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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

versão impressa ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.15 no.3 São Paulo dez. 2013

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Promoção de mudanças de comportamentos em crianças: o papel do automonitoramento do comportamento dos cuidadores

 

Promoting behavior changes in children: the role of care givers selfmonitoring behavior

 

 

Carolina Maia VendramineI; Marcelo Frota Lobato BenvenutiII,*

IUniversidade de Brasília
IIUniversidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O trabalho de educação comportamental com cuidadores, em diversos formatos, tem se mostrado eficaz na promoção de mudanças de comportamentos de crianças. O presente estudo se propôs a ensinar cuidadores a utilizarem estratégias de extinção e reforço, além de fazerem análises funcionais de comportamentos considerados por eles como inadequados. O estudo contou com cinco pares de cuidadores-crianças. Os cuidadores foram instruídos a observar e definir comportamentos das crianças. Em seguida, foram instruídos a observar como apresentavam consequências a comportamentos inadequados e adequados das crianças. Três das cinco famílias concluíram o programa de automonitoramento e treino de análises funcionais. Para duas das três famílias que concluíram o programa, houve remissão significativa de comportamentos inadequados em função das intervenções - reatividade ao automonitoramento e aprendizagem de análises funcionais. Para a terceira família, a mudança ocorreu já na linha de base, antes das intervenções, apenas com a prática da observação. Em todos os casos, o automonitoramento cumpriu papel relevante como ferramenta de controle dentro de um contexto de pesquisa aplicada. A quarta e a quinta família não concluíram o programa por dificuldades de comunicação escrita e por indisponibilidade para realizar as tarefas solicitadas.

Palavras-chave: automonitoramento; comportamento adequado, comportamento inadequado; intervenções em família.


ABSTRACT

Behavioral education of caregivers, in various formats, has proved effective in promoting changes in children's behavior. This experiment aimed to teach caregivers to use strategies of extinction and reinforcement, and to make functional analysis of behaviors to decrease the frequency of children's inappropriate behaviors. Three of the five families concluded the whole program of self-monitoring and functional analysis of behavior training. For two of the three families who completed the whole program, inappropriate behavior's remission was significant. For the third family, the changes were related to the mother's comprehension about the child's behavior before intervention. In all cases, self-monitoring played an important role serving as a control tool in an applied research context. The fourth and fifth family did not conclude the program due to the absence of written skills and due to problems in the availability to be part of the research.


 

 

A discussão sobre o desenvolvimento de comportamentos infanto-juvenis transgressores de regras sociais é atual e tem recebido contribuições da análise do comportamento (ver por exemplo Gomide, 2010). A depender da magnitude das consequências para as pessoas envolvidas, esses comportamentos são identificados e definidos a partir de diversas nomenclaturas, tais como: comportamentos inadequados, perturbadores, delinquentes, entre outros. Como ressaltam Carvalho e Gomide (2005), esses termos identificam o caráter coercitivo do comportamento da criança ou adolescente sobre outras pessoas.

O comportamento de crianças e adolescentes acontece em um ambiente em que o comportamento dos pais e outros adultos é especialmente relevante, de forma que o comportamento de um, frequentemente, é relevante para aquisição e manutenção do comportamento do outro. Essa relação é válida tanto para o comportamento que pode ser classificado como adequado quanto para aquele que é definido como inadequado. Comportamentos de crianças e adolescentes, como os de qualquer outra pessoa, desenvolvemse naquilo que pode ser definido como contingências comportamentais entrelaçadas, quando o comportamento de um indivíduo é parte do ambiente que afeta o comportamento de outro (para uma definição mais completa de contingências comportamentais entrelaçadas e mais discussões a esse respeito, ver Glenn, 2004; Sampaio, & Andery, 2010; Skinner, 1953). Em contingências desse tipo, como destaca Glenn (2004), o que uma pessoa faz tem um duplo papel: produz consequências e funciona como ambiente para que outros se comportem. Quando uma criança emite respostas, produz alterações no comportamento dos pais que podem funcionar como reforçadores. Ao mesmo tempo, respostas da criança passam a constituir parte do ambiente relevante no qual o comportamento dos pais acontece.

A identificação de contingências comportamentais entrelaçadas é importante para uma análise comportamental consistente do significado de adequado ou inadequado. Muito frequentemente, pais e outros adultos definem o comportamento de uma criança ou adolescente como inadequado quando este comportamento é fonte de estimulação aversiva. O trabalho do psicólogo é importante do ponto de vista prático quando contingências entrelaçadas envolvem estimulação aversiva para o comportamento dos pais tanto quanto para o comportamento dos filhos.

