeito moderador3 na relação entre uma determinada variável independente (qualquer dano sofrido pelo organismo) e a variável dependente (sintomas comuns a todas as doenças), como bem explica Kimble (1998).
Assim, o stress psicológico e/ou fisiológico seria causado por fatores (variáveis independentes) como o ambiente biológico e a história passada, os estressores (catástrofes, mudanças sociais, aborrecimentos da vida diária), o tipo de suporte social (comunidade, família, relacionamentos interpessoais) e padrões de respostas definidos por características do indivíduo (percepção de ameaça, existência de respostas de enfrentarnento, etc). E o stress assim criado, atuando como uma variável interveniente, desencadearia as "reações de stress" (variáveis dependentes), que podem incluir a ansiedade, a depressão, fadiga, irritabilidade, insónia, tiques, bruxismo, tensão pré-menstrual, comportamentos aditivos, perda de apetite, enxaqueca, hiperatividade, pesadelos, etc. (Kimble, 1998). Desse modo, o termo stress pode ser aplicado nas duas situações: tanto para descrever um evento de muita tensão, quanto para definir a reação a tal evento (Lipp & Novaes, 1994). Selye (1979) afirma também que o estressor não é necessariamente visto como negativo, ele pode ser algo muito positivo, que atinge profundamente a pessoa.
Sarafino (1.994) sintetiza essas posições propondo uma distinção tríplice: o stress pode ser descrito como um estímulo, uma resposta ou como um processo. Define, então, o stress como uma condição resultante da interação entre ambiente e indivíduo, que o leva a perceber a discrepância dos sistemas biológicos, psicológicos e sociais. Há, assim, uma bidirecionalidade, uma "transação" entre o ambiente e o indivíduo, a exemplo da proposição de Lazarus & Folkman (1984).
É necessário, então, conhecer os estressores e sua relação com as variáveis do ambiente e da pessoa, os estressores internos e externos. Esta seria uma forma de evitar que o stress se torne um problema psicopatológico, pois, ainda que o stress seja um fenômeno de ativação fisiológica normal, Falcone (1997) esclarece que, muitas vezes, ele pode vir a se tornar um estado de superativação emocional crônica e problemática, resultado da incapacidade da pessoa em mobilizar seus próprios recursos e habilidades para enfrentar e controlar os possíveis eventos ameaçadores.
Em resumo, os diversos tipos de tensores, em qualquer sistema social, variam de indivíduo para indivíduo, de família para família, de tempos em tempos; ou seja, o que é tensor para uma pessoa, não necessariamente o é para outra. De qualquer maneira, o stress pode ser um dos maiores fatores de risco para a vida e para a qualidade de vida de todos, adultos e crianças.
No campo da saúde, mais especificamente associados à relação médico-paciente, Hymovich & Hagopian (1992) identificam diversos tipos de estressores, sendo três deles ligados ao conhecimento e à informação: 1.) a adequação à informação; 2.) o tempo da informação e 3.) a disseminação da informação para outros, como profissionais de saúde e amigos. Os pacientes e seus familiares, freqüentemente, mencionam os problemas que têm em obter informação sobre a condição crônica e seu gerenciamento. O conhecimento pode ser escasso em relação ao curso e ao tratamento da doença, bem como das complicações que podem ocorrer e até mesmo sobre a sua prevenção. Os pacientes, às vezes, têm poucas informações sobre as respostas emocionais e sociais causadas pela sua doença e o seu gerenciamento.
Esta é uma condição problemática porque um paciente mal informado ou sem informação alguma é um paciente despreparado, cujos medos e expectativas irreais se misturam com o conhecimento insuficiente sobre o que o espera. Uma das conseqüências, segundo Tahka(1988), está na recuperação do paciente. Esta ocorre mais eficazmente quando existe um relacionamento apropriado entre paciente, médicos e familiares, do que quando esse relacionamento é insuficiente ou ausente.
