23 56Socialização política de gênero na infânciaMovimento(s) indígena(s) e psicologia social: desafios à de(s)colonização dialógica 
Home Page  


Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.23 no.56 São Paulo  2023   27--2024

 

Artigo Original

Uma pesquisa com os pés empoeirados: memórias de mulheres rurais

Una investigación con pies polvorientos: recuerdos de mujeres rurales

A research with dusty feet: memories of rural women

Julyanna de Melo Ribeiro1  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0009-0006-0424-7723

Érika Cecília Soares Oliveira2  , Concepção, Coleta de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual importante, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-4877-0971

Saulo Luders Fernandes3  , Concepção, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual importante, Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-2335-0030

1Mestrado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió/AL. https://orcid.org/0009-0006-0424-7723 E-mail: julyaannaribeiro3@gmail.com

2Doutorado em Psicologia e Sociedade pela Universidade Estadual Paulista, São Paulo/SP. https://orcid.org/0000-0003-4877-0971 E-mail: erika.oliveira@ip.ufal.br

3Doutorado Psicologia social, Universidade de São Paulo. (USP). Ano: 2016. São Paulo/ SP. https://orcid.org/0000-0003-2335-0030 E-mail: saupsico@gmail.com


Resumo

Este artigo parte da escrita da história de vida de uma mulher rural, compreendida a partir das teorias decoloniais e dos feminismos subalternos. Trata-se da costura das memórias da interlocutora e da pesquisadora que trazem narrativas sobre suas existências subalternizadas e as brechas construídas por elas nas relações cotidianas com os seus territórios rurais, compreendidos como lugares de produção singular e heterogênea de modos de vida e alteridade. A história de vida foi a metodologia utilizada e, a partir dela, foi possível ensejar pequenas conversações com dona Odete, proprietária de um capril no agreste alagoano. Na horizontalidade dos encontros, foi possível compreender a realidade rural como lugar grávido de narrativas orais e trabalho coletivo colado aos ciclos da natureza, onde os saberes produzidos por mulheres circulam através das gerações.

Palavras-chave: Feminismos subalternos; Ruralidades; Mulheres Rurais; Psicologia social; Psicologia rural

Resumen

Este artículo parte de la redacción de la historia de vida de una mujer rural, entendida desde las teorías descoloniales y los feminismos subordinados. Es la costura de las memorias del interlocutor y del investigador que traen narrativas sobre sus existencias subordinadas y las grietas construidas por ellos en las relaciones cotidianas con sus territorios rurales, entendidos como lugares de producción singular y heterogénea de formas de vida y alteridad. La historia de vida fue la metodología empleada y, a partir de ella, fue posible tener pequeñas conversaciones con doña Odete, dueña de un capril en el semi árido de Alagoas. En la horizontalidad de los encuentros, se pudo entender la realidad rural como un lugar preñado de narrativas orales y trabajo colectivo pegado a los ciclos de la naturaleza, donde el conocimiento producido por las mujeres circula de generación en generación.

Palabras clave Feminismos subalternos; Ruralidades; Mujeres rurales; Psicología Social; Psicología rural

Abstract

This article starts from the writing of a rural woman’s life, understood from the decolonial theories and the subaltern feminisms. It is the interlacing of the speaker’s and the researcher’s memories that bring narratives about their subalternized existences and the breaches made by them in the everyday relationships with their rural territories, comprehended as places of singular and heterogeneous production of ways of life and alterity. The methodology used was the history of life and, from that, it was possible to give occasion to little conversations with dona Odete, owner of a goats farming place in the Agreste of Alagoas. In the horizontality of the meetings, it was possible to understand the rural reality as a place pregnant of oral narra-tives and collective work bonded to the cycles of nature, where the knowledges produced by women circulate through the generations.

Keywords Subaltern feminisms; Ruralities; Rural women; Social psychology; Rural psychology

POR QUE É PRECISO QUE OUTRO ALGUÉM FALE DE MIM?

“Todo caminho sai na roça”

(Ditado regional)

Escrevo neste artigo a história de vida de uma mulher rural, compreendida a partir das teorias decoloniais e dos feminismos subalternos, partindo de uma costura das memórias de dona Odete e das minhas, trazendo narrativas sobre as nossas existências subalternizadas e as brechas construídas nas relações cotidianas com os nossos territórios rurais. Não se trata apenas de memórias de mulheres que estão distantes de mim. Pelo contrário, trabalho as nossas memórias, pois reconheço que elas são escolhas e posturas que me situam como psicóloga e como pesquisadora, são constituídas por vivências e memórias que situam meu lugar político neste mundo.

Este artigo parte de uma escrevivência gestada no coração do Sul Global – o agreste alagoano – a partir de experiências como pesquisadora rural, branca, estudante de um programa de pós-graduação de uma universidade federal, localizada no Nordeste e realizada no período de 2018 a 2020. Nosso propósito aqui é contar a história de vida de uma mulher rural, branca, proprietária de um capril em uma cidade do interior alagoano, a interlocutora da primeira autora – dona Odete. O município onde dona Odete reside é uma cidade de pequeno porte, grande parte de sua população reside nos espaços rurais e a principal atividade econômica delas é a agricultura familiar. Dona Odete foi escolhida por se destacar nos grupos dos(as) agricultores(as) do município e ser lembrada pelas suas experiências de enfrentamentos das amarras que encontra em seu território, no que diz respeito às relações de gênero, ao acesso à educação formal e ao contexto rural, marcado por vulnerabilidades sociais e negligências de direitos.

Na entrevista da seleção de mestrado, eu contava sobre meu projeto sempre utilizando a primeira pessoa do plural. Falava “nós” quando ia me referir às(aos) jovens rurais. Um dos avaliadores da banca questionou essa colocação e me pediu para falar de mim, da minha história. Foi um momento muito importante, pois durante a escrita do meu trabalho de conclusão de curso, eu precisava escrever sobre as(os) jovens - sobre nós. E tive muita dificuldade de encontrar escritos que pudessem caracterizar a população jovem no meu campo de pesquisa, sendo que eu fazia parte daquele lugar. Me questionei: “por que é preciso que outro alguém fale de mim?”. Bom pensar também que circunscrever a fala do “nós” em um suposto eu individual me parecia muito empobrecedor uma vez que são as experiências coletivas e as memórias comunitárias que habitam meu viver.

Eu, jovem rural, tentara a inserção do programa de pós-graduação em Psicologia, localizado na capital do estado. Poderia, a partir do meu lugar, falar de mim, sem que outro (a) me descrevesse? No momento da entrevista eu ainda não havia refletido teoricamente sobre isso, mas Glória Anzaldúa (2000) e Conceição Evaristo (2020), foram minhas parceiras nas brechas aproveitadas para repensar a escrita sobre o meu lugar e a partir dele.

Esse processo de escrita me ajudou a perceber como meu modo de vida é singular. E como a minha trajetória me constrói e reconstrói, pois ela não é só minha, mas de várias que me acompanham. Aqui em casa somos eu e mais cinco irmãos. Meu pai é agricultor e minha mãe é professora da escola aqui do sítio, os dois já estão aposentados(as). Não fomos educados(as) da mesma forma: sou mulher, “frágil, inocente, indefesa” e tenho homens para me proteger e me orientar. Sempre foi assim. Por vezes parecia até que meu destino já havia sido traçado, que as pessoas sempre sabiam o que ia acontecer ou o que era melhor para mim. Principalmente, parece que sempre achavam que sabiam qual era o meu devido lugar.

