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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.16 no.1 São Paulo abr. 2014
REVISÃO DA LITERATURA
O papel da terapia cognivo-comportamental na anorexia nervosa
The role of cognitive-behavioral therapy in the nutritional treatment of anorexia nervosa
Helena Beyer NardiI; Cristiane MelereII,*
IInstituto de Pesquisas Ensino e Gestão em Saúde
IINutricionista do Grupo de Estudos e Assistência em Transtornos Alimentares (GEATA), Mestre em Epidemiologia pela UFRGS
RESUMO
Apesar da causa da anorexia nervosa (AN), doença caracterizada por medo excessivo de engordar e busca irracional da magreza, ser ainda desconhecida, acredita-se que a sua etiologia é multifatorial, incluindo fatores genéticos e psicológicos. Atualmente há poucas evidências de tratamentos eficientes para a doença, observando-se que a maioria dos participantes abandonam o tratamento, ou mostram uma melhora mínima ou recaídas após o mesmo. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), psicoterapia bastante moderna, tem como foco a adesão ao tratamento, o aumento de peso e o desenvolvimento de um padrão regular e flexível de alimentação. Vários modelos cognitivo-comportamentais têm sido propostos, desenvolvidos e testados. Entretanto, sua eficácia a longo prazo não é bem estabelecida. Assim, justifica-se uma revisão atualizada dos estudos investigando o papel da TCC na anorexia nervosa. Este trabalho tem como objetivo geral atualizar as informações relativas à eficiência da terapia cognitivo-comportamental na anorexia nervosa, com foco no tratamento nutricional.
Palavras-chave: anorexia nervosa; terapia cognitivo-comportamental; eficiência.
ABSTRACT
Although the cause of anorexia nervosa (AN), a disease characterized by excessive food restriction and irrational fear of gaining weight, is still unknown, it is believed that its etiology is multifactorial, including genetic and psychological factors. Currently there is no effective treatments for the disease, and most patients drop out of treatment, or show a minimum improvement or relapse after it. Cognitive-behavioral therapy (CBT), which focuses on treatment adherence, weight gain and the development of a regular and flexible eating pattern, has been seen as a possible treatment for AN. Several cognitive-behavioral models have been proposed, developed and tested, but, their long-term effectiveness is not well established. The current study is a review of recent studies investigating the role of TCC in anorexia nervosa, aiming at an update of information regarding the effectiveness of cognitive-behavioral therapy in anorexia nervosa, with focus on nutritional treatment.
Keywords: anorexia nervosa; cognitive-behavioral therapy; effectiveness.
INTRODUÇÃO
Conforme o DSM-IV-TR e o glossário temático do Ministério da Saúde (2006), a anorexia nervosa (AN) é definida como um "distúrbio alimentar multideterminado por fatores biológicos, psicológicos, familiares e culturais de fundo psicológico caracterizado por: restrição quantitativa e também qualitativa; recusa a manter o peso corporal em um nível igual ou acima do mínimo normal adequado à idade e à altura, ou, perda excessiva de peso, levando à manutenção do peso corporal abaixo de 85% do esperado; medo intenso de ganhar peso ou se tornar gordo, mesmo estando com peso abaixo do normal; distorção da imagem corpórea; e nas mulheres pós-menarca, amenorreia, isto é, ausência de pelo menos três ciclos menstruais". O quadro pode também ser acompanhado por exercício compulsivo (Dalle Grave, 2009). São enfatizadas ainda as consequências sociais, nutricionais e emocionais desse tipo de distúrbio (Ministério da Saúde, 2006; DSM-IV-TR,2002).
Embora estudos anteriores tenham trazido importantes contribuições para a compreensão da AN, atualmente há poucas evidências que indiquem a existência de tratamentos eficientes para a doença, e não há recomendação de um tratamento específico (revisado por Wood, Al-Khairulla & Lask, 2011). Várias revisões sobre esta temática concluem que a maioria dos pacientes abandonam o tratamento, ou mostram uma melhora mínima ou recaídas após o tratamento (revisado por Satir, Goodman, Shingleton, Porcerelli, Gorman, Pratt, Barlow & Thompson-Brenner, 2011). Tendo em vista as altas taxas de abandono e pobres resultados dos tratamentos disponíveis, a investigação de novas alternativas terapêuticas para a AN torna-se extremamente necessária (Herpertz, Hagenah, Vocks, von Wietersheim, Cuntz, Zeeck, 2011). Entre estas novas alternativas, encontra-se a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC).
