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Revista Mal Estar e Subjetividade

 ISSN 1518-6148

Rev.Mal-Estar Subj vol.13 no.3-4 Fortaleza dez. 2013

 

ARTIGOS

 

O corpo: identificações e imagem

 

The body: identifications and image

 

El cuerpo: identificaciones e imagen

 

Le corps : identifications et image

 

 

Deise Matos do AmparoI; Ana Cláudia Reis de MagalhãesII; Daniela Scheinkman ChatelardIII

IDoutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Doutorado sanduíche pela Université de Picardie Jules Verne. Pós-doutorado pela Université Paris Descartes. Professora adjunta do Departamento de Psicologia Clínica na Universidade de Brasília. E-mail: deiseamparo@unb.br
IIMestranda em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília. Graduação em Terapia Ocupacional pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais
IIIDoutora em Filosofia pela Université Paris 8. Professora adjunta do Departamento de Psicologia Clínica na Universidade de Brasília

 

 


RESUMO

A partir da revisão crítica do conceito de corpo para a psicanálise, considerando-o um elemento de estrutura, buscou-se apontar suas possíveis ligações com a constituição psíquica e existencial do sujeito. Com as leituras de Freud, Anzieu e Lacan, dois eixos interligados de discussão foram desenvolvidos: a articulação do corpo com o Eu e, por consequência, com a problemática narcísica, e a relação entre o corpo e as identificações primárias. Em um segundo momento, seguindo com contribuições de Schilder, Dolto e Pankow, foram discutidas questões mais específicas sobre a imagem do corpo, referindo-se a conceitos como "imagem inconsciente do corpo" e "corpo enquanto estrutura espacial". Com o percurso teórico desenvolvido, observou-se o quanto a imagem refletida, vinda do outro, tal como a metáfora do espelho, estrutura-se no contexto das identificações primárias, sendo essencial e constituinte à formação do eu e dos primeiros arcabouços da constituição psíquica. Assim, para que o sujeito possa, a partir dessa imagem, advir e existir como sujeito do desejo, sujeito falante, sujeito do inconsciente, é fundamental o cruzamento simultâneo entre a imagem especular e a palavra enquanto lei mediadora. Dessa forma, haveria uma articulação do corpo com o espaço e a linguagem.

Palavras-chave: psicanálise; corpo; imagem do corpo; Identificação; narcisismo.


ABSTRACT

From the critical review of the concept of the body in psychoanalysis and considering that this is a structural element, we tried to point out its possible links with the existential and psychic constitution of the subject. From the readings of Freud, Anzieu and Lacan, two interconnected lines of discussion were developed: the body united with the self, therefore, with the problematic of narcissism, and the relationship between the body and the primary identifications. In a second moment, followed the contributions of Schilder, Dolto and Pankow we discuss more specific issues that contribute to the debate on body image, referring to concepts such as unconscious image of the body and the body as a spatial structure. With the theoretical approach developed, we observe how the reflected image, formed from the other, as in the metaphor of the mirror, structures itself in the context of primary identifications, and is essential to the formation and constitution of the self and for the constitution of the psychic. Therefore, in order for the subject to arise and to exist as a subject of desire starting from this image, becoming a speaking subject, the subject of the unconscious, is fundamental the simultaneous intersection between, in one side, the mirror image and the word, as a mediator law, on the other hand. Thus, there would be an articulation of the body with the space and the language.

Keywords: psychoanalysis; body; body image; identification; narcissism.


RESUMEN

Desde la revisión crítica del concepto del cuerpo para el psicoanálisis y considerándola como un elemento estructural, si buscó señalar posibles vínculos con la constitución existencial y psicologica del sujeto. Tomando como referencia las lecturas de Freud, de Anzieu y Lacan , dos líneas interconectadas de discusión fueron desarrolladas: la articulación del cuerpo con el Yo y, por lo tanto, con la problemática narcisistica, y la relación entre el cuerpo y las identificaciones primarias. En un segundo momento, basandose en las contribuciones de Schilder, Dolto y Pankow fueron discutidos temas más específicos que contribuyen al debate sobre la imagen del cuerpo a partir de conceptos tales como la imagen inconsciente del cuerpo asi como del cuerpo como una estructura espacial. Con el enfoque teórico desarrollado, se observó en que proporción la imagen, que viene reflejada del otro , como en la metáfora del espejo, si estructura en el contexto de las identificaciones primarias y es esencial y contribue para la formación del ser, asi como las basis para la constitución psíquica. Así que, para que el sujeto pueda venir de esa imagen y existir como sujeto de deseo, sujeto hablante, el sujeto del inconsciente es fundamental que haya un intersección entre la imagen del espejo en un lado y, por otro lado, enquanto mediadora, la palabra . Haberia, por lo tanto, articulación del cuerpo con el espacio y con el lenguaje.

Palabras-clave: psicoanálisis; cuerpo; imagen corporal; identificación; Narcisismo.


