23 57RESISTÊNCIAS NO TRABALHO COMO ESTRATÉGIAS DE SAÚDEAVALIAÇÃO DE NECESSIDADES COM PESSOAS LGBTQIA+: UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA-NARRATIVA 
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Revista Psicologia Política

 ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.23 no.57 São Paulo  2023   07--2024

 

Artigo Original

VIVÊNCIAS DE SOFRIMENTO E RESISTÊNCIA EM MULHERES, NEGRAS E MEMBROS DA COMUNIDADE LGBTQIA+

Experiencias de sufrimiento y resistencia en mujeres, negras y miembros de la comunidad lgbtqia+

Suffering and resistance experienced by women, black women and lgbtqia+ community

ANA LUDMILA COSTA1  , Concepção, Considerações Teórico-metodológicas, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Revisões críticas de conteúdo intelectual, Importante: Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0000-0003-0208-0756

FERNANDA RAQUEL NUNES DA COSTA ARAÚJO2  , Concepção, Coleta de dados, Considerações Teórico-metodológicas, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Importante: Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0009-0002-1150-1946

LEONARDO AZEVEDO DE MEDEIROS3  , Concepção, Coleta de dados, Considerações Teórico-metodológicas, Análise de dados, Elaboração do manuscrito, Importante: Aprovação final do manuscrito
http://orcid.org/0009-0008-7397-0370

1Doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Vínculo: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Santa Cruz/RN. https://orcid.org/0000-0003-0208-0756 E-mail: ana.ludmila@ufrn.br

2Formada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Santa Cruz/RN. https://orcid.org/0009-0002-1150-1946 E-mail: fernandaraquel_23@hotmail.com

3Formado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Santa Cruz/RN. https://orcid.org/0009-0008-7397-0370 E-mail: leonardo.psiedu@outlook.com


RESUMO

Objetiva-se compreender o sofrimento e resistência de grupos oprimidos pela nova onda conservadora brasileira. Com abordagem marxista, debate os conceitos subjetividade, consubstancialidade e neoconservadorismo para análise das vivências de mulheres, negras e membros da comunidade LGBTQIA+. A coleta de dados utilizou entrevista semi-estruturada, cuja análise ocorreu por audição repetida, leitura exaustiva das transcrições e elaboração das categorias emergentes. Identificou-se predominância da juventude neste debate; complexidade das situações de sofrimento e resistência pelos distintos arranjos entre sexo, gênero e raça; reprodução de estereótipos relativos às mulheres; exploração econômica e sexual do corpo da mulher negra; e argumentação religiosa e/ou institucional como legitimação de opressões públicas. Conclui-se que o caráter estrutural da opressão aos grupos se revela a partir de aspectos universais e subjetivos, com interferência das condições sócio-históricas nas vivências de sofrimento. A necessidade de articulação das pautas e implementação de estratégias de enfrentamento se faz patente.

Palavras-chave: subjetividade; consubstancialidade; marxismo; neoconservadorismo; grupos oprimidos

RESUMEN

El objetivo es comprender el sufrimiento y la resistencia de los grupos oprimidos por la nueva ola conservadora brasileña. Con un enfoque marxista, debate los conceptos de subjetividad, consustancialidad y neoconservadurismo para analisar las experiencias de mujeres, negras y comunidad LGBTQIA+. La recolección de datos utilizó entrevistas semiestructuradas, analisadas mediante escucha repetida, lectura exhaustiva de transcripciones y elaboración de categorías emergentes. En este debate se identificó un predominio de la juventud; complejidad de situaciones de sufrimiento y resistencia debido a diferentes disposiciones entre sexo, género y raza; reproducción de estereotipos sobre las mujeres; explotación económica y sexual de los cuerpos de las mujeres negras; y argumentos religiosos/institucionales como legitimación de la opresión pública. Se cuncluye que el carácter estructural de la opresión contra los grupos estudiados se revela desde aspectos universales y subjetivos, con la interferencia de condiciones sociohistóricas en las experiencias de sufrimiento. La necesidad de articular agendas e implementar estrategias de enfrentamiento es clara.

Palabras clave subjetividad; consustancialidad; marxismo; neoconservadurismo; grupos oprimidos

ABSTRACT

It aims to understand suffering and resistance of groups oppressed by the new Brazilian conservative wave. With a Marxist approach, it debates the concepts of subjectivity, consubstantiality and neo-conservatism to analyze the experiences of women, black women and LGBTQIA+ community. Data collection used semi-structured interviews, analyzed by repeated listening, exhaustive reading of transcripts and elaboration of emerging categories. A predominance of youth was identified in this debate; complexity of situations of suffering and resistance due to the different arrangements between sex, gender and race; reproduction of stereotypes regarding women; economic and sexual exploitation of black woman’s bodies; and religious and/or institutional arguments as legitimization of public oppression. It is concluded that the structural nature of the oppression against the studied groups is revealed from universal and subjective aspects, with the interference of socio-historical conditions in the experience of suffering. The need to articulate agendas and implement coping strategies is clear.