A TCC é uma psicoterapia bastante moderna que se baseia em dois princípios: o primeiro diz que nossas cognições têm influência sobre o nosso comportamento; o segundo refere-se ao fato de que o modo como agimos afeta nossas emoções e pensamentos (Wright, Basco & Thase, 2008).
A TCC para a AN tem como foco a adesão ao tratamento, o aumento de peso e o desenvolvimento de um padrão regular e flexível de alimentação. A TCC também é importante para o trabalho da imagem corporal e dos padrões estéticos que são muito elevados nas pessoas com AN. Apresentase como uma alternativa de grande valor, mas os resultados, até o presente momento, não têm sido conclusivos quanto à sua relevância.
Vários modelos cognitivo-comportamentais têm sido propostos, desenvolvidos e testados (Fairburn, Shafran & Cooper, 1999), sugerindo que a TCC é eficiente para a anorexia nervosa (Fairburn, Cooper, Doll, O'Connor, Bohn, Hawker, Wales & Palmer, 2009). Entretanto, a eficácia a longo prazo de psicoterapias especializados como a TCC para adultos com anorexia nervosa não é bem estabelecida (Bulik, Berkman, Brownley, Sedway & Lohr, 2007). A maioria dos estudos com adultos envolve amostras pequenas e, entre os resutados, há pouca evidência para apoiar algum tratamento psicológico específico (Fenichel & Warren, 2007). Em adolescentes, a investigação tem sido concentrada principalmente na terapia familiar, de modo que a eficácia da TCC em pacientes com AN mais jovens é pouco clara, sendo bem menos conhecida do que para a bulimia (Bulik et al., 2007; Murphy, Straebler, Cooper & Fairburn, 2010).
Assim, justifica-se uma revisão atualizada dos estudos investigando o papel da TCC na anorexia nervosa. Este trabalho tem como objetivo geral atualizar as informações relativas à eficiência da terapia cognitivo-comportamental na anorexia nervosa, com foco no tratamento nutricional.
MÉTODOS
Este trabalho consiste em uma revisão bibliográfica da literatura, referente aos resultados do emprego da terapia cognitivo-comportamental na anorexia nervosa. As buscas foram realizadas por meio de pesquisa nas bases de dados PubMed (NCBI Databases), Scopus, SciELO e LILACS, buscando identificar estudos publicados no período compreendido entre o ano de 2005 a 2012, validando trabalhos relevantes para a revisão. A escolha deste período foi baseada na intenção de atualizar revisões mais antigas, disponíveis sobre o assunto.
As palavras-chave usadas foram "Cognitive Behavioral" E "Anorexia" para PubMed e Scopus, "Terapia Cognitivo-Comportamental" E "Anorexia" na base SciELO, e "Cognitive Behavioral" AND "Anorexia" ou "Terapia Cognitiva" E "Anorexia" no LILACS.
No total de publicações encontradas, foram excluídos os artigos duplicados e aqueles que não se adequaram aos objetivos da revisão. Os estudos relevantes encontrados foram classificados com relação ao seu tipo - (1) artigos originais, com fornecimento de dados ou (2) artigos de revisão. Os artigos originais foram usados para compor essa revisão sobre o tema, e os de revisão foram reservados para a discussão dos resultados.
RESULTADOS
Foram encontrados diferentes números de artigos em cada base de dados. Nas bases LILACS e SciELO, foram encontrados, respectivamente, oito e cinco artigos relevantes para o tema pesquisado, porém com data de publicação anterior de 2005. Nas bases PubMed e Scopus, foram encontrados no total 86 artigos, dos quais 57 foram excluidos pois não tinham relação com o objeto de estudo. Entre as demais 29 publicações, 18 artigos de revisão foram excluidos, permanecendo neste estudo 11 artigos originais.