A análise da noção de comportamento inadequado com base na noção de contingências comportamentais entrelaçadas pode ajudar a entender alguns resultados preocupantes produzidos em estudos que investigam habilidades sociais e relações pais e filhos. Por exemplo, com frequência, comportamentos inadequados dos filhos são observados e punidos pelos pais, ao passo que comportamentos adequados, ainda que observados, costumeiramente não são reforçados. Isso pode acarretar um processo de extinção dos comportamentos que seriam importantes de serem fortalecidos (ver, por exemplo, Bolsoni-Silva & Del Prette, 2002; Bolsoni-Silva & Maturano, 2002; Haydu, Gomide & Seegmueller, 2010).

Uma vez que o comportamento dos pais ou cuidadores é uma variável crítica para a manutenção do comportamento dos filhos, intervenções com pais podem ser especialmente efetivas para a promoção de mudanças duradoras no comportamentos dos filhos (e.g. Bernal, Klinnert, & Schultz, 1980). Em um estudo realizado por Hebert e Baer (1972), mães foram treinadas a observar como o que faziam podia ser relevante para a promoção de mudanças no comportamento dos filhos. No estudo, as mães deveriam identificar a quantidade de atenção que forneciam aos comportamentos considerados adequados ou inadequados dos filhos. Simplesmente observar a atenção dedicada aos comportamentos adequados dos filhos, de início pouco frequentes, foi suficiente para aumentar consistentemente a quantidade de atenção dispensada ao comportamento adequado. Consequentemente, a frequência de comportamentos adequados dos filhos aumentou. O mesmo sucesso não foi obtido quando as instruções dos pesquisadores sugeria a diminuição de atenção para os comportamentos inadequados.

Desenvolver nos pais a habilidade de observação e de análise das funções dos comportamentos (próprios e dos filhos) possibilita aos pais a compreensão das contingências que descrevem o comportamento dos filhos. A análise funcional do comportamento é frequentemente um instrumento do psicólogo na análise de interações (Delitti, 1997; Meyer, 1997). Realizar análises funcionais e utilizar seus resultados para remanejar certas contingências de reforço é algo que pode ser feito pelas próprias pessoas que buscam o serviço do psicólogo. Nesse caso, uma tarefa do psicólogo pode ser ensinar a realizar análises funcionais e o processo de tomada de decisão com base no que indicam os resultados dessa análise. O estudo de Herbert e Baer (1972) utilizou um recurso muito comum em pesquisas psicológicas, o automonitoramento, que pode ser um instrumento para o psicólogo ensinar o valor de uma análise funcional aos seus clientes. Bohm e Gimenes (2008) explicam que o automonitoramento consiste em observação e registro da ocorrência de alguns comportamentos emitidos pela própria pessoa, além do registro de eventos ambientais associados.

Bohm (2009) investigou a eficácia da estratégia de automonitoramento em pacientes com o diagnóstico da Síndrome do Intestino Irritável. Os principais sintomas dessa síndrome (quantidade de evacuações por dia e por semana, aspecto das fezes, esforço na evacuação, desconforto ou dor abdominal, entre outros) podem ser associados a contingências ambientais (Gimenes, 1997). Nesse sentido, intervenções comportamentais podem ser especialmente efetivas para a remissão dos sintomas (Bohm & Gimenes, 2008). Bohm (2009) delineou um trabalho de intervenção que envolveu automonitoramento diário de atividades do funcionamento intestinal e da rotina alimentar dos participantes. Além disso, algumas intervenções envolvendo alterações nas atividades foram realizadas e o efeito dessas alterações avaliadas a partir da mudança no comportamento registrado pelos próprios participantes. O acompanhamento foi feito semanalmente durante o tempo de pesquisa. O instrumento de automonitoramento utilizado pelo autor permitia a coleta de informações sobre local/audiência quando da manifestação do sintoma, o comportamento dos sujeitos e o que acontecia em seguida à manifestação do sintoma. Quando registravam comportamentos, os participantes eram solicitados a registrar não apenas o que faziam abertamente, mas também as sensações/sentimentos presentes na ocasião. Nos três casos estudados por Bohm, foram observadas correlações entre as alterações de atividades diárias e o funcionamento intestinal das participantes. Para uma das participantes, a mudança de rotina e remissão de sintomas apresentou-se como manifestação reativa ao processo de automonitoramento (ou seja, simplesmente registrar o comportamento foi suficiente para a remissão dos sintomas, independente da intervenção). As outras duas participantes apresentaram alterações no funcionamento intestinal como resposta a mudanças no ambiente promovidas pela intervenção. Por fim, o procedimento ainda permitiu concluir sobre a eficácia de se utilizar a análise funcional como instrumento auxiliar para a compreensão dos problemas e para o planejamento de intervenções.

