Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.14 no.2 São Paulo ago. 2012
ARTIGOS ORIGINAIS
Cultura organizacional: a visão da análise do comportamento
Organizational culture: vision of the analysis of behavior
André Vasconcelos-SilvaI,*; João Claúdio TodorovII,**; Renata Limongi França Coelho SilvaIII,***
IUniversidade Federal de Goiás - UFG - Brasil
IIConselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - Universidade de Brasília - UNB - Brasil
IIICentro de Educacional de Catalão - CESUC - Brasil
RESUMO
Com o presente estudo, propôs-se realizar um levantamento nos principais periódicos nacionais da Administração e da Análise do Comportamento a fim de identificar categorias de assuntos pertinentes à cultura organizacional, bem como apresentar a compreensão que a análise do comportamento estabeleceu sobre cultura organizacional. Para a realização desse levantamento, foi feito um recorte entre os anos de 1997 e 2008, em periódicos de Administração e de Psicologia. O procedimento para realizar essa revisão de literatura envolveu inicialmente o acesso ao banco de dados das revistas indicadas para levantamento dos sumários de cada volume. Em seguida, foram lidos todos os resumos dos artigos e separados os trabalhos referentes ao universo conceitual da cultura organizacional, independentemente da abordagem. Por fim, os artigos que contemplavam o tema cultura organizacional foram lidos e categorizados para o caso presente, levando em consideração a temática abordada. Foi possível verificar que, na tendência comportamental, a cultura organizacional pode ser analisada em termos de três componentes: resultados importantes para a sobrevivência, práticas de membros organizacionais e ligações entre resultados e práticas. Com isso, identificou-se que o estudo das práticas culturais ou dos processos culturais tem sido de grande relevância para o campo do Comportamento Organizacional, além de o tema ser de fundamental importância para ampliar a consolidação da Análise do Comportamento como ciência, como produtora de conhecimento básico ou aplicado e como área tecnológica responsável por modificações comportamentais.
Palavras-chave: Comportamento Organizacional, Cultura Organizacional, Análise do Comportamento.
ABSTRACT
The present study aims to conduct a survey in the Administration and Behavior Analysis major national journals, to identify categories pertaining to organizational culture and to provide a behavior analysis understanding of organizational culture. We conducted a survey between the years 1997 and 2008, in journals of Management and Psychology. The procedure for performing this literature review initially involved access to a database of journals volumes searching for summaries. All articles abstracts and separate works that addressed issues related to the conceptual universe of organizational culture, regardless of the approach, were read. Finally, articles about the subject organizational culture were read and categorized. It was noted that, in the behavioral tendency, the organizational culture can be analyzed in terms of three components: Important results for survival, practices of organizational members and connections between results and practices. With this, we identified that the study of cultural practices or cultural processes have been relevant to the field of Organizational Behavior. Moreover, the issue is also of fundamental importance to enlarge the consolidation of behavior analysis as a science, and is a producer of basic and applied knowledge and as a technological area responsible for behavioral changes.
Key-words: Organizational Behavior, Organizational Culture, Behavior Analysis.
Introdução
Flexibilização das leis trabalhistas, mudanças tecnológicas, novas demandas de qualificação, dificuldade de organização dos trabalhadores, elevados índices de desemprego, somados a outros processos têm imprimido desenvolvimentos tanto na área acadêmica como nas políticas econômicas e sociais nas últimas décadas.
A diversidade de disciplinas voltadas para soluções das diversas demandas das organizações, analisando comportamento dos grupos e dos indivíduos dentro delas, desencadeou o reconhecimento e a formação do campo do comportamento organizacional.
A partir de uma conjuntura de contínuas mudanças nos objetivos e nas estruturas das organizações públicas e privadas, têm-se buscado metodologias mais eficazes para viabilizar mudanças da cultura organizacional, ou seja, para garantir alterações de práticas de grande escala e para facilitar uma resposta rápida às ameaças à sobrevivência das organizações (REDMON e MASON, 2001). Dessa forma, a compreensão da cultura organizacional se faz primordial, e tem sido relevante o desenvolvimento e o aprimoramento de teorias que contribuam com as demandas organizacionais.
