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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.6 no.1 São Paulo jun. 2004

 

SOBRE LIVROS

 

Psicoterapias cognitivo-comportamentais: teoria e prática - organizado por Renato M. Caminha, Ricardo Wainer, Margareth Oliveira e Neri M. Piccoloto; ed: casa do psicólogo; 2003

 

 

Mônica Duchesne1

Universidade Federal do Rio de Janeiro - Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia

 

 


 

 

A obra “Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais: Teoria e Prática” abrange vários temas de grande relevância para pesquisadores e clínicos. O livro discute o caráter científico da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e aborda o tratamento de diversas patologias, tendo como foco principal os transtornos do Eixo I do DSM-IV-TR. Ele aborda também o tratamento dos transtornos de personalidade, a atuação do psicólogo em hospital geral, a utilização da TCC em terapia de família, a interface entre a TCC e a farmacoterapia, além de discutir questões associadas à aliança terapêutica. Vários capítulos incluem a formulação e a conceituação de casos clínicos que exemplificam, de forma clara, os pressupostos teóricos apresentados.

O livro está dividido em 18 capítulos e conta com vários colaboradores de elevado nível de qualificação, com grande experiência em prática clínica ou na formação de novos terapeutas, por meio de cursos de extensão, especialização, mestrado e supervisão.

O primeiro capítulo, denominado “Psicoterapia e Ciência”, faz um cativante histórico da evolução dos modelos de psicoterapia, explicitando as contribuições de autores de grande influência no desenvolvimento da TCC e os princípios teóricos por eles descritos. Além disso, introduz a idéia da importância da realização de pesquisas em psicologia.

No segundo capítulo, “Os Processos Representacionais nas Práticas das TCCS”, os autores ressaltam a importância do estudo da dinâmica das representações mentais, uma vez que elas seriam responsáveis pela formação das crenças centrais e esquemas cognitivos que orientam o comportamento de pacientes. As características dos diferentes níveis de processamento de informação são descritas e um diagrama com exemplos bastante ilustrativos é fornecido.

O capítulo “Avaliação Cognitivo-Comportamental” fornece diretrizes para a elaboração da conceituação de casos clínicos. São apresentados os fatores que devem ser abordados na avaliação inicial, possibilitando um abrangente mapeamento dos problemas apresentados pelos pacientes. São abordados desencadeadores situacionais, desencadeadores comportamentais, fatores cognitivos, desencadeadores interpessoais, fatores mantenedores, dentre outros relevantes aspectos que devem ser analisados. Os autores discutem o conceito de rapport e discorrem sobre os fatores que facilitam o estabelecimento de um bom rapport, tais como: fornecer informações sobre as características do modelo de terapia que será empregado, o papel das tarefas extra-sessão, o tempo aproximado de duração do tratamento, o modelo de aliança terapêutica que será utilizada e a provável eficácia da terapia.

“Conceitualização Cognitiva: Modelo de Beck” é um capítulo que nos oferece uma didática descrição dos pressupostos teóricos do modelo cognitivo. Dentre os conceitos abordados incluem-se a definição de cognição, esquema e hierarquia de crenças, utilizando exemplos esclarecedores. Os autores também discorrem sobre os diversos fatores envolvidos na conceituação cognitiva, especificando seus objetivos e os aspectos que devem ser investigados. Há também um interessante detalhamento da estrutura da primeira sessão de tratamento e dos elementos que deverão estar presentes nas sessões subseqüentes, delineando o esqueleto básico norteador das sessões de tratamento.

No capítulo “Relação Terapêutica” a autora ressalta que a relação terapêutica é um instrumento extremamente importante para o sucesso do tratamento, juntamente com o desenvolvimento de uma adequada estratégia para trabalhar as emoções na psicoterapia. As variáveis do paciente que tendem a dificultar a cooperação terapêutica são descritas, bem como são listados tipos de pacientes tidos como “difíceis”, com orientações sobre como esses pacientes podem ser ajudados. Também são relatadas dificuldades referentes ao terapeuta e as habilidades que ele deve desenvolver para uma melhor evolução do processo terapêutico.