Analisando a questão do ponto de vista da criança doente, Guimarães (1998, p. 103) afirma que a preocupação predominante, em crianças hospitalizadas por doenças agudas, é a separação dos pais, a perda do ambiente e da experiência familiar, a intrusão no corpo, a integridade corporal e a punição. A hospitalização para a criança, "(...) já física e emocionalmente agredida pela enfermidade, representa o afastamento do seu ambiente doméstico, onde vinha ocorrendo o seu desenvolvimento motor, social, emocional e intelectual". Conseqüentemente, restringem-se a sua mobilidade e as condições de exploração do ambiente, fundamentais à harmonia de seu desenvolvimento. Esse processo é bem mais intenso nos primeiros anos de vida do que nas fases posteriores. Além disso, as internações prolongadas ou repetitivas na infância estão associadas a distúrbios educacionais e comportamentais na adolescência, como bem ressaltam Hymovich & Hagopian (1992). Esses autores afirmam que, quando repetidas internações ocorrem devido a condições crônicas, é a admissão hospitalar, e não a doença, a responsável pelos futuros distúrbios.
Há também um grande número de tensores externos relacionados ao sistema de cuidados com a saúde, incluindo a inacessibilidade aos serviços, as longas esperas, a falta de serviços, especialmente em comunidades onde a escala de serviços não está disponível, pois, segundo Hymovick Sc Hagopian (1992), a coordenação entre o fornecedor de saúde e a continuidade do tratamento também são considerados estressores em potencial.
Outro aspecto relevante é que as condições crônicas exigem, em sua maioria, um tratamento sofisticado, demandando altos recursos financeiros. Mesmo sem os serviços caros, o custo da rotina de monitoramento, da intervenção durante as crises, da terapia medicamentosa longa e de serviços especializados de multiprofissionais, levam a família a tensões causadas pela condição financeira. Portanto, o cuidado com a criança afetada pode ser uma fonte de stress devido à diminuição do status financeiro da família ou à complexidade das necessidades da criança. Na avaliação de Tetelbom et al (1993), o perfil do funcionamento da família depende, em grande parte, dos recursos financeiros de que dispõe para enfrentar a doença do filho.
Têm sido propostos vários programas de manejo ou enfrentamento do stress, mas este é um estado que nem sempre pode ser evitado ou "curado", como ocorre nos casos de pais de crianças com problemas genéticos, lembram Benner & Wrubel (1989). Para a análise de casos como esses, Baum, Friedman & Zakowski (1997) propõem uma abordagem especial para compreensão do stress e do coping frente à informação genética, resumida nas Figuras 1 e 2.
Esses autores alertam que, embora seja esperado que resultados negativos venham a reduzir o stress, pesquisas têm indicado que as reações ao exame são mais complexas que isso. Resultados negativos nem sempre reduzem o stress e melhoram a qualidade de vida; a redução da incerteza, sim, parece estar associada à redução do stress. Frente a um resultado negativo, não portadores costumam expressar descrença no resultado, por terem gasto muito tempo de suas vidas esperando ser de alto risco. Assim, depressão, preocupação e culpa contínuas podem prolongar o stress (Baum, Friedman & Zakowiski, 1997). Resultados positivos, por sua vez, têm sido associados à ansiedade, depressão e negação, segundo esses autores.
Mostrando parte dessa complexidade, Marteau, Dunda & Axworthy (1997) citam resultados de pesquisas sobre o processo psicológico de se minimizar o problema, como forma de enfrentar o medo relacionado a questões de saúde. Outra variável relevante nessa questão está associada ao gênero, como mostra a pesquisa desses autores com portadores de fibrose cística, descrita a seguir.
Marteau, Dunda & Axworthy (1997) acompanharam 241 mulheres e 36 homens portadores de fibrose cística por 3 anos após o exame, comparando-os com uma amostra equivalente de pessoas que tiveram resultados negativos para essa doença. Seus dados sugerem que há diferenças de gênero na avaliação ou no enfrentamento: os homens parecem mais indiferentes aos resultados dos exames genéticos, procurando minimizar a ameaça. Esses autores encontraram uma interação entre os resultados e gênero em relação a sentir-se feliz e saudável após um resultado negativo, em favor da mulher. Estas, de outro lado, respondem menos positivamente que os homens frente a resultados positivos. Outro dado interessante foi encontrado: quanto maior a preocupação antes do exame, maior era o quadro de ansiedade três anos depois. Entretanto, ser informado que é portador de FC parece não produzir níveis clínicos de ansiedade, mas tem conseqüências cognitivas e emocionais. Contrapondo-se a esses dados, Croyle, Smith, Botkin, Baty & Nash (1997) relatam que as pesquisas da área, com outras doenças genéticas, mostram uma tendência para ambos, portadores e não portadores de doenças, de ter seu sofrimento diminuído seis meses após os resultados dos exames genéticos.