Comportamento Organizacional e a Cultura Organizacional. Pode-se afirmar que uma característica presente e resultante da Revolução Industrial seja o desenvolvimento do foco aguçado e investigativo nas organizações, as quais se tornaram um fenômeno com o qual a sociedade atual tem se acostumado a viver. Um fenômeno que passou a fazer parte das ações diárias dos indivíduos, refletindo, assim, sua relevância social.
A diversidade de definições existentes sobre o que seria uma organização é discutida por Bastos, Loiola, Queiroz e Silva (2004). Esses autores evidenciam em sua análise que o estudo das organizações é marcado por múltiplos conceitos, o que acaba por indicar a existência de diferentes modelos teórico-metodológicos de análise e de investigação das organizações.
De maneira geral, os diversos modelos teóricos abordam as organizações como um processo ou uma entidade, havendo também tentativas de elaborar convergências entre as duas características. Ao se propor o estudo da cultura organizacional a partir de relatos dos empregados ou dos dirigentes, buscase inferir sobre os fenômenos culturais.
Tendo por base a visão da Análise do Comportamento, pode-se, entretanto, entender organização como a interação dinâmica entre o comportamento de seres humanos e seus produtos/realizações (GLENN e MALOTT, 2004). Ou seja, mediante as diversas tarefas desempenhadas por indivíduos (empregados) haverá consequências individuais e outras resultantes do acúmulo dos desempenhos estabelecidos, que podem ser entendidas como produto da organização. "Uma organização é definida pelo que produz" (GLENN e MALOTT, 2004).
Nesse sentido, ao considerar as organizações, uma das principais demandas contemporâneas refere-se ao produto por elas apresentado, seja nas organizações públicas (Redmon e Wilk, 1991) ou privadas (Redmon e Agnew, 1991). Porém, independentemente de sua natureza e de sua constituição, elas se mantêm pelos seus produtos elaborados. No caso de uma organização pública, o produto elaborado seria o atendimento à população que atinge necessidades específicas. Já no caso de uma organização privada, o produto, de maneira geral, seria a obtenção de lucro, aumento na produtividade, aumento do número de clientes e de acionistas.
Para que uma organização possa viabilizar as condições de sobrevivência, para que atinja os produtos almejados, que são, de certa forma, seus objetivos, são necessárias diversas formas de planejamento de estratégias para lidar com os indivíduos em interação (Cutilli e Clarke, 2000; Eubanks e Lloyd, 1992; Daniels, 1989).
Como fenômeno de investigação, as organizações são extremamente amplas e diversificadas. O campo de estudo do comportamento organizacional também reflete a diversidade do fenômeno organizacional e envolve o estudo de sistemas multiníveis (Griffin e Moorhead, 2006). A evolução conceitual do campo apresenta tentativas de determinação dos níveis estruturais das variáveis que compõem os temas de seu interesse e das disciplinas que poderiam oferecer o instrumental adequado para as análises e investigações (Siqueira, 2002).
Sendo assim, a distinção em níveis de análise foi um dos principais aspectos a influenciar na evolução do campo do comportamento organizacional. As tendências dos níveis de análises podem ser evidenciadas nas publicações das revisões sobre os temas de interesse do campo de estudo, que ocorreram a partir de 1979, na Annual Review of Psychology (Mitchell, 1979; Cummings, 1982; Staw, 1984; Schneider, 1985; House & Singh, 1987; Ilgen & Klein, 1988; O'Reilly, 1991; Mowday e Sutton, 1993; Wilpert, 1995; Rousseau, 1997; Brief & Weiss, 2002).
A primeira revisão (Mitchel, 1979) reconheceu o crescimento do campo do comportamento organizacional, porém evidenciou-o a partir de uma tendência prioritariamente individual. Ou seja, adotou-se um quadro de referência que abordava as dimensões relativas às dinâmicas psicossociais do indivíduo e as dimensões de sua atuação no contexto organizacional. As dimensões mais evidenciadas foram: personalidade, motivação, atitudes (satisfação, comprometimento, atribuições) e liderança.
