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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.7 no.1 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Causa e explicação: debate entre o mentalismo e o behaviorismo radical

 

Causation and explanation: controversy between mentalism and radical behaviorism

 

 

Carlos Eduardo CameschiI, 1 ; Lorismario Ernesto SimonassiII, 2

I Universidade de Brasília
II Universidade Católica de Goiás

 

 


RESUMO

Para contextualizar o debate entre a visão mentalista tradicional e o behaviorismo radical acerca das concepções de causa e explicação no discurso coloquial e filosófico, o presente artigo revisa e comenta criticamente a teoria da ação de Peter Strawson, baseada em supostas ligações indissociáveis entre os conceitos de crença, atitude e desejo. Considerando que tais termos se referem a complexos processos comportamentais, tenta-se mostrar que eles podem ser concebidos como fenômenos naturais e que exprimem relações funcionais entre regras, comportamento operante e operações estabelecedoras. Com isso, busca-se desmontar a distinção de Strawson entre os conceitos de causa e explicação. A ênfase é que, para o behaviorismo radical, o fato crucial é que nas contingências que promovem o conhecimento, não há nada além de estímulos e respostas, posto que não incluem processos mediadores.

Palavras-chave: Causa, Explicação, Mentalismo, Behaviorismo radical


ABSTRACT

To contextualize the disagreement between the traditional mentalistic assumption and radical behaviorism about the concepts of causation and explanation, this paper presents a review and a critical analysis of Peter Strawson's action theory, based in supposed links between the concepts of belief, attitude, and desire. Such concepts can be seen as complex behavioral processes and as natural phenomena which involve functional relations between rules, operant behavior and establishing operations. We try to eliminate the Strawson's distinction between causation and explanation. Our gist is that for radical behaviorism the important fact is that contingencies which promote the knowledge involve nothing more than stimuli and responses, without mediating processes.

Keywords: Causation, Explanation, Mentalism, Radical behaviorism


 

 

Em interessante ensaio recente sobre o que aconteceu com o behaviorismo, motivado pelo centenário do nascimento de B. F. Skinner, Roediger (2004) resume a história caricata em que muitos psicólogos cognitivistas parecem acreditar, qual seja que o behaviorismo representa a Idade das Trevas superada pela Renascença, representada pela revolução cognitiva que conduziu a psicologia em direção à luz. Após especular sobre algumas razões do suposto declínio do behaviorismo, Roediger sugere que não há nada de errado com ele e arrisca que a resposta mais radical a oferecer é que o behaviorismo é menos discutido hoje em dia porque, na verdade, ele venceu o debate intelectual. O fato curioso é que embora o autor se apresente como psicólogo cognitivista, justifica seu entusiasmo apontando simplesmente que as análises e intervenções comportamentais funcionam e, para certos transtornos, como no autismo, elas representam a única esperança (Roediger, 2004).

Chiesa (1994) elaborou um texto mais extenso visando também apontar e corrigir os erros e preconceitos recorrentes na literatura, que insinuam o behaviorismo como uma visão unificada, além de supostamente superada por uma nova visão de mundo, mas, na verdade, suas várias versões divergem em muitas questões substantivas. Como o trabalho de Chiesa, o presente ensaio pretende esclarecer as concepções de causa e explicação do behaviorismo radical, a visão filosófica original elaborada por B. F. Skinner, que oferece uma alternativa científica aos métodos que dominam as publicações nos textos e periódicos psicológicos.

Na conversação cotidiana, com freqüência, emitimos opiniões sobre as origens dos eventos que ocorrem no mundo e, com base em certas relações óbvias ou sutis entre esses fatos, supomos que os entendemos. Ou seja, nosso discurso inclui muitas referências a causas e explicações dos acontecimentos e, em parte, considera-se que esses relatos e seus efeitos revelam o grau de conhecimento ou consciência dos falantes e ouvintes. Entretanto, embora ocorram com certa facilidade, conceitos como causa, explicação, conhecimento e consciência envolvem processos ver-bais complexos e sutis que desafiam ainda as análises filosófica e científica. De fato, Chiesa assim resumiu o problema:

“O conceito de causa está explícita ou implicitamente entrelaçado em muitos dos nossos modos de falar sobre o mundo e no âmago das práticas de muitas de nossas instituições juríd-cas, políticas, econômicas, educacionais e científicas. Mas, a despeito deste uso generalizado, é surpreendentemente difícil esclarecer o que é causa, como e quando ocorre, mesmo na ciência que, rigorosamente, exige provas cuidadosamente obtidas para demonstrar suas afirmações sobre relações causais” (Chiesa, 1994, p. 95).

Também parece ser senso comum admitir que durante a conversação, certos processos que se supõe ocorrerem na mente do falante, tais como idéias ou pensamentos, lembranças ou memórias, emoções ou sentimentos, são comunicados ao ouvinte, que passa a possuir, de algum modo, os conteúdos de experiência relatados. Baum assim resume:

“A concepção tradicional sustenta que, na comunicação, há algo que é passado de uma pessoa para outra. Etimologicamente, comunicação significa 'tornar comum'. O que se torna comum? Uma idéia, uma mensagem, um significado. Alguns psicólogos enfeitam essa concepção cotidiana acrescentando que a idéia é codificada pelo remetente, transmitida em código para o destinatário, e depois decodificada por esse destinatário, que passa então a possuir a mensagem... Como todas as noções mentalistas, a noção cotidiana de comunicação nada acrescenta ao que observamos, e nos impede uma compreensão melhor” (Baum, 1994, p. 103, itálico do original).

1. Um Exemplo de Análise Conceitual Mentalista em Debate com o Behaviorismo Radical

Para ilustrar uma visão mentalista em detalhes, selecionamos o trabalho Análise e Metafísica (Strawson, 1992/2002), cujo conteúdo reflete uma visão teórica geral semelhante à divulgada por filósofos tais como Comte-Sponville (2000/2002), Hessen (1925/2000), Nagel (1987/2001), entre outros que, embora difiram nos detalhes da argumentação, mantêm a distinção ontológica dualista entre os processos naturais e os racionais (ou intelectuais). Strawson (1992/2002) articula as relações entre ontologia, epistemologia e lógica, entre verdade e conhecimento, entre significado e compreensão, e esboça uma teoria cognitiva em que supõe que uma ação resulta de ligações indissociáveis entre crença, atitude e desejo. Como esse seu esboço de teoria psicológica tem grande importância em sua articulação dos traços fundamentais de nosso sistema de idéias, constitui o alvo central da presente análise e justifica nossa escolha. Em seguida, Strawson avança para a análise dos conceitos de causação e explicação para, então, proceder ao exame das idéias de liberdade e necessidade que, em sua opinião, certamente figuram entre os elementos-chave do nosso equipamento conceitual. De acordo com ele,

“Às vezes presumimos, ou diz-se que presumimos, ser a causalidade uma relação natural mantida entre eventos ou circunstâncias particulares no mundo natural, tal como acontece com a relação de sucessão temporal ou de proximidade espacial. Associamos também, corretamente, causalidade com explicação. Mas se a causalidade é uma relação mantida no mundo natural, a explicação é um caso diferente. As pessoas explicam coisas para si ou para outras, e isso é algo que acontece na natureza. Mas também falamos que uma coisa explica (ou que é a explicação de) outra coisa, como se explicar fosse uma relação entre coisas. E é mesmo. Mas não uma relação natural no sentido em que consideramos a causalidade como uma relação natural. É uma relação intelectual, racional ou intencional3. Não é uma relação mantida entre coisas no mundo natural, às quais podemos atribuir lugar e tempo na natureza, mas entre fatos ou verdades. Os dois níveis de relação são freqüente e facilmente confundidos no pensamento filosófico porque não estão bem distinguidos no pensamento corrente ou não-filosófico. E não são claramente distinguidos pelo pensamento corrente, porque fazer a distinção não teria muitas vezes um objetivo prático. Todavia, na medida em que nosso objetivo filosófico é entender o pensamento não-filosófico, o melhor é termos conhecimento da distinção” (Strawson, 1992/2002, pp.143-144).