Keywords subjectivity; consubstantiality; Marxism; neoconser-vatism; oppressed groups

INTRODUÇÃO

Os grupos oprimidos são aqueles grupos sociais que, de acordo com Hailer (2015), se caracterizam por, historicamente, serem alvos da violência estrutural, intrínseca à sociedade capitalista.

Como demonstra Martín-Baró (1985/2012), tal sistema produz uma ordem social que utiliza um estado de violência dominadora para manter o status quo e é a causa de qualquer outra modalidade de violência. Estando imbricada na sociedade, a violência é constitutiva das instituições sociais onde se expressam hierarquicamente, reproduzindo uma estrutura injusta (como por exemplo a violência efetivada pelo Estado). Diz-se violência estrutural, ainda, por esta ser reforçada pela ideologia do capital através da superestrutura que, segundo a teoria marxista, correlaciona-se à expressão cultural, artística, midiática etc. (Martins & Lacerda, 2014). Ou seja, são as estratégias utilizadas pelas classes dominantes, para além do uso da força física, que servem para perpetuar e manter o seu domínio sobre os grupos oprimidos.

Outra faceta da violência é a violência revolucionária do oprimido, como discorre Martín-Baró (1985/2012). Como forma de defesa à essa violência estrutural, os grupos oprimidos pelo sistema capitalista resistem, também, de forma violenta, buscando romper o ciclo de opressões através do uso da força, reproduzindo o que é feito pelos grupos dominantes por meio do Estado: “A violência libertadora do oprimido busca romper a relação desumanizadora e, por isso, busca a humanização não só dele, mas também do opressor” (Martins & Lacerda, 2014, p. 12). Essas violências podem se expressar de forma física, psicológica ou simbólica e em geral ela é parte dos processos que enfraquecem a vida e a qualidade das relações humanas.

Em nossa sociedade brasileira, os marcadores de sexo, gênero e raça/etnia (como mulheres, população LGBTQIA+1e negros e negras) são exemplos centrais de grupos oprimidos, os quais têm sido alvos do aumento da incidência de patologias no campo da saúde mental (sobretudo depressão e ansiedade). Para ilustrar tal fenômeno, dados do Ministério da Saúde (2018) apontam que jovens negros do sexo masculino, com idade entre 10 e 29 anos, têm 45% de chance a mais de morrer por suicídio quando se compara com o grupo branco de mesma faixa etária. Além disso, Fernandes, Lima e Barros (2020) reúnem dados de que a chance de desenvolver depressão é 77% maior entre negros do que brancos e que a chance de apresentar transtorno mental comum é quase quatro (4) vezes maior nos indivíduos que relatam discriminação por raça/cor da pele, quando comparados aos indivíduos brancos.

Fonseca, Ribeiro e Leal (2012) apresentam pesquisas que correlacionam a violência de gênero ao comprometimento na qualidade de vida e saúde mental, sobretudo no que diz respeito à baixa auto-estima, depressão, ansiedade e suicídios. Reforçam que mulheres em contexto de violência vivenciam maior risco de sofrer desordens alimentares, alcoolismo e abuso de outras drogas e de desenvolverem disfunções relacionadas à ansiedade (o que inclui estresse pós-traumático, fobias e pânico). De fato, no Brasil, a ansiedade atinge mais mulheres (7,7%) do que homens (3,6%), cenário que chama a atenção mesmo considerando a potencial subnotificação de dados de saúde relacionados aos homens (uma vez que as mulheres costumam procurar mais os serviços de saúde).

No que se refere especificamente à população LGBTQIA+, na Pesquisa Nacional de Saúde (2013), 28% dos respondentes deste grupo já receberam diagnóstico prévio de depressão, o que significa um índice quatro (4) vezes maior do que na população cis e hétero. Ademais, o grupo LGBTQIA+ pensa três vezes mais em suicídio e têm cinco vezes mais chances de colocar em prática as ideias suicidas do que heterossexuais cisgêneros (homens e mulheres que se identificam com o gênero em que nasceram e se atraem sexualmente pelo sexo oposto).

Em todos esses cenários, não há dúvidas de que está presente a relação entre sofrimento subjetivo, adoecimento psíquico e contextos de preconceito e demais tipos de violência, que tem se avolumado diante da nova onda conservadora. Presente em escala global, e no Brasil não seria diferente, após um período de conquistas de direitos e reconhecimento social, o neoconservadorismo tem intensificado e legitimado recorrentes eventos e discursos de ódio que intimidam esses grupos e oferecem validação para a propagação de comportamentos violentos e atitudes intolerantes. Como bem afirma Demier (2016, p. 11),

(não há) uma semana sequer em que não assistimos estupefatos a algum vultuoso corte de verbas nas áreas sociais; a alguma barbaridade cometida pelas degeneradas polícias militares; a alguma esdrúxula proposta anti minorias apresentada na Câmara dos Deputados; a alguma incitação ao ódio por parte de histriônicos líderes político religiosos; a algum crime motivado por machismo, racismo, homofobia, transfobia e mesmo xenofobia contra haitianos; a algum linchamento de assaltante realizado por turbas animadas pelos vespertinos programas policiais.