Já a revisão de Cummings (1982), a segunda, pôs em evidência as dimensões coletivas da organização. Nessa revisão, a tendência adotada foi a de evidenciar o campo a partir das produções que enfatizavam a organização como um todo. Os tópicos mais destacados foram: a estrutura organizacional, políticas de recursos humanos, feedback, tecnologias, planejamento do trabalho e o contexto físico no qual o trabalho ocorre.
Foi na terceira revisão (Staw, 1984) que se postulou - ou se reconheceu - que o campo era dividido em duas grandes áreas: a) macrocomportamento organizacional, que aborda questões referentes à totalidade ou unidade da organização e tem como tópicos básicos de investigação: a cultura organizacional, políticas de recursos humanos, estrutura organizacional, programas de mudanças organizacionais, desenho do trabalho e contexto físico; e b) microcomportamento organizacional, que aborda e estuda questões referentes aos determinantes dos comportamentos individuais, a interação dos processos psicológicos com os comportamentos e a relação dos comportamentos com os sistemas organizacionais. Essas áreas se apoiariam em algumas disciplinas: a macro, na Sociologia, Economia, Antropologia e Ciência Política; a micro, na Psicologia.
Nessa revisão, ficou destacada a necessidade que o campo do comportamento organizacional tem de desenvolver metodologias e formulações teóricas que articulem as áreas macro e micro organizacionais. Evidenciam-se, aqui, os estudos multiníveis como estratégia interdisciplinar para analisar os constructos sociológicos, em termos dos mecanismos psicológicos envolvidos, o que promoveria uma melhor integração entre as áreas.
Na tentativa de aprimorar o campo do comportamento organizacional, na quarta revisão, de Schneider (1985), fica proposta uma nova estruturação das áreas, ou níveis de análise. Ao destacar a falta de integração teórica entre as áreas micro e macro, o autor estrutura a revisão em três focos: a) individual, que abordava tópicos referentes à motivação, satisfação, stress, comprometimento, rotatividade e socialização; b) foco grupal e organizacional, abordando a temática da liderança e gerência, grupos, clima e cultura; c) foco na produtividade, abordando os programas de mudanças organizacionais.
Da quinta à nona revisão (House & Singh, 1987; Ilgen & Klein, 1988; O'Reilly, 1991; Mowday e Sut-ton, 1993; Wilpert, 1995), priorizou-se a tendência da área macro organizacional, tentando salientar a necessidade de se promover a interação entre variáveis individuais e organizacionais (efeitos interníveis), bem como identificar a influência do contexto na interseção das áreas. Isso significa que essas revisões evidenciam a crescente proximidade entre as áreas macro e micro-organizacional.
Nas duas últimas revisões - que receberam um detalhamento melhor posteriormente -, na de Rousseau (1997) percebeu-se o objetivo de avaliar o campo do comportamento organizacional refletindo sobre a mudança de organizações corporativistas para organizing. Aqui, a autora explica as mudanças que definiram uma nova era organizacional e apresenta os assuntos gerais do campo do comportamento organizacional, o qual está sofrendo alterações significativas. No detalhamento de cada um desses assuntos gerais, a autora aponta as mudanças de conceito e cita os relatos de pesquisa que comprovam tais transformações.
Já na revisão de Brief e Howard (2002), o que se observa é a preocupação em avaliar o que é conhecido sobre experiências afetivas (humor e emoções) em organizações de trabalho, buscando investigar as lacunas existentes na literatura e sugerir como estas podem ser superadas.
Para isso, as autoras apresentaram um contexto histórico que valoriza questões sobre afeto no trabalho. Nessa revisão, destacaram os estudos iniciados na metade da década de 80, e discutiram a influência recíproca entre o ambiente de trabalho, o humor e as emoções. A partir desse histórico do estudo do comportamento organizacional, podem-se destacar os principais tópicos de análise da área.
Em um nível macro-organizacional, as análises consistiriam em identificar a estrutura e o comportamento das próprias organizações; e, em um nível micro -organizacional, os temas abordados seriam: afeto no trabalho, aprendizagem no trabalho e sua transferência para outros indivíduos ou para outros desempenhos, efeitos de mudanças organizacionais ou atitudes frente a estas mudanças, clima organizacional, cognição no trabalho, competências no trabalho e nas organizações, comportamentos de fuga e esquiva no trabalho, contratos psicológicos, criatividade e solução de problemas no trabalho e nas organizações, cultura organizacional, desempenho produtivo, desvios de comportamento no trabalho, estresse no trabalho, interações sociais nas equipes e nas organizações de trabalho, motivação no trabalho, significados e tomada de decisão e julgamentos no trabalho.