RÉSUMÉ

IA partir de la révision critique du concept de corps pour la psychanalyse, et considérant ce même concept comme élément de structure, on a cherché à mettre en relief ses liaisons possibles avec la constitution psychique et existentielle du sujet. A partir des lectures de Freud, Anzieu et Lacan, deux axes reliés de discussion ont été développés : l'articulation du corps avec le moi, et par conséquent avec la problématique narcissique, et la relation entre le corps et les identifications primaires. Dans un second moment, suivant les contributions de Schilder, Dolto et Pankow, on a discuté les questions plus spécifiques qui contribuent à la réflexion sur l'image du corps, en se référant à des concepts comme ceux d'image inconsciente du corps , et de corps en tant que structure spatiale. Avec le développement du parcours théorique, l'on observe combien l'image réfléchie, venue de l'autre, tout comme la métaphore du miroir, se structure dans le contexte des identifications primaires, et est essentielle et constituante pour la formation du moi et des principaux arcs-boutants de la constitution psychique. Ainsi, pour que le sujet puisse advenir à partir de cette image, et exister en tant que sujet du désir, sujet parlant, sujet de l'inconscient, est fondamental le croisement simultané entre d'une part l'image spéculaire, et de l'autre la parole en tant que loi médiatrice. De cette seule façon il y aura une articulation du corps avec l'espace et avec le langage.

Mots-clés: psychanalyse; corps; image du corps; identification; narcissisme.


 

 

Introdução

O corpo é um dos elementos da organização do sujeito psíquico, constituindo-se no campo em que a imagem de si é inaugurada, tornando possível a relação consigo mesmo e com o outro. A existência subjetiva se faz em presença do corpo, que marca, com seu estatuto de realidade, um espaço no mundo concreto. A passagem do campo objetivo para o subjetivo, traço peculiar do humano e da sua antropogênese, coloca-o numa rede afetiva e simbólica que o particulariza no mundo dos objetos. Nesse sentido, é possível considerar o corpo como elemento de estrutura, o que permite apontar suas possíveis ligações com a constituição do espaço psíquico e existencial.

A noção introduzida pela psicanálise de que o corpo é atravessado pela pulsão é fundamental para a compreensão do espaço psíquico. O corpo pulsional, embora vinculado ao biológico, dele se diferencia pela articulação com a linguagem. As tentativas de relacionar corpo-psiquismo/corpo-linguagem encontram-se presentes desde os primórdios do pensamento freudiano, nos artigos considerados pré-psicanalíticos. Essa problemática apresenta uma direção mais específica na obra freudiana, com a elaboração do conceito de pulsão (Freud, 1905/1974a; 1915/1974d). A definição de pulsão, considerada entre o psíquico e o somático, é de importância capital na obra de Freud. Para ele, a pulsão é uma força constante e, vinda do corpo, permanece fora da ação direta das operações psíquicas, só incidindo sobre os seus representantes. Estes funcionam como a exigência de trabalho da mente em consequência da sua ligação com o corpo.

O corpo pulsional imprime-se ao psiquismo associando-se à rede de representações tanto inconscientes quanto conscientes. Cria-se, assim, por meio da representação psíquica, um espaço de mediação entre o sujeito e seu mundo interno (Eigenwelt) e entre o sujeito e o mundo externo (Mitwelt).

Além do estatuto pulsional como elemento de estruturação psíquica, pode-se ver em Freud (1923/1974e) a importância do corpo enquanto "massa bruta", originária de sensações e expressões cinestésicas. Sua superfície pode originar sensações tanto internas quanto externas. O corpo é um elemento primitivo que, ao tato, produz sensação equivalente à percepção interna. Esse espaço de percepção interna delimita um dentro/fora, aspecto fundamental no estabelecimento de uma função mediadora. Pode-se reconhecer que a dialética dentro/fora não é simplesmente efeito de processos fisiológicos, mas produto, principalmente, da constituição do imaginário ligado ao corpo e da capacidade de representar a si e ao outro enquanto entidade separada de si mesma. A criança recusa por um longo tempo aceitar a mãe como objeto separado. Fazer a diferenciação sujeito/objeto implica aceitar a passagem da continuidade para a descontinuidade, introduzida pelas sucessivas faltas vividas pela criança.

O corpo da criança, além de movimento perceptivo e cinestésico, é objeto de investimento libidinal dos pais, tornando-se um elemento fundamental para a constituição do narcisismo originado na primeira infância. Isso possibilita situar o corpo no seio da dialética da interação com o outro, permeada pela textura do mundo simbólico e da linguagem.

Antes de a criança nascer, e até mesmo de ter acesso à palavra que permitirá a designação de si mesma pelo uso do pronome Eu, ela já se encontra inserida num mundo de relações que lhe permite ter um corpo imaginariamente concebido como sexuado e autônomo, fundado no desejo materno e ocupando um lugar essencial no mito familiar (Aulagnier, 1964). O nome próprio dado pelos pais introduz um significante que referencia a criança ao mundo da linguagem e às relações partilhadas com o Outro. Ao mesmo tempo, como elemento ligado ao corpo e à presença do outro, o nome próprio contribui de forma determinante para a estruturação da imagem do corpo e constituição do núcleo daquilo que a criança vive como sendo Eu. Introduz-se a relação do sujeito com o Outro e a problemática narcísica. Esses dois fatores suscitam efeitos na constituição psíquica do sujeito.