Em estudos recentes sobre treino de pais, Emídio, Ribeiro e de-Farias (2009) adotaram estratégias semelhantes, envolvendo o ensino de análises funcionais, automonitoramento e a intervenção com o princípio básico de reforçamento para ensinar pais a promoverem mudanças nos comportamentos agressivos de seus filhos. O trabalho, além de envolver procedimentos específicos com as crianças em um contexto de terapia infantil, contou com um treino em que os pais aprendiam a registrar o comportamento dos filhos, antecedentes e consequentes. Depois de obtido material que permitia fazer uma análise funcional do comportamento de agredir das crianças, foi feita orientação aos pais para substituição do controle aversivo por reforço de comportamentos adequados. Ao mesmo tempo, os pais deveriam substituir ameaças por descrições de comportamentos adequados e inadequados. A intervenção facilitou a mudança de comportamento dos pais e, uma vez alteradas as relações familiares, houve a diminuição da frequência de comportamentos inadequados dos filhos.

O presente trabalho, inspirado nas metodologias recentemente utilizadas de automonitoramento (Bohm & Gimenes, 2008; Bohm, 2009; Emídio, Ribeiro e de-Farias, 2009), teve o objetivo de avaliar a eficácia da intervenção por meio de automonitoramento do comportamento de pais ou cuidadores em relação ao comportamento dos filhos. Especificamente, o trabalho buscou avançar em relação aos trabalhos anteriores analisando o repertório dos pais no sentido de: a) definir o que consideram inadequado e adequado no comportamento dos filhos; b) observar o quanto de atenção é dispensada aos comportamentos identificados como adequados e inadequados; e c) avaliar o quanto a atenção dispensada é crítica para a manutenção tanto do comportamento adequado quanto inadequado das crianças.

 

MÉTODO

Participantes

O estudo foi realizado com cinco famílias, entre as quais três concluíram todas as etapas. Duas famílias não concluíram o treinamento. Todos os cuidadores assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente avaliado e aprovado na ocasião em que o projeto do estudo foi submetido à avaliação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos na Universidade de Brasília. Características das crianças e cuidadores são apresentadas a seguir na Tabela 1.

As famílias de R.F., Y.A. e E.Z. foram as que concluíram integralmente o programa estabelecido. A família de V.N. desistiu da participação no treinamento por indisponibilidade de comparecer às sessões semanais. A família de P.A. ficou impossibilitada de dar continuidade ao treinamento uma vez que a avó, participante do programa, não conseguia realizar os registros de comportamentos.

Materiais

Foram utilizados para a coleta de dados da história de vida dos participantes um roteiro de entrevista semiestruturada e um roteiro de entrevista com perguntas abertas elaborado a partir da proposta do Questionário Construcional de Goldiamond (Goldiamond, 2002/1974). A versão utilizada foi adaptada da versão traduzida por Gimenes, Andronis e Layng (2005).

Para a realização da pesquisa, foram utilizados três formulários de registro: o primeiro para registro dos comportamentos inadequados, para a linha de base; o segundo para registro de atenção a comportamentos inadequados com respectivos antecendentes e consequentes; e o terceiro para registro de atenção a comportamentos adequados com respectivos antecedentes e consequentes.

Locais de coletas de dados

As entrevistas iniciais e sessões de acompanhamento semanais foram realizadas em consultório psicológico particular. Os demais procedimentos da pesquisa foram realizados pelos pais ou cuidadores, em seus ambientes naturais.