A escola representava para mim um espaço de fortalecimento. Minha trajetória estudantil foi exclusivamente em escolas públicas e foram nelas que cresci e fiz escolhas maiores, certa de que aquela realidade dura de preparação para a vida adulta poderia ser para mim “o caminho”. Na época da minha graduação, foi bem complicado. Eu era a primeira mulher da minha comunidade a ir para a universidade, e além do mais, nunca tinha saído da cidade sozinha, precisaria ir e voltar, me cuidar, crescer. Foi um grande impacto para o meu pai e minha mãe. Mas fui. Meus pais me ajudaram muito nesse processo, e eu tinha exemplos de guerreiras na família, sabia que não podia parar. Os amigos do meu pai diziam que ele ia “perder o trabalho” porque daqui a pouco eu me casaria com alguém e meu pai não lucraria nada.

Não posso dizer que fui a mulher mais militante daquela unidade acadêmica, mas estava disposta a construir o meu futuro. Minha resistência se deu quando busquei desconstruir os “ideais” feitos para meninas como eu, invisíveis para a sociedade meritocrática. Muitos(as) não pensavam que fossem possíveis essas conquistas, seja a minha família ou qualquer pessoa que sabe que moro aqui na Varzinha, um pequeno povoado que nem todos os(as) limoeirenses conhecem, mesmo fazendo parte do município de Limoeiro.

O agreste alagoano, na minha visão, tem características campesinas muito fortes. Apresenta terras férteis, clima agradável e gente calorosa. Nós encontramos as “conhecidas” na rua, mesmo estando na cidade mais populosa desta sub-região. Não é nem tão quente, nem tão frio; nem tão verde e nem tão seco; nem tão perto e nem tão longe da capital: é uma transição entre a Zona da Mata e o Sertão. É lugar para grandes cultivos na agricultura, mas por muitos anos eu via a plantação de cana-de-açúcar tomando conta de quase tudo ao meu redor. Limoeiro de Anadia, certamente não surgiu de um “frondoso pé de limão” onde descansavam os caçadores, não sabendo nós quem seriam eles, senão os índios que ali viviam e porquê descansariam justo sob uma árvore que tem espinhos em seu tronco e que não costuma ser frondosa, havendo outras maiores no local.

Perderam-se detalhes históricos importantes sobre a participação de outros povos na construção política, social, cultural desse município, apenas destacando superficialmente as versões dos coloniza-dores, que nos fazem apagar a compreensão crítica sobre os fatos, sobre as grandes fazendas de gado que ainda estão localizadas à beira dos rios e que concentram terra nas mãos de poucos, deixando muitos sem moradia; sobre as culturas dos pequenos plantios de alimentos para subsistência, sendo a agricultura familiar a atividade mais importante do município e sobre a atividade cultural quilombola que certamente surgiu nesse encontro de povos, de opressões, de dores e de resistências. Varzinha é um pequeno povo-ado situado no limite entre os municípios de Limoeiro de Anadia e Taquarana. Costumo dizer que aqui não tem terra para vender, pois todas as famílias que vivem aqui estão desde que surgiu o lugar. As(os) novas(os) habitantes são as(os) filhas(os), as(os) netas(os) das(os) primeiras(os) moradoras(es). É calmo. Agora mesmo só ouço o canto do grilo (que para mim não é incômodo, é até uma agradável companhia). Aqui moram as minhas tias, mesmo aquelas que não são da família, mas que me acompanham desde pequena, brincando nos quintais e nos milharais; as comadres e os(as) afilhados(as) que ganhei quando nem conseguia segurá-los(as) no colo. Hoje não temos mais escola, nem unidade básica de saúde, pois foram agrupados em outro povoado vizinho. Temos apenas uma igreja católica de Santa Ana, que protege minha família e era devoção da minha avó Rosa. Tem o bar do Biro, que é o ponto de encontro para as conversas cotidianas nas tardezinhas de domingo. Aqui está a minha raiz, onde posso andar descalça e em contato com a terra que me renova.

Ser jovem rural para mim é ganhar por herança valores, modos de ver e de viver. É pertencer a um lugar, uma história. É caminhar pela terra em contato direto comigo mesma. É conhecer quem está ao meu lado, o vizinho, a comadre. É conhecer sua luta, sua dor e é partilhar ainda mais das suas conquis-tas, das suas vitórias cotidianas no silêncio e na invisibilidade dos espaços rurais. É isso. Às vezes acho que se pensa que no “mundo rural” só existem roças, lavouras, cavalos e sujeitos de exposição, falando caipira e tomando banho no banheiro de palha. Sabe o que mais me marca? A gente sabe plantar, a gente sabe limpar e cultivar nosso plantio e sabemos que é esse o caminho para a colheita. A gente aprende a valorizar as terras férteis, como também sabemos recomeçar quando a lavoura não foi satisfatória.

Nós escrevemos para continuarmos vivas e para avivar também as marcas daquelas que nos ensina-ram sobre a vida, como escreviam Anzaldúa (2000) e Evaristo (2020). Aprendi a escrever quando ouvia as longas histórias que minha mãe contava antes de dormir ou nas noites em que faltava energia elétrica e nos reuníamos na sala para conversar. Ela me contava as histórias de “trancoso” (era o nome que ela dava para as histórias de assombração): a do canfinfim, a do rei Valdável e todas as outras. Além dessas, tinha também os causos da minha família: as aventuras do processo de envelhecimento da minha bisa vovó Mariquinha, as histórias do adoecimento do tio Tonho, as histórias da época da escola de minha mãe e seus primos, os viajantes que passavam pela casa da vó Rosa, as histórias da casa de farinha do tio Natalício, os contos dos fantasmas que assombravam na enxúndia (árvore antiga aqui do sítio). Minha mãe sempre me contava todas. Ela me ensinava a contar histórias. Não li tantos livros de literatura durante a minha infância e adolescência, mas certamente ouvi sobre muitas histórias de vidas. Isso me faz desejar continuar ouvindo e contar também.

