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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.15 no.3 São Paulo dez. 2013
REVISÃO DA LITERATURA
Escola experimental de primatas: análise da coerência entre pressupostos e práticas empíricas1
Experimental school for primates: analysis of the consistency between assumptions and empirical practices
Milena Monteiro Nagahama; Carlos Barbosa Alves de Souza*
Universidade Federal do Pará
RESUMO
Este estudo investigou a coerência entre os pressupostos teóricos e a prática empírica dos estudos experimentais da Escola Experimental de Primatas (EEP), especialmente sobre a existência de homologias de processos comportamentais entre macacos-prego (Sapajus spp.) e seres humanos. Foram analisados 1) a origem dos objetivos e dos procedimentos dos estudos; 2) se os objetivos propostos foram alcançados ou não; e 3) se nos estudos da EEP é discutida a questão do modelo animal e/ou a aplicabilidade dos procedimentos utilizados nos estudos para humanos. Verificou-se que não são apresentados dados empíricos que sustentem a homologia sugerida na proposta teórica norteadora da EEP. Sugere-se 1) o desenvolvimento de estudos empíricos que validem a homologia de processos comportamentais entre alguns repertórios dos macacos-prego e humanos; e 2) dar início à aplicação dos achados da pesquisa básica da EEP no desenvolvimento de procedimentos para ensinar repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo.
Palavras-chave: modelos animais; escola experimental de primatas; homologia de processos comportamentais; coerência científica.
ABSTRACT
This study evaluated the empirical studies of the Experimental School for Primates (ESP) in order to verify the consistency between their theoretical and empirical practices, especially the assumption of homology of behavioral processes among capuchin monkeys (Sapajus spp.) and humans. The following aspects were analyzed a) the origin of the objectives and procedures of the studies, 2) whether the objectives were achieved or not, and 3) whether in the studies of ESP the issue of animal model and/or applicability of the procedures used to study humans were discussed. It was noted that there are no empirical data supporting the homology proposal in the ESP theoretical proposition. It is suggested: 1) the development of empirical studies that validate the homology of behavioral processes among some human and capuchin monkeys repertoires, and 2) to initiate the application of basic research findings from ESP to develop procedures to teach relational repertoires for people with cognitive development delay.
Keywords: animal models; experimental school for primates; homology of behavioral processes; scientific consistency.
As pesquisas que envolvem modelos animais conduziram a uma série de avanços, tanto teóricos quanto práticos, dentro dos ramos da saúde e psicologia, favorecendo o desenvolvimento de intervenções clínicas e educacionais para a população com atraso no desenvolvimento cognitivo (Staay, Arndt, & Nordquist, 2009). Este tipo de pesquisa permite que experimentações importantes sejam realizadas evitando uma gama de limitações éticas e metodológicas relacionadas às pesquisas com humanos (ex. teste de hipóteses sobre as bases neurais da deficiência cognitiva, a manipulação de itens nutricionais, exposição a substâncias tóxicas ou desconhecidas, a estímulos aversivos severos etc.) (McIlvane & Cataldo, 1996; Strupp & Diamond, 1996).
McIlvane e Cataldo (1996) explicitam algumas vantagens da utilização de modelos animais para estudos de questões relativas ao comportamento humano. Entre estas vantagens está o favorecimento de progressos relativos à definição, prevenção e tratamento de problemas no desenvolvimento cognitivo, demandando menos recursos e custos quando comparados com o uso de participantes humanos.
No entanto, para que um modelo animal possa ser considerado válido para as práticas de estudos em humanos é necessário o estabelecimento de algum grau de homologia entre as espécies em questão, seja em aspectos biológicos (neuro-anatômicos, neuroquímicos, bioquímicos, genéticos), e/ou comportamentais dessas espécies (McIlvane & Cataldo, 1996). O estabelecimento dessas homologias aumenta a consistência dos parâmetros de comparação entre as espécies para a prática clínica (ver também Staay et al., 2009).