A distinção traçada por Strawson parece ser entre a suposta relação natural de causalidade entre coisas na natureza (que o behaviorismo radical descreve como contingências de reforço mantidas pelos sistemas físicos e sociais) e a relação explicativa entre fatos ou verdades (considerada “não-natural”) que, para o behaviorismo radical, são exemplos naturais de comportamento verbal. Por que a primeira relação é concebida como natural e a segunda não? Essa distinção e outras a ela relacionadas, embora aparentemente simples, têm sido objeto de análises e debates filosóficos ao longo dos últimos séculos que desafiam um resumo eficiente. Um cientista e filósofo que, ao longo de sua carreira, se ocupou com os conceitos de causa e explicação em ciência foi Skinner (1953; 1969; 1974). Zuriff (2002) resumiu suas contribuições à ciência e filosofia em três níveis profundos:

“Primeiro: suas brilhantes interpretações behavioristas do mundo mental. Estas incluem interpretar os conceitos mentais tais como significado, propósito, e expectativa em termos de contingências e histórias de reforço, sua incorporação dos eventos privados no behaviorismo para explicar os relatos de episódios internos elaborados na primeira pessoa e sua epistemologia comportamental. Segundo: sua concepção de teoria e teorização psicológica que inclui, de um lado, oposição às inferências teóricas hipotéticas, a substituição de determinação (causa) por relação funcional, a noção de teoria como um conjunto parcimonioso de leis e a de explicação como predição e controle; de outro, temos sua visão de que a prática científica efetiva consiste em permanecer próxima aos dados e observação, sua oposição ao método hipotético-dedutivo, sua liderança na promoção de uma ciência do comportamento autônoma e sua interpretação da ciência como o comportamento dos cientistas. Terceiro: sua filosofia social e as idéias sobre a aplicação da tecnologia comportamental, com ênfase no controle comportamental, oposição ao uso da punição e aos conceitos tradicionais tais como 'liberdade' e 'responsabilidade pessoal' que julgava atrapalhar o progresso humano (Zuriff, 2002, p. 369, itálicos acrescentados).

Conforme Skinner (1969), as origens do conhecimento podem ser resumidas com base na distinção entre comportamento modelado por contingências, comportamento governado por regras e suas interações, como segue:

“(A) certos sistemas mantêm certas contingências de reforço: uma parte do ambiente natural, os instrumentos no laboratório de pesquisa ou um grupo cultural; (B) o comportamento formado e emitido por ser reforçado nessas interações; (C) regras derivadas das contingências: ações verbais que descrevem ocasiões, respostas e conseqüências; e (D) o comportamento evocado pelas regras. Uma ação em D quase nunca é igual à de B porque as regras em C jamais serão descrições completas das contingências em A. As relações em B e D são efêmeras e sobrevivem apenas nossos registros delas que, em geral, estão sob o controle de diferentes estados motivacionais, subjetivos só porque são típicos de certas pessoas e suas histórias particulares, enquanto A e C são objetivos e duráveis. As regras de C são estímulos verbais e suas relações com A ofuscam os efeitos em B e D, dizendo-se que A é aquilo sobre o que uma pessoa 'adquire conhecimento' e C é 'conhecimento'” (Skinner, 1969, p. 160, itálicos acrescentados).

Esta distinção permite compreender a diferença entre aprender por “entendimento” (modelagem por contingências) e por “descrição” (governado por regras) e que, no primeiro caso, o comportamento é muito mais sutil e efetivo do que no segundo porque as regras nunca descrevem completamente as contingências e, portanto, ambos produzem diferentes estados corporais tanto quanto os sentimentos que esses estados engendram (Skinner, 1989).

 

A) Esboço de uma Teoria Cognitiva da Ação e Análise de sua Natureza Comportamental

Strawson (1992/2002) considera como tarefa principal do filósofo (a tarefa metafísica) responder às perguntas: quais são os conceitos e categorias mais gerais que organizam nosso pensamento, nossa experiência, acerca do mundo? E como se relacionam entre si dentro da estrutura total do pensamento? O projeto de Strawson, que julgamos correto, visa mostrar que a teoria geral do ser (a ontologia), a teoria geral do conhecimento (a epistemologia) e a teoria geral da proposição, do que é verdadeiro ou falso (a lógica) não são senão apenas três aspectos de uma única investigação unificada (Strawson, 1992/2002).

Para os objetivos do presente trabalho, ressaltamos a relação entre experiência sensível e objetos materiais e a ênfase de Strawson de que devemos conceber como algo no mundo a experiência que um sujeito tem do mundo, como uma parte do mundo e da história desse sujeito, mas também como uma experiência do mundo, e, portanto fonte de juízos objetivos a seu respeito (Strawson, 1992/2002). E também, que esses objetos que retêm sua identidade (incluindo as pessoas) com suas mudanças, relações e interações, constituem ou fornecem o quadro unitário espaço-temporal do nosso mundo, conforme refletidos na linguagem como referentes primários dos nomes e frases nominais (Strawson, 1992/2002).

Para sustentar as principais linhas de conexão e interdependência que, para Strawson, mantêm coesos os conceitos fundamentais de nossa estrutura geral das idéias, ele passa a confrontá-la com uma abordagem, ou família de abordagens, completamente diferente quanto a esta estrutura geral que, segundo o autor, dominava até há pouco a tradição empirista britânica da filosofia. Conforme Strawson (1992/2002), de acordo com essa tradição, a estrutura geral das nossas idéias deriva de uma pequena região da própria estrutura. Esta parte fundamental da estrutura é concebida como básica e não derivada, como dada (Strawson, 1992/2002, itálico do original), e consiste numa seqüência temporalmente ordenada de estados mentais subjetivos, incluindo experiências sensórias na mente do sujeito. E, ainda, com base na separação brusca entre experiência sensível e juízo (crenças), os estados mentais são concebidos de modo bastante estreito como impressões ou imagens de qualidades sensórias simples, isoladas ou em combinação. Conforme o autor, esta tradição mentalista, subjetivista, ou seja, internalista, iniciada por Descartes, de um modo ou outro dominou o empirismo de Locke, Berkeley e Hume, que tentaram, por diferentes meios, construir, justificar ou explicar a nossa imagem geral do mundo apoiados na estreita base constituída pela sucessão de estados mentais subjetivos (Strawson, 1992/2002).

Oposto à tradição acima, conforme Strawson, o externalismo defende a idéia de que as características, as relações e o comportamento dos corpos, incluindo os corpos humanos, no espaço, são, ou parecem ser satisfatoriamente definidas e observáveis, enquanto a vida mental ou interior parece ser elusiva e indefinida, não disponível para inspeção pública ou verificação científica. Strawson equipara o externalismo à abordagem sólida ou científica, mas, para ele, tentar efetuar uma redução externalista da experiência perceptiva não é apenas intrinsecamente absurdo; refuta-se a si próprio, pois atinge a própria razão que torna o externalismo atrativo: isto é, a natureza satisfatória e definitivamente observável da cena física pública. Assim, uma receita corretiva útil para as dúvidas acerca do interior não é olhar dentro, mas olhar exteriormente: “a plena descrição do mundo físico como percebido fornece incidentalmente e ao mesmo tempo uma completa e rica descrição da experiência subjetiva do percepiente” (Strawson, 1992/2002, p. 103).