 

PROCEDIMENTO

O procedimento geral envolveu duas condições de linha de base sem automonitoramento e duas condições em que era solicitado que os pais observassem a quantidade de atenção que dispensavam ao comportamento dos filhos. Nas condições de linha de base, a solicitação era apenas que os pais observassem o comportamento dos filhos. Na primeira condição de automonitoramento, foi solicitado que os pais ou cuidadores observassem e registrassem a atenção que dispensavam aos comportamentos dos filhos que eles próprios (pais) definiam como inadequados. Na segunda condição, os pais ou cuidadores deveriam observar e registrar a atenção que dispensavam aos comportamentos definidos como adequados. As condições do estudo foram as seguintes:

Entrevistas iniciais:

as entrevistas foram realizadas em consultório particular, em duas sessões de uma hora e trinta minutos cada. Foram abordados aspectos da história de vida dos participantes e as queixas acerca dos comportamentos inadequados das crianças. Durante o primeiro encontro, foram apresentados objetivos e características gerais do trabalho, duração, metodologia de trabalho, necessidade de comprometimento dos participantes e proposta de devolutiva dos resultados. No segundo encontro, os participantes receberam a tarefa de relatar de forma escrita um episódio de manifestação de comportamento inadequado. Isso foi feito para avaliar o repertório de relato escrito dos pais ou cuidadores, requisito para os procedimentos de automonitoramento e registros. Também foi feito, por meio dos relatos dos participantes, um levantamento do que eles entendiam por comportamentos inadequados de suas crianças.

Linha de base, observação de comportamentos inadequados:

no terceiro encontro, os resultados dos registros foram discutidos e foram feitas orientações para o registro de automonitoramento. Essa etapa consistiu em identificar o tipo e a frequência de comportamentos inadequados manifestados pelas crianças e observados pelos pais. Os participantes receberam sete folhas de formulários de registro de comportamentos inadequados e foram orientados a registrar, diariamente, pelos próximos sete dias, todos os comportamentos inadequados manifestados pelas crianças.

Instrução para a linha de base:

"A partir de hoje, por sete dias, é importante que você registre nesses formulários todas as ocorrências de comportamentos inadequados manifestados pela criança, na medida em que acontecem. Você deverá registrar os comportamentos presentes na sua queixa inicial ou outros que surjam. Ressalto que os registros devem ser diários e imediatamente após a ocorrência do comportamento."

Automonitoramento para atenção aos comportamentos inadequados:

teve início com um treino que foi realizado com os pais ou cuidadores, em uma sessão de uma hora, no consultório, na qual foi esclarecida a proposta da intervenção, os procedimentos, os ganhos que poderiam ser esperados com a adesão ao trabalho e a importância dos registros escritos. Foi dito aos pais que algumas técnicas poderiam ajudar a gerenciar o comportamento de seus filhos e que elas seriam experimentadas durante o trabalho. Além disso, os pais foram informados de que durante o trabalho não seriam dados feedbacks sobre os resultados obtidos semanalmente, mas, ao final do trabalho, um relatório completo seria discutido com cada família. Os pais foram instruídos a manterem os filhos envolvidos em atividades rotineiras na dinâmica familiar, de modo que não houvesse qualquer alteração de cenário no ambiente natural provocada pelo início das intervenções. Os participantes receberam os formulários para registro de comportamentos.

Instrução para automonitoramento para atenção aos comportamentos inadequados (Adaptado de Hebert & Baer, 1972):

"Algumas vezes, o ato de registrar o que fazemos é suficiente para mudar o que fazemos. A partir de hoje, por quatorze dias, quero que você se concentre na quantidade de vezes que dá atenção aos comportamentos inadequados emitidos pela criança. Você deverá registrar o comportamento inadequado observado, o que você fez em resposta ao comportamento da criança e, por fim, como a criança respondeu ao seu comportamento, conforme disposição no formulário de registro."

O automonitoramento e registro de atenção dedicada aos comportamentos inadequados das crianças foram realizados durante 14 dias consecutivos. Os registros permitiam a identificação da frequência de comportamentos inadequados das crianças, a frequência de atenção dedicada aos comportamentos das crianças pelos pais ou cuidadores, e a resposta das crianças aos comportamentos dos pais ou cuidadores (eventualmente, recorrência do comportamento da criança).

Automonitoramento para atenção aos comportamentos adequados:

teve início com um treino de automonitoramento para atenção aos comportamentos adequados. Esse treino seguiu a mesma sistemática da etapa anterior, diferenciando-se apenas na instrução.