Dessa forma, a atuação do aconselhamento genético, incluindo-se aqui o momento do encaminhamento, faz-se de grande importância como mais um fator potencial de stress para os familiares com casos de doenças crônicas. Nesses casos, os serviços de genética têm se tomado cada vez mais relevantes, pois muitas patologias comuns, como o câncer, as doenças mentais, o diabetes, a doença das coronárias, a gota, o Alzheimer, entre outros, têm componentes genéticos. Plomin (1998) vai além, propondo que também os psicólogos podem usar o DNA associado ao estudo do comportamento. Estes poderiam questionar, entre outros aspectos, o diagnóstico, especialmente sobre a possível heterogeneidade de desordens, num nível etiológico mais do que sintomático (relações entre o gene responsável pela recepção de dopamina- DRD4 e o comportamento de fumar, associado a um quadro de depressão, por exemplo); a comorbidade (relação do DRD4 com vários problemas de comportamento: risco para déficit de atenção na hiperatividade; síndrome de Tourette e tiques múltiplos crônicos; dependência de ópio; risco para depressão unipolar; altos escores na dimensão de personalidade relacionada à busca de novidades); a interação gene-ambiente (as pessoas com risco genético são mais sensíveis a risco psicossocial?); correlação gene-ambiente (as pessoas com risco genético estão mais expostas a risco psicossocial?), o próprio desenvolvimento (quais são os processos subjacentes às mudanças e continuidade no desenvolvimento?).
Cresce, assim, a importância também social dos serviços de genética, constituindo-se em um importante meio de racionalizar o atendimento preventivo de saúde, com um crescente interesse dos profissionais de saúde pela difusão desses serviços, pelo aconselhamento genético. Este é definido por Matthews & Smith (1996, p. 542) como "(...) um processo de comunicação que lida com os problemas humanos associados à ocorrência ou ao risco de distúrbios genéticos em uma família". É um processo que demanda uma equipe multidisciplinar ou multiprofissional para orientar e auxiliar as famílias ou indivíduos, de forma a garantir a eficácia da manutenção e prevenção de doenças.
Os profissionais da área precisam estar cientes de que o fornecimento do aconselhamento genético pode causar interferências advindas dos fatores culturais e psicossociais dopaciente, como também gerar novos problemas sociais e psicológicos. Infelizmente, o que ocorre em alguns casos é o desconhecimento do profissional em relação ao paciente para que se possam detectar esses fatores de interferência, gerando dificuldades no processo. Wroe & Salkovski (1999, p. 19) concluem, após pesquisa experimental, que "(...) os conselheiros [geneticistas] podem pensar que não estão sendo diretivos em seus questionamentos, quando, de fato,influenciam direta e sistematicamente a decisão de se submeter ou não ao exame".
Um outro aspecto a destacar é o fato de que existe todo um processo, vivenciado pelas famílias, anterior ao diagnóstico positivo de uma doença crônica, fato este que necessita ser reconhecido pelos profissionais da área médica, pois a ênfase das pesquisas está centrada nos estressores ambientais que ocorrem a partir do diagnóstico positivo. É como se a doença e suas conseqüências passassem a existir somente a partir daquele momento, gerando todas as dificuldades comentadas anteriormente.
Embora Croyle (1995) considere que há muita documentação sobre as reações psicológicas aos exames para fatores de risco, a predição de doenças a partir de genótipos é nova (Marteau, Dunda & Axworthy, 1997), tanto que não foram localizadas publicações com análises do stress do período anterior ao diagnóstico e que focalizassem não a pessoa suspeita da doença, mas seus familiares. No Brasil, apenas uma monografia (Pereira & Martins, 1998) abordava a reação dos pais à suspeita de síndromes genéticas causadoras de retardo mental. Nessa pesquisa de Pereira & Martins (1998), foram entrevistados 20 pais (19 mães e um pai) de crianças encaminhadas ao SAG da Universidade Estadual de Londrina, com suspeita de síndrome genética, questionando-os sobre seus sentimentos, experiências, angústias, expectativas e reações vivenciadas quando souberam dessa suspeita relacionada a seus filhos. Vários sentimentos e reações foram relatados: desespero, tristeza, solidão, confusão, embaraço e, principalmente, revolta. Esta dirigia-se contra os médicos, sugerindo os autores ser decorrente da impotência diante do exame; e revolta contra o cônjuge, preponderando a desconfiança da fidelidade da mulher. Esta, de modo geral, apresentava duas reações típicas: sentir-se insegura e imobilizada diante da falta de informações sobre o problema e sobre as possibilidades de amenizá-lo ou superá-lo.