Com isso, dois eixos interligados de discussão se colocam: a) a articulação do corpo com o Eu e, por consequência, com a problemática narcísica; e b) a relação entre o corpo e as identificações primárias.

 

A Articulação do Corpo com o Eu

O Eu se constrói pela deflexão do sujeito sobre si mesmo, ou melhor, sobre o seu corpo. A relação Eu-corpo é efeito da discordância radical do humano que, jogado no mundo, é levado a se diferenciar efetuando passagens da ordem da necessidade para a constituição de processos imaginários nos quais o Eu e a imagem do corpo estão inseridos, inaugurando um espaço de mediação particular organizador do sujeito psíquico. Essa representação imagética do Eu enquanto função sintética do indivíduo permite o caminho do narcisismo à relação de objeto.

A constituição do espaço psíquico a partir do corpo evidencia duas questões: o Eu como correspondente ao "si mesmo", implicando na diferenciação entre si e o outro, traduzido pela ideia de indivíduo; e o Eu como projeção de uma superfície que indica uma diferenciação psíquica, relacionando-o à imagem do corpo. A relação Eu-corpo é explícita em Freud (1923/1974e) quando ele coloca que o Eu é, acima de tudo, um Eu corporal, ou seja, a projeção de uma superfície do corpo. Nesse sentido, caracteriza a importância da cinestesia corporal como elemento de reconhecimento primário do corpo que permitirá a organização do Eu enquanto instância psíquica diferenciada do Isso, tendo um importante papel no estabelecimento da estruturação psíquica. Esse substrato do Eu, entremeado no corpo, corresponde à sua parte mais primária e inconsciente, portanto, pulsional.

Anzieu (1985) discute a articulação entre o Eu e o corpo qualificando a ideia de um pré-Eu corporal, uma configuração simbólica, o Eu-pele. Ele teoriza uma correspondência entre o invólucro corporal e o psíquico, estabelecendo a relação Eu-corpo a partir do limite da pele. O autor define o Eu-pele como uma estrutura intermediária do aparelho psíquico, que assume a função de ser mediadora entre a mãe e o bebê para evitar a inclusão mútua dos psiquismos na organização fusional primária. Nesse sentido, a pele teria uma função estrutural de limite, constituindo-se num envelope que oferece continente para as impulsões advindas do interior e do exterior.

Pode-se reconhecer a importância da representação da pele como sendo a unidade fundamental constituinte do Eu. O corpo, contudo, não se delimita na pele, mas é permeado pela representação psíquica de sua estrutura interna, o "olho do espírito". Nesse sentido, não se trata de uma cinestesia unicamente externa, mas de todo um vivido corporal.

Há de se convir que a correspondência entre o invólucro corporal e o psíquico, a partir da definição do Eu-pele construída por Anzieu, não é suficiente para esgotar a articulação Eu-corpo. Diante dessa problemática, a questão da gênese do Eu coloca-se de maneira proeminente, considerando, a partir da psicanálise, sua temporalidade própria e o tempo lógico em que os efeitos se dão no "só depois".

Segundo Freud (1914/1974c), o indivíduo, originalmente, não possui um Eu. Ele precisa organizá-lo, não como resultado de uma diferenciação progressiva, mas sob o efeito de uma ação psíquica que provoca uma brecha no desenvolvimento pulsional, constituindo-se no elemento fundamental que permitirá a emergência do Eu a partir do narcisismo.

O narcisismo, então, transforma-se num eixo importante da relação Eu-corpo, elemento já apontado por Freud (1911/1974b) desde o Caso Schereber. Nesse texto, o narcisismo é definido como estádio do desenvolvimento da libido situado entre o autoerotismo e o amor objetal. Designa um tempo no desenvolvimento do indivíduo em que são reunidas as pulsões sexuais, a fim de se conseguir um objeto amoroso, tomando a si mesmo, o próprio corpo, como objeto de amor. O corpo, inicialmente esfacelado, dá lugar a uma unificação, do mesmo modo que proporciona espaço para o desenvolvimento do Eu, o qual tem um processo de constituição tão complexo quanto o desenvolvimento libidinal.

A teorização lacaniana da fase do espelho (Lacan, 1966) é uma tentativa de explicitar em que se constitui essa nova ação psíquica apontada por Freud. Essa experiência foi estudada por Lacan, tendo sido delimitados três tempos lógicos na sua constituição: o primeiro aponta para uma confusão entre si e o outro; no segundo momento, a criança descobre que a imagem do espelho não é real, distinguindo a imagem do outro da realidade do outro; num terceiro momento, ela adquire a convicção de que se trata da própria imagem refletida no espelho. Ver-se-á, a seguir, os efeitos produzidos por essa fase sobre a organização psíquica e corporal.