O presente artigo tem por finalidade compreender as vivências subjetivas de representantes de grupos oprimidos, considerando o contexto brasileiro atual de recrudescimento do conservadorismo político, econômico e cultural que, dadas nuances específicas, tem sido chamado de neoconservadorismo. A análise aqui empreendida refere-se a uma temporalidade específica, aquela em crescimento no Brasil e América Latina a partir dos anos 1990 como reação do bloco religioso conservador (ainda que não homogêneo) à agenda da igualdade de raça, gênero e da diversidade sexual, diretamente articulada ao movimento internacional de direitos humanos (Vaggione, Machado, & Biroli, 2020).

Objetiva-se discutir a perspectiva de grupos oprimidos diante do sofrimento provocado pelo cenário conservador, conhecer suas principais reivindicações e investigar suas estratégias de enfrentamento, individuais e/ou coletivas. Com isto, pretende-se identificar processos e fenômenos do cotidiano que podem estar na base dessas vivências e, assim, auxiliar na construção de alternativas para sua superação. Ademais, essa produção científica se faz como resistência ao publicizar conhecimento científico em um contexto nacional, no qual notícias e dados possuem vieses partidários e parciais.

Para alcançar tais objetivos, faz-se necessário debater três concepções centrais neste estudo: subjetividade, consubstancialidade e neoconservadorismo. A partir desta contextualização, apresenta-se a pesquisa empírica realizada.

Subjetividade, Consubstancialidade e Neoconservadorismo: articulações necessárias

A perspectiva de subjetividade adotada neste estudo está ancorada nos debates produzidos pela tradição marxista a este respeito. Ainda que Marx e Engels não tenham tratado diretamente do assunto em suas obras, uma análise do conjunto de seus escritos e da tradição teórica que se formou em sua esteira aponta para uma interpretação do processo de constituição da subjetividade a partir de uma dada formação social e intrinsecamente articulado a determinado contexto histórico.

De acordo com Chagas (2013, p. 66), os elementos constitutivos para entender a subjetividade humana são:

  1. a subjetividade não como autônoma abstrata;

  2. a subjetividade não como dada naturalmente, imediatamente ao indivíduo;

  3. a subjetividade como construída historicamente;

  4. a importância da presença da subjetividade na construção, na transformação, na apreensão e na interpretação cognitiva do real, da realidade.

Diferencia-se, portanto, da concepção de subjetividade adotada na Psicologia hegemônica, que resume o indivíduo a sua essência, concentrada nele mesmo, desde o nascer e descolada das condições sociais. Portanto, responsável exclusiva pela força que o move. Esta noção de subjetividade, ao passo em que coloca para a Psicologia a incapacidade de ir além da singularidade imediata e aparente, torna possível a comparação entre singularidades, tomando como parâmetro natural e universal, a realidade burguesa. De acordo com Oliveira e Costa (2018, p. 223),

sobre ela erigem noções universais de normal e patológico, saúde e doença, sucesso e fracasso, padrões de desenvolvimento. Lembremos das críticas à Psicologia tradicional que se apoia numa visão de normalidade que corresponde a uma condição particular da existência humana, na medida em que se apega a valores e padrões de comportamento de uma determinada classe social, tomando-os como pretensamente universais.

Rompendo com tal noção, a subjetividade aqui aludida é concreta, real, não está nem se constrói de forma isolada. Nem é meramente influenciada pelo contexto, como se este fosse apenas promotor ou dificultador de um destino já traçado. De outro modo, a história pessoal se constrói na própria articulação com a história coletiva, entre experiências e marcadores sociais: de sexo/sexualidade, gênero, raça/etnia, classe social. Assim, suas vivências, de sofrimento e resistência, apesar de únicas e irrepetíveis, além de si próprio e de sua história, dizem também do acúmulo das histórias dos distintos grupos sociais aos quais fazem parte.

Neste sentido, a lente da consubstancialidade torna-se essencial para compreender a complexidade que existe na relação entre esses grupos. Isto significa afirmar que as relações de opressão estão intrinsecamente interligadas não só entre si, mas, também, com o sistema de exploração que, segundo Kergoat (2010, p. 94),

elas formam um nó que não pode ser desatado no nível das práticas sociais, mas apenas na perspectiva da análise sociológica; e as relações sociais são coextensivas: ao se desenvolverem, as relações sociais de classe, gênero e ‘raça’ se reproduzem e se coproduzem mutuamente.

Por meio desta lógica dialética, que apreende a totalidade dessas relações e, ao mesmo tempo, entende as especificidades na história e contexto de cada grupo, a noção de consubstancialidade parte da percepção crítica de que gênero/sexualidade, raça e classe social operam não de forma isolada, como aspectos excludentes ou somatórios, mas como fenômenos que se constituem reciprocamente produzindo desigualdades sociais complexas (Biroli & Miguel, 2015).