Este é também tema desta pesquisa realizada junto ao Serviço de Aconselhamento Genético (SAG) da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) que, em termos gerais, procurou descrever e analisar o encaminhamento de crianças com suspeita de fibrose cística do pâncreas ao SAG/UFES, visto como um fator de stress em potencial (Lima, 1999). A pesquisa, que é mais ampla do que a presente comunicação, analisou o fornecimento de informações pelos médicos aos familiares, a compreensão dessa informação e seus reflexos, segundo avaliação dos pais, e como os médicos e profissionais do serviço avaliam esse encaminhamento, suas dificuldades e especificidades. No presente relato, contudo, serão apresentados os dados obtidos com os familiares entrevistados sobre o processo de encaminhamento genético.
Método
A coleta de dados foi realizada no próprio SAG/UFES, com o objetivo geral de conhecer as condições de informação e emocionais que familiares de crianças com suspeita de FC têm ao chegar no serviço em questão. Este estava organizado como um projeto de extensão, voltado para a comunidade desde 1993. Era o único serviço deste tipo no Estado do Espírito Santo e atendia gratuitamente, recebendo pessoas de algumas localidades de Minas Gerais e sul da Bahia, por conta da sua localização geográfica.
No SAG/UFES, realizava-se uma experiência interdisciplinar da qual faziam parte a Genética, a Biologia, a Pneumologia, a Nutrição e o Serviço Social, contando com uma equipe formada por um pediatra, duas geneticistas, uma bióloga e uma professora do Departamento de Serviço Social, visando à prestação de atendimento a indivíduos/famílias com afecções hereditárias gênicas ou cromossômicas, por meio de ações de caráter preventivo e/ou assistencial.
Desde 1996, o trabalho do SAG/UFES esteve direcionado ao atendimento da clientela com suspeita de fibrose cística, para o qual eram realizados exames laboratoriais, consultas médicas, assim como o atendimento no setor do Serviço Social. Todos os pacientes afetados por FC retornavam ao serviço uma vez ao mês e, se necessário, semanalmente. Eram realizadas reuniões mensais com os familiares dos afetados, com pacientes adultos e a equipe de profissionais, com objetivo de informar sobre os cuidados necessários aos pacientes, tratamento, nutrição e novos conhecimentos sobre a FCP, prestando assim assessoria à Associação de Fibrose Cística do Espirito Santo (AFICES), fundada em 1996. Eram realizados 45 atendimentos/mês, totalizando em média 332 atendimentos/ano. Foram detectados 44 casos positivos de FC e 48 heterozigotos, ou seja, a pessoa tem, no gene, a mutação, mas não desenvolve a doença. Até junho/99, tinham sido realizados 2.135 atendimentos, que incluem a realização do exame de suor e de DNA (dados fornecidos pelo SAG/UFES).
Os informantes
Participaram da coleta de dados 40 familiares (mães, pais e tia) que atuaram como informantes; na sua grande maioria, eram mães (36) que acompanhavam os filhos. Quanto à profissão, a metade dos informantes eram donas de casa (20), e os demais entrevistados estavam distribuídos em diversas áreas do mercado de trabalho. Os familiares entrevistados tinham entre 26 a 35 anos; 16 familiares entrevistados possuíam o 2º Grau completo, havendo somente dois deles com 3º Grau completo.
Esses familiares foram escolhidos ao acaso, de acordo com o comparecimento no atendimento e convite para participar da pesquisa, até atingir o número de 40.
