21 1A contribuição da fisioterapia no desenvolvimento motor de crianças com transtorno do espectro autista 
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Cadernos de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

 ISSN 1519-0307 ISSN 1809-4139

Cad. Pós-Grad. Distúrb. Desenvolv. vol.21 no.1 São Paulo jan./jun. 2021

https://doi.org/10.5935/cadernosdisturbios.v21n1p144-165 

Atividade física e lazer na síndrome de Down: uma revisão integrativa

 

Physical activity and leisure in Down syndrome: an integrative review

 

Actividad física y ocio en el síndrome de Down: una revisión integrativa

 

 

Raíssa Torres de MenezesI; Ana Rita Avelino AmorimII; Silvana Maria Blascovi-AssisIII

IUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: raissa_menezes12@hotmail.com
IIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: ana.rita.av@gmail.com
IIIUniversidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), São Paulo, SP, Brasil. E-mail: silvanablascovi@mackenzie.br

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Down (SD) é a forma mais comum de anormalidade cromossômica em humanos e está associada a deficiências intelectuais e fisiológicas. A atividade física é um recurso utilizado para minimizar as alterações presentes na SD. Os níveis de atividade física praticados por adultos com SD são baixos em relação à população típica, predispondo-os à obesidade e a outras doenças crônicas. Além disso, há uma série de facilitadores e barreiras que cooperam para a prática regular de atividade física e o lazer, como apoio familiar, abordagens terapêuticas, oportunidades sociais e as próprias características fisiológicas presentes na SD.
OBJETIVO: Analisar evidências científicas sobre atividade física e lazer na SD, por meio de levantamento bibliográfico.
MÉTODO: Foram incluídos nesta revisão integrativa artigos científicos indexados nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Cochrane Library, PEDro, PubMed e Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic) do tipo ensaios clínicos randomizados, escritos em português e inglês no período de 2010 a 2020.
RESULTADO: Foram encontrados 1.237 artigos nas buscas. Na triagem por título e resumo, foram excluídos 1.227 artigos, sendo dez artigos selecionados para a leitura na íntegra e inclusão nesta revisão. Os artigos selecionados foram agrupados em: a) correlação entre atividade física e SD e b) correlação entre lazer e SD.
CONCLUSÃO: Poucos artigos abordam as temáticas investigadas neste estudo, porém, a literatura apresenta que existe baixo engajamento dessa população na prática de atividade física e baixo incentivo no envolvimento em atividades de lazer.

Palavras-chave: Síndrome de Down. Atividade física. Lazer. Qualidade de vida. Adulto.


ABSTRACT

INTRODUCTION: Down syndrome (DS) is the most common form of chromosomal abnormality in humans and is associated with intellectual and physiological deficiencies. Physical activity is a resource used to minimize changes in DS. The levels of physical activity practiced by adults with DS are low in relation to the typical population, predisposing them to obesity and other chronic diseases. In addition, there is a number of facilitators and barriers that cooperate for the regular practice of physical activity and leisure, such as family support, therapeutic approaches, social opportunities and the physiological characteristics present in DS.
OBJECTIVE: to analyze scientific evidence on physical activity and leisure in Down syndrome, through bibliographic survey.
METHOD: in this integrative review, scientific articles indexed in the Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Cochrane Library, PEDro, PubMed and Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic) databases of the type randomized clinical trials, written in Portuguese and English between 2010 and 2020, were included.
RESULT: 1,237 articles were found in the searches. In the screening by title and abstract, 1,227 articles were excluded, ten of which were selected for full reading and inclusion in this review. The selected articles were grouped into: a) correlation between physical activity and DS and b) correlation between leisure and DS.
CONCLUSION: few articles address the themes studied in this research, however, the literature shows that there is low engagement of this population in the practice of physical activity and low incentive to engage in leisure activities.