Desta forma, as opressões devem ser compreendidas como fenômenos dinâmicos, múltiplos e estruturais, o que significa afirmar que, se por um lado, as lutas não são homogêneas, as vivências são únicas e as subjetividades não podem ser negadas, por outro lado, há segmentos sociais que têm sido mantidos reiteradamente como alvos de exploração (dimensão econômica), opressão (dimensão subjetiva) e dominação (dimensão política), refletindo uma hierarquia pautada em uma hegemonia masculina, hetero e branca durante a maior parte da história da humanidade. Devido a atribuições históricas específicas de cada grupo, direitos foram e são negligenciados de diferentes formas, de maneira que não são garantidas as possibilidades reativas e sua formalização concreta em instituições e projetos políticos.

As formas de resistência isoladas tornam-se ineficazes, sendo o caminho para superação da opressão necessariamente a articulação coletiva. Como bem afirma Kergoat (2010, p. 103), é imprescindível “recolocar no centro da análise o sujeito político (e não a vítima de múltiplas dominações), levando em consideração todas as suas práticas, frequentemente ambíguas e ambivalentes”. Consequentemente, compreender as vivências de sofrimento e resistência, ainda que subjetivas, requer, necessariamente, o debate das particularidades da atual conjuntura.

É neste contexto que o neoconservadorismo desponta como um dos fenômenos centrais de opressão a certos grupos sociais. Silva, França e Maciel (2020) são taxativos ao reconhecer o elemento econômico vinculado à violência socialmente perpetrada: no processo de consolidação do capitalismo, em sua busca pela manutenção da ordem vigente hegemônica, o conservadorismo se mostra como importante instrumento de “naturalização das expressões da questão social, desprezo por imigrantes, supressão de direitos, antagonismo aos direitos humanos, discriminação de raça, gênero, religião e sexualidade, entre outros, configurando-se uma verdadeira banalização da vida humana” (p. 256).

Esta relação entre capitalismo/conservadorismo fica explícita quando se observa eventos como a eleição de Donald Trump, o Brexit e a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência do Brasil, todos permeados por óbvios interesses econômicos. Assim, em um movimento global e multifacetado, reunindo investidas em distintas direções, o conservadorismo contemporâneo centra-se no tripé do liberalismo econômico, fundamentalismo religioso e anticomunismo. Seu avanço impacta os moldes das estruturas sociais formadas, com fundamentação ontológica e material na ativação dos limites absolutos do capital ao proporcionar maior exploração do trabalho, retirada de direitos e seus desdobramentos (Solano, 2018).

Isto posto, a subjetividade de mulheres, negros e membros da comunidade LGBTQIA+ acaba sendo afetada por essa “nova onda conservadora”, uma vez que, além do desenvolvimento de tecnologias práticas, o ser humano produz discursos ideológicos que reafirmam estruturas sociais a fim de mantê-las e garantir que se dê continuidade à hierarquia social, que não inclui igualmente os grupos oprimidos e não proporciona espaço para a inserção política destes na sociedade.

A argumentação apresentada pretende pôr uma lente sobre o processo dialético subjetividade-objetividade (materialidade) proposto pela tradição marxista: às vivências de sofrimento e resistência de grupos oprimidos articulam-se elementos da conjuntura política econômica-social, articulação esta mediada pelas categorias estruturais de raça-sexo-classe conforme compreendido pela noção de consubstancialidade. Com vistas à apreensão deste processo, procedeu-se a uma pesquisa empírica relatada na sequência.

Estratégia de Investigação

Esta pesquisa, de caráter qualitativo e exploratório, teve como recorte amostral três dos grupos oprimidos existentes na sociedade atual, sendo eles: mulheres, negros e negras e a comunidade LGBTQIA+, sendo a autoidentificação a estes grupos um dos critérios de elegibilidade para participação na pesquisa. Além disso, as/os participantes são maiores de 18 anos e habitantes do município Santa Cruz/RN.

A amostragem se deu por conveniência (voluntárias/os acessíveis), a partir de divulgação e convite para participação por meio de cartazes virtuais em mídias sociais. Além disso, foi utilizada a estratégia bola de neve (quando participantes indicam novas pessoas para também integrarem a pesquisa). De acordo com Vinuto (2014), essa combinação (entre as estratégias de conveniência e bola de neve) é eficaz para pesquisar grupos difíceis de serem acessados, quando não há precisão sobre sua quantidade e quando objetiva-se estudar questões íntimas, de âmbito privado. Foi adotado o critério de saturação para indicar a finalização da coleta de dados, ou seja, quando os dados obtidos começam a se repetir e podem ser considerados suficientes para estabelecer semelhanças e especificidades entre os discursos.

Atingida a saturação de debates para um primeiro perfil (8 entrevistas realizadas), a pandemia da Covid-19 impossibilitou a expansão da coleta de dados para outros arranjos identitários (por exemplo, homens negros, população trans, outros recortes geracionais). Apesar de o convite para participação na pesquisa não ter sido direcionado inicialmente, diante da semelhança no perfil das/os primeiras/os participantes, pretendia-se fazer na sequência a divulgação intencional da pesquisa, mas as orientações de distanciamento social para garantir a segurança sanitária levou à interrupção das entrevistas.