Strawson (1992/2002) sugere que a distinção entre internalismo e externalismo remete a uma distinção filosófica tradicional antiga que Leibniz expressou ao distinguir entre verdades de razão e verdades de fato, que Russell (s.d./2001) esclarece ao comentar que para Leibniz, tudo no universo acontece por uma razão suficiente, mas admitia o livre-arbítrio, no sentido em que as razões pelas quais o ser humano age carecem da rígida compulsão da necessidade lógica. Outros filósofos falaram de verdades lógica ou semanticamente necessárias, em contraste com verdades contingentes; ou, talvez de modo mais estrito, de verdades analíticas e verdades sintéticas (Kant, 1781/1983). Conforme Strawson (1992/2002), as noções de verdades de razão, lógicas ou semanticamente necessárias ilustram as “noções intencionais” ou “intenções” que, para o externalismo, são suspeitas porque estão encharcadas de mentalismo. Entretanto, Strawson argumenta que o externalismo não pode reconstruir, com base apenas em eventos e objetos observáveis de fora, a distinção entre o que é lógica ou semanticamente necessário e o que é lógica e semanticamente contingente. Sustenta que não se pode fugir a uma certa dose de mentalismo, tanto na teoria do significado como na teoria da percepção, embora não esclareça essa impossibilidade. Mas sugere abandonarmos o que considera como duas perversões filosóficas: “o empirismo clássico, ou o que poderia ser chamado de mentalismo desenfreado, de um lado, e o externalismo, ou o que poderia ser chamado de fisicalismo desenfreado, de outro” (Strawson, 1992/2002, p. 104).

Tanto quanto Strawson, Skinner (1945/1984, 1969, 1974) criticou com eloqüência a própria distinção entre externalismo e internalismo, tendo em vista que a pele não é assim tão importante como fronteira e critério para separar diferentes processos, bem como com sua distinção entre comportamento modelado por contingências e comportamento governado por regras ofereceu um contexto teórico para superar as distinções entre “verdades de fato” e “verdades de razão” (Skinner, 1957; 1969). Com respeito aos exageros do externalismo, Skinner (1974) referiu-se ao behaviorismo metodológico - ou seja, às várias formas de psicologia S-R que compartilham a noção de causa como essencialmente antecedente ao comportamento, inclusive a psicologia cognitiva (ver Day, 1983) - como uma ver-são psicológica do positivismo ou operacionismo lógico (fisicalismo, conforme Strawson), embora reconheça que se preocupam com questões diferentes. Skinner refuta vigorosamente a alegação do positivismo lógico de que, como dois observadores, não podem concordar acerca do que ocorre no mundo da mente; então, do ponto de vista da ciência da física, os acontecimentos mentais são “inobserváveis”. E acrescenta que precisa ser mais bem esclarecida a afirmação de que os behavioristas negam a existência de sentimentos, sensações, idéias e outros traços da vida mental (Skinner, 1974).

Conforme Skinner, o behaviorismo metodológico excluiu os acontecimentos privados por não ser possível um acordo público acerca de sua validade, mas o behaviorismo radical adota uma linha diferente, pois não nega a possibilidade da auto-observação ou do autoconhecimento nem sua possível utilidade, apenas questiona a natureza daquilo que é sentido ou observado e, portanto, conhecido. Portanto, também restaura a introspecção, mas não aquilo que os filósofos e os psicólogos introspectivos acreditavam “contatar” e, assim, levanta o problema de quanto de nosso corpo e sob quais condições podemos realmente observar (Skinner, 1974). Ele esclarece que o que é sentido ou introspectivamente observado não é nenhum mundo imaterial da consciência, da mente ou da vida mental, mas o próprio corpo do observador, ou mais exatamente os produtos colaterais das histórias ge-nética e ambiental da pessoa (Skinner, 1974), pois somente sob tipos especiais de contingências verbais podemos responder a certas características de nosso corpo (Skinner, 1989).

E sobre os exageros do internalismo, Skinner (1974) aponta que o mentalismo, ao fornecer uma aparente explicação alternativa, mantinha a atenção afastada dos eventos externos antecedentes que poderiam explicar o comportamento, enquanto que o behaviorismo metodológico fez exatamente o contrário ao lidar exclusivamente com os acontecimentos externos antecedentes: desviou a atenção da auto-observação e autoconhecimento. Para ele, o behaviorismo radical restabelece um certo tipo de equilíbrio, não insiste na verdade por consenso e pode, por isso, considerar os acontecimentos que ocorrem no mundo privado dentro da pele, pois não os considera inobserváveis e nem os descarta como subjetivos, mas simplesmente questiona a natureza do objeto observado e a fidedignidade das observações (Skinner, 1974). Esta visão filosófica sustenta que tanto o mundo externo quanto o interno são da mesma natureza e a diferença consiste no acesso a esses objetos de observação. Conforme a brilhante análise de Abib (1997), o problema não está situado na ontologia ou na estrutura da realidade, mas sim na epistemologia, ou seja, se os eventos privados existem e são da mesma natureza dos eventos públicos, o problema é de acesso e, sendo assim, trata-se de encontrar um método para conhecê-los.

Baum (1994) esclarece que todas as ciências estudam eventos naturais, tais como objetos em movimento, reações químicas, crescimento de um tecido, estrelas que explodem, seleção natural, ou ação corporal. A análise comportamental não é diferente, e os eventos naturais específicos de seu interesse são aqueles atribuídos a organismos vivos e íntegros. Ele assim ilustra: “Se eu disser O céu está azul, essa verbalização (evento) é atribuída a mim; ela é, digamos, meu relato de que O céu está azul. E se pode dizer o mesmo com respeito aos eventos privados. Se eu pensar O carro está fazendo um barulho novo, esse evento é atribuído a mim enquanto organismo como um todo e, ambos, são exemplos do que designamos como comportamento” (Baum, 1994, p. 30, itálicos do original). Portanto, os eventos públicos são aqueles que podem ser relatados por mais de uma pessoa, enquanto os privados podem ser relatados apenas pela pessoa que os experimenta, como quando relatamos nossos pensamentos ou sentimentos. Para o behaviorismo radical essa distinção tem pouco significado, sendo a única diferença irrelevante o número de pessoas que podem relatá-los. Fora isso, são eventos do mesmo tipo, possuem as mesmas propriedades, e, portanto, para Skinner os eventos privados são naturais e, sob todos os aspectos, semelhantes aos eventos públicos (Baum, 1994).

O comportamento verbal é, de longe, a avenida mais conveniente para se ter acesso a qualquer coisa que seja considerada um aspecto significativo do conhecimento humano, incluindo o autoconhecimento (Day, 1969). Conforme Day, a característica mais saliente desta nova epistemologia pode resultar da análise psicológica do comportamento, público e privado, de cientistas, professores, e outras pessoas que razoavelmente se consi-dera que sabem sobre ou conhecem as coisas. De modo mais especifico, ela envolve a análise das variáveis controladoras do comportamento verbal em quaisquer usos interessantes e significativos da palavra conhecimento e ou-tros conceitos relacionados, e que a preocupação não é se o que o falante diz é ou não verdade, mas o que o levou a dizer o que disse. Basicamente, qualquer um é livre para falar o que quiser, que alguém diz o que pode dizer e que disse o que quis dizer. Em princípio, tudo isto é aceitável para o behaviorista radical, uma vez que o que se diz é uma manifestação do complexo funcionamento humano e, por isso, um legítimo objeto de investigação comportamental. Portanto, ao estudá-lo, o behaviorista deve tentar descobrir as variáveis que controlam o que se falou e, neste sentido, mesmo a linguagem mais mentalista pode ser compreensível e valiosa (Day, 1969).