A análise apresentada por McIlvane e Cataldo (1996) gira em torno da relevância clínica do desenvolvimento de modelos animais para o estudo do atraso no desenvolvimento cognitivo em humanos. De acordo com esses autores é importante que se busque demonstrar homologia biológica entre as espécies. Contudo, é imprescindível que seja escla-recida a homologia de processos comportamentais. Geralmente, pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo apresentam uma série de características comuns (problemas relativos à linguagem, discriminação, generalização de estímulos, resolução de tarefas complexas, controle de estímulos restrito, entre outros) (e.g. Deutsch, Dube, & McIlvane, 2008). Diante disto, um modelo animal que seja pertinente para estudar as características comportamentais de pessoas com atraso no desenvolvimento necessita apresentar pelo menos algum grau de homologia de processos comportamentais, visando obter maior confiabilidade de que os resultados obtidos com esse modelo possam de alguma maneira ser generalizados para os aspectos do repertório humano (McIlvane & Cataldo, 1996; Staay et al., 2009).
A Escola Experimental de Primatas (EEP) surgiu em meados do ano de 1998, tomando o macaco-prego (Sapajus spp.) como um possível modelo animal para o estudo do comportamento de humanos com déficits cognitivos e verbais. A EEP buscou inicialmente demonstrar que macacos-prego podiam aprender repertórios discriminativos relacionais generalizados (i.e. generalização do responder dos animais com estímulos que nunca foram relacionados pelas contingências - Galvão, Barros, Rocha, Mendonça, & Goulart, 2002).
Para tanto, na EEP utiliza-se uma abordagem educacional programada, na qual são traçadas manipulações experimentais de modo que o método fica subordinado a uma reavaliação constante das condições experimentais em função das inferências acerca do controle de estímulos exercido sobre o responder do sujeito (Barros, Galvão, & McIlvane, 2003). Este programa visa estabelecer uma sequência de pré-requisitos, estabelecendo as contingências e fornecendo condições ambientais adequadas para alcançar um repertório relacional generalizado consistente (Barros, Galvão, & Rocha, 2005; Brino, 2007; Galvão et al., 2002; Souza, Borges, Goulart, Barros, & Galvão, 2009).
Os procedimentos de ensino adotados pela EEP têm sido delineados na forma de um "curriculum", no qual o treino é iniciado por tarefas simples, tornando-se mais complexas em uma sequência gradativa, de forma a favorecer a construção do repertório almejado. Dentro desta lógica a EEP tem investigado como são estabelecidos repertórios comportamentais básicos (e.g., discriminações simples) como condições para o ensino de comportamentos cada vez mais complexos (e.g., discriminações condicionais arbitrárias) (Barros, Galvão, Brino, & Goulart2005; Galvão & Barros, 2008; Galvão et al. 2002; Galvão & Barros, submetido; Mendonça, Barros, & Goulart, 2001).
Este sistema "curricular" tem muitas semelhanças com a abordagem empregada por McIlvane e colaboradores (ver McIlvane, 1992; 2009) no desenvolvimento de procedimentos para ensinar repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo (procedimentos originados, em muitos casos, em estudos com animais). Reconhecendo essas semelhanças, Barros et al. (2003) formalizaram a proposta de utilizar o macaco-prego como um modelo animal para o estudo do comportamento de humanos com déficits cognitivos e verbais.
Barros et al. (2003), ao discutirem a possibilidade de empregar o macaco-prego como um possível modelo animal para o estudo do comportamento de humanos com déficits cognitivos e verbais, apontaram que as crianças que não apresentam atraso no desenvolvimento aprendem uma série de repertórios em seu dia a dia de modo informal, simplesmente pela exposição a uma gama de estímulos que seu ambiente natural proporciona (símbolos, letras, números, etc.). A carência de estimulação no ambiente poderia levar ao surgimento de problemas de aprendizado. Partindo dessa visão do desenvolvimento cognitivo, comparam então o macaco-prego a uma criança com desenvolvimento típico, cuja aprendizagem depende da riqueza de estímulos apresentados em seu ambiente. Em outras palavras, proporcionando as condições ambientais necessárias, tanto a criança quanto o macaco-prego são capazes de aprender diferentes tipos de tarefas complexas.