Como instrumento para coleta de dados foi utilizada a entrevista semiestruturada, testada em uma entrevista piloto, contendo três questões disparadoras: situações de sofrimento vivenciadas pela vinculação pessoal a algum grupo oprimido, reivindicações relacionadas aos sofrimentos vivenciados relatados e formas de enfrentamento utilizadas. As entrevistas foram realizadas no Serviço Escola de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), com tempo médio de duração de uma hora e gravadas mediante autorização.

A análise das mesmas se deu por meio da audição repetida e transcrição das entrevistas, a fim de identificar aspectos comuns e específicos entre os grupos. Foram elaboradas categorias a partir de temas que emergiram dos discursos, analisadas à luz da literatura. A análise feita a partir dos relatos e objetiva compreender a dialética existente entre os diferentes eixos de opressão e resistência e como estes estão conectados, também, pelo sistema de exploração capitalista. Portanto, as questões subjetivas aqui abordadas devem ser enxergadas sob uma ótica unitária, uma vez que na materialidade não é possível segmentar e individualizar os processos de opressão, ainda que o sofrimento causado possua impactos incomensuráveis na experiência pessoal de cada ser.

Todo o processo de pesquisa foi analisado e aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa da instituição desenvolvedora. Por se tratar de uma pesquisa que trata de questões subjetivas complexas, como o sofrimento, foi necessário preparação e manejo dos pesquisadores para lidar com o desencadeamento de gatilhos, uma vez que participantes da pesquisa rememoram, em suas falas, situações de violência. Portanto, o acolhimento e o estabelecimento de vínculo foram fundamentais para que as entrevistas ocorressem sem maiores danos. Participantes da pesquisa receberam, ainda, orientações quanto à rede de apoio psicossocial disponível no município, caso desejassem.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As análises apreendidas a partir das entrevistas realizadas foram sistematizadas em três blocos de discussão: “E seu cabelo molha?” (com apresentação e caracterização de participantes), “Eu acho que por ser mulher a gente já vivencia isso todo dia” (que trata das situações de opressão vivenciadas) e “Teria que haver uma mudança social muito grande” (que aborda as reivindicações e estratégias de enfrentamento adotadas). Nestas categorias, buscou-se identificar relações entre tais vivências de sofrimento e resistência e o atual cenário sociopolítico.

“E SEU CABELO MOLHA?”

Em cada entrevista realizada foi pedido para cada participante escolher um codinome da flora brasileira visando a manutenção do sigilo e preservação das identidades ao mesmo tempo em que garante a autoidentificação na pesquisa, importante para o reconhecimento de cada respondente como sujeito ativo na construção do conhecimento. Os nomes escolhidos foram: Aroeira, Capim Santo, Copo de Leite, Flora, Lírio, Margarida, Rosa e Samambaia.

Todos os participantes têm idade entre 18 e 22 anos, apesar de não haver sido estabelecido nenhum recorte geracional na pesquisa (os cartazes foram divulgados por meio digital através das redes sociais, principalmente grupos de Whatsapp que conseguissem abranger a maior quantidade de pessoas e em diferentes idades).

Diante do maior envolvimento deste grupo etário com as mídias sociais digitais, a predominância de jovens nesta faixa etária também relaciona-se, dentre outros aspectos, ao maior potencial da juventude de reconhecer, de forma mais objetiva, as opressões sofridas assim como maior abertura para compartilhamento de suas experiências. É verdade que o protagonismo juvenil faz parte da história recente do país (a exemplo de sua participação no movimento pelas Diretas Já em 1984 e o movimento dos Carapintadas em 1992, que lutavam por ética na política que resultou no impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello), mas não se pode desconsiderar o papel do avanço da pauta dos Direitos Humanos no Brasil a partir dos anos 2000, como explica Duarte (2017). Com isso, temas como racismo, lgbtfobia e machismo são menos permeados por tabus entre a população jovem enquanto, em um processo de íntima articulação entre subjetividade/objetividade já aludido, há mais resistência entre as gerações anteriores em identificar suas vivências como situações de opressão (tratando-as, muitas vezes, como circunstâncias naturais e legais), assim como, em reconhecer e publicizar sua autoidentificação.

A caracterização de participantes, além da idade, envolveu a autoidentificação com algum (ou mais de um) dos grupos oprimidos aqui estudados: três (3) entrevistadas se identificaram como mulher negra LGBTQIA+, duas (2) como mulher negra, dois (2) como homem LGBTQIA+ e uma (1) como mulher LGBTQIA+. Ficou patente a noção de consubstancialidade (Kergoat, 2010), a partir deste dado: os distintos arranjos obtidos a partir da articulação entre sexo, gênero e raça expõem a diversidade e dinamicidade das situações de sofrimento e estratégias de resistência (que serão abordadas na sequência).