O que Day sugere não é simplesmente uma “tradução” do mentalismo para o behaviorismo, mas, visando construir e consolidar a ciência do comportamento, a análise deve ir bem além de meras inferências sobre conteúdos privados, buscando sistematicamente descobrir e descrever as variáveis controladoras de comportamentos tão complexos quanto o de elaborar teorias e discursos filosóficos. E à medida que análises funcionais frutíferas sejam descritas, podem revelar não apenas as limitações das interpretações causais do mentalismo, mas também a força dessa análise no entendimento desses processos como avanços na concepção de explicação como predição e controle.

Voltando a Strawson (1992/2002), ele considera óbvio que existem muitos traços gerais e fundamentais de nosso sistema de idéias, entre eles as noções de agência e sociedade: somos agentes (isto é, seres capazes de ação) e seres sociais. Segundo ele, o que torna inteligível o conceito de ação e põe o nosso papel como seres cognitivos em relação com o nosso papel como agentes é termos atitudes favoráveis ou desfavoráveis para com estados de coisas que acreditamos existirem de fato no presente ou que achamos possíveis ou prováveis no futuro. Assim, para Strawson:

“As ações têm origem na combinação de crença e atitude relevantes: ao originar-se de uma combinação de crença e atitude que uma ação intencional é a ação que é. Elas visam o cessar ou evitar estados de coisas desfavoráveis, presentes ou futuros, e perpetuar ou criar estados de coisas favoráveis, presentes ou futuros; é dessa maneira que se direcionam à luz de nossas crenças” (Strawson, 1992/2002 p. 105).

Entretanto, o conceito de comportamento verbal como comportamento operante, formulado por Skinner (1957), recobre grande parte das distinções e conceitos mencionados, tais como: “traços gerais e fundamentais de nosso sistema de idéias”, “crenças”, “seres cognitivos”, “atitudes favoráveis ou desfavoráveis”. Ele assim começa:

“Os homens agem sobre o mundo, modificamno e, por sua vez são modificados pelas conseqüências de sua ação. Alguns processos que os seres humanos compartilham com outras espécies alteram o comportamento para que ele obtenha um intercâmbio mais útil e mais seguro em determinado meio ambiente. Uma vez estabelecido um comportamento apropriado, suas conseqüências agem através de processos semelhantes, para permanecerem ativas. Se, por acaso, o meio se modifica, formas antigas de comportamento desaparecem, enquanto novas conseqüências produzem novas formas” (Skinner, 1957, p. 1).

Portanto, as “atitudes favoráveis” ou “desfavoráveis” surgem de conseqüências que têm, respectivamente, as mesmas características afetivas (isto é, as “favoráveis” são reforçadoras e as “desfavoráveis” são punitivas), e as crenças podem ser descritas como regras que orientam o que fazer ou deixar de fazer. Em resumo, aprendemos a seguir regras à medida que tais ações operantes são reforçadas por conseqüências naturais e/ou sociais, ou ações não condizentes com elas são punidas e, paralelamente a esse processo, também aprendemos a formular regras igualmente sob o controle de contingências naturais e sociais de reforço e punição (Baum, 1994). O comportamento verbal é modelado pela comunidade verbal e, dessas interações sociais, deriva nos sa capacidade de formular regras e agirmos como “seres cognitivos”, na medida em que podemos descrever para nós ou para outras pessoas nosso próprio comportamento (e o de outras pessoas) e seus motivos, causas ou razões, isto é, o complexo contexto antecedente imediato e remoto, descritos tecnicamente como estímulos discriminativos e eliciadores, bem como suas conseqüências reforçadoras. Quando exemplos desses comportamentos verbais ocorrem, diz-se que a pessoa tem auto-consciência ou consciência dos outros e suas intenções (Skinner, 1969) ou, em outras palavras, certas “contingências práticas levam as pessoas a apresentar, umas às outras, perguntas que resultam na auto-observação que denominamos consciência; outras perguntas geram o comportamento de autogoverno a que damos o nome de pensamento. Juntos, eles conduzem à ciência” (Skinner, 1989, p, 53).

Strawson (1992/2002) também enfatiza que os conceitos de coisas que ocupam espaço no mundo e o conceito da nossa posição perceptual em relação a eles estão permeados pelas possibilidades de ação que permitem ou inibem e insiste em que ao aprender a natureza das coisas, aprendemos as possibilidades de ação e vice-versa. Para ele, as duas aprendizagens são inseparáveis de modo que a consciência de que a situação admite certas possibilidades de ação é a outra face da consciência da limitação daquelas possibilidades. E nem é preciso salientar o quanto aprendemos sobre o mundo por manipulação, que assim ilustra: “O conceito de uma porta é-me dado na ação de abrir aquilo que me permite passar para dentro ou para fora de um prédio ou de uma sala, e na ação de fechar, que me permite excluir a vista ou o som do que está do outro lado” (Strawson, 1992/2002, p. 106). Não parece haver dúvidas de que o autor está sustentando, como eventos causais, os conseqüentes e os antecedentes que controlam o comportamento operante e os subprodutos verbais que resultam dessas interações.

Mas, além da conexão íntima entre o conceito de objetos e o conceito de ação, Strawson enfatiza uma ligação importante entre o conceito de crença e o de ação, pois considera que a ação deriva de uma combinação de crença e desejo. Então, pergunta “O que é possuir uma crença?”. Para ele, uma crença acerca do mundo envolverá freqüentemente uma consciência dos modos possíveis de atuação para evitar o que queremos evitar e realizar os fins desejados. Portanto, um primeiro passo para o entendimento do conceito de crença pode ser dado dizendo-se que: “acreditar em algo (honestamente) é, pelo menos em parte, estar preparado, se houver oportunidade, para agir de modo apropriado” (Strawson, 1992/2002, p. 108). Mas, como efetuar corretamente a conexão entre crença, desejo e ação, ou disposição para agir, é um problema que recomenda e deixa ao cuidado do leitor. Contudo, insiste que nenhum desses três elementos pode ser devidamente compreendido, ou mesmo identificado, senão em relação aos outros. Finalmente, todos esses desenvolvimentos cognitivo, conceitual e comporta-mental ocorrem num contexto social (em particular, a aquisição da linguagem, sem a qual é inconcebível o pensamento desenvolvido, que depende do contato interpessoal e da comunicação), de modo que cada um deve ver a si próprio numa relação social em que seu propósito interage com os de outros.

Esses últimos argumentos de Strawson situam-se no campo da motivação, especialmente as referências ao desejo e suas conexões com crença e ação. Este campo é abordado no behaviorismo radical por meio do conceito mais técnico e preciso de operações estabelecedoras (OE) porque o conceito de “motivação”, como um termo da linguagem coloquial, pode apresentar ambigüidades em suas várias acepções jurídica, lingüística, semiótica e psicológica (Cunha & Isidro-Marinho, 2005). Conforme estes autores, uma OE é uma variável ambiental definida em função de seus dois principais efeitos, denominados de efeito estabelecedor do reforço e efeito evocativo, ou seja: é um evento ambiental que está correlacionado filogenética ou ontogeneticamente com a eficiência do reforço ou da punição e que evoca ou suprime um tipo de comportamento que tenha sido reforçado ou punido por esse evento, sendo as operações de privação e saciação exemplos do conceito (Cunha & Isidro-Marinho, 2005).