Para proporcionar as devidas condições ambientais que conduzam o macaco-prego à aprendizagem das tarefas complexas, Barros et al. (2003) sugeriram a utilização de alguns procedimentos desenvolvidos originalmente para ensinar tais tarefas para humanos com atraso cognitivo, empregados por McIlvane e colaboradores (e.g. McIlvane, 1992). Além dis-so, a EEP (Barros et al., 2005; Galvão et al., 2002) adotou ainda a suposição de que o inverso também seria viável, ou seja, que procedimentos de ensino podem ser desenvolvidos e testados utilizando macacos-prego como modelo animal, objetivando usar tais procedimentos no ensino de pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo/verbal.
A utilização do macaco-prego na EEP tem sido justificada pelos pressupostos de que essa espécie é extremamente adaptável, vive em ambientes diversos, resolve problemas de maneira criativa, aprende por imitação, utiliza ferramentas (e.g., pedras para quebrar cocos), e apresenta discriminação espacial, bem como repertórios que indicam certa compreensão de relações de causalidade. De acordo com a suposição da EEP, este padrão de repertório pode qualificar esta espécie como um modelo animal experimental para o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à aquisição de repertórios simbólicos. No entanto, essa justificativa não tem sido fundamentada em dados empíricos sobre homologias de processos comportamentais que sustentem a validade desse modelo animal (Barros et al., 2003; Galvão et al., 2002; Galvão & Barros - submetido).
Recentemente, McIlvane et al. (2010) buscaram tornar mais explícito o potencial do macaco-prego para ser tomado como um modelo animal eficiente para o estudo do comportamento humano. Os autores reafirmam a importância do estabelecimento de homologia de processos comportamentais entre as espécies para a adequação do modelo animal para o estudo com humanos. Para tanto, sugeriram que tanto o macaco-prego quanto as crianças com transtorno de desenvolvimento neurológico (como o autismo) possuem um conjunto de características comportamentais em comum, como por exemplo: grande variabilidade entre participantes em resposta a procedimentos de ensino, frequente superseletividade em relação a estímulos visuais complexos, baixa tolerância ao erro, inflexibilidade comportamental frente ao ajuste ou mudanças de contingências, comportamentos substancialmente estereotipados, pobre ou não existente aquisição de discriminações relacionais por métodos de tentativa e erro, e sucesso de aprendizado relacional quando são usados métodos programados de ensino.
Entretanto, novamente não foram apresentados dados empíricos da literatura que deem sustentação a tais pressupostos de homologia entre o macaco-prego e crianças com transtornos de desenvolvimento neurológico. Desta forma, ainda não seria possível qualificar tal modelo como adequado.
É evidente nos estudos teóricos da EEP que seus pesquisadores ressaltam a importância do estabelecimento da homologia de processos comportamentais entre as espécies de primatas em questão para desenvolver estudos e aplicação à população humana (Barros et al., 2003; Galvão et al., 2002; Galvão & Barros, submetido; McIlvane et al., 2010). No entanto, esses estudos teóricos não apresentaram dados empíricos que demonstrem tal homologia (i.e., equivalências nos processos comportamentais de aprendizado entre humanos e macacos-prego).
Considerando isso, este estudo realizou uma revisão da produção científica da EEP, visando investigar se essa homologia está sendo demonstrada nos estudos empíricos da EEP. Para tanto, uma série de categorias dos estudos empíricos foram analisadas: a) a origem dos objetivos e dos procedimentos dos estudos - se provindos da literatura com humanos ou não-humanos; b) se, ao aplicar determinado procedimento, o objetivo proposto foi alcançado; e c) se é discutida (por meio de comparações ou recomendações) a questão do modelo animal e/ou aplicabilidades dos procedimentos utilizados nos estudos em intervenções/pesquisas com pessoas com atraso no desenvolvimento. Na análise de todas as categorias foi investigado se as homologias sugeridas nas proposições teóricas norteadoras da EEP estavam sendo respaldadas por dados empíricos que as sustentassem.