 

O Corpo e as Identificações Primárias

O momento base da constituição do sujeito psíquico, que vai do nascimento até o confronto com o Eu especular, permite situar o ponto de partida da estruturação de uma nova ek-sistência quando esta é imaginada e simbolizada, ou seja, quando a criança, ainda em estado de gestação, é remetida a um lugar no mito familiar, no fantasma fundamental, portanto, num ponto original da trama das relações edípicas. Isso significa situar o lugar que a criança ocupa no inconsciente materno como seu objeto de desejo, instaurando uma relação imaginária na qual a criança é representada pela mãe enquanto um corpo imaginado (Aulagnier, 1964), completo e unificado. É sobre essa imagem, suporte do embrião, que a libido da mãe se inclinará. À medida que a criança é representada no registro do Outro, equivalente a um nome e a um corpo imaginado, ela poderá se reconhecer enquanto Eu-ideal no Eu-especular. O Eu-ideal é a matriz das identificações posteriores e, para que a criança saia desse jogo de idealização aferrado ao desejo da mãe, é necessário que ela possa simbolizar seu discurso em torno de um significante, correspondente à ordem do humano e a uma lei preexistente na qual ela também se encontra inserida.

O espelho é importante porque constitui a testemunha da relação dual imediata própria do imaginário e a passagem para o registro tridimensional do simbólico. A fase do espelho institui um esboço do Eu a partir da imagem unificada do corpo na presença efetiva do outro, que testemunha, através do olhar, a forma do semelhante. Na tese lacaniana, essa é a primeira e fundamental identificação, feita com a imagem ideal de si. Produz-se uma transformação no sujeito quando este assume essa imagem, constituindo uma matriz simbólica na qual o Eu se precipita de forma primordial antes que se objetive na dialética da identificação ao outro (Lacan, 1966).

Ressalta-se a importância, em certo momento da obra de Lacan, de uma matriz simbólica estabelecendo uma abertura para a inauguração da criança nesse universo. Essa matriz pressupõe uma textura inicial, um modo de entrelaçamento no qual a imagem do corpo é um ponto de amarração, símbolo primeiro do sujeito que, ainda imerso no imaginário, não atingiu sua eficácia simbólica (Checchinato, Sobrinho, Steffen, & Souza-Filho, 1988).

Nessa abertura imaginária, em que a criança é capturada, o Eu vai se constituir ligado à imagem do corpo, uma marca de seu contorno. Esse momento demarca o nascimento da instância imaginária, o eu-imaginário, uma estratificação incessante de imagens que se formam no interior do quadro do "eu" (Je) simbólico, inaugurado durante o estádio do espelho (Nasio, 1988).

Considerando a gênese do Eu, a fase do espelho demarca um momento lógico fundamental, no qual o sujeito se precipita, na ilusão de constituir uma imagem inteira de si no reflexo do outro, estabelecendo um ponto de ancoragem para organizar-se como um "indivíduo" que tem efeito de globalidade e personalização. O Eu, a persona (Resnik, 1973), é o lugar em consequência do qual o sujeito terá a ilusão de transparência para si mesmo. Essa ilusão promove um desconhecimento original de si e permite a distância dialética Eu-outro.

Assim, esse estágio estrutura o Eu na linha da alienação, ou seja, antes que o sujeito possa garantir sua subjetividade por meio do uso do nome próprio ou do pronome pessoal, o Eu é estruturado primeiramente como entidade alienante. Ele não pode ser entendido como prolongamento do indivíduo, mas como deslocamento deste, ou melhor, como uma fachada que, enquanto unidade íntegra, é essencialmente fragmentada.

Um ponto essencial na gênese do Eu, além de ele ser marcado pela cinestesia do corpo, é também fruto da imagem indissoluvelmente ligada de si mesmo e do outro, abrindo o campo das identificações (Laplanche, 1985), que pressupõe e implica a dimensão imaginária. O fenômeno da identificação acentua a exterioridade do homem em relação a si mesmo.

A identificação, tal como concebida por Freud, é um processo inconsciente, que se passa no seio do aparelho psíquico e é constituída pelo Eu quando este se transforma num aspecto do objeto com o qual se identifica. Já para Lacan, é um processo ainda mais complexo, visando a uma relação entre o eu e o objeto, na qual um dos termos cria o outro, designando a coisa com a qual o eu se identifica como sendo a causa do Eu (Nasio, 1988). Há uma retroatividade implicada nesse processo, não demarcada em Freud.

Observa-se que o corpo, imaginariamente constituído na relação com o Outro, é o suporte para a estruturação psíquica do sujeito. O que acontece, então, na psicose que se fecha a qualquer via de identificação? Como entender a imagem do corpo e a entrada no simbólico nessa estrutura clínica?

Nesse pequeno trajeto, encontramos as linhas gerais que demarcam a importância do corpo na estruturação psíquica. Vamos agora introduzir questões mais específicas ligadas à imagem do corpo.

 

A Imagem do Corpo

Neste item, pretende-se desenvolver, numa perspectiva histórico-crítica, o conceito de imagem do corpo na psicanálise, tentando situar sua emergência na construção do pensamento pós-freudiano, suas implicações e desdobramentos atuais, sobretudo as contribuições de Dolto e Pankow.