Instrução para automonitoramento para atenção aos comportamentos adequados (Adaptado de Hebert & Baer, 1972):

"No processo de mudança de comportamento, mais importante do que ensinar que alguns comportamentos são inadequados, é importante ensinar para a criança comportamentos adequados. Ou seja, ensinar novos comportamentos por meios dos quais elas poderão conseguir, da forma adequada, aquilo que desejam. A partir de hoje, por quatorze dias, quero que você se concentre na quantidade de vezes que dá atenção a comportamentos adequados emitidos pela criança. Você deverá registrar o comportamento adequado observado, em seguida, registrar o que você fez em resposta ao comportamento da criança e, por fim, como a criança respondeu ao seu comportamento, conforme disposição no formulário de registro. É importante que você tente reforçar (por meio de elogios, olhares de aprovação, contatos físicos agradáveis ou outras formas de recompensa) o comportamento da criança sempre que ela se comportar de acordo com o esperado."

Retorno à linha de base:

após as duas intervenções e o acompanhamento do progresso na remissão de comportamentos inadequados das crianças, os participantes foram instruídos a registrar, novamente, apenas as ocorrências de comportamentos inadequados, por sete dias.

Análise dos dados:

na análise dos dados, pretendeu-se verificar se o automonitoramento foi suficiente para a promoção da mudança na frequência de comportamentos inadequados e adequados emitidos pelas crianças. Em realidade, a principal medida do presente trabalho é o comportamento de observar e registrar dos cuidadores, de modo que seria mais adequado afirmar que foram avaliadas as mudanças no comportamento dos pais de observar os próprios comportamentos e os dos filhos. Analisando aumento e diminuição de comportamentos adequados, inadequados e atenção dispensada a esses comportamentos, foi possível analisar como cuidadores observavam os comportamentos das crianças e os seus próprios.

 

RESULTADOS

A Tabela 2 resume o que os cuidadores relataram a respeito do contexto familiar no qual o comportamento de cuidadores e crianças se desenvolve. Essas informações foram coletadas nas entrevistas iniciais. A Tabela 3 mostra o resultado do levantamento do que cuidadores consideram como comportamentos inadequados e adequados das crianças. Os comportamentos identificados como adequados ou inadequados foram o alvo das intervenções posteriores.

A descrição dos resultados do automonitoramento será apresentada conjuntamente, conforme etapas do programa de intervenção, com considerações de resultados individuais alcançados. Primeiramente, serão apresentados os dados de linha de base (ocorrências de comportamentos inadequados da criança, segundo registro dos cuidadores) e os dados da primeira etapa de intervenção (automonitoramento dos cuidadores para atenção aos comportamentos inadequados). Esses resultados serão seguidos de dados que retratam a relação entre a ocorrência de atenção, ou não, dos pais aos comportamentos inadequados (registrados nas sessões de 8 a 21) e a recorrência de comportamentos inadequados das crianças. Por fim, serão apresentados os dados da segunda etapa de intervenção (automonitoramento dos cuidadores para atenção aos comportamentos adequados) e os dados do retorno à linha de base (ocorrências de comportamentos inadequados da criança, segundo registro dos cuidadores).

A Figura 1 mostra o registro da ocorrência de comportamentos inadequados das crianças, feito pelos pais, nas sessões 1 a 21, e o registro da ocorrência de atenção dos cuidadores aos comportamentos inadequados das crianças nas sessões 8 a 21. Inicialmente, é válido considerar que em dois dos cinco casos estudados (R.F. e Y.A.) houve uma clara tendência à remissão de comportamentos inadequados a partir do momento em que os cuidadores foram solicitados a observar a atenção dispensada aos comportamentos inadequados. No caso de E.Z., ao logo na linha de base, a cuidadora percebeu que os comportamentos de seu filho não se mostraram tão frequentes e com a magnitude que a cuidadora havia relatado nas sessões iniciais. Para os dois últimos participantes (V.N. e P.A.) houve desistência da participação na pesquisa. A avó de V.N., ao receber as instruções para a primeira intervenção, alegou que o procedimento não funcionaria. Entre as sessões 14 e 15, quando as instruções foram retomadas, observou-se uma tendência à remissão dos comportamentos inadequados de V.N., momento em que a avó desistiu de participar do programa, alegando motivos pessoais. No último caso, de P.A., a avó, cuidadora, apresentava dificuldades em registrar comportamentos por conta de dificuldades no repertório de leitura e escrita. Após a linha de base, quando foi identificado o problema, a participante pediu a oportunidade de continuar com o trabalho. No entanto, após a primeira semana de intervenção, a própria participante desistiu do programa. Essa participante recebeu informações para que pudesse utilizar contribuições da análise do comportamento para lidar com seu neto (a importância do reforço positivo e de como o próprio comportamento dela poderia funcionar como tal, por exemplo).