Material
Foi elaborado e aplicado um protocolo de entrevista para os familiares encaminhados ao SAG/UFES, que continha seis grandes camposa) a identificação do familiar; b) o motivo e a origem do encaminhamento ao SAG/UFES; c) o fornecimento de informações sobre o exame de suor: como tinha sido passada a informação pelo médico, como o familiar tinha recebido essa informação, se compreendeu ou não a informação dada; o tempo que ele esperou até fazer o exame, a partir do encaminhamento, e ainda se a criança havia sido atendida por um ou vários médicos da rede de saúde, até a data da realização do exame; d) aspectos relacionados aos sentimentos e dificuldades gerados nos familiares pelo encaminhamento; e) sugestões para mudanças na maneira de encaminhar, caso a pessoa comente sobre essa necessidade; f) avaliação dos familiares com relação aos serviços de saúde, de um modo geral.
Procedimento
Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais, com as questões abertas do protocolo descrito anteriormente, gravadas após o consentimento.
Resultados
Os dados foram categorizados de acordo com os itens do roteiro de entrevista, acrescentando-se os temas apresentados pelos entrevistados. Uma segunda forma de organização dos dados, além da categorização, foi o agrupamento desses dados segundo aspectos relevantes do tema - de um lado a condição crônica vivenciada pelos familiares entrevistados, e de outro a própria caracterização do encaminhamento genético na concepção destes. Como critério na escolha das respostas dos informantes privilegiou-se, inicialmente, as respostas que eram diretas e objetivas e, posteriormente, quando havia mais de uma resposta, enfocou-se aquelas que eram salientadas e repetidas por outros comentários na fala do informante. O número de respostas, então, é igual ao número de informantes (40). Os dados serão apresentados na forma de tabelas.
De acordo com os dados obtidos, foram identificados alguns dos inúmeros estressores relatados pelos pais, decorrentes da possibilidade de um diagnóstico positivo.
Os familiares (23) relataram que seus filhos já passaram por vários profissionais e que a mudança, algumas vezes, foi circunstancial pelo fato de necessitar de emergência hospitalar e ser atendido por um profissional desconhecido. Outros afirmaram a necessidade de mudança já que, com isso, tinham esperança de conseguir resolver o problema do filho. Algumas mães (10) disseram ainda que, até a data do exame, dois profissionais atenderam seu filho e que a mudança foi uma necessidade; não tendo elas intenção de nova mudança, pois, no momento estavam plenamente satisfeitas com a direção dada ao tratamento. Alguns familiares (7) disseram que, desde o nascimento do filho até aquele momento, estavam sendo acompanhados por somente uni profissional. (Vide Tabela 1)
Com relação ao tipo de encaminhamento efetuado, vê-se na Tabela 2 que a maioria (22) foi realizado pela rede pública de saúde, seguido por rede privada (18). Os familiares disseram ter dificuldades para levar adiante o tratamento de seus filhos e, por isso, utilizam a rede pública, aüida que reconheçam existirem problemas estruturais como greve, ou na marcação de consultas.
Na Tabela 3, pode-se observar que a grande maioria dos familiares (25) não recebeu nenhuma informação sobre o exame para o qual foi encaminhado. Outros (9) foram parcialmente informados, ou seja, os médicos mencionaram o exame, como ia ser feito e esclareceram que seria para excluir a possibilidade do diagnóstico de uma doença, mas sem aprofundamento. E seis pais afirmaram que obtiveram informação geral ou superficial, sem dados específicos sobre o exame genético.
Quanto às conseqüências geradas pelo encaminhamento ao SAG/UFES (vide Tabela 4), a maioria dos familiares (22) afirmou que não sentiu qualquer dificuldade. Entretanto, essas mulheres se queixaram da falta de participação dos maridos com relação às decisões a serem tomadas no tratamento do filho, assim como sua ausência durante as consultas. Interpretam essa ausência como um desinteresse dos pais em relação aos problemas dos filhos, mas não chegaram a classificar essa situação como uma dificuldade no enfrentamento da doença. De outro lado, do total de 22 mães, 11 delas comentaram que, apesar da dificuldade imposta pelo trabalho dos maridos, eles sempre procuraram discutir tudo o que envolve a saúde dos filhos, o que lhes dá segurança e tranqüilidade por saberem que não estão sozinhas. A Tabela 4 mostra também que um número expressivo de familiares (10) citou dificuldades relacionadas às reações emocionais, as quais geraram algum tipo de desconforto no âmbito familiar, como ansiedade, nervosismo, choro, ficar assustada; uma mulher relatou que sentiu-se mal, pelo fato de estar sendo encaminhada ao aconselhamento genético.
