Revista Psicologia Política
ISSN 1519-549X
Rev. psicol. polít. vol.12 no.25 São Paulo dez. 2012
RESENHA
A psicologia política e a ação pública
The political psychology and de public action
La psicología política y la acción pública
Aline Borges do Carmo
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Oceanografia e pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. aline.carmo@gmail.com
Obra: Psicologia Política
Autor: Mirta González Suárez
Costa Rica: Ediciones Universidad de Costa Rica, 2008.
260 páginas.
ISBN: 978-9968-936-78-1
Em "Psicologia Política", Mirta Gonzalez Suarez presenteia os interessados na temática com uma obra bastante abrangente em termos dos fundamentos e histórico da psicologia política em geral, dirigindo-se ainda para a realidade latino-americana. Vai além: diferentemente de outros livros básicos sobre o tema (ver Kressel, 1993; Sabucedo, 1996; Barracho, 2011), que buscam explicar os fenômenos políticos pelo olhar da psicologia, e expor conhecimentos relativos aos comportamentos políticos dos vários atores e da sua influência junto dos cidadãos, a obra de Mirta é engajada, e voltada para a mudança social. Já na introdução, a autora deixa clara sua postura a respeito da área de atuação da Psicologia Política, ao dedicar o livro às pessoas interessadas em melhorar a sociedade, de forma que o respeito aos direitos humanos seja uma realidade universal.
O objetivo da autora ao escrever o livro, segundo ela própria, foi ajudar os leitores a compreender seu meio cada vez mais, a fim de que os mesmos possam tomar decisões e se posicionar perante o mundo globalizado com conhecimento e de acordo com seus interesses, valores e metas. Cada capítulo procura contribuir para este objetivo, possuindo, além da abordagem teórica, atividades que induzem o leitor a analisar criticamente diversos aspectos da realidade cotidiana abordados, sendo que a segunda parte do livro se assemelha a um manual de boas práticas para a construção de políticas públicas.
No primeiro capítulo, dedicado a definições gerais, a autora postula que a psicologia seria a disciplina dedicada ao estudo do comportamento, e a política se dedica à distribuição do poder, que estaria relacionada à capacidade de influência na tomada de decisões, de forma que psicologia e política seriam temáticas inseparáveis. Para ela, a psicologia política abrange também várias dimensões, e seu foco de estudo vai desde a esfera mais íntima, como a sexualidade, até aspectos macrossociais, como os governos. Desta forma, a divisão entre "público" e "privado" seria uma arcaica separação arbitrária, que não teria mais sentido em questões políticas, as quais transcendem tal barreira. Logicamente, a psicologia política teria, portanto, enfoque eminentemente transdisciplinar.
A autora esclarece ainda que a Psicologia Política pode ser estudada em duas vias de sentidos opostos. Pode emoldurar tanto a influência da tomada de decisão pelas estruturas de poder sobre o psicológico das pessoas, ou enquadrar como o psicológico das pessoas influi na tomada de decisão pelas estruturas de poder. De forma análoga, o poder, sendo inerente à organização social, pode ser utilizado tanto para fomentar o desenvolvimento geral, como em benefício de uma ou poucas pessoas. Assim, o estudo da psicologia política pode também pode ter objetivos distintos, a depender a postura e da ética de quem a ele se dedica. Ele pode ser usado tanto para compreender e dominar as massas, como também pode objetivar a conscientização, e consequente emancipação dessas massas. Desta forma, psicologia política consistiria também em ação, não apenas estudo, sendo, desde sua concepção, uma ciência engajada.
Partindo deste pressuposto, a autora sugere que sejam considerados como fundadores da Psicologia Política Paulo Freire e José Carlos Mariátegui, no lugar de Gustave Le Bom e Harold Dwight Lasswell. No lugar de dois pensadores vindos de países dominantes e que buscavam manter a ordem vigente, Mirta prefere outorgar o título a dois cientistas engajados latino-americanos, que buscaram durante sua vida lutar pela melhoria das condições sociais de setores explorados. Interessante ainda é a crítica dirigida à psicologia tradicional, voltada à saúde mental do indivíduo, diretamente associada à aceitação social de suas condutas, o que seria equiparado a uma peça que deveria funcionar corretamente para a engrenagem social. Ao se centrar em problemas individuais, fatores externos ligados à saúde mental relacionados ao contexto social são ignorados.