Keywords: Down syndrome. Physical activities. Leisure. Quality of life. Adult.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: el síndrome de Down (SD) es la forma más común de anomalía cromosómica en el ser humano y se asocia con deficiencias intelectuales y fisiológicas. La actividad física es un recurso que se utiliza para minimizar los cambios en el síndrome de Down. Los niveles de actividad física que practican los adultos con SD son bajos en relación a la población típica, lo que los predispone a la obesidad y a otras enfermedades crónicas. Además, existe una serie de facilitadores y barreras que cooperan para la práctica regular de la actividad física y el ocio, como el apoyo familiar, los enfoques terapéuticos, las oportunidades sociales y las propias características fisiológicas presentes en el SD.
OBJETIVO: analizar la evidencia científica sobre la actividad física y el ocio en el síndrome de Down, por médio de un relevamiento bibliográfico.
MÉTODO: en esta revisión integradora se incluyeron artículos científicos indexados en las bases de datos Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), Cochrane, PEDro, PubMed y Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic) del tipo ensayos clínicos aleatorizados, escritos en portugués e inglés entre 2010 y 2020.
RESULTADO: se encontraron 1.237 artículos en las búsquedas. En la selección por título y resumen, se excluyeron 1.227 artículos, diez de los cuales fueron seleccionados para su lectura completa e inclusión en esta revisión. Los artículos seleccionados se agruparon en: a) correlación entre actividad física y SD y b) correlación entre ocio y SD.
CONCLUSIÓN: son pocos los artículos que abordan los temas estudiados en este estudio, sin embargo, la literatura muestra que existe un bajo compromiso de esta población en la práctica de actividad física y un bajo incentivo para realizar actividades de ocio.

Palabras clave: Síndrome de Down. Actividad física. Ocio. Calidad de vida. Adulto.


 

 

INTRODUÇÃO

A trissomia do cromossomo 21, comumente conhecida como síndrome de Down (SD), é a forma mais comum de anormalidade cromossômica em humanos e está associada a deficiências intelectuais e fisiológicas, entre elas: alterações presentes no sistema cardiorrespiratório, musculoesquelético, nervoso e endócrino. Essas disfunções acarretam comprometimentos na capacidade funcional e, consequentemente, na qualidade de vida, caso não haja o acompanhamento adequado (MARECHAL et al., 2019; SCHWARTZMAN, 2003).

Referente ao sistema musculoesquelético, a hipotonia gera fraqueza muscular dos grandes e pequenos músculos, que contribui para uma baixa capacidade aeróbica, repercutindo no atraso do desenvolvimento motor da pessoa com SD (DAVIS, 2008; ESPOSITO et al., 2012; JOVER et al., 2014; GUNBEY et al., 2017).

A atividade física é um recurso indispensável para minimizar as alterações presentes na SD e, assim, manter a homeostase do organismo. Segundo a literatura, esse termo é definido como uma sequência de movimentos corporais gerados pela musculatura esquelética, o que solicita do organismo um gasto enérgico superior aos níveis gastos em repouso e oferece benefícios em vários âmbitos: biológico, psicológico, social e espiritual (FREIRE et al., 2014; ALESI; PEPI, 2017).

Shields et al. (2017) elucidaram em seu estudo que os níveis de atividade física praticados por adultos com SD são baixos em relação à população típica, após análise de dados coletados por um acelerômetro, predispondo, assim, esses indivíduos ao desenvolvimento de obesidade e diabetes tipo 2.

A população com SD apresenta uma série de facilitadores e barreiras que cooperam para a prática regular de atividade física. Um importante facilitador refere-se ao incentivo familiar, que potencializa a aderência a essa prática e aos profissionais que oferecem um programa de exercício atrativo e motivador. Em contrapartida, como barreiras, há a presença de alterações fisiológicas, como baixa capacidade aeróbica, dificuldades cardiorrespiratórias e motoras (MAHY et al., 2010; BARR; SHIELDS, 2011; ALESI; PEPI, 2017).

Nesta população, é de suma importância a relação entre atividade física, qualidade de vida e relações sociais - lazer, principalmente devido ao fato de haver um aumento na expectativa de vida de pessoas com SD. A literatura relata que esse cenário mudou em razão dos avanços nos tratamentos médicos e terapêuticos e, com isso, é necessário incentivo a programas de treinamentos físicos para que haja impacto positivo no bem-estar geral e envelhecimento saudável, já que os exercícios são meios para modificar a baixa habilidade funcional, inclusão social e atividades de lazer (LOVE; AGIOVLASITIS, 2016).

A respeito das atividades de interação social e diversão, poucos são os estudos que abordam essa temática. Contudo, em um estudo feito por Faria e Casotti (2018), há destaque sobre o desafio que a pessoa com SD enfrenta na sociedade, pois foi construído um estereótipo negativo sobre a participação dessa população nos campos afetivos, laborais e de lazer, o que regride as chances de aprendizados e inclusão social, formando, assim, uma barreira.