PESQUISAS FEMINISTAS A PARTIR DO CORAÇÃO DO SUL GLOBAL

Fazer pesquisa numa perspectiva feminista tem sido um exercício no qual a memória das próprias pesquisadoras passa a ser tratada como material analítico a ser costurado com as memórias de suas interlocutoras, numa bricolagem que permite questionar molduras normativas sobre o que são metodologias, objetividade, distanciamento, sujeito e objeto. Assim como nos ensina Lucía Engaña Rojas (2012), uma metodologia deve sempre ser encarada como uma ficção, tal como nosso corpo, nossa identidade. Deste modo, temos deslizado por categorias que se inscrevem em modelos heteropatriarcais e coloniais de ciência, construídos a partir do século XV e que negam as inscrições subjetivas e sociais da pesquisadora no universo investigado; por elas deslizamos com o intuito de afugentá-las. Com isso, tentamos criar outras paisagens que estejam fora do modo de funcionar das caixas coloniais da tradição como nos lembra Patricia Hill Collins (citada por Silva-Reis, 2019). As memórias e o testemunho que trazemos delas têm sido um caminho que nos permite nos construir bio-graficamente, demonstrando como nossos interesses, recortes teóricos e epistemológicos estão profundamente interligados com o universo conceitual no qual a pesquisa se desenrola e o lugar geopolítico ocupado por nossos corpos. Temos também tratado de deixar explícito que pesquisadoras(es) nunca estão sós quando constroem suas trajetórias metodológicas. Junto a elas(es) encontram-se personagens que, muitas vezes, estão fora da academia mas que são responsáveis diretas pela sua constituição enquanto acadêmicas(os): faz parte do trabalho de resgate de memórias das(os) pesquisadoras(es) revisitar tudo aquilo que viu e escutou das mulheres e homens que fizeram parte de seu passado, os modos como se inscreveram no mundo e as heranças que generosamente lhes deixaram para se tornarem quem elas são (Oliveira, Rocha, Espíndua, & amp; Hüning, 2019). Contar histórias e compartilhá-las, como propõe bell hooks (2020) serve para com-preendermos o modo como fomos constituídas(os) e também para conferirmos à escrita uma intimidade que está frequentemente ausente dos escritos acadêmicos. Neste sentido e tal como propõe Rojas (2012), a intimidade passa a ser um traçado que se almeja para que nós possamos aparecer em nossas pesqui-sas, nossos rostos e para que possamos construir junto com nossas interlocutoras pequenos espaços de conversações (bell hooks, 2020). As conversações permitem trocas não hierárquicas de pontos de vista, aumentando nossa compreensão a respeito do que acontece no mundo, construindo pontes junto com aquelas(es) que são nossas interlocutoras, ao invés de muros. Assim, a escrita que abre este artigo é uma história vivida – vivenciada e escrita – uma escrevivência, como tem ensinado Evaristo (2020) a milhares de mulheres ávidas por trazerem um pouco de si no aparato científico, que tão bem tratou de extirpar nossos sentimentos e experiências. Escreviver, para Evaristo, é interrogação, é a busca de inserir-se no mundo com nossas histórias e experiências, apesar do mundo desconsiderá-las.

Através das teorizações feministas e decoloniais, compreendemos que nossos modos de vida e histórias foram silenciadas e minimizadas pelas propostas da modernidade/colonialidade que estabeleciam lugares universais do conhecimento, ocupados pelo homem branco, heterossexual e ocidental. Essas pro-postas desconheciam que todo conhecimento é localizado historicamente, corporalmente e geopoliticamente e não sem sujeito, sem história e sem relações de poder, porquanto, as questões de gênero, etnia, classe, sexo e raça, no entendimento das teorias feministas e decoloniais, estão entrelaçadas e produzem modos de vida que são complexos e singulares, a partir dos seus lugares, do tempo histórico e de suas culturas. María Lugones (2014), destarte, afirma que é necessário conhecermos umas às outras, as nossas diver-sidades, histórias e a partir daí recusar o apagamento e objetificação que estamos condicionadas a fazer quando nos encontramos com as diferenças. Trata-se de um modo de compreendermos historicamente a inclusão política dessas mulheres em seus territórios, seus meios coletivos, como também em suas escritas.

Cabe que eu me posicione em relação à minha raça, principalmente para marcar a minha branqui-tude no processo de construção de saberes. Sou uma mulher branca, bem como, Dona Odete também se considera branca. Minha família é predominantemente branca, então esse foi o grupo que vivenciou comigo a minha infância.

Dona Odete foi escolhida como interlocutora da pesquisa a partir da nossa compreensão do seu território, quando nos encontramos com pistas sobre a sua participação política e social nas associações de agricultores(as) da região. A ferramenta de história de vida utilizada por nós recomenda que o ponto de partida da relação entre a pesquisadora e a interlocutora deve ser o contato com o seu lugar, desde onde se darão os muitos encontros, a amizade e as trocas de saberes. Esse vínculo foi importante para que as narrativas de Dona Odete acontecessem a partir do seu desejo de partilha sobre a sua vida. Maria Isaura Queiroz (1991), apoiada em suas experiências de pesquisas com fontes de informações vivas, explica que os relatos das interlocutoras são as suas verdades vivenciadas e que foram possíveis de serem reconstruídas a partir do trabalho de memória acionado por seus relatos, se trata de histórias individualizadas, mas a experiência de compreender o seu território baseado no que ela elege para ser relatado - suas histórias e memórias produzidas nos seus lugares coletivos. Sempre foi uma relação de troca de saberes, de vozes, de vidas.

Os diários de campo utilizados como registro da pesquisa foram aliados para que as marcas dessas trocas, desses movimentos da pesquisa, não se perdessem: as vozes que ecoavam, os territórios, o chão, a poeira, os lugares dos encontros e o tempo. Tudo que escapava das narrativas gravadas, era escrito nas notas dos diários. Mas, nos diários eram registrados também o processo da pesquisa, as entradas, pontes, como também os muros encontrados no contato com os territórios e as mulheres rurais. Regina Benevides de Barros e Eduardo Passos (2015) dividem conosco a importância dessa escrita diarística em nosso caminhar enquanto pesquisadoras encarnadas em nossas pesquisas, pois são as oportunidades de registro das implicações dos nossos olhares localizados e em nossa pesquisa, certamente o registro das implicações que se cruzaram entre os modos de vida rurais compartilhados com dona Odete nos nossos encontros. Foi o lugar de registro das produções com ela sobre nós.

A partir de vários encontros e conversações com dona Odete, foi possível compreender a diversidade dos modos de vida das mulheres rurais, visto que o que rural produz não é um lugar fixo e rígido, mas de movimentação e pluralidade. Falar da vida no campo é compreender que este lugar é experienciado de forma diversa, com uma pluralidade de vivências, conhecimentos, formas de organização políticas e sociais que compõem o que podemos denominar de ruralidades. São sobre estas diversidades presentificadas que a vida no campo produz também um lugar comum, a capacidade de habitar um mundo compartilhado com os outros, em experiências coletivas e comunitárias vinculadas ao território e a natureza. Portanto, é nesta relação entre diversidades e mundos compartilhados que a vida cotidiana dos territórios rurais produz suas tessituras, repassam seus conhecimentos e criam suas relações éticas com o mundo, a natureza e os outros. Mesmo diante das violações constantes de seus direitos básicos e as estratégicas de opressões históricas que buscam invisibilizar suas formas de vida, seus conhecimentos, suas políticas emancipatórias. Apesar disso, suas relações comunitárias produzem uma ética da partilha da vida com os outros.

Ao olhar moderno/ocidental o rural é sempre compreendido como o lugar da falta e do atraso. Aos moldes do projeto civilizatório urbano suas diversidades de vidas e formas de organização são enquadra-das violentamente em um modelo de vida instrumental, técnico-cientificista, racionalista e produtivista. Uma urbanidade que se expressa como um reflexo dos preceitos modernos ocidentais, que mesmo não se totalizando por completo nos espaços citadinos, pretende-se universal às vidas do campo (Leite, Macedo, Dimenstein, & amp; Dantas, 2013).

Este modelo urbano/moderno busca impor um registro do tempo e do espaço que é alheio às temporalidades possíveis e já existentes na realidade rural. A realidade rural produz um tempo que não se finda apenas para produção de fins, mas que está atrelado às relações cotidianas das narrativas orais, dos encontros casuais, das conversas de varanda, dos aprendizados nos terreirões, das formas de trabalho coletivo e relacionados aos ciclos da natureza. Já o espaço nestes contextos não são apenas aqueles esquadrinhados pelas rotas delimitadas pelas diversas instituições de controle, ou limitados pelas lógicas da propriedade e da produção capitalística. O espaço torna-se território vivo, lugar das criações cotidianas que no encontro com os outros e a natureza fazem seus usos diversos inventando os territórios e os agentes humanos e não humanos que dele fazem parte. O espaço tornado território ganha contornos afetivos, um lugar vivo de memórias e rico em experiências, que ao serem compartilhadas ao longo de muitas gerações adquire vivências próprias de um território coletivo.