Uma característica essencial desse conceito no meio psiquiátrico e psicanalítico é sua peculiar polissemia. Trata-se de uma imagem inconsciente, pré-consciente ou consciente? É algo que é constituinte ou constituído? Implica num dado de estrutura ou é um elemento relacional? É igual ao corpo representado? Está articulado ao Eu, ao desenvolvimento libidinal ou a ambos? Imagem e esquema corporal são sinônimos? Como pode ser apreendido no discurso do sujeito? Essas interrogações têm sido respondidas de maneira contraditória, à medida que os autores se debruçam sobre esse conceito, tentando dar-lhe uma configuração mais específica.

A noção de imagem do corpo, sem dúvida, deve ser referencialmente remetida à Schilder (1980), neurologista e psicanalista que abriu as linhas mestras de investigação desse conceito, estabelecendo as pontes com a fisiologia, a psicanálise e a sociologia, apontando as contribuições específicas nesses campos.

Desde o princípio, observa-se a influência de uma abordagem fisiológica no pensamento de Schilder, que começou o seu trabalho com observações clínicas de lesionados cerebrais. Essas observações provocaram o estudo sobre o Körperschema (esquema do corpo). Paralelamente ao seu interesse pela fisiologia, houve uma proximidade com a fenomenologia, a psicologia e a psicanálise.

Dentre as diversas contribuições da sua elaboração conceitual, o ganho específico para a psicanálise diz respeito à discussão sobre a estrutura libidinal da imagem corporal. Ele coloca alguns pontos importantes que vão servir de base para as elaborações teóricas psicanalíticas posteriores.

É interessante retomar alguns pontos da definição de imagem do corpo elaborada por Schilder. Nela, não há o estabelecimento de diferenciação entre esquema e imagem, como proposto por Dolto (1984), sendo tais termos abordados como sinônimos.

Quando Schilder levanta a questão da figuração do corpo formada na mente, situa, a princípio, a imagem do corpo unicamente no plano da representação mental. Porém, o próprio autor, influenciado por uma posição fenomenológica, coloca que o corpo pode ser percebido como qualquer objeto no mundo, ou seja, existe uma intencionalidade no ato perceptivo que é carregado pela dimensão afetiva. Dessa maneira, a imagem do corpo não constitui uma simples representação mental. É um processo que envolve aspectos sensoriais e emocionais, não sendo uma mera sensação ou imaginação, mas uma percepção do corpo.

Encontramos em Schilder (1980) um enfoque nos planos sensorial e perceptivo, bem como nos campos emocional e libidinal. Ele ressalta a intersubjetividade como elemento constitutivo da imagem do corpo, tentando sintetizar seus determinantes fisiológicos, libidinais e sociológicos.

Para o interesse dessa discussão, é possível demarcar alguns pontos fundamentais da sua contribuição teórica:

a) as sensações (internas e externas), a percepção (visuais, táteis etc.) e a motricidade (incluindo o desenvolvimento sensório-motor e a ação no mundo) desempenham um papel fundamental na construção da imagem do corpo. Porém, as sensações internas só têm significado quando conectadas à imagem do corpo. A dor, a doença orgânica e a motricidade dos membros devem ser qualificadas como elementos capazes de modificar a imagem do corpo;

b) a imagem do corpo é uma unidade que pode incorporar partes ou abrir mão delas, sendo construída a partir de diversas fontes. A organização da imagem corporal é muito flexível, estando em perpétua autoconstrução e autodestruição, vivendo em constante diferenciação. Pode-se estabelecer uma ligação do desenvolvimento da imagem do corpo em relação às estruturas psíquicas;

c) o processo de identificação permite, através da projeção e da percepção, a utilização de partes do corpo dos outros na construção da imagem corporal. Existe, portanto, uma conexão íntima entre a imagem do sujeito e a do outro, constituída através do contato contínuo com o mundo exterior. O toque, o interesse, o olhar e as palavras em relação às diversas partes do corpo são de enorme importância para o desenvolvimento da imagem, que se estrutura nos contatos sociais. Deve-se, assim, considerar as inter-relações das imagens do corpo;

d) a libido, em sua vertente mais erótica (Schilder não admitia a pulsão de morte), tanto a objetal quanto a narcísica, mas principalmente a última, tem papel preponderante na construção da imagem. A libido narcísica tem como objeto a imagem do corpo, estando ligada às suas diferentes partes, nos vários estágios do desenvolvimento libidinal (oral, anal, fálico e genital). Há uma mudança contínua na imagem, estabelecendo-se uma relação entre as fases do desenvolvimento da libido e a imagem do corpo. A topografia das zonas erógenas e a estrutura libidinal serão a base para as atitudes emocionais em relação ao corpo e terão um importante papel na definição da sua estrutura global. Para compreender a estrutura libidinal da imagem do corpo, é necessário tomá-la como parte da história do indivíduo, estudando o desenvolvimento libidinal desde o início da primeira infância. A unidade do corpo depende do estabelecimento das relações objetais durante o complexo de Édipo.