Com a Figura 2 é possível analisar o que ocorreu após cada emissão de comportamento inadequado das crianças registrado nas semanas de automonitoramento da atenção aos inadequados. O gráfico mostra a recorrência, ou não, de comportamentos inadequados para cada comportamento inadequado consequenciado com atenção do cuidador. O eixo "registros de comportamento inadequado" representa as ocorrências de registro de comportamento inadequado. Marcadores indicam o registro de atenção do cuidador (quadrado) e recorrência do inadequado (triangulo) para cada ocorrência indicada no eixo das abscissas do gráfico.

De modo geral, observa-se na Figura 2 que as recorrências de comportamentos inadequados das crianças seguem a presença de atenção dos cuidadores aos comportamentos inadequados iniciais. No caso de R.F., em nove dos 23 registros de comportamentos inadequados, houve atenção em seguida. Para Y.A., dos 24 comportamentos inadequados registrados, nove foram seguidos de atenção, enquanto 15 não foram. Para E.Z., apenas um dos 12 comportamentos inadequados registrados não foi seguido de atenção. Dos 43 comportamentos inadequados registrados pela cuidadora de V.N., apenas nove não foram seguidos de atenção.

Os dados apresentados nas figuras 1 e 2 retratam a dificuldade dos pais ou cuidadores em não consequenciar com atenção os comportamentos inadequados. Por fim, os gráficos da Figura 2 mostram uma relação diretamente proporcional entre a atenção dos pais ou cuidadores aos comportamentos inadequados e a recorrência imediatamente posterior de comportamentos inadequados.

A Figura 3 apresenta os resultados da segunda intervenção (automonitoramento dos cuidadores para atenção aos comportamentos adequados) e os resultados no retorno à linha de base. Atenção seguiu-se a praticamente todos os comportamentos adequados registrados em cada uma das sessões.

Comparando a Figura 1 com a Figura 3, percebese redução dos comportamentos inadequados registrados nas primeiras e segundas linhas de base.

 

DISCUSSÃO

Este trabalho teve por objetivo identificar os efeitos da utilização do automonitoramento como estratégia para redução de comportamentos identificados por pais ou cuidadores como inadequados. Os dados demonstram claramente que houve redução de comportamentos inadequados da primeira para a segunda e da segunda para a terceira intervenções. Demonstram claramente, também, que "adequado" e "inadequado" são categorias comportamentais relativas que dependem da análise dos pais e cuidadores. Para compreender como os pais fazem essa análise é necessário antes de mais nada identi-ficar quais são os comportamentos das crianças que exercem função aversiva para o comportamento dos pais. Com base nos presentes dados, as categorias "inadequado" e "adequado" podem ser consideradas relativas porque variam entre pais e cuidadores, provavelmente indicando que diferentes comportamentos das crianças são aversivos para diferentes pais e cuidadores em determinados contextos. Além disso, comportamento adequados e inadequados são fortalecidos pela mesmas variáveis, que envolvem consistentemente o comportamento dos pais e cuidadores como uma variável crítica. Por esse motivo, as categorias "adequado" e "inadequado" devem ser debatidas com as pessoas envolvidas em intervenções comportamentais a partir das contribuições dos conceitos da análise do comportamento.

Logo na linha de base, a observação sistemática dos comportamentos das crianças definidos como inadequados permitiu à maioria dos cuidadores uma compreensão diferenciada da situação que vivenciavam em seu ambiente natural. No caso de L.G. e E.N., especificamente, a mãe procurou ajuda alegando estar vivendo uma situação "desesperadora" com o filho, sem conseguir identificar maneiras de lidar com ele, já que havia "tentado de tudo, sem obter sucesso" para modificar o comportamento do filho. Ao observar e registrar por sete dias o comportamento do filho, L.G. identificou que o filho não emitia a alta frequência de comportamentos inadequados que ela imaginava que emitisse, além de identificar que boa parte dos comportamentos inadequados registrados são comportamentos apresentados por crianças do mesmo sexo e idade de seu filho.