Vale demarcar que, por definição metodológica, optou-se por excluir a autoidentificação em classe social, o que não invisibilizou o debate já que se fez presente nos relatos durante as entrevistas.

Um último aspecto caracterizador das/os participantes que merece reflexão diz respeito ao local de residência. O recorte geográfico adotado limitou a amostra à habitantes do município de Santa Cruz, por conveniência da equipe de pesquisa. Considerado de médio porte (com população aproximada de 40 mil habitantes), localiza-se no interior de um estado do Nordeste brasileiro, cujo principal marcador identitário é de âmbito religioso (o município é destino de turismo religioso, tendo mais de 100 mil pessoas acompanhando a procissão no dia da padroeira). Essa conjunção entre os âmbitos interiorano, nordestino e religioso faz com que práticas e valores conservadores estejam profundamente arraigados no cotidiano da cidade. Se por um lado, os dados aqui obtidos podem limitar sua generalização para contextos semelhantes, por outro lado, o município compartilha os elementos estruturantes da sociedade brasileira, a saber: capitalista dependente, neoconservador e desigual socialmente.

“EU ACHO QUE POR SER MULHER A GENTE JÁ VIVENCIA ISSO TODO DIA”

Diante das entrevistas realizadas foi possível perceber um cruzamento nas narrativas, evidenciando aspectos universais entrelaçados com os aspectos singulares da existência de cada indivíduo. É notório o quanto as condições históricas e socioculturais operam de maneira semelhante quando o assunto é opressão. Apesar de se identificarem com grupos diferentes, as situações que foram relatadas por participantes conseguem expressar o caráter estrutural da opressão, enraizada e reproduzida pelo Modo de Produção Capitalista, conforme explica Barroso (2018): “o capitalismo depende do patriarcado e do racismo, não como mero detalhe, e a indissociabilidade entre as determinações de sexo/gênero, étnico raciais e de classe se fundam nas relações sociais capitalistas.”

Entre as situações de opressão relatadas, nota-se uma linearidade nos discursos das mulheres entrevistadas. Nos relatos, foram frequentes falas sobre a cobrança de uma “feminilidade” desde cedo, a partir da regulação constante de comportamentos e, principalmente, sobre os comentários e olhares constrangedores que a falta desta gera, como relatado pela entrevistada Aroeira: “eu costumo usar roupa masculina e eu tava com o cabelo meio curtinho e eu tava passando no ponto de mototáxi, aí o mototáxi disse “que diabo é isso? Quer ser homem é?”

Esta pauta foi ilustrada por relatos semelhantes de situações como o assédio em suas várias facetas: ‘eu acho que por ser mulher a gente já vivencia isso todo dia” (Aroeira).

Vale ressaltar aqui o relato das mulheres negras, que passam pelo crivo da opressão racista que estreita muito bem as suas relações com a estrutura social sexista. Os discursos trazem nuances do lugar que a mulher negra ocupa no imaginário social, um lugar marginalizado em que os corpos são vistos como objetos para a satisfação da hegemonia branca. As situações relatadas revelam o estigma da mulher negra, enquanto empregada doméstica, como ilustrado pela fala: “Já aconteceu de perguntarem se eu era a babá das crianças no espaço que eu tava de convivência” (Flora).

Também esteve presente a constante referência ao corpo sexualizado de mulheres negras, que permanece até hoje e continua sendo reproduzido, como expressado no relato de Copo de Leite:

Em relação a ser mulher e negra por exemplo, eu vejo que a gente é, não sei, é muito olhada como essa coisa de carne, “ah, sua cor é bonita, você é uma mulata bonita, ah eu acho bonita uma mulher morena mais gostosa” SEMPRE ligada a essa coisa da carne, do sexo.

Atrelado a isso, Margarida ainda revela o racismo relacionado ao cabelo afro em situações que causam constrangimento e violam a existência dessas mulheres. Ela diz:

sempre que to andando na rua e de cabelo solto eu já prestei atenção nisso, de vez em quando atrai alguns olhares assim meio esquisito né” e “uma criança olhou e disse assim: seu cabelo é peruca? é aplique? e eu falei: não é meu cabelo mesmo.

Angela Davis (2016) retrata a origem racista dessa visão: “a simbólica libertação dos escravos nada mudou na posição de exploração que estes ocupavam na sociedade”. Às mulheres negras foi reservado, em sua grande maioria, os espaços dos serviços domésticos extremamente precarizados e que reproduzem as relações do sistema escravista. Os abusos sexuais e a sexualização do corpo da mulher negra também foram conservados mesmo depois do advento da abolição. A autora afirma que a população negra ainda é vista como propriedade e que “a definição tautológica de pessoas negras como serviçais é, de fato, um dos artifícios da ideologia racista” (p. 102).

Participantes identificados com o grupo LGBTQIA + trouxeram nos relatos os sofrimentos vivenciados nos espaços públicos, principalmente relacionados à aparência, o que inclui a forma de se vestir, corte de cabelo etc., como ilustra a fala de Lírio: “eu gosto de futsal, eu gosto de atletismo, faço as coisas, eu vejo que me desvalorizam muito por causa da minha sexualidade”.