A importância da definição conceitual de Schilder encontra-se no reconhecimento da estrutura libidinal da imagem do corpo, que é, sem dúvida, afetada pelas inter-relações da criança e sua família, embora isso seja tomado como um processo secundário. Há um processo primário, psicofisiológico, de integração motora progressiva do corpo no mundo exterior. A construção teórica desse conceito evidencia o entendimento da imagem do corpo como uma estrutura psicológica, e não exatamente como uma imagem inconsciente do corpo, conforme teorizado por Dolto (1984).

As discussões sobre a gênese das representações do corpo, sustentada pelo próprio sujeito ou por outros, já se mantinham (por volta das décadas de 1940-1950) dentro de linhagens psicológicas, com Wallon, e fenomenológicas, com Merleau-Ponty. No campo psicanalítico, mas não sem relação com as discussões psicofisiológicas, as questões se centraram em torno da tese de Freud sobre o narcisismo, tendo Jacques Lacan, com sua tese sobre o estágio do espelho, fundamentado uma nova perspectiva em relação à função da imagem do corpo na constituição do Eu (Rassial & Rassial, 1989).

A abordagem psicanalítica de Dolto (1984) emerge dessa discussão, na qual ela desenvolve um enfoque original da imagem do corpo, especificando-a enquanto um registro do inconsciente; não apenas um desenrolar de um programa fisiológico, mas um traço estrutural, consistindo num dado de estrutura, e não numa estruturalização. É um elemento da história emocional do ser humano, organizado pelo teor da relação simbólica com o outro, memória inconsciente do vivido relacional e psíquico arcaico. Esse aspecto inconsciente da imagem do corpo define-a como uma representação psíquica primária, precoce, sem figuração no instante em que é elaborada, só sendo possível sua representação num momento posterior.

Nesse enfoque particular, delimita diferenças específicas entre a imagem do corpo e o esquema do corpo. Na diferenciação proposta pela autora, a imagem do corpo está ligada a cada indivíduo e sua história, é específica de um tipo de relação libidinal. É inteiramente inconsciente, podendo tornar-se em parte pré-consciente quando se associa à linguagem. Em sua formação, é considerada a encarnação simbólica do sujeito desejante, portanto, regida pela ordem. É o lugar da representação das pulsões.

Já o esquema corporal especifica o indivíduo como representante da espécie, estruturando-se pela experiência e pela aprendizagem, e é relativamente independente da linguagem, mas relacionado à representação sensível e motora. O esquema caracteriza um real objetivável, suporte comum de variações individuais, sendo um real complexo, que abrange a integridade do organismo, condição de funcionamento humano.

O fato de o homem ser atravessado pela linguagem permite fazer a diferenciação entre esquema e imagem do corpo. É principalmente pela via da palavra que a humanização se concretiza, possibilitando a passagem do imediato para a mediatização. Nesse sentido, a imagem do corpo se instaura e é regida pela ordem simbólica. Dolto (1984) aponta isso claramente quando define a imagem do corpo como encarnação simbólica do sujeito desejante, construindo uma diferença conceitual entre o que diz respeito ao corpo e é da ordem da necessidade, e o que é da ordem do desejo. Longe de ser um prolongamento do fisiológico, a imagem do corpo é condição de chegada do sujeito no mundo através da experiência do negativo, da falta.

A imagem do corpo constitui o meio e o ponto de comunicação inter-humana, e, por depender do comércio e das trocas afetivas com a mãe e outros familiares, torna-se um processo intuitivo de organização de fantasmas das relações afetivas e eróticas pré-genitais, memória inconsciente de todo vivido relacional, sendo, ao mesmo tempo, atual, viva e dinâmica, além de narcísica e inter-relacional. Ela é imaginariamente estruturada e, por ser intersubjetiva, é logo de início marcada pela dimensão simbólica e burilada pela mediatização de castrações, provas infantis pelas quais a criança passa e cujos fracassos e falhas redundam em determinadas patologias. Vale salientar o aspecto relacional da imagem do corpo, à medida que há um apoio no outro, estando corporalmente ordenada no sentir e no dizer. Dois aspectos aqui se colocam: a experiência sensorial e a fala mediadora humana, sendo esta a que ordena a relação e o cruzamento entre a imagem e o esquema do corpo (Ledoux, 1990).

Convém ainda mencionar que a imagem do corpo não é efeito secundário de uma elaboração em torno do esquema corporal. O esquema corporal é suporte da imagem do corpo e este é suporte do narcisismo, implicando a representação do corpo pelo Eu no entrelaçamento entre esses três termos.

Segundo Dolto (1984), a imagem do corpo é sempre inconsciente e se apresenta num nível estrutural como uma articulação dinâmica de três imagens: de base, funcional e erógena, mantendo sua coesão através da imagem dinâmica, que funciona como um catalisador, impulsionando o sujeito desejante na direção do objeto. A imagem dinâmica é tensão de intenção. O entrelaçamento dessas três imagens define o aspecto estrutural da imagem do corpo.