MÉTODO
1. Pesquisa e seleção inicial de textos
Foi realizada uma busca da produção da Escola Experimental de Primatas (EEP), no período de 1998 (primeiros estudos do grupo da EEP, mas que ainda não se caracterizava como tal) a 2010, selecionando-se artigos, capítulos de livro, trabalhos de conclusão de curso (TCCs), dissertações e teses que tratassem empírica ou teoricamente da questão do uso do macaco-prego como modelo animal para o estudo de repertórios simbólicos em humanos. Inicialmente foi realizada uma busca nos Currículos Lattes dos Professores-Orientadores da EEP e posteriormente uma busca com base nas REFERÊNCIAS dos textos localizados.
Com base nesse procedimento foram localizados 64 textos:
- Dezessete (17) Artigos: Cruz, Kataoka, Costa, Garotti, Galvão, & Barros, (2009); Galvão, Soares Filho, Neves Filho, & Nagahama (2009); Brino, Galvão, & Barros (2009); Souza, Borges, Goulart, Barros, & Galvão (2009); Souza, Ramos, Galvão, & Barros (2008); *Galvão, Soares Filho, Barros, & Souza, (2008); Goulart, Makiama, Fonseca, Marques, & Galvão (2008); Lima, Barros, Dahás, Cruz, Bezerra, & Galvão (2007); Goulart, Mendonça, Barros, Galvão, & McIlvane (2005); Galvão, Barros, Lima, Lavratti, Santos, Brino, Dube, & McIlvane, W.J. (2005); *Barros, Galvão, & Rocha (2005); *Barros, Galvão, Brino, & Goulart (2005); Goulart, Galvão, & Barros (2003); Barros, & Galvão (2003); Barros, Galvão, & McIlvane (2002); *Galvão, Barros, Rocha, Mendonça, & Goulart (2002); Mendonça, Barros, & Goulart (2001) (*Produções que sumarizaram resultados apresentados em outros estudos);
- Quatro (4) Capítulos de livro**: McIlvane, Dube, Serna, Lionello-DeNolf, Barros, & Galvão (2010); Galvão & Barros, (Submetido); Galvão & Barros (2008); e Barros, Galvão, & McIlvane, (2003) (**Todos produções teóricas);
- Vinte (20) Trabalhos de conclusão de curso: Costa (2010); Neves Filho (2010b); Picanço (2010); Araújo (2010); Pereira (2010); ♦Lessa (2008); ♦♦Ramos (2008); ♦♦Borges (2008); Seabra (2007); Dahás (2007); ♦♦Fonseca (2007a); Fonseca (2007b); ♦♦Soares Filho (2007); ♦♦Makiama (2007); ♦♦Neves Filho (2007); Lima, (2006); ♦♦Nagahama (2006); ♦♦Bezerra (2006); Kataoka (2006); Dahás (2006) (♦ Estudo descritivo. ♦♦TCCs que deram origem a artigos);
- Vinte (20) Dissertações: Borges (2010); Lobato (2010); Neves Filho (2010a); Fonseca (2010); Soares Filho (2010); Queiróz (2010); ●Makiama (2009); Machado (2009); Lessa (2009); Kataoka (2008); de Man (2007); Rico (2006); ●Cruz (2005); Goulart (2004); ●Brino (2003); ●Santos (2003); ●Lima (2003); ●Lavratti (2002); ●Brandão (2001); Dias (1998) (●Dissertações que de-ram origem a artigos);
-Três (3) Teses: Costa, (2008); Brino (2007); e Barros (1998).
2. Seleção final e análise dos textos
Entre os 64 textos localizados, foram selecionados os estudos experimentais. Nos casos de produções que sumarizaram resultados apresentados em outros artigos, TCCs e dissertações que deram origem a artigos, foram selecionados para análise os artigos. Esse processo de seleção resultou em 40 textos: 13 Artigos, 11 TCCs, 13 Dissertações e 3 Teses. Em seguida foram feitas a leitura e a análise desses textos, (1) identificando-se em cada um as idéias principais, os objetivos e o método utilizado, e (2) elaborando-se uma síntese dos seus resultados e das conclusões. A análise dos textos foi orientada pelas seguintes categorias:
a) a origem dos objetivos e dos procedimentos dos estudos - se proveem da literatura com humanos ou não-humanos;
b) se, ao aplicar determinado procedimento, o objetivo proposto foi alcançado;
c) se é discutida (por meio de comparações ou recomendações) a questão do modelo animal e/ou a aplicabilidade dos procedimentos utilizados nos estudos em intervenções/pesquisas com pessoas com atraso no desenvolvimento.