Os comentários citados costumeiramente invocam elementos religiosos, como mencionado: “Uma mulher me viu e se benzeu e disse ‘Sangue de Jesus tem poder’” (Capim Santo).

Por vezes, as situações de opressão também fazem referência ao atual Presidente da República, como recurso de ameaça a existência dessas pessoas, sendo perceptível pelas/os entrevistadas/os o aumento, nos últimos cinco (5) anos, de ataques aos grupos os quais se identificam: “o cenário político só ajuda mais ainda nessas situações, principalmente a gente… [...] Só em saber que votou em Bolsonaro… Não tem mais segurança, eu não me sinto mais segura” (Samambaia). ‘Eu tava indo de longe, de repente passa um cara na moto e grita ‘Bolsonaro vem aí’” (Capim Santo).

Conforme os relatos coletados, a escalada da violência, antes ofuscada, nos últimos tempos encontraram terreno fértil nos discursos conservadores e liberais que ganharam e ganham espaço cada vez mais, respaldando, legitimando e estimulando, assim, uma onda de ataques não só contra os grupos oprimidos analisados neste presente artigo, mas também contra a existência de diversos outros grupos (Silva, França, & Maciel, 2020).

Percebe-se que a conjuntura político-econômica-social neoconservadora no Brasil tem ganhado corpo institucional, indo além de discursos e práticas privadas. O próprio Estado tem promovido políticas e estratégias voltadas para manutenção da exploração e opressão desses grupos na sociedade. Apesar das especificidades do contexto atual, o mesmo não se configura como completa inovação guardando elementos de continuidade: há 100 anos Lênin já apontava o Estado capitalista como uma extensão da classe dominante, sendo este um instrumento a serviço da burguesia, por meio da regulação da propriedade privada, do trabalho assalariado e do uso da repressão violenta através da estrutura militar (Bichir, 2017).

Assim, com o avanço do conservadorismo no cenário da política brasileira, nota-se a institucionalização da barbárie, através da normalização de discursos que atacam diretamente a classe trabalhadora e, sobretudo, os grupos abordados nesta pesquisa.

“TERIA QUE HAVER UMA MUDANÇA SOCIAL MUITO GRANDE”

Neste processo, direitos são negados e violências de diversas ordens perpassam a construção da subjetividade, direcionando assim a sua própria forma de existir. Por isso, as principais reivindicações apresentadas pelas/os participantes ecoam por entre moldes que não lhes cabem, fazendo com que não encontrem motivos para fazer parte desta sociedade, só lhes restando a emancipação. Neste sentido, as falas mencionam reivindicações que ocupam o longo espectro que vai da visibilidade e valorização individual, sem recair na falsa ilusão (material ou simbólica) de fazer parte do sistema estruturalmente normatizador, até o reconhecimento da necessidade de operacionalização de todas as pautas em conjunto, contra a opressão imposta pelo sistema:

Todas as pautas elas são igualmente importantes de serem discutidas, de tentar… E estão os 3 juntos, eu sei que se eu conseguir reivindicação de uma pauta e não conseguir pra outra não vai ter jeito porque eu ainda vou ter determinados sentimentos quando passar por algumas situações. (Samambaia)

Em trechos como estes fica explícita a ideia de que as vivências subjetivas relatadas se entrelaçam intrinsecamente com aspectos sociopolíticos e econômicos estruturais e, portanto, precisam ser combatidas também de forma articulada. Como nos lembra Davis (2017, p. 22), “as raízes do sexismo e da homofobia se encontram nas mesmas instituições econômicas e políticas que servem de base para o racismo [...] Nosso ativismo político deve expressar evidentemente nossa compreensão dessas relações”. Assim, sem indicar etapismo, somente a superação do sistema capitalista-patriarcal-racista possibilita a emancipação humana.

No que concerne às estratégias de enfrentamento, foram citados processos individuais bastante diversos: enquanto uma parte aponta iniciativas voltadas à discussão do tema e tomada de consciência, outra parcela de participantes tenta ignorar as ações de opressão, com relatos de não reação a situações de opressões vivenciadas.

Aos recursos de caráter individual, como acompanhamento psicológico, espaço de suporte para as angústias e aflições consequentes das situações opressivas, podem se somar às estratégias grupais, como participação em coletivos, grupos de estudo sobre a temática e a partilha de experiências com amigos e pessoas próximas. Também foi citada a importância de iniciativas institucionais, como investimento em educação e denúncias contra práticas políticas que cumprem papel genocida em relação à população negra e negam-lhe direitos já assegurados.