Quando uma OE altera o valor reforçador de um evento filogeneticamente importante, trata-se de exemplo de operação estabelecedora incondicionada (eg. privar ou saciar um organismo de água ou alimento induz com-portamentos que conduzem, respectivamen-te, ao beber e comer ou à rejeição de líquidos e alimentos). As operações estabelecedoras condicionadas são de origem ontogenética e, portanto, relacionadas à história de reforçamento de cada pessoa e são classificadas como: 1) OE condicionada substituta: se um estímulo previamente neutro precede uma OE incondicionada ou condicionada ele adquire a característica motivacional da OE com a qual foi emparelhado; 2) OE condicionada reflexiva: trata-se de relação um pouco mais complexa, onde um estímulo sistematicamente precede a apresentação de um estímulo aversivo e, se o primeiro estímulo é removido contingente à emissão de uma resposta, a apresentação do estímulo aversivo é cancelada. Os procedimentos de esquiva sinalizada são exemplos deste tipo de OE; 3) OE condicionada transitiva: a efetividade de muitas formas de reforçadores positivos condicionados pode depender de uma condição de estímulo antecedente, durante a qual foi estabelecida a eficácia desses reforçadores positivos condicionados (ver detalhes em Cunha e Isidro-Marinho, 2005).

Com base nos conceitos de operações estabelecedoras, regras e comportamento operante, podemos sugerir como ocorre a “conexão entre crença, desejo e ação” deixada por Strawson (1992/2002) para o leitor. Uma crença seria uma regra do tipo “se esta ação ocorrer produzirá tal resultado”, que exerce funções de estímulo discriminativo (quando estabelece o contexto para uma ação ocorrer ou não) e operação estabelecedora (isto é, quando tem função evocativa). O desejo pode ser entendido como efeito de uma privação natural ou condicionada de modo que, se uma crença particular descreve uma ação que pode produzir um resultado desejado, a probabilidade da ação (“atitudes favoráveis ou desfavoráveis”, para Strawson) atinge um máximo e a ação tende a ocorrer efetivamente.

 

B) Verdade e Conhecimento

Strawson (1992/2002) analisa o conceito de verdade com base na disputa entre duas teorias: a teoria da correspondência, segundo a qual uma crença é verdadeira se e somente se corresponde a um fato, a um estado de coisas objetivamente existente; e a teoria da coerência, segundo a qual uma crença é verdadeira se e somente se é um membro de um sistema de crenças mantidas que seja coerente, consistente e compreensivo. Para o teórico da correspondência, segue Strawson, um aspecto fundamental de qualquer sistema ou estrutura individual de crença é o fato (sic) de ser acerca de uma realidade concebida como existindo independentemente das crenças a seu respeito. Strawson não menciona que este aspecto remete à tese básica do realismo filosófico desde Tales de Mileto no século VI a.C. (Baum, 1994), e sim que o teórico da coerência insiste na interdependência das partes da estrutura porque não se pode corrigir uma crença sem formar outra (Strawson, 1992/2002).

O autor considera que ambas têm méritos, não estão em conflito e devem ser apoiadas, mas alega que a obviedade da correspondência pode induzir uma imagem confusa e em última análise contraditória de acesso semconceito aos fatos, à realidade. Contra essa visão, a teoria da coerência insiste em que não há contato cognitivo com a realidade, nem, portanto, conhecimento dela, que não envolva formar uma crença, fazer um juízo e recorrer a conceitos (Strawson, 1992/2002). Ele sustenta que a noção de verdade serve de ligação entre a teoria do conhecimento e a teoria do significado, que teria máximo interesse e valor explicativo ao mostrar como os significados das sentenças são sistematicamente determinados pelos significados de seus elementos constituintes e pelas formas de sua combinação, mas também deve explicar como compreendemos os significados assim determinados. Segundo ele, a noção de compreensão fornece outra ligação se a pensarmos como a apreensão de condições de verdade, de modo que uma teoria geral das condições de justificação para afirmar ou negar proposições vem a ser precisamente o que se entende por teoria do conhecimento. Mas, considera que, embora pouco se possa objetar a essas idéias simples, elas podem conduzir ao engano acerca dos conceitos de verdade e de conhecimento. Certamente, pois o behaviorismo radical sustenta que “os significados, conteúdos e refeências devem ser procurados entre os determinantes, não entre as propriedades, da resposta” (Skinner, 1984, p. 548). Em sua breve análise do significado das palavras faladas ou escritas, Nagel (1987/2001) reconhece que o mistério do significado é que ele, aparentemente, não se situa em nenhum lugar - nem na palavra, nem na mente, nem em nenhum conceito ou idéia pairando entre a palavra, a mente e as coisas sobre as quais estamos falando. Mas, corretamente, considera que sem dúvida é importante o fato de que a linguagem seja um fenômeno social e que quando a aprendemos ingressamos em um sistema já existente há séculos (Nagel, 1987/2001).

Strawson (1992/2002) questiona a noção de verdade como “correspondência semântica entre palavra e mundo” porque surgem dificuldades em sustentar a relação quando o refe-rente não pode ser encontrado no mundo concreto4. Esta teoria se defende ao julgar que os juízos morais, as equações matemáticas e as tautologias da lógica não são enunciados ou proposições e, portanto, não são verdadeiros ou falsos. Embora tenham relação com o mundo natural, eles não se relacionam com ele como enunciados a seu respeito, mas como instruções para agir no mundo, fazer cálculos ou raciocinar acerca do mundo. A reação oposta consiste em adotar o platonismo e aceitar a existência de qualidades “não-naturais” ou de relações na esfera moral. A primeira limita o conceito de verdade, enquanto que a segunda estica ou expande o conceito de realidade ou de mundo, mas ambas têm sido insatisfatórias porque partilham o questionável pressuposto do modelo simples da correspondência palavra-mundo. Para Strawson, o modelo deve ser tomado como ponto de partida desde os casos primários ou básicos da verdade e, então, avançar para explicar como é possível e legítimo estender a noção de verdade para além desses limites sem alimentar mitos ou ilusões. Desse modo, pode-se compreender e aceitar sem dificuldade a noção de verdade a proposições que não são simples registros de fatos naturais, mas desempenham um papel diferente e mais complicado em nossas vidas (Strawson, 1992/ 2002). Certamente desempenham: sua função como regras não deve ser subestimada, con-forme sugere Skinner ao afirmar que:

“A lógica e a matemática possivelmente originaram-se de contingências simples de reforçamento. A distinção entre é e não é e a relação entre se e então são características do mundo físico, e os números devem ter aparecido pela primeira vez quando as pessoas começaram a contar coisas. Uma vez que as regras foram formuladas a esse nível, porém, novas regras começaram a serem derivadas delas, e as contingências práticas logo ficaram para trás. Vários matemáticos dizem que o que fazem não tem absolutamente nenhuma referência ao mundo real, a despeito dos usos práticos dos sistemas matemáticos” (Skinner, 1989, p. 42).

A análise de Strawson, embora densa e persuasiva, mostra-se pouco parcimoniosa ao supor ligações entre conceitos tais como conhecimento, significado, verdade e compreensão, empregados de um modo bem liberal. Eliminando os pressupostos realistas da correspondência e os mentalistas da coerência, reconhecendo que são, sobretudo, exemplos de comportamento verbal, as duas teorias podem se revelar complementares, pois a primeira envolve comportamento verbal sob o controle de um fato público, enquanto a outra envolve comportamento verbal sob o controle de outros exemplos de comportamento verbal, isto é, outras “crenças” ou regras que não impliquem em contradições. Em exemplos mais complexos, a correspondência pode ser ilustrada por meio da descrição de uma relação funcional que, de acordo com a noção de teoria de Skinner como um conjunto parcimonioso de leis, ilustra a coerência se estiver de acordo com esse conjunto de leis ou a necessidade de corrigir a teoria se revelar alguma contradição lógica ou empírica inaceitável.