O livro segue tratando das relações entre Poder e Ciência. Postula que as teorias, definições e mesmo escolha de objetos de estudo das diversas áreas do conhecimento seriam fortemente influenciados por grupos que estão no Poder. Critica a mercantilização do conhecimento, sugerindo uma criação e recriação do saber a partir das necessidades sociais, e propondo uma Ciência comprometida, crítica, inclusiva e acessível.
Em seguida, é feita uma revisão histórica das várias formas de governar, até o Estado Social de Direito, onde o desenvolvimento social se produziria mais rapidamente, segundo a autora, visto que o Estado neste caso se encarrega de proteger o bem estar geral da população, ao invés de deixar isso nas mãos do livre mercado. São ressaltadas as mudanças significativas no século XX decorrentes da perspectiva socialista e da social-democracia, o que mostra a ação estatal como necessária em termos de melhorias do desenvolvimento humano. Interessante ainda é a relação feita entre a saúde mental das pessoas com o tipo de estrutura de poder e organização social, uma vez que um regime ditatorial ou um Estado liberal sem garantias sociais mínimas fatalmente terá efeito sobre as condições psicológicas da população afetada.
Outro aspecto abordado diz respeito a como o conhecimento da psicologia das massas é utilizado para a manipulação destas massas, com vistas a angariar votos em eleições de forma a se manter no poder. O poder em si e mesmo os recursos gerais do governo são, neste caso, usados para se manter no poder, em detrimento da melhoria das condições sociais da população. A autora opina que, neste cenário, as eleições não são necessariamente a panaceia da democracia e que políticas públicas deveriam, portanto, ser eficazes no impedimento de tal situação, garantindo o acesso igualitário ao poder para todos os grupos e impedindo a reeleição e o bipartidarismo, de forma que de uma democracia meramente eleitoral, se passasse a uma democracia participativa. A democracia participativa incluiria a comunicação entre os diversos setores da sociedade, especialmente os mais vulneráveis, o pleno exercício dos direitos humanos e o estabelecimento de ações coordenadas entre as diversas instituições para melhorar as condições gerais, com indicadores para verificar os resultados alcançados. Há ainda a abordagem das diversas formas de resistência utilizadas pela população contra tal situação (de democracia meramente eleitoral), tais como o humor, a arte e a música.
Para Mirta, o exercício do Poder Público implica grandes responsabilidades, visto que as ações podem beneficiar ou prejudicar um grande número de pessoas. O livro faz uma denúncia de ações prejudiciais, tanto sutis como verdadeiras atrocidades de governos que foram inimigos do desenvolvimento humano. Destas ações merecem destaque para a autora a corrupção, a tomada de poder à força, guerras, tortura e terrorismo estatal.
A partir da metade do livro, uma perspectiva histórica é percorrida pela autora para explicar a elaboração de Políticas Públicas, que propõe uma maior participação da população na elaboração dessas políticas como forma de melhorar a ação do Estado na garantia dos direitos básicos da população em países da América Latina. Segundo suas ideias, para entender as políticas públicas, torna-se necessário considerar parâmetros ideológicos e os processos históricos de organização e definição do Estado. Os grupos sociais tem se organizado desde os tempos remotos determinando seja pela força, tradição ou outros meios, de forma que aqueles que mantêm o poder, em seu exercício, conseguem se apropriar de ainda mais riquezas e influências. Em certa medida essa postura se reflete na revista Psicologia Política (Silva e Zonta, 2011) na recente tese de livre docência defendida por Alessandro Soares da Silva (2012), na Universidade de São Paulo, intitulada Psicologia Política, Movimentos Sociais e Políticas Públicas.
Partindo do pressuposto que a manutenção do poder político está estreitamente relacionada com o poder econômico, a história mostra que a perda do segundo tem sido a causa da derrota de grupos dominantes. A transição da monarquia para a republica representou, em teoria, a tomada do poder pelo povo, sendo que, na realidade, o poder político dos monarcas acabou sendo substituído pelo poder político daqueles que detinham o poder econômico. Mais recentemente, com a divisão do mundo após a segunda guerra mundial em blocos capitalista e socialista, houve uma disputa ideológica que resultou na aceitação, em parte, dos ideais socialistas em países da América Latina, de forma que os Estados passaram a assumir seu papel no desenvolvimento social. Isso trouxe diversas conquistas em termos de garantia de direitos da população. Após a queda da antiga União Soviética e a dissolução do bloco socialista, o mundo assistiu a um processo de globalização, aliado ao neoliberalismo, em que as lutas pelos direitos básicos passaram a ser individuais, assim como as dores, o que aumentou distúrbios comportamentais como o estresse. Houve ainda um esgarçamento da fronteira entre o público e o privado, com a diminuição do papel do Estado na garantia dos direitos básicos dos cidadãos e o domínio das transnacionais, um poder que transcende as fronteiras entre países específicos.