Diferente dos preceitos impostos e idealizados pela modernidade, com suas falaciosas pretensões hie-rárquicas de submeter os conhecimentos cotidianos e os saberes que neles circulam como menores, inválidos ou incapazes de explicar a realidade, as moradoras e moradores das comunidades rurais entendem o cotidiano como o seu habitar, o lugar de sua morada, de seu trabalho e de seu viver. Um cotidiano plural que nem mesmo dispensa os saberes técnicos científicos, ao contrário, como disse Michael Certeau (2012), fazem deles usos diversos ao ponto destes saberes estarem sendo usados em um modo de registro a favor daqueles, que a princípio, eram deles destituídos. Há aqui uma arte da astúcia que no fazer usual produz ações imprevistas e foras de rota que sobrepõem alternativas aos códigos já estabelecidos e fixados por um outrem que se pretende modelo: “Sem sair do lugar onde tem que viver e que lhe impõe uma lei, ele aí instaura pluralidade e criatividade. Por uma arte de intermediação ele tira daí efeitos imprevistos” (Certeau, 2012, p. 87).

O contexto rural abre outras possibilidades ao cotidiano, não mais como o lugar do duvidoso, do banal, do medíocre, mas como dimensão das construções e invenções coletivas com a natureza e com o território. Estas invenções aos olhos pouco atentos, ou olhares de desprezo, são incapazes de compreender que estas inventividades não são produtos da ordem do imediato, ou mesmo de uma simples reprodução de um determinado código ou comando, mas são frutos de elementos vivos ancestrais, registros corpóreos que passam de geração a geração dentro dos territórios rurais.

A composição destes conhecimentos implica a produção de uma ética da alteridade, pois o outro com sua experiência (humano, não humano, natureza, território) é presentificado, é chamado para a con-versa, é inscrito na ação. Um agir que não se encontra mais como uma ação isolada ou individual, mas em ações que já foram partilhadas e que nos afazeres da vida diária passam novamente a ser parte do coletivo, inscrevendo na experiência comunitária novos registros e formas de conhecer. Assim, os conhecimentos cotidianos presentes nos contextos rurais são possíveis quando o outro emerge como sujeito conhecedor, mas não de um conhecimento solitário que se tem propriedade e que não pode ser partilhado. Ao contrário, há o desejo do encontro entre vivências, necessidade de passagens, trocas, e nessas mediações a produção de mudanças, transformações e composições que fazem do estar com o outro, possibilidade de conhecer outros mundos. Estes momentos de passagens e composições nem sempre ocorrem com hora marcada, por vezes são vividos de forma furtiva, em sutilezas quase despercebidas, mas que deixam registros nos corpos, mobilizam afetos, deixam palavras, contos e canções.

“E ALGUÉM DIZ: ‘QUER A SOMBRINHA? QUER O GUARDA-CHUVA?’ E EUDIGO: NÃO. EU QUERO É CHUVA”.

Ao chegar à casa da dona Odete, o portão de entrada tem uma grande estrela de Davi e uma plaquinha com o nome: “Capril Dona Odete”. Começamos a conhecê-la antes de falarmos com ela. Uma senhora de cinquenta anos, agricultora, criadora de cabras, natural da zona rural, que desde os seis anos migrara para outra comunidade rural de uma cidade do agreste de Alagoas para trabalhar em um pequeno terreno adquirido por seu pai e, após um ano de viagens à roça, por volta de 1974, vieram definitivamente residir por lá, seu pai, sua mãe, dona Odete, duas irmãs, que são mais novas que ela, e três irmãos, um mais velho e dois mais novos. Desde sempre a atividade econômica da família era a agricultura, com o cultivo de fumo e de alguns alimentos como feijão, mandioca e milho.

O pai de dona Odete nasceu na Paraíba, mas muito pequeno veio morar no interior de Alagoas, onde conheceu sua esposa, natural do Ceará, e juntos construíram sua família em comunidades rurais. A mãe de dona Odete é sua parceira nos trabalhos de venda e nas produções a partir do leite de cabra, que posteriormente se tornou a principal atividade econômica da filha, como também foi sua companheira nas negociações que ela precisou fazer para permanecer frequentando a escola apesar do seu trabalho no campo. Além de que, desde que dona Odete era pequena, sua mãe estudava a bíblia junto com as filhas e filhos, hábito que ela tomou para si.

O sonho de criança de dona Odete era ser grande. Tinha o sonho de completar dezoito anos e con-quistar sua independência: “não sei o que tanto eu ouvia sobre isso”. Aos treze anos, apenas dependia da casa e da comida do pai e da mãe. Vendia produtos das revistas Avon e Hermes, que são catálogos de produtos direcionados às mulheres, cujas encomendas são solicitadas por revendedoras. Os catálogos são revistas muito populares nos espaços rurais por facilitar a compra desses produtos, visto que as lojas de roupas e cosméticos geralmente estão situadas nas cidades. Posteriormente pediu ao pai para fazer uma roça em suas terras e, com a ajuda dele, de sua mãe e de seus irmãos e suas irmãs, cultivar um plantio que a ajudasse na sua “independência financeira”. Aos dezesseis anos ela aprendeu a dirigir na roça e passou a ser mais uma a conduzir o carro de casa até a roça e da roça para casa e ganhou a confiança do seu pai para fazer “os mandados dele”, assim como também pilotando a moto.

Dona Odete estudou o ensino fundamental, mas com esse estudo conseguiu um emprego como professora de jovens e adultos no período da noite. Seu processo de escolarização é marcado pela disputa entre a escola e a roça, sendo que poucas eram as “coisas de criança” que faziam parte de sua infância. Era obrigada a faltar às aulas nos períodos de colheita de fumo, pois seu pai necessitava do seu trabalho e de seus irmãos e irmãs. A escola atrapalhava o rendimento delas(es) na roça, são palavras dela:

Aí quando eu estava na quarta série, eu cheguei pra minha mãe e disse: “olhe, mamãe, converse com o papai, nem que ele tire a gente da cama às quatro da manhã e bote pra dormir meia noite, agora, eu não vou faltar na escola”, aí dessa forma eu fiz, até concluir o primeiro grau.

Dona Odete relata as dificuldades de aprendizagem e aproveitamento na escola quando precisava cumprir com seus compromissos na roça com a família: “a questão do estudo, eu acho que eu nunca tive uma cabeça focada. ... Eu desistia porque faltava muito às aulas, aí eu desistia mesmo e no outro ano iniciava tudo de novo”.

Aos vinte e um anos, “arrumou um noivo” e casou-se. Ele decidiu viajar para o Estado de São Paulo em busca de emprego e combinaram que ela ficaria estudando. Porém, alguns meses depois ela resolveu viajar também e ir ao encontro dele, em 1990, em busca de “melhorias”. Morou por cerca de sete meses na cidade de Mauá, mas logo ficou grávida e decidiu voltar, pois imaginava serem mais difíceis os cuidados com a gestação por lá, além de que não seria possível trabalhar e as despesas eram altas para arcar apenas com o que o seu esposo ganhava nos seus trabalhos em uma construtora. Quando sua primogênita nasceu, dona Odete tinha vinte e dois anos. Na segunda tentativa de vida na cidade grande, seu esposo adoeceu de uma infecção urinária e, como não tinham familiares próximos por lá, resolveram voltar para cuidar da saúde dele. Foi um retorno forçado e desagradável. Ele veio a falecer e dona Odete ficou viúva aos vinte e quatro anos.