Em resumo, é trivial que o contato sensorial com o mundo pode ser o início do conhecimento, mas contato não é suficiente. Uma pessoa conhece o mundo e como se comportar nele, à medida que adquire o comportamento que satisfaz as contingências que o mantém, e a distinção entre regras e contingências equivale à distinção entre variáveis controladoras distintas responsáveis pelos diferentes “significados” dos comportamentos. As regras [leis] da ciência são públicas, sobrevivem aos cientistas que interagem com sistemas de reforço e, assim, adquirem repertórios discriminativos cuja descrição as tornam disponíveis a outros cientistas que são, por sua vez, guiados por elas (Skinner, 1969). Mas essas regras não descrevem o que se passa no mundo “lá fora”, independentemente da experiência do cientista que, no início, as aprende com a comunidade científica - fatos, leis e teorias (estímulos especificadores de contingências) e, depois, as corrige através de sua experiência sempre em curso (Abib, 1993b). Portanto, as leis da ciência não descrevem a realidade, mas sim a experiência do cientista e ele ou outros as empregam fazendo predições acerca do que pode acontecer sob determinadas condições iniciais conhecidas. E, assim, quem segue as leis da ciência não é a natureza, mas sim os cientistas ao agirem de acordo com elas para prever e produzir os efeitos práticos de interesse (Skinner, 1969).

Strawson (1992/2002) avança na análise crítica da teoria do conhecimento questionando a metáfora dos fundamentos, segundo a qual uma classe especial de proposições, a saber, as proposições da observação corrente constituem a evidência última, as razões derradeiras (os fundamentos ou a justificação) para aceitarmos como verdadeiras outras coisas que dizemos conhecer. Após mostrar os equívocos a que muitos filósofos sucumbiram adotando a metáfora, Strawson sustenta que existe uma verdade mais geral e interessante a ser recuperada dessas ruínas:

“A formação do corpo de crenças do indivíduo - a formação da sua imagem do mundo - é o resultado causal da sua exposição ao mundo e da interação com ele, incluindo a educação recebida de outros membros da comunidade; e é evidente que essa exposição envolve observação (ver e ouvir). Em algum ponto do processo emerge o poder da reflexão crítica e autoconsciente. Talvez não se possa dizer que o indivíduo possua um corpo de crenças anterior a esse poder. Mas com certeza não diremos que esse poder emerge antes do in-divíduo possuir um corpo de crenças. Wittgens-tein disse muito bem: “Quando começamos a acreditar em algo, aquilo em que acreditamos não é uma proposição isolada, é um sistema in-teiro de proposições. A luz pouco a pouco ilumi-na o todo” (Strawson, 1992/2002, pp. 126-127).

E de modo muito coerente com o behaviorismo radical, a despeito da diferença em terminologia, para Strawson, o ponto a ser enfatizado é a natureza operante e contínua da exposição do indivíduo ao mundo. A todo o momento, nosso sistema de conhecimento (ou crença) tem de acomodar as crenças que a experiência corrente (ou a observação corrente) provoca em nós nesse momento de forma tal, que os estados subseqüentes de nosso sistema de crença são o resultado de um processo continuado de acomodação às incessantes pressões da experiência. Por fim, ele acrescenta não uma intuição teórica ou filosófica, mas um preceito estritamente prático, um convite à crítica muito salutar, pois avesso ao dogmatismo e também coerente com o pragmatismo behaviorista:

“Nem toda crença mantida ou informação pretendida pode ser verificada ou testada através do testemunho de nossos olhos e ouvidos; mas algumas podem e devem sê-lo. O ceticismo radical e universal (isto é, filosófico) é na pior das hipóteses sem sentido; na melhor, vazio. Mas um ceticismo prático e seletivo é sábio, particularmente quando o que está em questão são as asserções de partes interessadas ou de pessoas com opiniões fortemente partidárias ou ideológicas, apesar do seu desinteresse no plano pessoal” (Strawson, 1992/2002, pp.127-128).

C) Causa e Explicação

Como vimos, Strawson (1992/2002) distingue entre a suposta relação natural de causalidade, mantida entre coisas na natureza, e a relação explicativa não-natural (racional) entre fatos ou verdades. Para ele, seguramente, o poder de um fato explicar outro deve ter alguma base no mundo natural onde os eventos ocorrem, as condições vigorem e as relações causais se mantêm. Temos que pensar assim sob pena de sustentar que a própria relação causal não tem existência natural (ou existência nenhuma) fora de nossas mentes. Em parte, esta posição resume a doutrina de Hume, considerada “a opinião aceite” por seu maior crítico que assim a descreve: somente através da percepção e comparação de eventos que sucedem repetidamente de modo uniforme a outros fenômenos precedentes é que primeiramente fomos levados a elaborar para nós o conceito de causa (Kant, 1871/ 1983). Strawson sustenta que a opinião aceite está em parte correta e em parte errada.

Conforme Strawson, Hume seguiu a pista de uma fonte subjetiva que considerava ser o aspecto distintivo da concepção de causalidade como uma relação natural, a que se referia como a idéia de conexão necessária e seus “quase”-sinônimos (eficácia, força, agência, poder, energia, necessidade e qualidade produtiva). A idéia discernível nos conceitos de “poder”, “força” e “compulsão” parece derivar da impressão de força exercida ou sofrida nas transações mecânicas (empurrar, puxar, ser empurrado ou puxado). Portanto, não é de se admirar que essas transações forneçam um modelo básico quando efetuamos a busca teórica das causas ou “mecanismos” causais (Strawson, 1992/2002).

O modelo permitiu o exame das noções de atração e repulsão, da mecânica dos corpos sólidos, do comportamento dos fluidos, da corrente elétrica, etc. Em geral, então, a busca de teorias causais é uma busca de modos de ação e reação que não são observáveis no nível mais corrente (hipóteses e postulados) e que achamos inteligíveis porque os modelamos sobre (ou pensamos neles por analogia com) aqueles vários modos de ação e reação que a experiência oferece à observação vulgar ou nos quais temos consciência de tomar parte ativa ou de os suportar. Entretanto, nas fronteiras mais sofisticadas da teoria física os modelos parecem completamente esgotados. A causação é engolida pela matemática (Strawson, 1992/2002). Admitindo a completa disposicionalidade dos nossos conceitos pré-teóricos correntes das coisas e qualidades, isto é, que eles antecedem a experiência, e negando que as meras regularidades de sucessão por si próprias nos são suficientes para encontrar as causas, Strawson conclui que Kant está fundamentalmente certo contra Hume. Segundo ele, Kant possuía uma compreensão segura do ponto central de que o conceito de eficácia causal não deriva da experiência de um mundo de objetos, mas é por ela pressuposto; ou, talvez melhor, já está conosco quando a “experiência” começa. Entretanto, Kant assim começa sua análise crítica da razão pura:

“Não há dúvida de que todo o nosso conhecimento começa com a experiência; do contrário, por meio do que a faculdade de conhecimento deveria ser despertada para o exercício senão através de objetos que toquem nossos sentidos e em parte produzem por si próprios representações, em parte põem em movimento a atividade do nosso entendimento para compará-las, conectá-las ou separá-las e, desse modo, assimilar a matéria bruta das impressões sensíveis a um conhecimento dos objetos que se chama experiência? Segundo o tempo, portanto, nenhum conhecimento em nós precede a experiência, e todo o conhecimento começa com ela” (Kant, 1871/1983, p. 23).