Entre os anos de 1995 e 1997, a pesquisa na área organizacional, em especial no campo do comportamento organizacional, tem se configurado como uma tendência investigativa (Rousseau, 1997). Porém, em função das mudanças nas relações de trabalho que vêm ocorrendo, podem-se observar as seguintes alterações: enfraquecimento do papel da hierarquia pela descentralização das práticas de gestão, pela influência de fatores ambientais nessa relação de trabalho e pelo aumento da incerteza e da dinâmica conflituosa ocorridas no emprego.
As autoras ainda comentam que, com a descentralização da gestão de pessoas e adaptações à realidade dos mercados, tem-se atentado para as relações com superiores imediatos que estruturam a distribuição das recompensas. Aspectos como salário variável e pressão do grupo no indivíduo emergem como substitutos de influência gerencial e do compromisso anteriormente considerado em um nível individual de cada membro que representa um maior peso dos desempenhos do grupo e do indivíduo no acesso às recompensas. A própria recompensa em si tem se modificado: antes, esperava-se promoção e status formal; e busca-se a construção da carreira e empregabilidade.
Portanto, é possível verificar que, a partir das revisões do Annual Review of Psychology, para uma análise organizacional deve-se envolver a diversidade de aspectos relativos ao campo de estudo do comportamento organizacional, porém faz-se necessário descrever as variáveis determinantes, não só do comportamento individual| mas também de unidades coletivas, em especial da cultura organizacional. Com isso, a partir de um levantamento nos principais periódicos nacionais da Administração e da Análise do Comportamento objetiva-se identificar categorias de assuntos pertinentes à cultura organizacional, bem como identificar a compreensão que a análise do comportamento estabeleceu sobre cultura organizacional.
Método
Para se ter clareza da produção bibliográfica acerca do tema cultura organizacional, foi realizado para esse estudo um levantamento sobre a produção nacional acerca de cultura organizacional entre os anos de 1997 e 2008, nos periódicos de Administração (Revista de Administração Contemporânea - RAC, Revista de Administração Pública - RAP, Revista de Administração de Empresa - RAE, Organização e Sociedade - O&S e Anais do Encontro Nacional da Associação de Pós- Graduação em Administração - ENANPAD) e nos de Psicologia (Psicologia Reflexão e Crítica, Psicologia Teoria e Pesquisa, Estudo em Psicologia, Estudos de Psicologia, Temas em Psicologia, Revista da Associação Brasileira de Psicoterapia Comportamental e Revista Brasileira de Análise do Comportamento).
O procedimento para se realizar essa revisão de literatura envolveu inicialmente o acesso ao banco de dados das revistas indicadas para levantamento dos sumários de cada volume. Em seguida, foram lidos todos os resumos dos artigos e separados os trabalhos que abordavam questões referentes ao universo conceitual da cultura organizacional, independentemente da abordagem. Por fim, os artigos que contemplavam o tema cultura organizacional foram lidos e categorizados para o caso presente, levando em consideração a temática abordada.
Resultados e Discussão
O estudo da cultura organizacional apresenta diversas visões teórico-metodológicas (Zanelli e Silva, 2004; Redmon e Mason, 2001; Eubanks e Lloyd, 1992). É possível identificar dois grandes eixos sobre o estudo da cultura organizacional: a tendência mentalista e a comportamental. A partir de uma visão mentalista, a cultura pode ser classificada em teorias idealistas (Keesing, 1974) que, seja por sistemas cognitivos, estruturais ou simbólicos, irão explicar a dinâmica cultural nas organizações.
Como abordado por Redmon e Mason (2001), esta visão afirma que a cultura vem de crenças, valores, expectativas e outros constructos que influenciam as práticas de uma organização. Assim, as mudanças em culturas requerem mudanças nos constructos cognitivos que medeiam as influências ambientais sobre as práticas.