Quando a família chegou ao povoado, observou que existiam grandes fazendas de gado, com duzentas, quinhentas tarefas de terra, e algumas marcas de antigas construções. Quando questionavam do que se tratava, ouviam que eram as casas de moradores(as) que residiam em lares cedidos pelos proprietários(as), mas que tinham saído de lá em busca de novas condições de vida na cidade grande, junto com seus filhos(as) e seus netos(as). Foram tempos de muitas mudanças. Dona Odete voltou com sua filha para a casa da mãe e do pai. Algumas ideias foram surgindo para auxiliá-la na sobrevivência das duas. Uma delas foi a compra de uma cabra que seria fonte de alimento saudável para a menina. Dona Odete conheceu outra pessoa, seu Manoel, e casou-se com ele. Ele também é agricultor e ajuda no capril, mas não domina as atividades de gestão, e, para complementar a renda da família, trabalha como pedreiro autônomo, “quando encontra serviço”. Tiveram mais dois filhos.

O capril possibilitou a entrada dela em coletivos de diálogo e ações voltadas para os(as) produtores(as) rurais. O primeiro deles foi a participação no Conselho de Merenda Escolar por quatro anos (2010-2014), representando o Sindicato dos(as) Trabalhadores(as) Rurais. A partir da parceria da merenda escolar com o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, surgiu a necessidade da fundação de uma associação de produtores(as) rurais no município, em 2011, com exatamente onze produtores(as), incluindo dona Odete. Infelizmente ela não consegue vender seus produtos através dessa associação, pois o município não possui um selo que permite a comercialização de leite e derivados.

No ano de 2013, foi convidada a participar de uma associação regional que fica localizada em outra cidade do agreste alagoano, na qual faz entrega de leite duas vezes por semana para o governo estadual que o utiliza para distribuição através do Programa do Leite. É uma associação que reúne diversos grupos, de acordo com a sua produção. Atualmente é coordenadora do grupo de caprinocultores e vice-presidenta da associação regional.

Dona Odete se deslocava até a associação utilizando uma moto, mas apesar de relatar que não são todos os meses que as vendas de leite compensam a viagem de carro, ela prefere optar por sua segurança e conforto. A negociação para a compra do carro no banco foi difícil, pois não há como comprovar esta-bilidade financeira de renda através do capril. Dona Odete faz o pagamento anual do financiamento do carro e esta dívida nem sempre é bem-vinda. No fim do último ano, por exemplo, foi muito difícil para ela efetuar o pagamento, mas não pode desistir da posse do veículo, pois é sua ferramenta de trabalho. Além disso, ela relata diversos atrasos nos pagamentos do governo estadual através da associação regional, o que gera impossibilidade de planejamento seguro do negócio e crescimento.

A história do capril será detalhada nas categorias a seguir, mas ainda aqui é necessário mencionar a grande parceria de dona Odete com a universidade, através da professora Genaura, do curso de zootecnia, que além de contribuir na organização de exposições de cabras com o Capril Dona Odete, também envia estudantes para realizar estágios e pesquisas por lá.

A ROÇA, O CAPRIL E OS COLETIVOS

Dona Odete, no início dos encontros, fala sobre a chuva, agradece e mostra como ela é importante, pois, ao cair sobre a terra, faz nascer a lavoura, é símbolo de fertilidade, recomeço, esperança para os(as) agricultores(as) e produtores(as) do campo. Ela comenta: “a novidade: a chuva deu uma melhorada na lavoura, deixa a gente animado. ..) E alguém diz: ‘quer a sombrinha? Quer o guarda-chuva?’E eu digo: não. Eu quero é chuva”. A sabedoria das mulheres e dos homens rurais é tão importante para as suas comunidades quanto a chuva é para as plantações.

Dona Odete é íntima da terra, trabalha e cuida dela desde a sua infância. Quando trabalhava com sua família, viajavam num carro chamado “rural”, antes de virem morar definitivamente aqui. Segundo ela, “não lembra de ser causa de sofrimento”. Dona Odete diz que “para criança tudo é brincadeira”. Apesar de vivenciar uma infância de trabalho, diz que aprendeu muito sobre as roças, a natureza e os valores do campo e demonstra muito amor pelo que produz e pelo que vive a partir dos espaços rurais.

Dona Odete sempre trabalhou com sua família na agricultura, mas a ideia da criação de cabras surgiu quando sua primeira filha nasceu. Sua primeira cabra recebeu o nome de Suzana. Tempos depois, quando o segundo filho nasceu, lembrou-se do leite de cabra novamente. Mas somente em 2009, quando recebeu a visita de um técnico agropecuário para orientá-la sobre o serviço com as cabras, o capril ganhou forma. Após um atravessamento da secretaria municipal de agricultura, ela fez um empréstimo e realizou a compra de dez cabras e um reprodutor, o que deu início ao Capril Dona Odete.

Talvez fosse a sua inquietação e busca por mudanças desde cedo, a sua busca por emancipação, os encontros que teve, que possibilitaram à dona Odete a construção de uma posição fora do que se esperava, uma resistência ao enredo que lhe foi proposto pela sua condição social, política e cultural. Dona Odete subverte o seu lugar e o seu tempo quando conhece a liberdade forçadamente através da necessidade: dona da roça, do volante do carro e da sua história:

Depois dos meus treze anos, eu só dependia do feijão e da farinha dos meus pais, o resto eu batalho. Passei dois anos vendendo Avon e Hermes, aí depois pedi um pedaço de terra e botei roça pra mim, aí eu fui batalhar pela independência financeira. Com dezesseis anos eu aprendi a dirigir na roça. ... Um dia eles estavam um pouco distantes, eu entrei no carro e pá. Eles gritaram: “o que é isso, está fazendo o que?”, eu disse: “estou dirigindo”.

... estou dirigindo”. O que significa dirigir para dona Odete? Apenas conduzir um carro da roça para casa e de casa para a roça? Há um movimento que caminha entre o querer e o tornar possível. Dona Odete estava na roça, prejudicando seu desempenho escolar, mas, por outro lado, apesar de não se encontrar no centro do privilégio, do domínio do conhecimento, estava a produzir saberes, conduzindo as oportunidades de deslocamento e de mudança. Talvez liberdade seja utilizar as chances de entrar no carro e “pá”, fazê-lo andar, depois de muito observar como ele funcionava, apesar do medo e das dores, do presente e do passado.

Há dores e lutas que não são solitárias. Encontramos relatos de histórias de outras mulheres rurais que, assim como dona Odete, desempenham diversos papéis sociais e modificam suas vivências a partir das experiências nos coletivos dos quais participam. Leandro Rosa e Ana Paula Silva (2014) trazem a história de Maria, militante do Movimento sem-Terra (MST) da região de Ribeirão Preto (SP), uma mulher muito dedicada a família e que se aproximou do Movimento por meio da mesma, porém sua inserção no MST possibilitou que ela tomasse novas posições enquanto mãe, esposa, trabalhadora, mulher. Celecina Sales (2007), ao falar sobre as aproximações das mulheres rurais aos movimentos sociais, aponta que essas mulheres encontram nesses coletivos espaço para expressar os seus saberes, o que lhes proporciona a reflexão sobre os fatos e as relações cotidianas vividas no ambiente familiar e nos espaços de trabalho.