O capítulo “Técnicas Cognitivo-Comportamentais” faz uma descrição didática das técnicas clássicas utilizadas na TCC, dividindo-as em técnicas de condicionamento clássico, técnicas de condicionamento operante, técnicas cognitivas, técnicas comportamentais e técnicas baseadas na teoria da aprendizagem social. Este capítulo reúne algumas estratégias básicas freqüentemente utilizadas, fornecendo um bom guia para rápida referência.

Dentre os aspectos que merecem destaque no capítulo “Terapia Cognitivo-Comportamental das Depressões”, encontramos uma aprofundada descrição dos modelos psicopatológicos da depressão. Além do relato do modelo de Beck, os autores apresentam um detalhado modelo para depressão maior, denominado Modelo Psicopatológico Orientado às Estruturas do Conhecimento. O capítulo também descreve as orientações psicoeducacionais que devem ser fornecidas ao paciente e as técnicas que podem ser utilizadas no tratamento da depressão. Por razões didáticas, estas são divididas seqüencialmente em técnicas para sessões iniciais, intermediárias e finais. Os autores destacam a importância da avaliação inicial do paciente, fornecendo informações variadas que favorecem o refinamento do processo de diagnóstico e conceituação, incluindo a especificação das comorbidades freqüentemente associadas. O capítulo informa também as características particulares que o terapeuta deve ter para auxiliar pacientes com depressão e os cuidados que deve tomar para o bom andamento do processo terapêutico. O capítulo é rico em exemplos clínicos e transcrições de diálogos que ilustram os pressuposto teóricos expostos.

No capítulo “Terapia Cognitivo-Comportamental para o Transtorno Bipolar” os autores caracterizam o Transtorno Bipolar de forma minuciosa e relatam sua fisiopatologia de modo claro e acessível. As etapas necessárias para o tratamento são explicadas passo a passo e são fornecidas orientações sobre como as técnicas devem ser implementadas de modo a amplificar os efeitos da terapia. Os autores fornecem uma lista detalhada de tópicos que devem ser abordados no trabalho psicoeducacional e as dúvidas mais pontuais apresentadas pelo pacientes e familiares. O treinamento em resolução de problemas é abordado, com um ilustrativo exemplo de caso e a especificação dos problemas freqüentemente enfrentados pelos pacientes em decorrência do transtorno bipolar. O treinamento em habilidades sociais é também comentado como facilitador da melhora do funcionamento social e ocupacional, permitindo que o paciente possa lidar com situações interpessoais associadas à doença. Os autores ressaltam o papel da descoberta guiada, do método colaborativo e das tarefas de casa como fatores que auxiliam o paciente a “tornar-se seu próprio terapeuta”, desenvolvendo habilidades para superar não só seus problemas imediatos, mas também problemas futuros que possam interferir negativamente em sua vida.

O capítulo “Terapia Cognitivo-Comportamental da Fobia Específica” descreve de forma detalhada diversos fatores que podem contribuir para o desenvolvimento e manutenção das fobias específicas, integrando conhecimentos da teoria cognitiva, teoria comportamental e das neurociências. Isto permite o delineamento de um modelo etiológico explicativo abrangente que fundamenta a utilização das técnicas cognitivo-comportamentais especificadas no capítulo. Os autores oferecem sugestões sobre métodos para estabelecer estratégias motivacionais que aumentem a adesão do paciente à terapia. São ressaltadas as dificuldades que os pacientes têm para relatar seus problemas e a importância da manutenção de uma atitude empática por parte do terapeuta como elemento facilitador do diagnóstico. Os esquemas explicativos e exemplos fornecidos complementam os princípios teóricos de forma clara. A abordagem do sistema de crenças é apontada como fator essencial para viabilizar o processo terapêutico.

O capítulo “Terapia Cognitivo-Comportamental do Transtorno de Ansiedade Social”, além de fornecer orientações que auxiliam no entendimento do quadro clínico, estabelece as etapas necessárias para a organização de um programa de tratamento. A autora descreve as características da TCC e os resultados dos estudos sobre efetividade tanto da terapia comportamental quanto da terapia cognitiva em grupo e individual, fornecendo um guia para a seleção das técnicas potencialmente utilizáveis. Além disso, são também especificados os preditores de aumento da eficácia da terapia. O capítulo inclui uma ótima descrição de caso clínico com as estratégias terapêuticas utilizadas.