Schein (1990, 1996) ilustra a visão idealista quando afirma que os sentimentos, valores e comporta-mentos que fazem parte das práticas culturais são, no final, determinados por percepções, linguagem e processos de pensamentos que um grupo passa a compartilhar. Deal e Kennedy (1982) afirmam também que a cultura está vinculada a valores e crenças compartilhadas pelos membros de uma organização. De modo geral, a vertente idealista tem também buscado descrever o conteúdo da cultura e estabelecer correlações entre mudanças nas crenças, valores e outros constructos e as práticas de uma cultura.
O levantamento da literatura permitiu classificar a produção relativa à cultura organizacional em uma ampla variedade de assuntos, porém há uma predominância na produção da vertente idealista.
Os estudos, de certa forma, envolveram questões referentes a: metodologia para o estudo das culturas (Laino e Rodríguez, 2003; Ferreira, Assmar, Estol, Helena e Cisne, 2002; Cavedon, 1999), caracterização e descrição de práticas culturais (Almeida e Martins, 2003; Saraiva, 2002; Silva e Rocha, 2001; Mesquita, 1998), cultura como variável independente (Toledo e Bulgacov, 2004; Naves e Coleta, 2003; Santos e Fischer, 2003; Mesquita e Goerck, 2001; Porto e Tamayo, 1999; Rodrigues, 1997), percepção da cultura organizacional (Junior e Borges-Andrade, 2004; Silva e Luna, 2004; Cavedon e Fachin, 2000), cultura como elemento determinante na resistência à mudança organizacional (Souza, 2006; Beatriz, 2004; Crubellate, 2003; Quintella e Souza, 2001; Rossini, Crubellate e Mendes, 2001; Baldi, 1998; Machado, 1998; Vergara e Pinto, 1998; Zanatta, 1998; Feuerschüter, 1997) e questões referentes à comparação entre modelos de cultura em aspectos diversos da cultura organizacional (Guiguet e Silva, 2003; Júnior e Junior, 2001; Urdan e Urdan, 2001; Vieira, Crubellate, Silva e Silva, 1999; Zanela, Freitas e Becker, 1998). Não foram identificados trabalhos nos periódicos com o viés comportamental.
Merece destaque o fato de que, na produção da vertente idealista, o desenvolvimento de metodologia adequada e sistemática que busca viabilizar uma mudança organizacional tem sido deixado de lado. Isso se deve à concepção de que não se pode mudar de modo arbitrário uma prática cultural, ou seja, a cultura não pode ser alterada por meio do anúncio de mudanças ou implementação de programas planejados de mudanças, mas sim, ampliada ou ressignificada por meio de alterações de conceitos essenciais nos modelos mentais dos portadores da cultura (Zanelli e Silva, 2004; Redmon e Mason, 2001).
Apesar de a produção ter sido escassa, na tendência comportamental a cultura organizacional pode ser analisada em termos de três componentes: resultados importantes para a sobrevivência, práticas de membros organizacionais e ligações entre resultados e práticas (Glenn e Malott, 2004; Mawhinney, 1992a). Os resultados se referem ao alcance necessário para o sucesso, dadas as demandas do ambiente externo; as práticas se referem aos comportamentos emitidos por membros da organização com uma recorrência e as ligações se referem a métodos de gerenciamento que, sob condições ideais, garantem que as práticas sejam correlacionadas com resultados desejáveis (Mawhinney, 1992b). Dessa forma, a análise da cultura envolve mais que as contingências operantes. Enquanto as contingências operantes permitem que o comportamento do organismo fique sob controle das consequências específicas da história deste indivíduo, as contingências entrelaçadas, que compõem as práticas culturais, permitem que o comportamento de dois ou mais indivíduos ocorram de maneira ordenada e coordenada sob o controle de consequências que não seriam facilmente adquiridas por um processo seletivo ontogenético.
A contingência entrelaçada consiste no envolvimento de um elemento de uma contingência de três termos de um indivíduo com o elemento da contingência de três termos de outro indivíduo. Uma contingência entrelaçada determina quais os eventos em uma contingência operante irão funcionar simultaneamente como antecedente ou consequente para o comportamento de outro indivíduo, enquanto que as consequências individuais controlam certos comportamentos em certos contextos para um organismo. Uma metacontingência, então, envolveria a simultaneidade de funções em relação aos eventos que constituem uma ocorrência das contingências entrelaçadas, permitindo adaptação ou replicação de práticas em relação ao ambiente e aos resultados produzidos.