As contribuições sociais de um levantamento científico acerca da referida relação podem subsidiar novas perspectivas na vida de adultos com SD, considerando os cuidados necessários na fase do envelhecimento, qualidade de vida, reabilitação e intervenções terapêuticas efetivas, bem como a adesão dessa população ao exercício físico e lazer nos ambientes clínico e social. Love e Agiovlasitis (2016) descreveram a importância das práticas esportivas profissionais para SD no tocante à saúde pública e que merece grande atenção das equipes assistenciais e do poder público, para possível elaboração de novas políticas e formação profissional sobre o tema.

Dessa maneira, o objetivo deste estudo é realizar a busca de evidências científicas referentes às atividades físicas e lazer em adultos com SD, visto o histórico de baixa aderência desse grupo aos itens supracitados.

 

MÉTODOS

Tipo de estudo e estratégias de busca

Este estudo se trata de uma revisão integrativa da literatura com o objetivo de identificar, selecionar e avaliar com criticidade as evidências científicas acerca da prática de atividade física e lazer em adultos com SD. A revisão integrativa é um método que se caracteriza por agrupar e sintetizar resultados de pesquisas sobre um determinado tema, de maneira sistemática, favorecendo o aprofundamento do conhecimento acerca do conteúdo investigado (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008). Para o levantamento dos estudos, foram utilizadas as bases Cochrane Library, Scientific Electronic Library Online (Scielo), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs), PEDro, PubMed e Periódicos Eletrônicos de Psicologia (Pepsic), sendo incluídos estudos indexados do tipo ensaios clínicos randomizados, escritos em português e inglês no período de 2010 a 2020, com resumos disponíveis e acesso ao artigo na íntegra.

Como estratégia de busca nas bases descritas acima, foram utilizados os seguintes descritores por meio do Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Down syndrome; Physical activities; Leisure activities. Tanto a busca quanto a seleção dos artigos e a análise dos resultados foram realizadas por um revisor independente.

Inicialmente, os artigos foram excluídos pelo título, seguido do resumo e, por fim, da leitura do estudo na íntegra. Os artigos incluídos nesta revisão obedeceram aos seguintes critérios: artigos cujos participantes fossem pessoas com SD acima de 18 anos; pessoas com SD que realizaram testes de aptidão física; e artigos que apresentaram a importância da atividade física e atividades de lazer para adultos com SD. Após revisão crítica do conteúdo apresentado nos estudos selecionados, as informações mais relevantes foram expostas em formato de quadro por meio das seguintes variáveis: autores, ano, objetivo, método e resultados.

 

RESULTADOS

Foram encontrados 1.237 artigos nas bases de dados, sendo dez selecionados pelos critérios de elegibilidade. Após leitura integral, esses compuseram o estudo, de acordo com a Figura 1.

 

 

O Quadro 1 apresenta a síntese das pesquisas incluídas, após a análise criteriosa das informações nelas contidas, que explanaram sobre a atividade física e o lazer em adultos com SD.

 

 

DISCUSSÃO

O presente estudo teve como objetivo evidenciar a relação da SD com a atividade física e o lazer. Para isso, os artigos selecionados foram agrupados nas seguintes categorias: a) correlação entre atividade física e SD; b) correlação entre lazer e SD.

Atividade física e SD

A atividade física é definida como uma sequência de movimentos corporais gerados pela musculatura esquelética que solicita do organismo um gasto enérgico superior aos níveis gastos em repouso. São inúmeros os benefícios da prática regular de atividade física: fortalecimento muscular, melhora do desempenho cardiorrespiratório e cardiovascular, diminuição de risco para desenvolvimento de doenças crônicas, como diabetes e obesidade, além dos benefícios psicológicos e emocionais que refletem em melhor qualidade de vida. Na SD, essa prática saudável depende de facilitadores e barreiras (FREIRE et al., 2014; ALESI; PEPI, 2017).

Em relação às barreiras, Shields et al. (2017) elucidaram em seu estudo que pessoas com SD têm baixa adesão à prática de atividade física devido à baixa aptidão cardiovascular e cinemática, à cinética alterada na marcha e ao declínio cognitivo. Além disso, há diminuição expressiva do tônus, alterações autonômicas e diminuição do fluxo sanguíneo periférico, que pode levar à menor oxigenação muscular, resultando em aumento de ácido lático, o que gera fadiga muscular. Isso potencializa a baixa aderência e interesse dessa população à prática de atividade física regular, o que acarreta maior risco de desenvolvimento de doenças secundárias, como diabetes tipo 2, obesidade e doença de Alzheimer (ALESI; PEPI, 2017; SHIELDS et al., 2017).