“Terapia Cognitiva do Transtorno Obsessivo-Compulsivo” é um capítulo que fornece uma ótima caracterização do quadro clínico, com indicadores para diferenciar obsessões de compulsões e a descrição dos fatores que colaboram para o desenvolvimento e manutenção do transtorno, além de relatar as comorbidades que estão freqüentemente associadas. O autor exemplifica uma metodologia que permite que o profissional tenha uma idéia detalhada sobre o funcionamento dos pacientes que apresentam esta patologia. Isto é particularmente importante porque o sucesso terapêutico parece ter relação direta com a habilidade do terapeuta em desenvolver uma formulação detalhada das relações funcionais entre os problemas do paciente e de suas condições mantenedoras. O modelo cognitivo utilizado no tratamento do Transtorno Obsessivo-Compulsivo é discutido, além da eficácia das estratégias de tratamento que podem ser utilizadas. O capítulo fornece também exemplos clínicos bastante ilustrativos.

O capítulo “Terapia Cognitiva do Transtorno de Estresse Pós-Traumático” caracteriza detalhadamente o quadro clínico desta patologia, relatando os critérios diagnósticos atuais, um histórico do desenvolvimento dos conceitos associados e das comorbidades eventualmente presentes. O capítulo é bastante abrangente e prossegue fornecendo aprofundadas explicações sobre possíveis aspectos envolvidos na etiologia e manutenção do transtorno, relatando estudos que especificam alterações possíveis na arquitetura neural, alterações funcionais e no perfil de processamento de informações, especificando a interface entre esses achados e as estratégias utilizadas na TCC. Os autores relatam o impacto de eventos traumáticos sobre as cognições, o afeto, o comportamento e as reações fisiológicas. Além disso, há uma discussão minuciosa do modo como as informações traumáticas são armazenadas e as implicações disto para o tratamento. São detalhadas também as técnicas cognitivas e comportamentais que podem ser utilizadas no tratamento de crianças e adultos. O capítulo fornece um roteiro sumarizado de um processo de intervenção com duração de 18 a 20 sessões, com evidências de sua eficácia. Os autores ressaltam a importância da obtenção de uma sólida aliança terapêutica e a utilidade da entrevista motivacional no tratamento de pacientes com esta patologia .

No capítulo “Personalidade e Transtornos de Personalidade” foi apresentada uma revisão geral do conceito de personalidade e de aspectos diagnósticos e epidemiológicos dos transtornos de personalidade. Os autores apresentaram os modelos utilizados para explicar o desenvolvimento dos transtornos de personalidade e os diferentes perfis encontrados (incluindo as crenças e estratégias prototípicas de cada um dos transtornos de personalidade e os esquemas disfuncionais característicos). As principais técnicas utilizadas pela Terapia Focada em Esquemas foram delineadas para exemplificar uma das estratégias de tratamento. É um capítulo bastante abrangente, com muitas orientações clínicas.

O capítulo “Abordagens Terapêuticas no Tratamento da Dependência Química” nos traz diretrizes claras para o diagnóstico de dependência química. O capitulo comenta diversas técnicas cognitivo-comportamentais que podem ser empregadas no tratamento da dependência química, descrevendo também o modelo cognitivo utilizado e as crenças mais comumente encontradas. Os autores detalham a entrevista motivacional, considerando-a um importante instrumento para ajudar o cliente a manter (ou aumentar) a motivação para iniciar (ou continuar) seu processo de mudança. Além disso, ela permite uma adequada seleção das técnicas de tratamento que serão mais eficazes para o estágio motivacional em que o paciente se encontra. É também abordada a importante questão dos processos que levam a recaída e são fornecidas variadas sugestões de estratégias específicas para diminuir o risco de recaída. O capitulo descreve cuidadosamente o caso de um paciente que ilustra um programa de tratamento.