Uma organização envolve uma diversidade de práticas culturais, ou de contingências entrelaçadas e não entrelaçadas, que pode possibilitar diversos produtos. Porém, na medida em que as contingências entrelaçadas aumentam de complexidade, pode-se dizer que a origem das consequências também se torna complexa, ou seja, as combinações existentes entre as diversas contingências individuais que são necessárias para viabilizar um específico produto se originam tanto das consequências mantenedoras dos comportamentos operantes, como das consequências resultantes dos diversos comportamentos dos membros do grupo (Glenn e Malott, 2004; Glenn, 2003).
Por exemplo, se uma contingência entrelaçada é recorrente em uma organização do ramo de atacadistas, como um supermercado, o resultado das contingências seria a de vendas de produtos. As consequências de um funcionário responsável pelo estoque seria o recebimento do salário, via contracheque, do pessoal dos recursos humanos. Essa consequência é adquirida das consequências que mantêm a própria organização. Porém, com a abertura de novos supermercados, flutuações nas vendas podem levar a condições de maiores dificuldades por parte da organização, o que não terá efeitos diretos sobre as consequências individuais do vendedor do supermercado em um curto prazo de tempo, mas terá efeitos diretos sobre a possível manutenção ou não do funcionamento do supermercado.
As ligações entre resultados e práticas podem estar relacionadas a uma diversidade de sistemas. Como exposto por Glenn e Mallot (2004), "o termo sistema é usado para uma variedade de relações entre muitos tipos de elementos isolados, combinados em um todo para alcançar um resultado".
As culturas organizacionais eficazes, então, envolvem práticas que, em grande proporção, interferem ou não contribuem com resultados importantes para satisfazer ou alterar as exigências do ambiente externo. Com isso, entende-se uma organização como um sistema cultural que envolve a combinação de práticas que possibilitarão alcançar resultados esperados, tanto em um nível individual como no coletivo.
A complexidade, portanto, de uma organização deve ser observada em relação aos inúmeros grupos e às inter-relações entre os grupos. Para isso, Glenn e Malott (2004) consideram três tipos de complexidade organizacional que possibilitam a ordenação das complexas inter-relações entre os sistemas or-ganizacionais: complexidade ambiental, complexidade de componentes e complexidade hierárquica.
A complexidade ambiental seria compreendida como sendo as variáveis ambientais externas à organização que exercem influências nas práticas comportamentais. Essas variáveis podem envolver aspectos geográficos (um terremoto ou um período de estiagem muito longo), decisões conjunturais (uma alteração na legislação trabalhista ou um acordo internacional que facilita a importação), alterações no mercado consumidor (modismos de consumo devido a uma nova organização que abre nas imediações), acordos financeiros (acionistas que solicitam um enxugamento do quadro de funcionários para tornar a organização mais atrativa para a venda de ações), ou seja, toda e qualquer variável externa à organização que possa de alguma forma exercer influência sobre as práticas culturais.
O outro aspecto indicado por Glenn e Malott (2004) é a complexidade de componentes. Aqui se observa que cada unidade organizacional (vendas, estoque, produção, finanças) apresenta, em seus cargos, funções específicas. As formas com que as funções dos diversos indivíduos se combinam, em uma mesma unidade e entre unidades, seriam as menores práticas culturais. Ou seja, se cultura organizacional é um conjunto de contingências entrelaçadas que geram produtos culturais, as contingências individuais, entrelaçadas em cada unidade de uma organização, representa, portanto, a menor unidade de análise dos componentes organizacionais. Por exemplo, no setor de compras, as atividades que compõem a função de venda seriam: ligar o anúncio de venda da vitrine, atender às solicitações dos compradores, registrar uma compra, embrulhar o produto; na função de assistente administrativo: registrar a quantidade de divisas que entraram, registrar a saída de produto, solicitar novos produtos do estoque; na função de estoquista: ler as solicitações de novos pedidos, verificar nas prateleiras a existência dos pedidos, solicitar a compra de mais produtos. De certa forma, a complexidade de componentes consiste na especificação das rotinas de trabalho e produção, caracterizando as operações (tarefas) e os agentes executores.