Considerando que as categorias do entendimento (os conceitos “pré-teóricos” ou a priori) são vazias antes de serem aplicados aos objetos do conhecimento, uma interpretação plausível é que não há oposição entre razão e experiência. Conforme Abib (1993a), sendo essas categorias puras e a priori, isto é, nada contendo de empírico e sensível, elas por si mesmas não representam nenhum conhecimento, são vazias. Essas formas de pensamento, contudo, aplicadas ao objeto de uma intuição, produzem conhecimento e sem elas não há conhecimento possível. De fato, Abib afirma não haver, na filosofia de Kant, oposição entre os conceitos de razão e experiência, sendo o objeto da sua crítica a ilusão da possibilidade de um conhecimento racional sobre a alma, o mundo e Deus, assim como não há oposição entre idealismo e realismo. Isto porque o idealismo transcendental é uma investigação dos objetos como fenômenos ou representações, não como “coisa-em-si”, número ou objeto transcendental. Para Kant, um objeto como coisa existente fora de nós, independente de nossa sensibilidade, não pode ser objeto de conhecimento. Portanto, parece possível conciliar os conceitos de razão e experiência, idealismo e realismo e, assim, superar os equívocos que engendram (Abib, 1993a).

Chiesa (1994) esclarece que a filosofia de Skinner segue a ênfase de Ernst Mach, que se opôs ao mecanicismo da física teórica do século XIX, baseadas em especulações metafísicas hipotéticas sobre um éter, força ou agência causal e outras entidades inobserváveis, bem como à distinção entre descrição e explicação, e promoveu uma visão de ciência descritiva, observacional e integrativa. A crítica de Hume a essas referências hipotéticas levou Mach a defender como tarefa da ciência somente a descrição das relações constantes (relações funcionais) e combater as interpretações que avançavam além das descrições de dependências funcionais. As especulações hipotéticas seriam apenas auxílios provisórios (ou heurísticas) úteis para gerar novas questões e estabelecer novas relações e leis empíricas que, depois, deveriam ser dispensadas em vez de transformadas em realidades ontológicas, posto que têm um papel importante embora intrinsecamente transitório na ciência natural, na medida em que não descrevem nada do mundo (Chiesa, 1994). Mach sustentou que a explicação em ciência natural é a descrição de relações funcionais, por meio de termos e conceitos que relacionem suas uniformidades entre classes ou propriedades e tornem tais relações familiares e compreensíveis (Baum, 1994). Assim, combateu a visão mecanicista de que a “coisa-no-meio” inferida explique a relação, simplesmente porque “não existe causa e efeito na natureza, exceto se alguém escolhe chamar relações constantes e funções matemáticas de causas”(Chiesa, 1994, p. 112).

Conforme Skinner (1969), o comportamento como objeto de estudo não requer o método hipotético-dedutivo porque é geralmente observável como a maioria das variáveis de que é função, onde as exceções colocam problemas mais técnicos do que metodológicos. As hipóteses surgem com freqüência somente porque o pesquisador voltou sua atenção para eventos inacessíveis - alguns dos quais fictícios e outros irrelevantes (Skinner, 1969). Antes, Skinner (1953, p. 140) resumiu assim a origem do conhecimento:

“O controle funcional exercido por um estímulo permite distinguir entre sentir e certas outras atividades sugeridas por termos como “ver”, “perceber” ou “conhecer”. “Sentir” pode ser tomado para se referir à mera recepção do estímulo. “Ver” é o comportamento “interpre-tativo” que um estímulo controla. O termo “ver” caracteriza uma relação especial entre comportamento e estímulos. É diferente de “sentir” da mesma forma que responder é diferente de ser estimulado. Nossa “percepção” do mundo - nosso “conhecimento” do mundo - é o nosso comportamento em relação ao mundo. Não deve ser confundido com o mundo propriamente dito ou com outro comportamento em relação ao mundo ou com o comportamento de outros em relação ao mundo”.

Hineline (1990) aponta que, na linguagem comum, considera-se uma pessoa ou organismo como o agente iniciador do comportamento, enquanto na formulação behaviorista radical o papel é atribuído ao ambiente. Entretanto, falar do ambiente como agente iniciador ou dizer que o ambiente seleciona o comportamento envolve atribuir muito ao ambiente, obscurecendo a ênfase real da formulação behaviorista, melhor descrita na forma passiva: o comportamento é selecionado pelo ambiente (Hineline, 1990). Essa análise destaca os aspectos ativo e dinâmico do conceito de operante como ação no ambiente em vez de sobre o ambiente e resume a concepção causal da abordagem: considerar o organismo integral como “anfitrião” de seu comportamento, um ponto focal de energia e atividade e um “lugar” onde as variáveis genéticas e ontogenéticas se juntam (Skinner, 1972; Hineline, 1980). Com base na noção de causação múltipla, articula-se o princípio de seleção de variações como um modelo causal (Skinner, 1981), onde: “(1) a força de uma única resposta poder ser, e usualmente é, uma função de mais de uma variável; e (2) uma única variável afeta mais do que uma resposta” (Skinner, 1957, p. 227). Ela é útil para a análise do comportamento verbal, mas também “para ilustrar que muitas variáveis contribuem para qualquer situação, que as situações podem ser analisadas pelo modo como essas variáveis são divididas e classificadas” (Chiesa, 1994, p. 114), tornando possível esclarecer onde se dirigem as ciências naturais e as várias subdisciplinas da psicologia na busca de relações causais. Conforme Moore (2000a), o behaviorismo radical enfatiza as fontes pragmáticas e as contribuições do comportamento verbal considerado como explicativo.

A análise filosófica e científica esboçada acima sustenta que o comportamento do organismo como um todo é produto de três tipos de variação e seleção: filogenético, ontogenético e cultural (Skinner, 1981), onde as falhas de cada nível são corrigidas no seguinte (Skinner, 1990). No primeiro, a seleção natural é res-ponsável pela evolução da espécie e seu comportamento específico que é eficaz so-mente em um mundo muito semelhante àque-le em que a espécie evoluiu (Skinner, 1990). O organismo não nasce como uma “tabula rasa” mas construído para ser afetado por estímulos cruciais de seu contexto5 (Baum, 1994). No segundo, ao longo da vida do indivíduo, são formados padrões comportamentais com-plexos através da imitação6 e do reforçamento operante, entre os quais, apenas no nível hu-mano capaz de comportamento verbal, se pode aprender a seguir e formular regras. E, no terceiro, são selecionados padrões compor-tamentais, principalmente verbais, nas intera-ções com os membros do grupo social, envol-vendo a aprendizagem de regras úteis porque descrevem contingências de longo prazo e orientam as práticas relacionadas à sobre-vivência do grupo e sua cultura (Skinner, 1971/1987; 1981), e em que a ciência se inclui como um dos exemplos mais conspícuos. Com base no modelo de falseamento de hipó-teses de Karl Popper, Dodwell (1988, p. 241) afirmou que “não há circunstâncias sob as quais uma proposição da teoria skinneriana pudesse ser conclusivamente refutada”. Para rebater e se posicionar sobre a questão da verdade, Skinner assim se pronunciou:

“O falseamento presumivelmente é o oposto do estabelecimento da verdade, mas não a sustento mesmo em casos simples. Até o ponto em que estou envolvido, a ciência não estabelece a verdade ou falsidade; ela busca o modo mais eficiente para lidar com os seus objetos de estudo. A teoria da evolução não é verdadeira ou falsa; é a melhor interpretação possível de uma vasta série de fatos à luz de princípios que vêm sendo lentamente melhor compreendidos na genética e outras ciências biológicas. Fui ousado o bastante para sugerir que uma análise cuidadosa da teoria física moderna, usando os termos da análise experimental do comportamento, poderia esclarecer algumas das fontes de suas controvérsias atuais” (Skinner, 1988a, p. 241-242).