Na análise de cada categoria (origem dos objetivos e dos procedimentos, se o objetivo proposto foi alcançado e discussão sobre modelo animal e aplicabilidade à população humana) buscou-se verificar se homologias de processos comportamentais entre macaco-prego e o ser humano eram apresentadas e, principalmente, se eram apresentados dados empíricos que sustentassem tais homologias.
RESULTADOS
Na análise dos 40 textos de natureza experimental produzidos pela EEP, observou-se que todos traçaram seus objetivos baseados na literatura advinda de estudos com não-humanos. Os objetivos propostos predominantemente trataram da busca de aprimoramento de procedimentos que pudessem conduzir a resultados que demonstrassem a formação de repertórios discriminativos relacionais generalizados em organismos não verbais; como exemplo destes trabalhos, podem-se citar estudos provenientes desde o início da EEP, como Barros (1998), Barros et al. (2002), Galvão et al. (2005), Mendonça et al. (2001), até outros mais recentes como os de Brino et al. (2009), Borges (2010), Fonseca (2010), Lima et al. (2007), Soares Filho (2010), entre outros.
Todavia, em alguns trabalhos os objetivos eram direcionados para investigação acerca de repertórios comportamentais do próprio macaco-prego, como o bem estar do animal, do seu comportamento em grupo, utilização de ferramentas e resolução de problemas, e discriminação auditiva e de cores (e.g., Goulart et al., 2008; Lessa, 2009; Neves Filho, 2010b; Souza et al., 2008).
Na Figura 1 (item Procedimento) pode-se observar que, quanto às origens dos procedimentos adotados nos estudos empíricos produzidos pela EEP, a maioria (26 dos 40 estudos analisados) era proveniente da literatura de estudos com não-humanos; principalmente de estudos prévios com macacos-prego e outros primatas não-humanos (e.g., Brino, 2007; Costa, 2010; Dahás, 2006; Fonseca, 2010; Goulart et al., 2008; Lima et al., 2007; Soares Filho, 2010). Tais trabalhos utilizaram principalmente procedimentos de discriminação simples, mudanças repetidas de discriminação simples, pareamento ao modelo por identidade e pareamento arbitrário.
Os trabalhos que se embasaram em procedimentos advindos de estudos com não-humanos e humanos totalizam nove (09), sendo estes: Barros et al. (2002), Barros (1998), Costa (2008), Brino et al. (2009), Cruz et al. (2009), de Man (2007), Galvão et al. (2009), Lima (2006), e Mendonça et al. (2001). Nestes estudos foram utilizados procedimentos como o de modelagem do estímulo modelo em treino de pareamento ao modelo, discriminações simples e pareamento ao modelo, testes de superseletividade com utilização de máscaras (blank-comparison) parciais, testes de identidade com tentativas de teste inseridas entre as tentativas de linha de base, variação acerca da liberação do estímulo reforçador, utilização de fotografias como estímulos, e utilização de reforço específico.
Apenas cinco (05) produções foram baseadas em procedimentos da literatura com humanos: Goulart (2004), Goulart et al. (2005), Kataoka (2008), Queiróz (2010), e Seabra (2007). Os procedimentos utilizados foram treino de discriminação simples simultânea com máscara, a utilização de reforço específico e a manipulação do número de escolhas sobre o desempenho em tarefas de discriminação simples.
Em se tratando do tipo de resultados obtidos em relação aos objetivos propostos pelos estudos da EEP (item Resultados com Relação aos Objetivos na Figura 1), observou-se que entre os 40 estudos experimentais analisados, 22 obtiveram resultados positivos em relação a meta proposta (e.g., Barros et al., 2002; Brino et al., 2009; Cruz et al., 2009; Galvão et al., 2005; Galvão et al., 2009; Goulart et al., 2008; Lima et al., 2007; Souza et al., 2009).