Entre os artigos encontrados sobre a terapia cognitivo-comportamental, foram selecionados aqueles com enfoque mais convencional, contemplando tanto os modelos propostos por Fairburn e colaboradores (Fairburn, 2008; Fairburn et al., 1999; Fair-burn, Cooper & Shafran, 2003) quanto por Garner colaboradores (Garner, Vitousek & Pike, 1997), ou com modificações desses. Eles foram analisados com detalhe para coleta das informações quanto à idade e ao sexo dos pacientes descritos, aos objetivos do estudo, e à duração e ao tipo de tratamento utilizado, avaliando-se como resultado final a sua efetividade. O enfoque específico da terapia cognitivo-comportamental de cada publicação é descrito na Tabela 1.
Estes estudos descrevem a terapia em três fases distintas: (1) envolvimento e educação do paciente, com obtenção do máximo de alterações iniciais de comportamento; (2) aprofundamento das conquistas obtidas na fase 1, abordando a psicopatologia do paciente; e (3) manutenção do progresso após a conclusão do tratamento, organizando o tempo de acompanhamento do paciente por períodos mais prolongados.
Na quase totalidade dos casos, os pacientes são do sexo feminino e com idade média entre 23 e 25 anos, sendo poucos estudos encontrados que avaliaram pacientes em faixas etárias mais amplas (16 aos 45 anos). Entre os artigos consultados, poucos trabalhos avaliam os resultados da TCC em períodos de tratamento considerados mais longos (doze meses ou mais). Em um destes estudos (Ricca, Castellini, Lo Sauro, Mannucci, Ravaldi, Rotella & Faravelli, 2010), a eficácia da TCC individual em pacientes com anorexia nervosa em nível clínico (AN) ou subclínico (s-AN) foi avaliada em 50 mulheres, com idade entre 16 a 45 anos, ao final do tratamento e, também, três anos após seu término. As pacientes foram avaliadas por meio de questionários autoaplicados sobre alimentação e comportamento, desconforto quanto ao corpo e a características psicopatológicas em geral. Os resultados mostraram que a TCC teve eficiência similar para pacientes com AN e s-AN, e que pacientes com maior preocupação com a forma tiveram menor probabilidade de recuperação a longo prazo.
Dalle Grave, Calugi, Brambilla, Abbate-Daga, Fassino & Marchesini (2007) investigaram um grupo maior de pacientes com transtornos alimentares com objetivos semelhantes. Do total de 149 pacientes (136 mulheres), com idade média de 24,6±9,3 anos, 60 foram diagnosticados com anorexia nervosa. O estudo avaliou os efeitos de um tratamento cognitivo-comportamental transdiagnóstico, adaptado para pacientes hospitalizados, sobre parâmetros analisados por meio de um inventário de temperamento e caráter, no início e logo após a conclusão do tratamento, que teve duração média de 118,6±27,0 dias. Além deste inventário, as análises incluíram antropometria, exame de transtorno alimentar e inventário de depressão de Beck. Os resultados demonstraram que o tratamento não teve efeitos sobre os parâmetros "busca de novidade", "dependência de recompensa" e "cooperação", mas mudanças significativas foram observadas sobre as variáveis evitar dano, persistência, autodirecionamento e autotranscendência, demonstrando que a TCC é capaz de modificar significativamente algumas escalas de temperamento e caráter, em relação a mudanças na psicopatologia e depressão, independentemente da alimentação.
Em estudo similar, a eficiência da TCC na modificação dos sintomas e psicopatologia de pacientes com AN após tratamento hospitalar foi avaliada logo após a alta hospitalar e 1 ano mais tarde (Bowers & Ansher, 2008). Neste grupo de 32 pacientes do sexo feminino, a avaliação de aspectos como a psicopatologia geral, o transtorno alimentar e a depressão mostrou melhoras significantes logo após o tratamento. Alguns aspectos desta melhora, principalmente quanto à psicopatologia do transtorno alimentar e depressão, foram mantidos após um ano de acompanhamento.