A imagem de base é fundamental para a não dissociação entre a imagem e o esquema do corpo, implicado no reconhecimento de uma mesmice de ser, sentimento de continuidade que sustenta a existência a partir do que Dolto (1984) chamou de narcisismo fundamental. Cada estágio do desenvolvimento tem uma imagem própria que o representa, indo de uma imagem respiratória/auditiva/olfativa (o corpo primitivamente sensorializado), passando pela oral, até a anal. A imagem funcional visa à realização do desejo, estando unida à tensão. Por meio dela, as pulsões se manifestam para obter prazer na relação com o mundo e com o outro, visando ao enriquecimento das possibilidades relacionais, pela mediação das experiências sensório-motoras. A imagem funcional associa-se ao movimento. A imagem erógena liga-se à imagem funcional - nela se focaliza o prazer e o desprazer. Esses três substratos da imagem (de base, funcional e erógena) asseguram a imagem do corpo vivo e o narcisismo do sujeito em cada estágio de desenvolvimento.

O narcisismo, nesse contexto, recebe uma acepção diferenciada da formulação freudiana. Segundo a autora, a criança já teria um narcisismo presente desde a concepção, representando uma intuição vivenciada de estar no mundo: o narcisismo enquanto sujeito do desejo de viver. O narcisismo primordial constitui-se num primeiro significante que dá sentido à identidade social e simbólica, tendo o pré-nome uma importância fundamental como prova da sua perenidade existencial.

Na concepção de Dolto (1984), a evolução do narcisismo está relacionada com a construção da imagem do corpo. Ela parte, inicialmente, do narcisismo fundamental, que serve de centro para o primário, estando ligado às primeiras sensações repetitivas - lugares do corpo que, no fundo da indiferenciação autoerótica, surgem pela repetição das sensações como espaços de tensão e relaxamento. Essas sensações repetitivas acompanham as satisfações das necessidades nutricionais e dos desejos parciais, implicando comunicação do psiquismo do bebê com o da mãe.

O narcisismo primário é caracterizado pelo momento da fase do espelho, que permite a integração do corpo, impulsionando a criança a se identificar com o adulto, passando pela prova dolorosa da constatação da diferença que a separa da imagem. Trata-se de uma forma de castração com reformulação radical, permitindo a clivagem entre o imaginário e a realidade. Para Lacan (1966), essa vivência da fase do espelho é caracterizada pelo jubilamento, diferentemente de Dolto (1984), que a encara como uma prova de castração, possibilitadora da simbolização. É simbólico para a criança seu estar no mundo para o outro enquanto sendo um indivíduo, necessitando do reconhecimento do seu corpo como sendo seu (Dolto & Nasio, 1991).

A evolução para o narcisismo secundário demarca a aceitação da castração genital edípica iniciadora da entrada da criança no social, com a permanência de uma lei humanizada, que possibilita à criança desenvolver o interesse por si mesma e ir em busca de modelos identificatórios.

Duas dimensões interligadas podem ser apontadas: uma estrutural, por meio de uma tópica que articula as imagens de base, funcional e erógena, catalisadas pela imagem dinâmica do corpo; e outra genética, que aponta a evolução do narcisismo nas diversas castrações associadas às zonas de desenvolvimento libidinal. A definição conceitual de Dolto (1984) articula dois elementos: os eixos do desenvolvimento narcísico e do desenvolvimento libidinal. Nessa inter-relação, é definida a imagem do corpo.

Embora inconsciente, a imagem do corpo é fruto do desenvolvimento. Nesse ponto, o enfoque da sua construção conceitual recai sobre o aspecto genético quando especifica as castrações nas várias etapas do desenvolvimento, modelando a imagem do corpo desde a castração umbilical até a edípica. A psicogênese vai descrever as modificações segundo as provas pelas quais o sujeito passa da apropriação imaginária de si como representante humano (Rassial & Rassial, 1989).

O conceito de imagem inconsciente do corpo, formulado por Dolto (1984), supõe uma organização do Eu sustentada numa dialética do imaginário, incluindo o simbólico e a dimensão do Outro. Importância suplementar é dada à linguagem enquanto comunicação inter-humana, que funciona como instrumento de veiculação das castrações, mediatizando o corpo a corpo e permitindo a simbolização. A organização da imagem do corpo na história de suas sucessivas reelaborações gera efeitos humanizantes.

As representações conscientes da imagem do corpo são ulteriores à simbolização inconsciente (que não é representável), só sendo possível o acesso a ela posteriormente, por meio da modelagem e do desenho. Essas representações gráficas não são exatamente assemelháveis à imagem do corpo, devendo ser articuladas com a linguagem.

Do ponto de vista da formulação do conceito de imagem do corpo, encontra-se outro eixo de referência em Pankow (1983), o qual se fundamenta numa teorização sobre o corpo vivido, agrupando um conhecimento da psicanálise e uma familiaridade implícita com o método fenomenológico e a filosofia existencial na sua análise teórica. Ela não se ocupa da chamada estrutura libidinal da imagem do corpo, tal como foi definida por Schilder, nem da teoria das fases de Dolto. A sua preocupação gira em torno do estabelecimento da estrutura da imagem do corpo como modelo de uma dialética.