Eu acho que educação é a melhor saída, na minha opinião, apesar de que pra isso acontecer teria que haver uma mudança social muito grande [...] quando a gente luta e tem o Estado e uma série de coisas que tem poder institucional pra mudar isso e eles procuram fazer isso eu acho que a coisa muda. (Rosa)

Se a nova onda conservadora tem provocado efeitos nas realidades objetiva e subjetiva, as tentativas reais de confrontação de sua lógica devem envolver tanto lições extraídas de experiências subjetivas quanto articulações em nível macro, que superem as lutas individuais e fragmentadas em pautas específicas. Não se pode negar que as formas de resistência individuais são essenciais no processo de acolhimento das vivências de sofrimento, com potencialidade para fortalecer formas de pensar e agir que atuem como mecanismos de resistência, individuais e coletivos. Contudo, como afirmam Algebaile e Oliveira (2020), a superação radical dos sistemas opressivos e de exploração só se torna possível pela compreensão das mediações que estruturam a sociedade e dos processos que levam a eventos destrutivos, compreensão esta necessariamente articulada à organização coletiva, que pressione escolhas políticas e econômicas capazes de disputar um futuro distinto para a humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo proposto parte da assertiva de que são diversas as opressões vivenciadas diante da conjuntura atual. Em se tratando de Brasil, cuja formação social é subordinada ao contorno de capital mundial monopolizado, o conservadorismo opera de maneira particular, já que importa valores e ideais de outros países, sobre os quais operam mutações a partir da realidade concreta, as quais resultam na “intensificação das tonalidades mais à direita do conservadorismo, aproximando-o de ideias ao sabor dos reacionários” (Souza, 2015, p. 8).

Um apanhado geral da pesquisa revela a participação predominante da juventude na realização deste debate; a complexidade das situações de sofrimento e estratégias de resistência diante dos distintos arranjos entre sexo, gênero e raça; os estereótipos postos em prática como a “feminilidade” exigida em mulheres, a frequência do assédio, a exploração econômica e sexual do corpo da mulher negra; a argumentação religiosa e/ou institucional para legitimar opressões publicamente. Tais circunstâncias são essenciais para contextualizar o caráter estrutural da situação em que vivem certos grupos oprimidos, por meio deste debate, revelam-se como os aspectos universais se entrelaçam com as experiências subjetivas, e o quanto as condições sócio-históricas operam nas vivências de sofrimento e, portanto, apontam para a necessidade de articulação das pautas e da implementação de estratégias de enfrentamento de diversas ordens, como mencionado no eixo três de apresentação dos resultados.

Neste sentido, torna-se fundamental seguir com a reflexão dialética de que a realidade subjetiva é também parte da realidade material e vice-versa, em uma relação em que partes e todo estão interligados e precisam ser levados em consideração no desenvolvimento de qualquer análise crítica. Compreender os impactos diretos e indiretos que o Estado e, especificamente, o contexto da política brasileira atual, exercem na forma de viver de cada sujeito é tarefa imprescindível para romper com a perpetuação da opressão, dominação e exploração dos grupos estudados. Tal parece ser o caminho para a retratação das diferentes formas de resistências e lutas contra hegemônicas, tendo como horizonte formas de emancipação humana.

Importante ressaltar que o presente estudo foi atravessado pela pandemia da Covid-19. Para além das implicações metodológicas já aludidas (como a necessidade de interrupção das entrevistas visando seguir as orientações de distanciamento social oriundas dos órgãos de saúde), o período da pandemia pelo novo coronavírus tem evidenciado ainda mais as desigualdades sociais, de gênero/sexo e raça, e a urgência de se pensar um modo de superação. Faz-se necessário refletir sobre questões subjetivas para além de uma “psicologização” de sujeitos, tendo em vista que o Modo de Produção Capitalista perpetua a individualização de processos coletivos, impossibilitando o rompimento radical com as formas de opressão que estrutura.

Argumenta-se, portanto, que a vulnerabilidade às opressões não reside em atributos individuais, mas por expressarem em suas singularidades os antagonismos sociais de classe, raça, etnia ou gênero. Costa e Mendes (2020) são precisos em afirmar que

as saúdes [...] mais sofridas, mesmo que incolores, refletem as cores das carnes mais baratas do mercado; apesar de agêneras e assexuais, espelham a venalidade de uma ideologia de gênero heteronormativa de base patriarcal; e imbricado a tudo isso, no aclassismo da subjetividade, a classe se faz sofrimento.

Não há dúvidas de que as vivências subjetivas de opressão têm sido forjadas em um contexto de recrudescimento do conservadorismo político, econômico e cultural. Resta conhecê-las e, partindo da materialidade vivida, conhecer suas reivindicações e participar da construção das articulações e estratégias de enfrentamento necessárias. Ademais, fazer ecoar o debate com vistas ao fortalecimento das resistências e superação da lógica estrutural que estão em suas raízes.

Financiamento

Não houve financiamento

Consentimento de uso de imagem

Não se aplica.

Aprovação, ética e consentimento

Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi/Universidade Federal do Rio Grande do Norte

1O uso da expressão LGBTQIA+ pretende envolver toda a gama de diversidade sexual humana (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais), inclusive aquelas ainda não identificadas ou rotuladas (por isso o uso do +).

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Recebido: 05 de Fevereiro de 2021; Revisado: 22 de Maio de 2023; Aceito: 04 de Agosto de 2023

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