Uma história coletiva para dona Odete se desencadeia na participação nas associações. Começou quando ela foi convidada a participar do Conselho Municipal da Merenda Escolar (2010-2014), logo depois a formação da Associação Municipal (2011) e posteriormente, em 2013, foi procurada por uma associação regional, através da sua Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) (DAP). DAP é uma identidade do(a) agricultor(a) que significa que ele está apto a ser beneficiado pelos programas de incentivo à agricultura familiar.

A participação das mulheres em movimentos sociais e grupos, cooperativas, associações, representaa abertura de pequenas brechas nas normas instituídas sobre as hierarquias de gênero. É nesses ambientes frequentados por homens e mulheres que são expostas as desigualdades de gênero, da mesma forma que podem ser ambientes propícios para as discussões e produções de novas narrativas acerca dos papéis de homens e mulheres (Salvaro, Estevam, & amp; Felipe, 2014). Dona Odete foi convidada a assumir o cargo de vice-presidenta da cooperativa. Ela diz: “eu não sei o que viram em mim, logo fui indicada para o cargo de presidenta, mas não aceitei e então fiquei como vice. ... Manoel não concordava”. Dona Odete relata que aos poucos foi convencendo o esposo sobre a importância da sua participação naquele cargo da associação e como isso a ajudaria a lutar pelos interesses da sua família e do grupo. Ela o convenceu.

Dona Odete se encontra entre a margem do conhecimento e o centro. É uma mulher rural, mas ocupa um cargo de liderança em uma associação importante para a região agreste. Grada Kilomba (2019) ao dizer que a margem não pode ser compreendida apenas como lugar da falta, da vulnerabilidade, nos ajuda a com-preender que este lugar pode ser utilizado também para o fortalecimento, para a construção de oportunidades na periferia. Habitar as margens e o centro, esta fronteira, é partilhar das vivências de diversos lugares e deles fazer nascer novos plantios. No diário de campo, escrevo como dona Odete compreende esse encontro de categorias sociais: “Dona Odete não interpreta isso como o encontro de vulnerabilidades, mas a junção de potencialidades. Ser mulher, rural, produtora não significa para ela uma junção de fragilidades, mas a sua vida”. Diferente do olhar colonizador que cinde e objetifica os corpos marginais (mulheres, negras/os e indígenas) como ligados à natureza, ao não civilizado e aquilo que é destituído de alma e racionalidade. Dona Odete faz um giro, muito presente na vida rural, torcendo estas significações pejorativas em uma inversão que afirma a vida da mulher do campo como uma vida vinculada à “natureza”. Natureza entendida aqui de forma divergente da compreensão dicotômica forjada pelas concepções modernas, na qual ela apresenta-se em oposição às expressões culturais e à formação humana. Ela é entendida aqui como extensão e relação mútua na configuração do viver, é produzida a partir de uma vitalidade que não cinde corpo, território e natureza. O sagrado aqui não está desvinculado do ser corpo, ser território e ser natureza.

No diário de campo: “O início das coisas, a mãe terra e a zona rural como espaço de criação e como o início de tudo. O urbano vem depois, nós viemos primeiro. Nós somos os criadores(as)”. A partir do lugar onde se encontra, das suas plantações e criações, dona Odete cresce e se multiplica. Ida Mara Freire (2014) traz a reflexão sobre imortalidades e, para a autora, a procriação não é suficiente para permanecer viva. Os filhos de dona Odete, por exemplo, não parecem planejar a continuidade do capril sem ela. Dona Odete se multiplica quando distribui seus pensamentos, seu modo de vida e seus valores aos demais, quando nos ensina sobre a terra e nos afeta com os seus cuidados e a sua compreensão sobre o campo e suas personagens. Muitas donas Odetes estão sendo formadas e o sonho de ser “grande” se realiza nas formações modificadas por seus ensinamentos, pelos conhecimentos do campo e do capril e pelo respeito e cuidado com a natureza que ela propaga.

Dona Odete conta que a associação regional, que já completou 30 anos de atividade, sempre estabe-leceu parceria com as universidades da região e recebia estagiários(as), pesquisadores(as) e a realização, junto à Prefeitura do seu município, de um evento municipal de exposição de cabras, disputas de cabras leiteiras, formação para os(as) criadores(as) sobre temas importantes da atividade, rodas de conversa sobre as mulheres e as atividades rurais.

Há um encontro de papéis sociais: “aqui sou filha do meu pai e da minha mãe, filha da terra, sou mãe, sou esposa, sou agricultora, sou produtora e tutora desses alunos”. Refletimos sobre o que a mantém de pé com a proposta do capril, visto que não se apresenta como a atividade principal da sobrevivência de sua família, apesar de requerer muito esforço e dedicação e compreendemos a relação de importância e de troca que o Capril Dona Odete mantém com a universidade e realidade local.

Além disso, mais que uma agricultora, criadora de cabras na zona rural do agreste alagoano, dona Odete também está mobilizada nas causas sociais, o que, de certa forma, nasce a partir dos lugares que ela frequenta justamente por ser agricultora e criadora de cabras: “Mas eu sou daqui, gosto daqui, atuo na atividade rural, mas eu também estou nos meios sociais, nas políticas sociais”. Hoje o município do agreste alagoano onde dona Odete reside executa um programa de transferência de renda a partir da Moeda Social e do Banco Comunitário e ela faz parte do comitê gestor do programa. Ariádne Scalfoni Rigo e Genauto Carvalho de França (2017) apresentam que esse banco faz circular uma moeda social em determinado território, fortalecendo sua economia e concede a partir dela microcrédito aos(às) mora-dores(as) do lugar. Para dona Odete, o programa ainda pode expandir:

como surgiu o programa do qual os beneficiários recebem o cartão com o dinheiro e eles compram no comércio cadastrado, também pode surgir um projeto para comprar do agricultor para que as pessoas que têm o direito de usar esse cartão pudessem comprar da gente também. ... a nossa base é a agricultura, o município se sustenta da agricultura familiar principalmente.

Para dona Odete, as lutas coletivas são importantes para o desenvolvimento das habilidades e for-mas de expressão de sua voz e suas ideias: “Eu acho que a maioria das mulheres rurais são um pouco acomodadas, elas precisam de alguém que lute por elas, por isso que eu concordo com associação, com cooperativas”. Esse é um grande risco de estar na margem e no centro (Kilomba, 2019): um perigo de estar na margem, vivenciar as opressões, as desigualdades de ser mulher, de ser mulher rural, de ser mulher rural produtora, mas ao mesmo tempo poder falar do centro, de quem julga conhecer o centro. “As mulheres são acomodadas”, “eles(as) esperavam os candidatos para então terem a posse dos documentos”, “elas(es) esperavam por algo ou por alguém”: fomos ensinados(as) a falar a partir do olhar do opressor.