Como a eficiência da TCC na anorexia nervosa tem se mostrado variável, alguns estudos mais recentes têm tentado identificar quais os fatores que predispõem para o sucesso ou falha deste tipo de terapia. Em um grupo de 32 pacientes do sexo feminino com AN, com idade média de 26,1±8,74 anos, Marcoulides & Waller (2012) buscaram identificar os fatores psicológicos que influenciaram os níveis de ganho de peso, da sexta até a vigéssima sessão de terapia cognitivo-comportamental. Foi observado um ganho de peso mais lento entre as vinte sessões, o qual foi significantemente correlacionado a hábitos alimentares pouco saudáveis no momento do início da terapia. Assim, apesar da importância de trabalhar aspectos de patologias do Eixo I do DSM-IV (p. ex., depressão, hostilidade e ansiedade) durante a TCC, os resultados indicam que no início do tratamento, pode ter maior relevância a abordagem de questões mais diretas envolvendo alimentação, forma e peso. Outro estudo recente do mesmo grupo (Lockwood, Serpell & Waller, 2012) investigou o impacto de características individuais sobre as primeiras respostas à terapia cognitivo-comportamental para anorexia nervosa, em um grupo de 40 pacientes do sexo feminino com idade média de 28,0±5,69 anos. As características incluíram atitudes alimentares, índice de massa corporal (IMC) e características comórbidas, e a avaliação incluiu variáveis como abandono do tratamento e alterações no peso, ao longo das dez sessões de TCC. Foi observado que, enquanto pacientes com menor nível de ansiedade abandonaram com maior frequência o tratamento, as com níveis mais altos no início do tratamento tiveram menor ganho de peso. Estes resultados indicam a importância de implementar técnicas de redução de ansiedade dos pacientes, para aumento do nível de sucesso da TCC.
A questão da interrupção do tratamento é um dos problemas que mais interferem na eficiência da TCC. Para investigar os fatores psicológicos do abandono da terapia em pacientes anoréxicas, Nozaki, Motoyama, Arimura, Morita, Koreeda-Arimura, Kawai, Takii & Kubo (2007) utilizaram o Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota (Minnesota Multiphasic Personality Inventory, MMPI). A avaliação foi realizada em 75 pacientes diagnosticadas com AN, as quais foram tratadas com TCC durante as duas semanas de hospitalização. Não houve diferenças significativas entre pacientes que completaram o tratamento (n=51) e desistentes (n=24) quanto ao tipo de transtorno alimentar, idade de início, duração da doença, idade ou IMC na admissão. Fatores avaliados pela MMPI, como esquizofrenia, hipomania, comportamento anormal e atitude antissocial, mostraram-se bons preditores da conclusão ou abandono da TCC. Estes resultados permitem concluir que o uso de TCC em pacientes AN deve ser cuidadosamente adaptado para pacientes que apresentam elementos psicopatológicos definidos, identificados neste estudo.
A complementação da TCC com outros tipos de intervenção foi investigada em um grupo de 99 pacientes com AN crônica (Gentile, Manna, Ciceri & Rodeschini, 2008). Neste estudo, as pacientes, com idade média de 21 anos, receberam um tratamento multidisciplinar intensivo, com participação de médicos, nutricionistas e psicólogos. As pacientes só receberam alta após atingirem IMC mínimo de 18 kg/m2, sendo acompanhadas por um período médio de 17 meses. Os resultados mostraram que 75% das pacientes completaram o tratamento, tendo alcançado IMC médio de 18,3±0,8 18 kg/m2, que evoluiu até 19,1±1,6 kg/m2, em média, durante o acompanhamento após a alta hospitalar.
Em um dos poucos estudos randomizados e controlados publicados recentemente, McIntosh, Jordan, Carter, Luty, McKenzie, Bulik, Frampton & Joyce (2005) compararam a eficiência da TCC com outros dois tratamentos, em pacientes anoréxicas. Além da TCC, um outro tipo de psicoterapia específica foi utilizada, a psicoterapia interpessoal, e a terceira abordagem consistiu-se em um tratamento controle combinando o apoio clínico com psicoterapia de apoio. Participaram do estudo 66 mulheres, com idade variando de 17 a 40 anos, e o tratamento incluiu vinte sessões ao longo de um mínimo de vinte semanas. Os resultados foram analisados após a décima sessão e ao final do tratamento, por meio de avaliação física, avaliação de imagem corporal, questionários e uma entrevista clínica estruturada. Estes resultados indicaram que a terapia clínica de apoio foi mais eficiente que a psicoterapia interpessoal, enquanto a TCC teve eficiência intermediária entre as outras duas. Para as pacientes que completaram o tratamento (35, ou 63%), a terapia clínica de apoio foi mais eficiente que as duas terapias especializadas.