Outros familiares (2) disseram que as dificuldades eram de ordem financeirajá que precisam arcar com algumas despesas, como passagens, lanches (quando são de outros municípios), embora o exame fosse gratuito. Houve ainda mulheres (3) que relataram que sua grande dificuldade está no fato do marido não aceitar os problemas de saúde do filho, acreditando sempre que a criança não tem nada. Um pai chegou a esconder até da própria família os procedimentos prescritos pelo médico, assim como a medicação utilizada pela criança, que é controlada. Outra mãe falou da dificuldade de locomoção até o SAG/UFES, o que lhe causava grande desgaste físico (carregar o filho no colo, andar de ônibus). Houve também uma mulher que comentou que não discute com o marido os procedimentos adotados em relação à saúde de seu filho, assumindo tudo, o que gerava uma sobrecarga, dada a responsabilidade que envolve a tomada de decisões.
Um relato mostra como o encaminhamento pode desencadear problemas no relacionamento do casal, pelo fato do pai não entender porque foi solicitado o exame de DNA. Ele ficou pressionando a mulher para saber o porquê daquele exame, já que conhecia a finalidade do exame de DNA como teste de paternidade. A mulher não soube explicar e sugeriu a ele que fosse ao médico para se informar. Durante três dias, seu marido ficou perturbando-a, até que um tio interferiu, esclarecendo que o exame de DNA também era utilizado para outros fins; só assim o marido se tranqüilizou.
O encaminhamento para o SAG gerou várias reações emocionais nos pais, que relataram terem ficado preocupados (14), com medo (3), ansiosos (2), assustado (1), e surpreso (1). Outros pais (11) viam naquele encaminhamento a solução para os problemas de saúde dos filhos; enquanto oito pais o consideravam um procedimento natural na área da saúde.
Discussão
No período que vai desde o momento em que o médico suspeita da existência de uma síndrome até o diagnóstico, nem sempre definitivo, os pais têm que conviver com a suspeita. Nesse delicado momento da dúvida, sentimentos c angústias podem afetar a relação pais-crianças, gerando expectativas sobre o desenvolvimento do filho, as quais podem permanecer mesmo se o resultado for negativo, como aleitam Pereira & Martins (1998).
Nos casos de suspeita de fibrose cística, o resultado negativo não acaba com a situação de stress vivenciada pela família, justamente por estarem lidando com alguma doença crônica, que fica assim sem diagnóstico novamente, como já previam Marteau, Dunda & Axworthy (1997).
Para essa situação, o acompanhamento médico de doença crônica é analisado por McDanniel, Hepwoth & Doherty (1994) como imprescindível para sua eficácia, resultando em interação contínua entre familiar, paciente e essa interação é muito difícil de ser estabelecida, pois as mudanças constantes de médicos, na busca de soluções para os problemas dos filhos, rompem com esse processo, dificultando aos médicos obterem uma visão global e mais próxima da criança.
O encaminhamento médico, na sua grande maioria, ocorreu na rede pública de saúde, pois essas famílias não dispunham de recursos financeiros para assumir os custos do tratamento, exames e internações ou mesmo planos de saúde. Tetelbom et al (1993) lembram que as condições crônicas exigem um tratamento sofisticado, demandando altos recursos financeiros no seu cuidado, fato que pode gerar tensões nas famílias. Era visível nos familiares atendidos o desgaste pela busca de uma solução para o problema de saúde dos filhos, devido à falta de recursos para conduzir o tratamento com médicos particulares, tendo que enfrentar um sistema público de saúde caótico, com escassez de profissionais, além das greves. Era também difícil o acesso à medicação, que deveria ser distribuída gratuitamente, mas nem sempre estava disponível. Hymovich & Hagopian (1992) corroboram essas dificuldades, analisando que a inacessibilidade dos serviços de saúde, as longas esperas e a falta de serviços são potenciais estressores para as famílias com condição crônica de saúde.