A ousadia ilustra sua confiança na possibilidade da epistemologia comportamental que buscou desenvolver, enquanto liderava a promoção de uma ciência do comportamento autônoma e a interpretação da ciência como o comportamento dos cientistas.

 

2) Comentários Finais

Do debate acima esboçado, pode-se concluir que o ponto central das controvérsias envolve sustentar ou refutar a existência de duas substâncias, uma natural e a outra não-natural. Enquanto Strawson (1992/2002) e grande parte dos teóricos da psicologia sustentam as duas, Skinner questiona que os eventos chamados mentais tenham propriedades especiais e os reinterpreta como processos comportamentais. Ele, “na verdade, não admite nem mesmo a idéia de substância. É um monista. Existem eventos subjetivos, mas sua condição subjetiva decorre de sua privacidade e não de sua natureza” (Abib, 1997, p. 128). A ênfase de Skinner na possibilidade de uma ciência do comportamento humano, nos mesmos moldes das ciências naturais, recebeu ataques de todos os tipos, mas nem sempre as críticas se revelaram úteis ao debate por atingirem a pessoa e não sua posição teórica e filosófica. E assim se pronunciou a esse respeito:

“Por que não fui mais prontamente entendido? Má exposição de minha parte? Tudo que posso dizer é que trabalhei duro nesses artigos, mas a posição central, entretanto, não é tradicional e talvez seja este o problema. Mover-se de uma determinação interna do comportamento para uma determinação ambiental é um passo difícil”.

Mas Skinner a seguir pergunta

“Por que a discussão nas ciências comportamentais tem que ser tão pessoal? Einstein não aludiu à 'senilidade' de Newton nem Mendel e outros acusaram Darwin de 'ignorar totalmente' as bases genéticas da evolução. Por que foi tão tentador dizer que sou 'estranhamente provinciano', 'quixotesco' ou que certa outra questão é 'uma trágica ironia'? Esses pontos são relevantes numa discussão científica? Eu tentei manter o tom pessoal fora de minhas réplicas, mas a tentação foi grande e falhei em alguns pontos. De qualquer modo, foi inevitável gastar tempo e espaço com a simples correção de confusões sobre os fatos e minha posição, onde daria boa vinda às oportunidades para trocas mais produtivas. Qualquer que seja a utilidade desta edição, pelo menos deverá ser de interesse para o futuro historiador como uma amostra do estilo de discussão entre os cientistas comportamentais do final do século XX” (Skinner, 1988b, p. 487-488).

A preocupação de Skinner com a definição rigorosa de termos e conceitos para que sejam cientificamente úteis, obrigou-o a debater extensamente com seus críticos como quando utilizou a famosa estratégia de Émile Zola em Dreyfus affair: 'J' accuse...' e resumiu seis críticas aos cientistas cognitivos, entre elas “Eu acuso os cientistas cognitivos de relaxarem os padrões de definição e pensamento lógico e formularem enchentes de especulações características da metafísica, literatura e conversação coloquial, talvez adequadas para tais propósitos, mas inimigas da ciência” (Skinner 1985, p. 300). Finalmente, para ilustrarmos que o debate-alvo deste ensaio envolve interlocutores respeitáveis, Skinner assim resumiu sua posição em palestra proferida em 1972, cujo título foi Humanismo e Behaviorismo:

"O fato importante é que nas contingências, sociais e não-sociais, que promovem o conhecimento (do mundo e de si mesmo) não há nada além de estímulos e respostas; elas não incluem processos mediadores. O que sentimos durante as emoções e o que observamos por meio da introspecção são nada mais que uma mistura de conjuntos de produtos colaterais ou subprodutos das condições ambientais às quais o comportamento está relacionado. Com isso, quero dizer que Platão nunca descobriu a mente? Ou que Tomás de Aquino, Descartes, Locke e Kant estavam preocupados com subprodutos incidentais do comportamento humano e, com freqüência, irrelevantes? Ou que as leis mentais da psicologia de Wundt, o fluxo de consciência de William James ou o aparelho mental de Sigmund Freud não ajudam no entendimento do comportamento humano. Sim, é exatamente o que quero dizer" (Skinner, 1978, p. 51).

Embora não ofereça qualquer justificativa lógica para o livre-arbítrio, Nagel (1987/2001) afirma que se pensasse que seu comportamento foi determinado pelas circunstâncias e condição psicológica corrente, ele se sentiriencurralado; e se pensasse a mesma coisa sobre todas as outras pessoas, sentiria que não somos mais do que um bando de marionetes. Conforme Skinner (1974), em uma ciência do comportamento ou em sua filosofia não há nada que obrigue alterar sentimentos ou observações introspectivas e que estas e os sentimentos merecem reconhecimento, mas a ênfase é dada às condições ambientais a que estão ligados e são elas, e não os sentimentos, que nos habilitam a explicar o comportamento. Como filosofia de uma ciência do comportamento, o behaviorismo exige, provavelmente, a mais dramática mudança jamais proposta em nossa forma de pensar sobre o homem, que implica literalmente em virar pelo avesso a explicação do comportamento (Skinner, 1974).

 

 

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Recebido em: 22/11/04
Primeira decisão editorial em: 22/05/05
Versão final em: 20/06/05
Aceito em: 22/06/05

 

 

1 Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro, Gleba A, Colina, Bloco B, ap. 33 CEP 70904-102, Asa Norte, Brasília (DF), e-mail: cameschi@unb.br
2 Endereço: e-mail: lorismario@ucg.br.Trabalho realizado com apoio de bolsa do CNPq, processo no. 301881-88-0.
3 Este conceito, formulado por W. O. Quine, filósofo norte-americano, é um modo econômico de se referir a processos que se supõe ocorrerem na mente quando buscamos explicar a distinção entre o natural e o intelectual, empregando de modo bem liberal noções tais como pensamentos, significados, propósitos, conhecimento, necessidade lógica ou semântica, etc (Strawson, 1992/2002). Portanto, resume os conceitos do mentalismo.
4 Conforme o behaviorismo radical, os significados estão em algumas das propriedades das contingências e as correspondências palavra-mundo criam a ilusão de que as palavras carregam em si mesmas os significados. Conforme Moore (2000b), as palavras não substituem as coisas. Ou seja, uma mesma palavra pode ocorrer em diferentes contextos que são os determinantes dos seus significados (Skinner, 1957).
5 Esta predisposição talvez possa justificar a absurda teoria das idéias inatas, combatida por Hume tanto quanto a lei da causalidade como inerente ao mundo físico, ao sustentar que o próprio raciocínio experimental que compartilhamos com os animais, do qual depende toda a conduta da vida, é nada mais que uma espécie de instinto ou um poder mecânico que age em nós sem que tenhamos consciência dele (Hume, 1748/1972). Talvez, como todos os organismos têm reações ou respostas inatas, incluindo “as respostas adaptadas a acontecimentos iminentes”, o mentalista rotula-as como “expectativas” para sustentar a “expectativa de encontrar regularidades” como “conhecimento inato” e que “nascemos, portanto, com expectativas - com um 'conhecimento' que é anterior a experiência derivada da observação.” Entretanto, somente quando nos comportamos verbalmente, é que uma regra está envolvida (Skinner, 1989) e exibimos o que é considerado “racional”, quando aprendemos a formular e seguir as regras que descrevem as contingências, habilidades que se caracterizam como comportamento operante selecionado por contingências de reforço e punição (Baum, 1994).
6 O comportamento operante é imitado porque existe possibilidade de ocorrências das mesmas conseqüências reforçadoras; a imitação é especialmente importante quando as contingências são escassas e porque “evoca” o comportamento pela primeira vez e, assim, as conseqüências reforçadoras passam a assumir sua função (Skinner, 1989; 1990).