O desenvolvimento humano, para a autora, será maior quanto maior for o número de opções de vida para as pessoas, fato relacionado tanto com as potencialidades individuais como com o progresso social. Os resultados desastrosos do neoliberalismo se refletem em novas lutas para reativar o Estado como entidade responsável por garantir os direitos básicos da população. A autora ainda afirma que quando o Estado de exime em cumprir seu papel, muitas vezes, o que ocorre é que tais serviços acabam ficando a cargo das ONGs, que por mais bem intencionadas que sejam (o que nem sempre é o caso), suas iniciativas não são suficientes para garantir o cumprimento dos direitos básicos da população. O grande antagonista, desta forma, se apresentaria como a forma ideológica do neoliberalismo, que busca a desregulação absoluta das condições de trabalho, em benefício das transnacionais. Por outro lado, a autora reconhece que resultados quanto ao nível de desenvolvimento humano são mais altos em Estados que preservaram um alto grau de envolvimento, por meio do qual se produz uma redistribuição da riqueza em prol do benefício geral, tais como o Canadá e países escandinavos.
Ao final da obra, autora conclui sua avaliação de boas práticas em políticas públicas analisando os progressos alcançados na garantia do cumprimento dos direitos humanos na América Latina, e busca antecipar cenários, firmando que avanços neste sentido dependem de quatro aspectos básicos: sensibilização com a proteção ambiental, capacidade institucional para oferecer serviços sustentáveis de qualidade, relações participativas entre governo e cidadãos, e influência da globalização como barreira ou oportunidade para o desenvolvimento humano. A sustentabilidade é vista como um grande desafio, que inclui uma visão de futuro onde se considera a capacidade de suporte do sistema natural e de regeneração do meio ambiente.
A obra "Psicologia Política", de Mirta González Suárez, além de trazer elementos que a tornam uma espécie de manual sobre o assunto, consegue responder a várias questões de ordem mais prática, e voltada para a realidade latino-americana. Consegue, neste sentido, responder à pergunta formulada por Monteiro (2009) "Para quê Psicologia Política?" A resposta, para Mirta, seria não apenas para se obter um maior conhecimento na área, mas sim para, a partir deste conhecimento, exercer a cidadania de forma mais plena, e lutar para alcançar uma realidade em que os direitos de todas as pessoas sejam garantidos. Nesse sentido, Mirta faz parte de uma tradição interdisciplinar e com um olhar comprometido politicamente, sem reduzir a psicologia Política ao um mero olhar psicologizante (Silva e Zonta, 2011, Silva, 2012, Almeida, Silva e Corrêa, 2012). Na América Latina essa perspectiva vem crescendo e exercendo importante papel na construção da autonomia de cidadão e comunidades frente ao universo da política e do político e a presente obra é, sem dúvidas, um aporte importante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Almeida, Marco A. B., Silva, Alessandro Soares da., & Corrêa, Felipe. (2012). Psicologia Política: debates e embates de um campo interdisciplinar. e-book. São Paulo: Edições EACH. Acessado em: 10 de setembro de 2012, de: <http://each.uspnet.usp.br/edicoeseach/psicologia_politica.pdf> [ Links ].
Barracho, Carlos. (2011). Psicologia Política. Lisboa: Escolar. [ Links ]
González-Suárez, Mirta.(2008 ). Psicología Política. San José: ED. UCR. [ Links ]
Kressel, Neil J. (Ed.) (1993). Political Psychology: Classic and Contemporary Readings. New York: Paragon House. [ Links ]
Monteiro, Maritza. (2009). ¿Para qué Psicología Política? Revista Psicologia Política, 9(18). [ Links ]
Sabucedo, José M. (1996). Psicología Política. Madrid: Síntesis. [ Links ]
Silva, Alessandro Soares da. (2012). Psicologia Política, Políticas Púbicas e Movimentos Sociais. Tese de Livre Docência. Universidade de São Paulo. [ Links ]
Silva, Alessandro Soares da., & Zonta, Celso. (2011). A Psicologia Política no Cenário Ibero-Latinoamericano. Psicologia Política, 11(21),9-15. [ Links ]
Recebido em 10/09/2012.
Aceito em 23/11/2012.