Os trabalhos classificados com resultados negativos foram aqueles que não alcançaram o objetivo proposto, que obtiveram resultados ao nível do acaso ou inconclusivos. Do total de 40 estudos, dez (10) trabalhos relataram resultados negativos em relação ao objetivo proposto: Araújo (2010), Barros e Galvão (2003), Borges (2010), Dias (1998), Goulart et al. (2003), Kataoka (2006), Kataoka (2008), Rico (2006), Seabra (2007), e Souza et al. (2008).
Os trabalhos classificados como tendo obtido resultados parciais são aqueles que não alcançaram o objetivo proposto em sua totalidade. Oito (08) trabalhos foram classificados como tendo obtido resultados parciais. Tais trabalhos são os de Barros (1998), Brino (2007), de Man (2007), Fonseca (2010), Pereira (2010), Picanço (2010), Queiróz (2010), e Soares Filho (2010).
Tratando-se do registro sobre a discussão acerca do estabelecimento do macaco-prego como modelo animal para o comportamento humano na produção da EEP (item discussão na Figura 1), observase que entre os 40 trabalhos empíricos analisados nenhum discutiu sobre o estabelecimento de modelos animais para o estudo e aplicação em seres humanos. Apenas seis (06) trabalhos citaram brevemente a possibilidade de o macaco-prego poder servir como modelo animal para o estudo do comportamento humano: Barros et al. (2002), de Man (2007), Goulart (2004), Goulart et al. (2005), Machado (2009), e Pereira (2010).
De maneira semelhante, observou-se que os trabalhos empíricos da EEP não discutem acerca da possibilidade de aplicação da tecnologia desenvolvida nos seus estudos para intervenções com humanos (item discussão na Figura 1). Apenas dez (10) trabalhos mencionaram brevemente, e de forma geral, que os estudos realizados na EEP podem auxiliar em programas de ensino de crianças com desenvolvimento severamente atrasado ou sem repertório verbal desenvolvido. Porém, tais trabalhos não propuseram nenhum objetivo aplicado, nem sugeriram como estudos futuros poderiam aplicar os procedimentos desenvolvidos na EEP em intervenções ou pesquisas com pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo (ver Barros, 1998; Barros et al., 2002; Cruz et al., 2009; de Man, 2007; Kataoka, 2006; Kataoka, 2008; Lobato, 2010; Pereira, 2010; Queiróz, 2010; Rico, 2006).
Ao analisar cada categoria (origem dos objetivos e dos procedimentos, se o objetivo proposto foi alcançado e a discussão sobre modelo animal e/ou aplicabilidade à população humana), objetivou-se verificar se eram apresentados dados empíricos sobre homologias de processos comportamentais entre macacos -prego e humanos. Observou-se que em nenhum dos 40 trabalhos analisados foram apresentados dados empíricos que sustentassem essa possível homologia.
DISCUSSÃO
Considerando como objetivos principais da EEP a busca de demonstração consistente de que sujeitos não verbais são capazes de apresentar repertórios discriminativos relacionais generalizados e o estabelecimento do macaco-prego como possível modelo animal para investigar a aquisição de repertórios relacionais generalizados em humanos com atraso no desenvolvimento cognitivo (cf. Barros et al., 2003; Galvão et al., 2002; McIlvane et al., 2010), os resultados obtidos no presente trabalho demonstram que os estudos permanecem direcionados para o objetivo inicial da EEP: demonstrar a possibilidade de ensino de repertórios relacionais generalizados a sujeitos não verbais.
Verificou-se a ausência de discussões nos trabalhos empíricos sobre o estabelecimento do macaco-prego como modelo animal. Os trabalhos empíricos da EEP têm justificado a utilização do macaco-prego como sujeito, argumentando que ele apresenta algumas características observadas nos humanos: resolução criativa de problemas, aprendizagem por imitação, adaptabilidade a diversos ambientes, boa discriminação espacial, utilização de ferramentas, e alto quociente de encefalização (razão entre o peso do cérebro e o do corpo). Certamente estas características podem sugerir algumas homologias comportamentais, neuroanatômicas e, de maior relevância para o desenvolvimento de um modelo animal para o estudo de processos simbólicos, homologias de processos comportamentais. No entanto, se as homologias comportamentais e/ou neuroanatômicas entre primatas humanos e não-humanos existem, ou se elas são apenas homoplasias (produtos de convergência evolutiva) é uma questão ainda aberta, de interesse principalmente para biólogos e etólogos (Ereshefsky, 2007).