Esses achados corroboram o estudo realizado por Phillips e Holland (2011), que, por meio de um acelerômetro (medidor de níveis de atividade física), mensuraram nível de atividade física, número de passos por dia e períodos de inatividade/sedentarismo em pessoas com deficiência intelectual, com e sem SD. Os resultados elucidaram que pessoas com SD apresentaram menor engajamento nos exercícios, menor quantidade no número de passos e, assim, maior índice de inatividade física quando comparadas a pessoas com deficiência intelectual sem SD, o que aumenta o risco dessa população em desenvolver a obesidade.

Em estudo recente, Oreskovic et al. (2020) chegaram à mesma conclusão do estudo citado acima: os autores objetivaram mensurar por meio da acelorometria o nível de atividade física em adultos com SD. Para chegar a uma conclusão, esse estudo contou com uma análise descritiva dos achados, cujos resultados apontaram que o grupo com SD apresentou menor desempenho na prática dos exercícios diários que foram propostos e maior índice de sedentarismo.

Nessa perspectiva, referente aos aspectos patológicos que podem advir do sedentarismo, Cunha et al. (2018) avaliaram o efeito de níveis baixos e vigorosos de atividade física na composição corporal (antropometria), modulação hemodinâmica e autonômica em pessoas com SD. Para chegarem a uma conclusão, os autores avaliaram 13 indivíduos saudáveis sem SD (grupo controle), 15 sujeitos sedentários com SD, nove com SD que praticavam atividade física de baixo nível e 12 com SD que praticavam exercícios em níveis vigorosos.

Para avaliar o nível de atividade física, foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (Ipaq); a antropometria foi mensurada a partir do peso, altura, circunferência da cintura, dobras cutâneas e índice de massa corporal (IMC); já a parte hemodinâmica contou com a aferição da pressão arterial via esfigmomanômetro e, por fim, para avaliar a modulação autonômica, foi utilizado um eletrocardiograma (ECG) para variabilidade da frequência cardíaca. Após a coleta, os resultados evidenciaram que os grupos com SD ativos mostraram valores mais altos de variabilidade de frequência cardíaca e modulação simpática mais baixa quando comparados ao grupo de SD sedentário. Independentemente da intensidade, o exercício pôde promover adaptações positivas na modulação autonômica de pacientes com SD (CUNHA et al., 2018).

Sobre aptidão física, Ruiz et al. (2019) buscaram analisar a confiabilidade e viabilidade de uma bateria de testes para avaliação de aptidão física em adultos com SD. Participaram 37 indivíduos entre 21 e 58 anos de idade, os quais foram avaliados por uma bateria de testes para a coleta de dados sobre flexibilidade, aptidão cardiorrespiratória, musculoesquelética e motora. Os testes utilizados foram: Índice de Massa Corporal (IMC); circunferência da cintura; Timed Up and Go (TUG), teste de flexibilidade de tronco profundo; teste de preensão manual, teste de suporte cronometrado e sit-up de 30 segundos. Após análise dos resultados, os autores concluíram que essa bateria de testes se mostra uma ferramenta recomendável para avaliar adultos com SD.

Pesquisas que abordem os aspectos fisiológicos e o engajamento de pessoas com SD em atividades físicas são de grande valia, pois fornecem subsídios aos profissionais em suas práticas clínicas. Com esse objetivo, uma nova alternativa para maior aderência à prática de atividade física tem sido explorada na literatura: os exergames - terapia com base em um aparelho de videogame denominado Wii, como pode ser visto no estudo de Silva et al. (2017). Trata-se de um ensaio clínico que contou com 27 participantes adultos com SD, alocados em dois grupos: controle (13 pessoas) e intervenção (14 pessoas). O grupo intervenção participou por duas semanas de atividades físicas no Wii Fit Balance Board, com jogos que estimularam exercícios aeróbicos, equilíbrio e força isométrica (dança, boxe, ciclismo, tênis, corrida, inclinação de mesa, snowboard, corda bamba, bambolê), já o grupo controle participou de atividades de reabilitação e treinamento de habilidade, conforme rotina do centro de convivência em que estavam inseridos.