Finalmente, outra questão importante na avaliação da eficiência da terapia, que se refere à manutenção dos resultados positivos obtidos, foi também considerada nos estudos publicados no período considerado. Um recente estudo clínico randomizado analisou 52 pacientes com AN que completaram tratamentos com base na TCC, terapia farmacológica (fluoxetina), ou uma combinação de ambas (Yu, Stewart Agras, Halmi, Crow, Mitchell & Bryson, 2011). Os critérios de avaliação, ao início e final do tratamento e durante um ano de acompanhamento, incluíram controle de peso e pontuação global de exame do transtorno alimentar, separadamente e combinados. Foi observado aumento de peso entre o final do tratamento e o período de acompanhamento, e manutenção da recuperação durante os 12 meses em 75% das pacientes. A recuperação psicopatológica foi estável dentro deste período, para 40% da amostra. Entretanto, o emprego de critérios de recuperação mais restritos mostrou que apenas 21% das pacientes alcançaram recuperação.
Kaplan, Walsh, Olmsted, Attia, Carter, Devlin, Pike, Woodside, Rockert, Roberto & Parides (2008) realizaram um estudo objetivando identificar os fatores responsáveis pela manutenção da recuperação por períodos mais prolongados. Um grupo de 93 pacientes do sexo feminino com AN, com idade entre 16 e 45 anos, foram tratadas e alcançaram um peso mínimo normal. Variáveis clínicas, demográficas e psicométricas foram avaliadas e as pacientes foram então distribuídas em dois grupos, um deles recebendo fluoxetina e TCC e o outro uma substância placebo e TCC, com avaliações aos 6 e 12 meses. Os melhores preditores de manutenção de peso, aos 6 e 12 meses após sua restauração, foram o índice de massa corporal ao início do tratamento e a taxa de perda de peso nos primeiros 28 dias depois do início do tratamento. Um IMC maior e uma menor taxa de perda de peso foram associados com maior probabilidade de manutenção de IMC normal, aos 6 e 12 meses.
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
De modo geral, os estudos mais recentes analisando a eficiência da terapia cognitivo-comportamental na anorexia nervosa têm mostrado resultados modestos desta abordagem terapêutica. Estes estudos têm demonstrado uma importante variação no nível de resposta à terapia cognitivo-comportamental em pacientes anoréxicos. Não existem ainda dados suficientes para uma estimativa da percentagem esperada de sucesso, devido às variações no tipo de pacientes nos diferentes estudos, critérios diagnósticos, abordagem terapêutica empregada, complementação da TCC com outros elementos, tempo de tratamento, critérios de avaliação utilizados entre vários outros parâmetros. Como resultado, estudos que comparam a TCC com outros tipos de terapia têm demonstrado vantagem de outras abordagens. McIntosh et al. (2005), por exemplo, mostraram que a terapia clínica de apoio foi mais eficiente que a psicoterapia interpessoal e TCC. Do mesmo modo, o estudo de Yu et al. (2011) demonstrou uma baixa frequência de recuperação de pacientes com AN (21%), considerando um período de acompanhamento de um ano.
Bulik et al. (2007) realizaram uma ampla revisão de estudos controlados randomizados de terapia para AN, encontrando 32 estudos envolvendo apenas medicação, apenas TCC, ou uma combinação de ambos, com pacientes adolescentes ou adultos. Nesta revisão, a TCC mostrou-se eficiente na redução do risco de recidiva em pacientes adultos, enquanto sua eficiência em adolescentes permaneceu inconclusiva. Revisões mais recentes tendem a mostrar conclusões mais negativas para a eficiência da TCC na anorexia nervosa. Schmidt (2009) salientou que, em contraste com o tratamento para bulimia nervosa (BN), na AN não há consenso quanto a terapias bem estabelecidas. A TCC parece resultar em baixa aderência e ser pouco eficiente, possivelmente por ter sido adaptada para a anorexia nervosa a partir de resultados obtidos com outros tipos de distúrbios alimentares. Varchol & Cooper (2009) realizaram uma revisão cuidadosa sobre o uso de psicoterapias em pacientes adolescentes com distúrbios alimentares, concluindo que, apesar de uma melhora nos sintomas, a maioria das pacientes não mostrou recuperação no período de acompanhamento de 6 meses. Allen & Dalton (2011) revisaram estudos usando diferentes tipos de terapia para anorexia nervosa, bulimia nervosa (BN) e transtorno compulsivo alimentar periódico (TCAP), encontrando evidência da eficiência da TCC para BN e TCAP, enquanto a terapia familiar parece ser mais apropriada para a AN. A mesma conclusão foi alcançada por Wilson & Zandberg (2012), que vão mais além afirmando que a TCC é contraindicada para pacientes com anorexia nervosa.