No contexto do tipo de análise funcional sobre as variáveis de controle do comportamento no qual se inserem os estudos da EEP, o foco deve estar na demonstração empírica da homologia de processos comportamentais em diferentes repertórios das espécies em questão. A mesma lógica apontada por Ereshefsky ao afirmar que "se uma categoria psicológica é uma homologia (vs. uma homoplasia) é uma questão empírica a ser respondida caso a caso" (p. 666), também se aplica na verificação de homologias de processos comportamentais.
Sendo assim, a utilização do macaco-prego como um modelo de animal para o estudo da aquisição de repertórios relacionais generalizados em humanos com atraso no desenvolvimento cognitivo deveria iniciar pela demonstração de homologias de processos comportamentais em repertórios específicos das duas espécies.
Neste sentido, o conjunto de características comportamentais em comum observado em estudos independentes com macacos-prego e com crianças com problemas de desenvolvimento cognitivo (autismo em especial), segundo o relato de McIlvane et al. (2010) (e.g., grande variabilidade entre participantes em resposta a procedimentos de ensino, superseletividade em relação a estímulos visuais complexos, inflexibilidade comportamental a mudanças de contingências, dificuldade para aprender discriminações relacionais por métodos de tentativa e erro), poderia constituir uma primeira agenda de pesquisa na busca de homologias de processos comportamentais entre as duas populações.
A confirmação da existência desse tipo de homologia entre repertórios dessas populações é necessária para validar o modelo animal pretendido, aumentando assim a consistência dos parâmetros de comparação na prática científica e nas suas aplicações (McIlvane & Cataldo, 1996; Staay et al., 2009).
Outro ponto a ser mencionado é que os trabalhos empíricos da EEP não discutem a aplicação das tecnologias desenvolvidas nos seus estudos para intervenções com pessoas com atraso no desevolvimento cognitivo. Isso pode estar relacionado ao fato dos objetivos e procedimentos dos estudos serem derivados de pesquisas básicas com animais e a ênfase que tem sido dada à tentativa de demonstrar que o macaco-prego pode, enquanto organismo não verbal aprender repertórios discriminativos relacionais generalizados.
Nessa direção, a EEP tem produzido uma série de resultados positivos no desenvolvimento de procedimentos (e.g. modelagem de estímulos modelos, estabelecimento de linhas de base consistentes, testes com reforçamento) que podem favorecer a aprendizagem desses tipos de repertórios por macacos-prego. O sistema "curricular" da EEP tem sido utilizado ao tratar com os resultados parciais ou negativos, levando a que os procedimentos sejam constantemente avaliados e reformulados em função do objetivo de ensinar um responder relacional generalizado para macacos-prego.
A questão que se coloca agora, depois de mais de dez anos dessa prática científica, é que caminho seguir. Enfatizar o objetivo de procurar demonstrar repertório relacional generalizado em um organismo não verbal, ou dar início a tentativas de aplicação dos resultados positivos obtidos em intervenções com pessoas com atraso no desevolvimento cognitivo?
A ênfase da EEP na tentativa de demonstrar repertório relacional generalizado em macacos-prego sem a devida validação de homologias de processos comportamentais desses repertórios em humanos, ou ainda, sem buscar verificar a aplicabilidade dos procedimentos usados com relativo sucesso nos seus estudos para o ensino desses repertórios para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo, pode levar a sua prática científica a se aproximar mais de questões sobre o funcionamento do próprio macaco-prego; questões relacionadas mais diretamente com a biologia ou etologia desse gênero. Isso efetivamente vem ocorrendo com uma parcela dos estudos da EPP que tem abordado temas como engenharia social e bem estar do animal em cativeiro (e.g., Lessa, 2009; Neves Filho, 2010b).