Após o término do programa, foi observado melhor desempenho nos indivíduos que participaram da intervenção com Wii em relação à mobilidade funcional, flexibilidade, agilidade, velocidade nos movimentos e força muscular, quando comparados ao grupo controle, além de melhor satisfação pessoal na prática dessa forma lúdica de exercício (SILVA et al., 2017).

Efeitos positivos do uso de exergames como forma de intervenção na população com SD foram encontrados também por Perrot et at. (2021). Os autores abordaram essa temática em um estudo com adultos com SD, acima de 35 anos, com o objetivo de avaliar os efeitos de uma intervenção, utilizando o equipamento Wii, no que tange aos aspectos funcionais e cognitivos. Os resultados apontaram um alto nível de aderência dos participantes (96,5%), uma melhora significativa na resistência funcional (p < 0,01, d = 2,23), muscular (p < 0,05, d = 1,74) e aptidão física (p < 0,05, d = 1,39). No entanto, nesse estudo não foi notada uma melhora cognitiva nos participantes após a intervenção. Os autores destacaram os benefícios dos exergames para a prática da atividade física e na redução do sedentarismo nessa população, enfocando a necessidade de programas dirigidos à SD que também estimulem a cognição.

É importante salientar que a SD é uma síndrome que acarreta alterações em todos os sistemas do organismo, por isso, é necessário que essa população esteja exposta à prática regular de exercícios físicos, mantendo uma rotina de vida saudável para que assim haja um desenvolvimento progressivo e consiga exercer atividades da vida diária básica e instrumental funcionalmente (JOVER et al., 2014; GUNBEY et al., 2017).

Outro aspecto importante que se destaca como barreira e concomitantemente como facilitador na relação entre atividade física e SD são as variáveis pessoais e ambientais. Como características pessoais, pode-se citar gravidade da deficiência, cognição e autoestima, que interferem no envolvimento do indivíduo com o exercício físico, pois estimulam ou alteram sua percepção sobre planejamento e cumprimento de metas, ou seja, consistência e interesse em praticar regularmente a atividade proposta. Já as características ambientais referem-se ao apoio externo para que esse indivíduo entenda a importância da atividade física para sua saúde e bem-estar e consiga praticar livremente. Esse aspecto envolve uma rede de atenção: familiares, profissionais da saúde e locais adaptados para o treino físico e fisioterapêutico (BARR; SHIELDS, 2011; ALESI; PEPI, 2017).

Referente à variável pessoal de cognição, Ptomey et al. (2018) verificaram, em um estudo com participação de adultos com SD, a influência de um programa de exercícios sobre aspectos da memória e atenção. Foram 12 semanas de atividades, disponibilizadas por videoconferência. Os exercícios aconteceram em um período de 30 minutos, sendo que um grupo realizou o programa uma vez por semana (14 pessoas) e o outro, duas vezes (13 pessoas). Os participantes realizaram caminhadas, corridas, dança e exercícios de fortalecimento muscular. A função cognitiva foi avaliada antes e depois do programa, principalmente o aspecto da memória. Ao final das 12 semanas, foi observado que o grupo que praticou o programa duas vezes na semana teve um maior ganho de função cognitiva.

Adicionalmente, em um estudo realizado por Love e Agiovlasitis (2016), feito com 30 adultos com SD, investigou-se a percepção de adultos com SD em relação à atividade física por meio de uma entrevista. Como resultado, foi exposto que os participantes têm percepções positivas quanto à atividade física referente ao aspecto do prazer, ou seja, a satisfação do contato social durante os exercícios, além do regozijo em alcançar um objetivo específico. Com isso, pode-se inferir que pessoas com SD que são beneficiadas com facilitadores para a experiência regular de atividade física tendem a ter melhor qualidade de vida.

Lazer e SD

Um estudo qualitativo longitudinal realizado por Mihalia et al. (2019) envolvendo 65 adultos com SD objetivou investigar a relação entre atividade de lazer e nível da proteína β-amiloide (indicador de Alzheimer), e evidenciaram que atividades de lazer relacionam-se diretamente com o envelhecimento saudável, retardo na perda de β-amiloide e atraso no declínio de memória episódica. Foram aplicados questionários para verificar memória episódica (teste de recordação); nível de atividades de lazer (Questionário Victoria) e verificação da proteína β-amiloide (ressonância magnética - PET scan). Esse estudo apresenta como evidência que adultos com SD, ao participarem de atividades de lazer, estimulam a função cognitiva, o que repercute em uma melhor qualidade de vida.