O último aspecto da complexidade seria o hierárquico, que envolve a relação entre as tarefas, a direção de subordinação e autoridade que configura entre os indivíduos e o trabalho de uma organização. Portanto, este componente define a forma e a função das atividades, bem como delineia como as partes da organização se subdividem. Observa-se, com isso, a configuração de uma organização que reflete a divisão de trabalho e os meios de coordenação das tarefas divididas.
Com base nesses componentes de um sistema, é possível inferir os motivos de certas práticas de certos grupos em determinadas situações, como por exemplo: uma organização adota a remuneração variável em detrimento de remuneração fixa; uma segunda organização prioriza desenvolver um sistema de remuneração indireta como contribuições previdenciárias e indenizações por acidente ou invalidez; e uma terceira organização lida com remuneração direta e adota programas de participação nos resultados e sistema de bônus. A diversidade de práticas deve-se à infraestrutura de uma organização, ou seja, aos métodos de transformação dos recursos naturais em recursos utilizáveis e à forma de controlar os integrantes de um grupo.
Contudo, nem sempre as práticas culturais serão resultantes de contingências interligadas (Glenn, 2004). Há também práticas culturais que podem viabilizar produtos de maneira que não envolvam contingências individuais interligadas, mas que mesmo assim garantam os produtos culturais a um grupo específico. Em um restaurante, o comportamento de um garçom está entrelaçado ao comportamento do cozinheiro e ao do caixa, e dessas contingências individuais entrelaçadas tem-se como produto cultural a presença de clientes. Agora, suponha que no mesmo restaurante haja um vigilante, que cuida dos carros dos clientes, cujo comportamento é mantido por outras contingências que não estão interligadas às contingências do garçom, nem às do cozinheiro e nem às do caixa, mas que no final garante, contribui, para que o cliente continue voltando ao restaurante e até diga "gosto deste restaurante pela comida e pela segurança que ele nos proporciona". Nesse caso, a manutenção do produto cultural foi determinada por contingências entrelaçadas, metacontingências, e por contingências não interligadas, macrocontingências.
De acordo com a visão da Análise do Comportamento sobre cultura organizacional, é mais provável que as organizações sobrevivam com as demandas externas se monitoradas as demandas externas e as condições ambientais dentro de uma organização para produzir práticas adaptativas (Redmon e Mason, 2001). E segundo Yáber e Valarino (2002) e Malott e Garcia (1987), a análise de sistemas comportamentais possibilita identificar os objetivos finais de uma organização, bem como, identificar e estabelecer estratégias que levam certas organizações a apresentarem melhor performance competitiva que outras organizações.
O analista do comportamento, juntamente com os gestores, são designers ou planejadores culturais (Mawhinney, 1992a). Assim, uma análise experimental possibilitaria descobrir os tipos atuais e novos de sistemas de metacontingências, metacontingências emergentes e macrocontingências colaterais, ou outros aspectos organizacionais relativos a uma organização (Yáber e Valarino, 2002).
Como se pode perceber, os estudos sobre cultura organizacional na análise do comportamento estão em um estágio inicial, havendo algumas reflexões que têm demonstrado os limites conceituais (Eubanks & Lloyd, 1992), juntamente com as implicações do comportamento governado por regras (Malott, 1992). Além disso, poucos estudos aplicados e tecnológicos sobre cultura organizacional têm sido produzidos. No Brasil há uma escassez de estudos, conforme levantamento realizado. Porém merece destaque estudo realizado por Horta (2006), elaborado em âmbito de pós-graduação, no nível mestrado.
Dando continuidade ao diagnóstico da cultura organizacional, tendo em vista o modelo de análise de Schein (1990), observamos a tentativa da autora de interpretar um modelo de cultura fundamentado na visão mentalista em termos comportamentais. Horta (2006) trata os termos relativos à cultura, os quais são vistos por Schein (1990) em termos de rótulos verbais emitidos por membros da organização, como sendo respostas verbais sob controle de eventos ambientais. Neste estudo fica, pois, evidente a necessidade de se realizar análises funcionais para se descrever fenômenos sociais.