O capítulo “Terapia Cognitiva no Transtorno do Desejo Sexual” caracteriza a disfunção do desejo sexual e suas implicações para os relacionamentos afetivos. Os autores discutem extensamente os fatores possivelmente envolvidos na etiologia desta patologia e as técnicas mais utilizadas na terapia cognitivo-comportamental, incluindo psicoeducação e reestruturação cognitiva. São apresentadas orientações para a obtenção de uma boa formulação de caso, utilizando vários exemplos. Complementarmente, são traçadas diretrizes para o tratamento de diferentes perfis de paciente.

“A Relação entre a Terapia Cognitivo-Comportamental e Sistêmica no Tratamento de Casais” é um capítulo que se dedica a fazer um enlace entre a terapia sistêmica e a abordagem cognitivo-comportamental, fornecendo um breve histórico da evolução dessas escolas de pensamento e mostrando a integração dessas abordagens. As autoras esclarecem o modo como as crenças se formam a partir das primeiras interações familiares e a repercussão delas no estabelecimento de modelos de relação conjugal. As autoras diferenciam padrões masculinos e femininos de enfrentamento e descrevem dinâmicas conjugais. São também especificadas estratégias de tratamento, abordando a questão da assertividade na relação conjugal e utilizando um caso clínico que é explorado de forma detalhada.

O capítulo “Psicologia e Saúde: Intervenção em Hospital Geral” faz um histórico das mudanças ocorridas no campo da saúde, explicitando os novos parâmetros introduzidos na prática do psicólogo e relatando o estabelecimento da especialização em psicologia da saúde. O capítulo discute o papel da psicologia da saúde como ciência e profissão, identificando quatro objetivos diferenciados: promoção, proteção, prevenção e tratamento. Ele estende também a atuação deste campo àqueles que não estão doentes, mas podem precisar realizar ajustes emocionais (por exemplo, na gravidez, durante o envelhecimento e na menopausa). A autora ressalta a importância da existência de serviços de psicologia em hospitais gerais, tendo o psicólogo um papel favorecedor da comunicação equipe-paciente-família. É fornecido um quadro que permite a compreensão do impacto psicológico da ocorrência da doença e da hospitalização no individuo, além de modelos de orientação e suporte para a família e para o paciente, abordando o funcionamento afetivo, cognitivo, comportamental e social. A autora também cita interessantes vinhetas clínicas.

O capítulo “TCC e Farmacoterapia: Tratamentos Combinados” debate a questão da interação entre a psicoterapia e o uso medicamentos psicotrópicos e o efeito desta interação sobre a eficácia terapêutica. São descritas as crenças apresentadas pelos terapeutas para menosprezar o papel dos medicamentos e as crenças dos farmacoterapeutas para sustentar a supremacia farmacológica. Os autores defendem a idéia de que essas crenças podem ser inflexíveis e rígidas e, portanto, distorcidas e disfuncionais, especificando evidências que questionam ambos os conjuntos de crenças. São também discutidos exemplos de distorções cognitivas que o paciente apresenta sobre o tema. As possíveis vantagens da associação entre psicoterapia e farmacoterapia são relatadas e são discutidos também os possíveis efeitos negativos do tratamento combinado. É ressaltada a necessidade de maiores estudos que especifiquem quais quadros clínicos se beneficiariam de tratamentos combinados ou isolados. Este capítulo incentiva o exame de nossos pressupostos, permitindo que ofertemos um melhor tratamento a nossos pacientes.

A obra abrange diversos temas de forma didática e inclui dados sobre a produção científica brasileira em TCC. É um livro que contribui muito para uma maior informação de estudantes, por apresentar princípios básicos e teóricos da TCC. E útil também para profissionais que já atuam na área por estabelecer diretrizes para a prática clínica. Desse modo, é uma importante contribuição dos autores para o desenvolvimento científico e para a divulgação da TCC.

 

 

1Endereço para correspondência: Rua Marquês de São Vicente 124 – cj 239 – Gávea – CEP 22451-040 – RJ - E-mail: mduchesne@rionet.com.br