Alguns familiares disseram que, no encaminhamento, não tiveram qualquer informação acerca do exame genético. Isso se contrapõe ao que Bulk (1990) comenta sobre o direito à informação dos familiares, o qual inclui a liberdade de buscar e receber a informação, de qualquer natureza. Contrapõe-se ainda ao que Tahka (1988) e Pereira & Martins (1998) discutem sobre a necessidade do fornecimento de informações realistas, que possibilitem ao paciente e sua família se organizarem para o enfrentamento de uma situação de doença crônica. Lembramos que é necessário, nesse processo, procurar garantir a compreensão das informações que estão sendo repassadas, pois, como alerta Boltanski (1989), há uma distância lingüística entre o familiar e o profissional, especialmente quando o paciente pertence a uma classe social mais desfavorecida. Situação esta identificada por Trindade (1991, 1993) em relação a pacientes de aconselhamento genético, que se queixam da falta de clareza dos médicos e da ansiedade que essa atitude gera; fato também constatado nesta pesquisa. Além disso, Benner & Wrubel (1989) lembram que o medo e a angústia gerados por essa situação costumam afetar a memória e tornam os processos de pensamento caóticos, dificultando a compreensão e o repasse das informações para os demais membros da família. Por essa razão, Telford & Sawrey (1978) propõem que as informações não sejam fornecidas somente para as mães, como é costume, devendo estar presentes mais pessoas no momento do encaminhamento. Resumindo os principais aspectos envolvidos no fornecimento de informações, Menandro (1995, p. 142) considera que "(...) deve [-se] considerar a forma como é feita a comunicação, o conteúdo da comunicação e também as implicações para a vida dos envolvidos (...)". Ao analisar esse processo de fornecimento de informações, Trindade (1996) complementa, dizendo que não basta somente adequar a linguagem ao paciente, deve-se antes conhecer suas concepções sobre a doença e o processo de adoecer, sob risco das informações serem reinterpretadas de modo não previsível, interferindo na adesão ao tratamento, por exemplo.
Analisando-se os relatos dos familiares sobre o sentimento ou dificuldades gerados pelo encaminhamento genético, observa-se que as mães, em sua grande maioria, o consideravam como um procedimento normal, embora não tivessem informações prévias sobre a intervenção. Contudo, quando questionadas sobre o tipo de sentimento desencadeado, foram enfáticas ao relatarem reações emocionais como ansiedade, medo e choro, resultantes do encaminhamento genético, à semelhança dos dados obtidos por Pereira & Martins (1998). Consideraram também que a longa espera de até 30 dias pelo resultado gerava sentimentos e pensamentos que interferiam no seu equilíbrio emocional diante da situação.
A análise dos dados indica que a condição de existir na família, um membro (filho) com um quadro crônico de adoecimento sem causa definida, por si, é um fator de stress familiar. O próprio encaminhamento para serviços de aconselhamento genético pode se constituir um fator de stress potencial, pela conotação negativa que problemas genéticos têm, de um modo geral, e por fatores ligados ao processo de encaminhamento - fornecimento de informações, compreensão das informações, sentimentos e dificuldades gerados pela intervenção. Conclui-se, entre outros aspectos, que a equipe profissional de aconselhamento genético necessita identificar e considerar esses estressores no acompanhamento que oferece às famílias, pelo menos como suporte social. Poderia também intervir no processo antes de seu agravamento, esclarecendo as especialidades médicas que mais freqüentemente fazem encaminhamentos a serviços de aconselhamento genético, e sobre as possibilidades de uma intervenção mais adequada e preventiva de problemas relacionados ao stress associados à informação genética.
Referências
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1 Trabalho apresentado no VII Encontro da ABPMC (São Paulo, setembro/1999). Financiamento da CAPES.
2 Av. Nossa Senhora da Penha, 2432, apto. 1205-B, Vitória, ES CEP 29045-909 enumosrf@npd.ufes.br
3. Diz-se que uma variável tem um efeito moderador (e não de mediação) quando ela especifica as condições em que um dado efeito ocorre, assim como a direção ou a força da variação desse efeito; ou seja, ela afeta diretamente a relação entre a variável independente e a dependente (Baron e Kenny, 1986, citados porHolmbeck, 1998).