O corpo, para Pankow (1986), é compreendido como modelo de uma estrutura espacial, apreendida a partir do corpo vivido, pressupondo uma dialética do espaço. Refere-se ao modo como o homem mora no seu corpo e o habita, remetendo à dimensão existencial do ser-no-mundo. A forma torna-se o primeiro referencial do limite do corpo.

Para que o corpo encontre um lugar reconhecido, a linguagem deve situar o homem em suas relações com o outro enquanto abertura para a comunicação e para as referências simbolizantes, ao mesmo tempo em que deve relacionar a estrutura espacial do corpo. Há uma articulação da linguagem com o espaço e com o corpo que não permite uma aproximação empírica, mas ontológica, determinando como o corpo vivido pode ser atravessado pela palavra. Um símbolo, porém, torna-se repleto de sentido apenas quando se refere à história vivida do sujeito, ou seja, no momento em que ele desempenha um papel no desejo, adquire uma significação (Pankow, 1977).

O corpo vivido encontra a lei de duas maneiras: nas relações inter-humanas e na ordem espacial do próprio corpo. O corpo está vinculado a um sistema de leis multidimensionais - um código em relação a si e ao outro - que implica reconhecimento. O processo de simbolização conduz para essa dinâmica do espaço vivido e para a relação entre partes e totalidade do corpo. Essa dialética entre parte e totalidade é entendida por Pankow como imagem do corpo, definida por duas funções simbolizantes fundamentais: a primeira, concernente à ordem espacial, diz respeito à estrutura do corpo enquanto forma ou Gestalt, existindo uma ligação, uma lei dinâmica entre as partes e a totalidade do corpo; a segunda refere-se à estrutura enquanto conteúdo e sentido dessa ligação dinâmica entre partes e totalidade, caracterizando a imagem enquanto representação, reprodução de um objeto, ou seja, algo que remete a outra coisa (Pankow, 1983).

Pankow (1977) demonstra, ainda, a relação entre a imagem do corpo e a estrutura familiar, apontando uma correspondência, nas patologias narcísicas, entre as zonas de destruição da imagem do corpo e as zonas de destruição da estrutura familiar. É na dificuldade de estabelecer espaços de mediação entre o corpo da mãe e o da criança que a autora teoriza sobre a psicose. A criança, nesse caso, é vivida como parte do corpo da mãe, ou mesmo como forma de esta reassegurar a própria pele. A insuficiência da lei que não se estabelece na mediação do corpo a corpo impede a constituição do romance familiar, acompanhando a perda de relações históricas do sujeito e promovendo uma dissociação da imagem do corpo. A construção da imagem do corpo depende, então, da maneira como se organizam os pontos de intercessão do sujeito com o outro e com a aquisição de uma lei mediadora.

 

Considerações Finais

A partir do percurso conceitual desenvolvido, observamos que o estudo do corpo na psicanálise é um tema complexo e relacionado a vários aspectos teórico. Ressalta-se o estatuto pulsional do corpo, sua dimensão imaginária, bem como sua ligação com o Eu e com o narcisismo.

É no campo das identificações que a imagem do corpo se organiza. A imagem refletida, vinda do outro, tal como a metáfora do espelho, estrutura-se no contexto das identificações primárias. Ela é essencial e constituinte à formação do eu e dos primeiros arcabouços da constituição psíquica.

Esse conceito de imagem do corpo pode ser abordado por diferentes perspectivas teóricas, desde uma aproximação entre a fenomenologia, a psicologia e a psicanálise, realizada por Schilder (1980) na concepção de uma estrutura libidinal para essa imagem, passando pelos avanços teóricos introduzidos por Dolto (1984), que diferencia esquema de imagem do corpo, situando esta como uma dimensão inconsciente ligada à história emocional dos sujeitos e emaranhada na dimensão simbólica.

Sob influência da formulação do "estádio de espelho" em Jacques Lacan, pressupõe-se que a constituição do sujeito é um processo que se cruza com a formação do eu. Dessa forma, para que o sujeito possa, a partir dessa imagem, advir e existir enquanto sujeito do desejo, sujeito falante e sujeito do inconsciente, é fundamental o cruzamento simultâneo entre a imagem especular e a palavra enquanto lei mediadora. Outro eixo de referência é Pankow (1986), que compreende a imagem do corpo como uma estrutura espacial vivida, a qual diz respeito a uma forma ou Gestalt, existindo uma ligação dinâmica entre as partes e a totalidade. Ela também demonstra como a imagem do corpo liga o sujeito ao outro e à estrutura familiar, e a forma de intersecção do sujeito como uma lei mediadora. Dessa forma, haveria uma articulação do corpo com o espaço e a linguagem.

Em síntese, o estudo do corpo, bem como da sua imagem, é um tema conceitual de abordagens diversas na psicanálise, possibilitando construções teóricas e contribuições clínicas acerca da constituição do sujeito, de sua imagem e do seu corpo.

 

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Recebido em 15 de dezembro de 2011
Aceito em 17 de agosto de 2012
Revisado em 21 de dezembro de 2012

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