Os mesmos autores, em um estudo análogo ao anterior, buscaram analisar sobre facilitadores e barreiras para a prática de atividades de lazer na SD. Participaram da pesquisa 44 adultos com SD de meia-idade, e a tarefa consistiu em escrever um diário, com auxílio do cuidador, contendo de forma detalhada todas as atividades de lazer realizadas em um período de sete dias. Os autores elencaram atividades de lazer em domínios: lazer físico, lazer social, lazer cognitivo e lazer passivo. Além disso, os cuidadores foram orientados a relatar barreiras encontradas na realização das atividades. Após análise dos resultados, foi visto que, em média, os indivíduos participaram mais de lazer passivo (150 min./dia), lazer cognitivo (75 min./dia), lazer social (66 min./dia) e atividades de lazer físico (35 min./dia). Quando verificadas quais atividades de lazer passivo e cognitivo foram realizadas, a maior parte do tempo era de televisão, computador e tablet e, segundo relato dos cuidadores, as barreiras referem-se a transporte e aspecto fisiológico; já os facilitadores, o autoengajamento e o incentivo dos membros da família (MIHAILA et al., 2020).

Considerando a abrangência do lazer social no que concerne às atividades que envolvam interação social, muitos são os benefícios (DI MARCO et al., 2014). Em contraste, a literatura descreve que para os adultos com SD prevalece o lazer passivo, como, por exemplo, assistir à televisão (MIHAILA et al., 2017). Cabe ponderar como a atividade física, no contexto do lazer, pode promover um ambiente diferente e rico em estímulo sensorial e quanto se faz necessário o incentivo às atividades de lazer social abrangendo o entretenimento, passeios, interação com amigos e desenvolvimento nos domínios afetivos, sociais e cognitivos para a população com SD.

Contudo, podem ser observados alguns fatores limitantes para que indivíduos com SD usufruam de atividades de lazer social, uma vez que a literatura relata que existem barreiras atitudinais e comunicacionais que envolvem a inclusão dessa população de forma igualitária nas atividades. Além disso, existem barreiras arquitetônicas no que tange ao preparo para receber não só pessoas com a SD, mas pessoas com quaisquer deficiências. Todas essas barreiras devem ser superadas para que essas pessoas possam ter maiores chances na conquista de independência e autonomia em suas escolhas (FARIA; CASOTTI, 2018).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após esta revisão, foi possível observar as evidências acerca da relação da população adulta com SD referente à atividade física e atividade de lazer. Os estudos revelaram que adultos com SD apresentam baixa aptidão física e menor engajamento na prática regular de atividade física. Outro fator importante evidenciado nos artigos é que existem barreiras que interferem na prática regular dessas atividades, como fatores fisiológicos. Além disso, adultos com SD passam maior tempo em atividades de lazer que envolvem pouca interação social e maior interação tecnológica. Com isso, é necessário incentivo a programas de treinamentos físicos e entretenimento social para que haja impacto positivo no bem-estar geral e envelhecimento saudável, visto que esses são meios para modificar a baixa habilidade funcional e proporcionar inclusão social e lazer.

Atualmente, novos meios estão sendo explorados para aumentar o engajamento na atividade física: utilização de exergames - um nicho metodológico que envolve atividade de lazer passivo associado a lazer físico, gerando maior satisfação pessoal na realização dessa tarefa. Poucos estudos abordam essa temática, principalmente sobre lazer na SD e seu impacto. Por isso, torna-se necessário que pesquisas sejam elaboradas para que haja um olhar biopsicossocial e multidisciplinar sobre essa síndrome, em que o foco seja o desenvolvimento global - físico, social e intelectual - que essa população consiga ter qualidade de vida e experiencie a inclusão.

Mesmo diante das evidências deste estudo, há de se considerar as suas limitações. O número de artigos encontrados para esta revisão integrativa reflete a carência de estudos que contemplem a questão da atividade física e o lazer em adultos com SD. Diante de temática atual e relevante, considerando o envelhecimento da população, tornam-se indispensáveis as preocupações e discussões acerca de fatores que podem promover melhor qualidade de vida para esse público.

 

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Recebido em: 26/03/2021
Aprovado em: 23/04/2021

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