As razões para a baixa eficiência da TCC em pacientes com anorexia nervosa não são muito claras. É provável que a heterogeneidade interpessoal dos pacientes com AN não permita o estabelecimento dos critérios mais adequados para previsão dos resultados da terapia. Conforme o estudo de Ricca et al. (2010), a preocupação com a forma corporal representa o melhor preditor da eficiência da TCC na terapia da anorexia nervosa, sobrepondo-se a características demográficas ou psicopatológicas em geral.
A busca por alternativas terapêuticas para a AN não tem ainda uma resposta de consenso. Estas alternativas foram apresentadas em detalhe em recente estudo de Herpertz-Dahlmann & Salbach-Andrae (2011), salientando-se a importância de uma abordagem multidisciplinar. Os resultados obtidos por Gentile et al. (2008) fornecem também forte suporte para o uso de um programa altamente estruturado para tratar pacientes com AN grave, com a participação de uma equipe multidisciplinar de médicos e psicólogos especializados no tratamento de transtorno alimentar. Entre as alternativas terapêuticas, a terapia familiar parece ser a mais indicada (Wilson, Grilo & Vitousek, 2007; Keel & Haedt, 2008). Na terapia familiar, também referida como modelo de Maudsley, a família é incorporada na equipe que executa o tratamento.
Em revisão recente, Lock (2010) analisou três estudos clínicos randomizados, concluindo que a terapia familiar se apresenta como a abordagem mais eficiente para adolescentes com AN, apesar de uma diminuição neste efeito ao longo do tempo. A complementação da terapia familiar com outras abordagens, como psicofarmacoterapia e uma abordagem individual, tem sido sugerida, principalmente no caso de crianças e adolescentes (Barton & Nicholls, 2008; Chakraborty & Basu, 2010). Outra questão importante é o adequado treinamento dos profissionais envolvidos com o processo terapêutico (Reiter & Graves, 2010).
É importante ainda observar que, apesar das indicações de uma maior eficiência da terapia familiar para a AN, nem sempre esta opção é disponível. Lock & Fitzpatrick (2009) sugeriram, nestes casos, uma adaptação da TCC, em que o alvo não seria o alimento, peso ou aspecto do paciente, mas as deficiências psicológicas e de desenvolvimento que causam os sintomas de transtorno alimentar. Esta forma "melhorada" de terapia cognitivo-comportamental é melhor explorada por Murphy et al. (2010), sendo baseada em uma teoria transdiagnóstica que tem como alvo a psicopatologia e não o distúrbio alimentar. Neste formato, a TCC emprega várias novas estratégias visando melhorar o resultado por meio da superação de obstáculos que são "externos" ao distúrbio alimentar, tais como perfeccionismo clínico, baixa autoestima e dificuldades interpessoais.
Em conclusão, esta revisão dos estudos publicados entre 2005 e 2012 com emprego da terapia cognitivo-comportamental convencional para anorexia nervosa mostra que, apesar desta abordagem terapêutica ser mais eficiente que outros tipos de terapias, os resultados ainda não são satisfatórios.
Esta revisão tem como principal limitação o fato de ter considerado apenas os estudos em que a TCC foi utilizada em seu sentido mais tradicional, com modelos propostos por Fairburn e colaboradores e Garner e colaboradores, incluindo assim um número reduzido de publicações.
Finalmente, um dos dados mais importantes resultantes desta revisão indica a necessidade de mais estudos randômicos, de preferência multicêntricos, que permitam avaliar as diferentes alternativas terapêuticas para este complexo grupo de pacientes, permitindo sua plena integração na sociedade.
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Recebido em: 8 de fevereiro de 2012
Enviado para modificações em: 12 de agosto de 2012
Aceito em: 18 de junho de 2013