Considerações finais
A Cultura Organizacional é de fundamental importância para as organizações. A Análise do Comportamento tem buscado aprofundar os estudos concei-tuais e metodológicos acerca do conceito de cultura em diversas situações.
Nos estudos sobre questões aplicadas, podem-se destacar trabalhos que buscam descrever práticas culturais socialmente relevantes, ou até mesmo, utilizando-se de estratégias de pesquisa quase-experimental, interpretar as variáveis determinantes das práticas. Estes estudos podem ser ilustrados pelos trabalhos que analisam a economia (Kunkel, 1991; Lamal, 1991; Rakos, 1991), a política e o sistema legislativo (Prudêncio, 2006; Todorov, 1987; Todorov, Moreira, Prudêncio, Pereira, 2005; Macedo 2004; Lamal e Greenspoon, 1992; Goldstein e Pennypacker, 1998), o sistema penitenciário e de controle da criminalidade (Valderrama, Contreras, Vargas, Palacios e Bonilla, 2002; Ellis, 1991), o uso de sistemas de informações para o controle das práticas sociais (Alves, 2006; Guerin, 2004, 2005; Martone, 2003; Rakos, 1993) e os padrões de dinâmica familiar brasileira (Verneque, Ferreira e Teixeira, 2003).
Na área de produção tecnológica não há, ainda, uma produção sistemática que seja suficientemente articulada com as áreas de produção básica e aplicada a ponto de trazer melhoras significativas à sociedade, além de garantir validade e confiabilidade aos métodos de observação e mensuração sobre os fenômenos sociais. Segundo Lattal (2005), a tecnologia deve subsidiar-se nas produções básicas e aplicadas, gerando condições para que se desenvolvam formas de avaliação dos fenômenos, ferramentas de intervenções e, em especial, condições que permitam identificar necessidades de adequação das ferramentas de intervenção. Nos estudos que ilustram essa tendência, desenvolvidos por Glenn e Mallot (2004) e por Redmon e Mason (2001), se descreve como se pode realizar uma análise funcional de práticas culturais em contexto organizacional.
Com isso, o estudo das práticas culturais ou dos processos culturais torna-se de fundamental importância para ampliar a consolidação da Análise do Comportamento como uma ciência, seja produtora de conhecimento básico ou aplicado e como área tecnológica responsável por modificações comportamentais. A Análise do Comportamento já é reconhecidamente consolidada na produção de conhecimento básico e aplicado. Porém, é importante também destacar que, apesar da tradição da área em explicar a complexidade das variáveis que determinam o comportamento individual, com a utilização de métodos que focam basicamente os processos seletivos das contingências ontogenéticas, para se utilizar unidades de análise do nível cultural amplia-se a capacidade de compreensão das variáveis determinantes do comportamento humano.
O conceito de contingências entrelaçadas, envolvendo a discussão sobre metacontingência e macrocontingência, possibilita descrever o comportamento em níveis distintos de análise. E isso possibilita o desenvolvimento de tecnologia para manipular as práticas sociais, em diversas situações, envolvendo as consequências individuais imediatas do comportamento dos indivíduos que participam das práticas culturais. Tais intervenções podem envolver, portanto, desde análises extremamente amplas, como modos de produção (capitalismo ou socialismo), até organizações (hospitais, escolas e empresas).
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Recebido em 11 de outubro de 2011
Modificado em 29 de janeiro de 2012
Aceito em 12 de maio de 2012
* Professor Adjunto 2, da Universidade Federal de Goiás, campus Catalão. Doutor em Ciências do Comportamento pela Universidade de Brasília. Endereço para correspondência: Av. Dr. Lamartine Pinto de Avelar, nº 1120, Setor Universitário, Cep.: 75704-020, Catalão, Goiás. endereço eletrônico: profandrevs@hotmail.com. Artigo financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás - FAPEG Projeto nº 201010267000947.
** Professor Titular. Doutor pela Arizona State University (1969). Bolsista Produtividade 1D - CNPq.
*** Mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás e Professora do Centro de Ensino Superior de Catalão CESUC.