Além disso, os constantes ajustes e reformulações nos procedimentos de ensino, em função das peculiaridades de cada macaco-prego (o sistema "curricular" da EEP), mas sem a devida validação de homologias de processos comportamentais, pode estar levando a EEP a produzir um conhecimento sobre a aprendizagem do macaco-prego per se.
O problema com o estabelecimento de questões sobre o funcionamento próprio do macaco-prego e com a utilização do sistema "curricular", na sua forma atual, está no distanciamento que essas práticas impõem à investigação sobre as variáveis de controle do comportamento humano, objetivo final do contexto científico no qual se insere a EEP.
É nesse contexto de desenvolvimento da prática científica da EEP que ganha importância a busca de aplicação dos resultados da sua pesquisa básica na implementação de procedimentos de ensino de repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo. Se o estabelecimento de homologias de processos comportamentais entre repertórios humanos e de macacos-prego ainda está pendente, alguns resultados da pesquisa básica estão disponíveis (e.g., Brino 2007).
A validade em prosseguir com a pesquisa básica está agora vinculada à capacidade de demonstrar a pertinência da aplicação das tecnologias desenvolvidas nos seus estudos para as intervenções com pessoas com atraso no desevolvimento cognitivo.
Essa discussão sobre a relação entre ciência básica e aplicada no contexto da Análise do Comportamento é um tema antigo (e.g., Baer, Wolf, & Risley, 1987), mas que ganhou novamente força no contexto da ênfase que o National Institutes of Health (NIH - a principal entidade financiadora de pesquisa do EUA) tem dado ao caráter 'translacional' da prática científica, ou seja, a aplicabilidade dos achados básicos das pesquisas científicas na solução de problemas da humanidade (Wadman, 2011).
É nesse âmbito que os analistas do comportamento têm retomado a discussão da relação entre ciência básica e aplicada (e.g., McIlvane, 2009). É nele que McIlvane et al. (2010), ao tratarem do que eles denominam 'Análise do Comportamento translacional' (a pesquisa científica básica em Análise do Comportamento que direciona os seus resultados à aplicação para fins de tratamento e/ou prevenção de problemas em humanos), inserem as pesquisas da EEP como um exemplo de modelo animal na pesquisa comportamental translacional.
No entanto, conforme analisado anteriormente, a caracterização desse modelo animal é na verdade ainda uma tarefa em aberto. As similaridades entre certos repertórios de crianças com atraso no desenvolvimento cognitivo e os de macacos-prego podem constituir um ponto de partida para o estabelecimento do modelo.
A observação de certas similaridades comportamentais não constitui um exemplo de "translação" da pesquisa básica com os macacos-prego para implementação de procedimentos de ensino de repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo. Em algumas situações, na verdade, o caminho tem sido inverso, com procedimentos utilizados com humanos sendo empregados nos estudos com os macacos-prego (e.g., Cruz et al. 2009; de Man, 2007; Galvão et al., 2009; Lima, 2006).
Dessa forma, considerando a análise desenvolvida neste trabalho, verifica-se que a prática científica da EEP tem avançado enquanto pesquisa básica sobre a aprendizagem de repertórios relacionais generalizados para macacos-prego, mas ainda sem evidências de transferência dos seus achados para a implementação de procedimentos de ensino de repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo.
Sugere-se que o caminho a seguir pode ser: 1) desenvolver estudos empíricos que validem a homologia de processos comportamentais entre alguns repertórios dos macacos-prego e humanos; e 2) dar início à aplicação dos achados da pesquisa básica da EEP no desenvolvimento de procedimentos para ensinar repertórios relacionais para pessoas com atraso no desenvolvimento cognitivo.
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Submetido em 8 de fevereiro de 2012
Devolvido em 5 de outubro de 2012
Aceito em 10 de maio de 2013
* Correspondência para: carlos.souza@pesquisador.cnpq.br
1 Trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com bolsas de mestrado para MMN e de produtividade em pesquisa para CBAS. CBAS é membro do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino, financiado pela FAPESP (Processo # 08/57705-8) e CNPq (Processo # 573972/20087).