A primeira intervenção proposta (automonitoramento para atenção aos comportamentos inadequados) teve por objetivo fazer com que os pais ou cuidadores aprendessem a identificar relações entre os comportamentos inadequados das crianças e comportamentos próprios que, eventualmente, pudessem funcionar como reforçadores. Além disso, buscou possibilitar a redução dos comportamentos inadequados a partir da redução de atenção dedicada a eles. Na condição final, em que os pais ou cuidadores foram instruídos a reforçar comportamento adequados, houve aumento desses comportamentos. Essa condição final, especialmente eficiente, é coerente com a proposta de Goldiamond (2002/1974) que tratou da importância de se construir novos repertórios comportamentais baseados em reforços. Indiretamente, essa estratégia pode ser responsável pela redução de comportamentos inadequados observados no retorno à linha de base.

Ao contrário do que observaram Herbert e Baer (1972), a intervenção envolvendo redução de atenção aos comportamentos inadequados foi bem sucedida com as três famílias que chegaram ao final da pesquisa. Isso foi constatado pela redução em cerca de 50% dos comportamentos inadequados manifestados pelas crianças em relação à linha de base.

Praticamente todas as recorrências de comportamentos inadequados foram antecedidas de atenção dos cuidadores para estes comportamentos. Paralelamente, não houve recorrência de comportamentos inadequados nas situações em que os comportamentos inadequados não foram seguidos de atenção dos cuidadores. Esse resultado reafirma a importância da consideração do comportamento dos cuidadores como variável crítica para a manutenção (recorrência) de comportamentos inadequados nas crianças (e.g. Bolsoni-Silva & Del Prette, 2002; Bolsoni-Silva & Maturano, 2002; Haydu, Gomide & Seegmueller, 2010).

A aprendizagem de análises funcionais, de acordo com o que defendem Bolsoni-Silva et al. (2008), mostrou-se de grande valia para a ampliação do repertório de pais e cuidadores para observar as contingências presentes relacionadas às queixas. Evidência disso é o relato verbal dos cuidadores nas sessões de acompanhamento feitas entre as semanas de intervenções. R.G., pai de R.F., relatou a dificuldade inicial que teve em manter seu foco nos comportamentos adequados e o quanto percebia que reforçava comportamentos inadequados do filho. No caso de L.J. e Y.A., L.J. (mãe) relatou conseguir identificar com clareza, no decorrer do trabalho, o quanto Y.A. respondia aos esquemas de educação adotados em casa, não apenas por ela, mas em compartilhamento com as outras duas cuidadoras de Y.A. (sua madrinha e a prima de sua madrinha). Já com L.G. e E.N., logo na linha de base, L.G. (mãe) relatou que o filho não se comportava tão mal quanto ela imaginava e o quanto ela vinha percebendo que os comportamentos do filho refletiam a forma como ela (mãe) o tratava. Essas informações ilustram uma questão conceitual em análise do comportamento trazida por Tourinho, Teixeira e Maciel (2000). De acordo com esses autores, aprender a observar comportamentos e fazer análises funcionais contribui para que as pessoas se tornem capazes de identificar comportamentos próprios que facilitam a manutenção dos comportamentos de outros. Mais uma vez, isso foi verificado quando, a partir da observação e dos registros de automonitoramento, os cuidadores reduziram comportamentos que contribuíam para a emissão dos comportamentos inadequados das crianças e passaram a apresentar comportamentos que contribuíam para tornar o comportamento adequado mais frequente.

O presente estudo possibilitou identificar que alguns fatores são pré-requisitos para o sucesso da intervenção, como a capacidade de relato verbal escrito, a disponibilidade de tempo para a execução das tarefas propostas e o comprometimento com o programa. Ainda que tenha se mostrado um procedimento econômico, pouco complexo e eficaz, o sucesso em programas análogos pode depender do desenvolvimento prévio de habilidades dos participantes por meio de treinos mais específicos.

O presente estudo mostrou a efetividade da estratégia de redução de atenção a comportamentos inadequados das crianças associada ao reforço de comportamentos adequados para a promoção de mudanças comportamentais. Ainda, foi notória a reatividade do comportamento dos cuidadores ao automonitoramento e à elaboração de análises funcionais. Com isso, é possível concluir que o estudo alcançou seus objetivos iniciais e conseguiu mostrar a eficiência de uma intervenção que, além de econômica, se faz viável no contexto clínico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 3 de dezembro de 2012
Revisão em 8 de abril de 2013
Aceito em 28 de maio de 2013

 

 

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