A voz de dona Odete possibilita afirmar que escrever vai além das letras e linhas. Há textos que são lidos sem precisar olhar o papel, pois eles são organizados na experiência e nos modos de ser e agir. Evaristo (2007) nos faz pensar que a escrita possui corpo, gestos e movimentos e, mais que isso, a escrita traz a dor, o amor, a vida. Há um grande compromisso na escrita, no que se deixa registrado por onde passa. Há uma necessidade no que se propõe escrever, seja nos TCCs sobre o capril, neste artigo, nas falas que dona Odete faz nos eventos que participa, nas assembleias, nas reuniões dos projetos sociais, nas suas supervisões de estágio e nos lugares que marca e escreve. Na sua voz, nas suas mãos, na sua pele, no seu olhar, dona Odete crava uma vida que passará de geração em geração, na família, nas turmas de graduandos(as) da universidade, em sua comunidade.

SER MULHER RURAL

Quem somos nós, mulheres rurais? – Pergunto. Dona Odete é prática ao delimitar que são aquelas que moram no campo. Mas vai além disso:

As mulheres rurais são aquelas que residem na zona rural e mais especificamente aquelas que produzem algo no campo, não precisa ser na roça, mas que utilize a matéria prima do campo. ... Nem que ela produza boas palestras, né? (risos), mas que ela reconheça o campo.

E então, qual seria a semelhança?

A semelhança entre a mulher urbana e a rural é que nós somos mulheres. A minha avó, mãe da minha mãe, nos seus 90 anos, diz que a mulher só muda o endereço, mas as atividades da mulher continuam sendo as mesmas.

Dona Odete é uma mulher política, que frequenta espaços públicos e que tem uma produção ativa, espaços designados como masculinos. Entretanto, ela reconhece que as atividades domésticas e de cunho privado, como o cuidado com o esposo e os(as) filhos(as) ainda está presente. Dessa forma, há um acúmulo de tarefas, duplas jornadas de trabalho, que são divididas com outras mulheres da família, com mulheres contratadas para tais serviços, mas dificilmente com um homem. Segundo Salvaro e cols. (2014), se trata de relações trabalhistas pré-estabelecidas e aprendidas no processo de constituição das mulheres e que fazem com que essas atividades sejam realizadas de maneira naturalizada, reforçando essas normas historicamente construídas. Mas, apesar de acreditar que existem no trabalho papéis típicos das mulheres, dona Odete constrói um movimento de formação de quem está ao seu redor, os ensinando a dividir as tarefas justamente. Ela comenta que a sua correria pode deixar a impressão de que: “ah, eu abandonei minha casa, e acho que não, porque se a mulher não busca outra atividade, ela cuida de tudo sozinha e nunca é reconhecida”. Utilizando passagens bíblicas, dona Odete justifica sua opinião:

Em Provérbio fala das mulheres que contratam as empregadas, que administram o sítio, que fabrica a roupa do esposo e dos filhos, é empreendedora, não apenas tanque e pia. ... E não deixa de ser submissa, não deixa de ser mãe.

Quantos “cala a boca” você já recebeu? Kilomba (2019) diz que não é que nós não colocamos as nossas palavras, as nossas opiniões nas conversas, mas há uma “objetificação” realizada pelos opresso-res, possuidores dos conhecimentos que nos colocam em um lugar de “Outridade” (Kilomba, 2019, p. 51), em que somos silenciadas nas nossas casas, nos nossos grupos, na sociedade. Quantos “cala a boca” são necessários para temermos falar novamente? E quantos são necessários para nos reorganizarmos e voltarmos a falar? Dona Odete ao falar sobre as vulnerabilidades das mulheres rurais nos traz:

existem aquelas que a gente sente que palpitam o coração para dar ideias, mas elas se fecham na sua timidez. Isso vai de pessoa para pessoa, porque tem pessoas que a vida inteira recebeu um ‘cala a boca’ e não se calam. Se alguém mandar eu me calar eu me calo por alguns instantes, mas quando eu tiver oportunidade eu vou falar de novo.

Dona Odete sinaliza que existe uma luta contra as subordinações das mulheres, mas fala também das sabedorias dessas mulheres que constroem juntas saídas e novos lugares para continuarem. Lugares que nem sempre são físicos, que às vezes são simbólicos, afetivos e, sobretudo, coletivos. O conhecimento nasce a partir das experiências e, segundo Patricia Hill Collins (2019), certas mulheres sabem que devem distribuir suas experiências, suas narrativas para que essas sabedorias finquem raízes nos lugares de outras mulheres. Essa sabedoria que faz parte da mulher que encontra brechas no que a elas foi ditado a partir do entendimento do homem sobre o mundo, enxergando detalhes que por menores que sejam significam a sua liberdade e que, segundo ela, devem ser mantidos com firmeza até que eles sejam ouvidos, “enquanto membros de um grupo subordinado, as mulheres negras não podem se dar ao luxo de serem tolas, uma vez que a sua objetificação como ‘outras’ nos nega a proteção conferida pela pele branca, pela masculinidade e pela riqueza” (Collins, 2019, p. 149). Collins fala especificamente de mulheres negras, pretendi transpor um pouco do seu pensamento para compreendermos as experiências de mulheres rurais, sabendo das diferenças entre elas, as mulheres das quais falo em meu trabalho são mulheres brancas. Dona Odete ilustra: “mas a gente sente aquele peso, ‘ah, só está travando isso aqui porque nós somos mulheres’. Mas a gente não baixa a cabeça. Você não precisa ser agressiva, você só precisa crer naquilo que você crê e permanecer crendo”.

Dona Odete faz as suas leituras bíblicas e embasa sua fala justificando que as mulheres não são por regra frágeis e que não devem sentir-se culpadas pelas suas atividades na família e na sociedade. Além disso, devem ser sábias em suas ideias, para defendê-las firmemente, como também modificá-las quando não estão corretas. Apesar de sempre dizer que a mulher é empreendedora, gerente, agricultora e produtora desde outrora, a mulher, para dona Odete, deve ser submissa ao seu esposo:

tem um conselho do apóstolo Paulo nas cartas que ele diz: “a mulher esteja submissa ao esposo em tudo!!!”, aí tem uma virgulazinha e diz: “no Senhor.”. Entendeu? Então depois da vírgula ninguém lê mais, esquece. Porque submissão não significa você baixar a cabeça para cem por cento dos gostos e desejos do marido. Tem que ter o diálogo. Isso aqui está de acordo com a vontade do Criador? Isso aqui é justo? Isso aqui vai trazer benefícios para você, para mim e para os nossos filhos, e para o nosso lar? Sempre tem que haver diálogo para que a submissão possa estar presente.

Aqueles(as) possuidores(as) do conhecimento dito universal, transformam a palavra em objeto de seu próprio prazer e benefício, um lugar que põe limites nas outras pessoas e que as rotula, define, freia. Um lugar, uma relação, uma pessoa que escraviza a outra. bell hooks (2008) traz narrativas que falam dos(as) escravizados(as) e da contralíngua criada como construção de uma resistência na maneira de se comunicar e se agrupar em meio a um espaço que os diminuía. As igrejas, que eram espaços de trocas com o Estado e a corte portuguesa, constroem, com a chegada dos portugueses pobres que se estabelecem na zona rural (Tavares, 2013) outras maneiras de viver concretamente a religião. Dona Odete traz relatos de uma relação com a religião que permite fazer releituras sobre a palavra religiosa instituída. São expressões da fé que produzem outras narrativas do viver, que possuem elementos que se aproximam da realidade vivida por ela no capril e na família: elementos de solidariedade, de reconhecimento da importância da terra, da chuva, da colheita e da comunidade. bell hooks (2008) fala sobre as novas linguagens que são produtos da sabedoria dos povos subalternizados, quando elas constroem rupturas, saídas para a liberdade. As narrativas, as conversas, fazem de nós existência nos nossos lugares e nos fazem sobreviver além dos homens opressores. Dona Odete constrói uma compreensão sobre a palavra submissão e subverte a língua opressora, mas ao mesmo tempo se mantém dentro da norma ao ter ideias sobre mulher, esposa e dona de casa. Ela diz que nunca ouviu uma explicação parecida com a dela, nem do coordenador da sua congregação, ninguém entende a expressão como ela, mas ela precisa ser firme nas suas teorias para sua sobrevivência, lendo mais um pouco, dando conta das vírgulas e das entonações, sendo sábia e não deixando passar a possibilidade das brechas de um trecho, tão utilizado pelos homens. Ela diz: “É porque os homens... as pessoas leem as escrituras ao seu favor, né?”.

Dona Odete escreve e também reescreve aquilo que escreveram um dia e lhe diz respeito. Como fala Anzaldúa (2000), certamente faz isso para interferir no que falam, fazem de errado sobre ela, sobre nós. Escreve sua vida para que deixe claro o que sabe sobre si. Dona Odete pensa a partir de todos os lugares que ela está, do mato que cobre a lavoura e que a formiga come, da cabra que olha para ela com carinho fraternal e lhe alimenta com o leite, das lutas nas associações e nas reivindicações coletivas que ela formula, nas relações na cidade, do comércio dos seus produtos, nas releituras da Bíblia. Ela se encontra em fronteiras entre o campo e a cidade, o rústico e o desenvolvido. Ela se encontrou com outros lugares, valores, crenças, compreensões e nunca mais voltará para o que era, mesmo continuando no mesmo campo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não sabíamos, nem eu e nem dona Odete, se nossa forma de escrever no mundo seria considerada, ouvida, lida, mas nós precisávamos sair das nossas margens confortáveis e arriscar o encontro com outras, pois essa sensação de conforto e medo é uma estratégia que nos é aplicada de regulação dos nossos pensa-mentos e da nossa vida marginalizada, como nos mostra Kilomba (2019), com escrita também a partir da margem. Este texto é a escrita da história de uma mulher que sofre múltiplas opressões na sua produção e comercialização, nas suas lideranças e participações políticas e que, mesmo com os pagamentos do leite e derivados atrasados, mesmo com as dificuldades, tem muita experiência, força e sabedoria. É também o encontro das nossas singularidades, das nossas vozes parecidas, que quanto mais eu a ouvia, mas ouvia a mim mesma, o meu passado e as mulheres que andaram nesta estrada antes de mim. Quando eu e dona Odete nos encontrávamos, as minhas mulheres, as minhas avós, os movimentos delas tornavam-se vivos novamente através de mim. Então, imortalizar passa pelo ato de procriar, de construir gerações, mas é também permanecer coabitando para sempre nos discursos, nas ações, nos modos de vida das outras.

Financiamento

Não houve financiamento

Consentimento de uso de imagem

Não se aplica.

Aprovação, ética e consentimento

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas.

REFERÊNCIAS

Anzaldúa, G. (2000). Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. Revista Estudos Feministas, 1(8), 229-236. https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/9880Links ]

Barros, R. B. & Passos, E. (2015). Diário de bordo de uma viagem-intervenção. In E. Passos, V. Kastrup, & L. Escóssia (Orgs.), Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção e produção de subjetividade (pp. 172-200). Sulina. [ Links ]

bell hooks (2008). Linguagem: ensinar novas paisagens/novas linguagens. Estudos Feministas, 16(3), 857-864. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2008000300007Links ]

bell hooks (2020). Compartilhar histórias. In Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática (pp. 96-101). Elefante [ Links ]

Certeau, M. (2012). A invenção do cotidiano: Artes de fazer. Vozes. [ Links ]

Collins, P. H. (2019). Epistemologia feminista negra. In J. Bernardino-Costa N. Maldonado-Torres, & R. Grosfoguel (Orgs.), Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico (pp. 139-170). Autêntica. [ Links ]

Evaristo, C. (2007). Escrevivência. http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/conceicao-evaristo/escrevivencia/Links ]

Evaristo, C. (2020). Da grafia-desenho de minha mãe um dos lugares de nascimento de minha escrita. In C. Lima Duarte & I. Rosado Nunes (Orgs.), Escrevivência: a escrita de nós: reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo (pp. 47-59). Mina Comunicação e Arte. [ Links ]

Freire, I. M. (2014). Tecelãs da existência. Revista Estudos Feministas, 22(2), 565-584. https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/36545Links ]

Kilomba, G. (2019). Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano. Cobogó. [ Links ]

Leite, J. F., Macedo, J. P., Dimenstein, M., & Dantas, C. (2013). A formação em Psicologia para atuação em contextos rurais. In J. Leite & M. Dimenstein (Orgs.), Psicologia e contextos rurais (pp. 27-56). EDUFRN. [ Links ]

Lugones, M. (2014). Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, 22(3), 935-952. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2014000300013Links ]

Oliveira, É. C. S., Rocha, K. A., Moreira, L. E., & Hüning, S. M. (2019). “Meu lugar é no cascalho”: políticas de escrita e resistências. Fractal: Revista de Psicologia, 31(nspe.), 179-184. https://dx.doi. org/10.22409/1984-0292/v31i_esp/29043Links ]

Queiroz, M. I. P. (1991). Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. T. A. Queiroz. [ Links ]

Rigo, A. S. & França, G. C. (2017). O paradoxo das Palmas: análise do (des)uso da moeda social no “bairro da economia solidária”. Caderno EBAPE.BR, 15(1), art. 10. https://doi.org/10.1590/1679395141258Links ]

Rojas, L. E. (2012). Metodologías subnormales. https://www.bibliotecafragmentada.org/wpcontent/uploads/2012/12/EGANA_Lucia_Metodologias-subnormales.pdfLinks ]

Rosa, L. A. & Silva, A. P. S. (2014). Sujeito político dramático: mudanças vivenciadas por uma militante do MST. Psicologia & Sociedade, 27(1), 47-57. https://doi.org/10.1590/1807-03102015v27n1p047Links ]

Salvaro, G. I. J., Estevam, D. O., & Felipe, D. F. (2014). Mulheres em cooperativas rurais virtuais: reflexões sobre gênero e subjetividade. Psicologia: Ciência e Profissão, 34(2), 390-405. https://doi.org/10.1590/1982-3703000262013Links ]

Sales, C. M. V. (2007). Mulheres rurais: tecendo novas relações e reconhecendo direitos. Revista Estudos Feministas, 15(2), 437-443. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2007000200010Links ]

Silva-Reis, D. (2019). “Pensamento feminista negro e estudos da tradução: Entrevista com Patrícia Hill Collins”. Revista Ártemis, 27, 229-235. https://www.researchgate.net/publication/334527710_Pensamento_feminista_negro_e_estudos_da_traducao_Entrevista_com_Patricia_Hill_CollinsLinks ]

Tavares, T. R. (2013). A religião vivida: expressões populares de religiosidade. Sacrilegens, 10(2), 35-47. http://www.ufjf.br/sacrilegens/files/2014/07/10-2-4.pdfLinks ]

Recebido: 09 de Março de 2021; Revisado: 16 de Setembro de 2021; Aceito: 05 de Outubro de 2021

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.