Psic: revista da Vetor Editora
ISSN 1676-7314
Psic v.8 n.1 São Paulo jun. 2007
ARTIGOS
Diferentes sistemas de aplicação e interpretação do Teste gestáltico Visomotor de Bender
Evaluation's systems and interpretation of the Bender Visualmotor Gestalt Test
Sistemas diferentes de aplicación e interpretación del Test Gestáltico Visual-motor de Bender
Maria Lúcia Tiellet Nunes I, *; Roselaine Berenice Ferreira I, **; Fernanda Lopes ***
I Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RESUMO
Este artigo propõe uma revisão teórica a respeito dos sistemas de correção e interpretação do Teste Gestaltico Visomotor de Bender, tanto a nível nacional como internacional. Ao mesmo tempo, serão brevemente discorridos os estudos com o instrumento, demonstrando tentativas de validação ao mesmo. Foi consultada a literatura a respeito do tema e concluiu-se acerca da diversidade de sistemas existentes na correção do Bender. A preocupação das autoras diz respeito ao fato dos profissionais estarem atentos a não incorrerem no erro de sobrepor estes mesmos sistemas, já que possuem propostas diferentes para avaliar o mesmo fenômeno.
Palavras-chave: Teste Bender, Testagem psicológica, Instrumentos psicológicos.
ABSTRACT
This article considers a theoretical revision regarding the systems of correction and interpretation of the Bender Visualmotor Gestalt Test, as much the national level as international. At the same time, briefly the studies with the instrument will be discoursed, demonstrating validation attempts the same. Literature regarding the subject was consulted and was concluded concerning the diversity of existing systems in the correction of the Bender. The concern of the authors says respect to the fact of the professionals to be intent not to incur into the error to overlap these same systems, since they possess different proposals to evaluate phenomenon the same.
Keywords: Bender Test, Psychological tests, Psychological instruments.
RESUMEN
Este artículo propone una revisión teórica sobre los sistemas de corrección e interpretación del Test Gestáltico Visual-motor de Bender a nivel nacional e internacional. Al mismo tiempo, serán abordados brevemente los estudios con el instrumento, mostrando tratativas de validarlo. Fue consultada la literatura del tema y se concluyó sobre la diversidad de sistemas existentes en la corrección del Bender. La preocupación de las autoras se refiere al hecho de que los profesionales deben estar atentos y no cometer el error de combinar estos diferentes sistemas, ya que poseen diferentes propuestas para evaluar el mismo fenómeno.
Palabras clave: Test de Bender, Instrumentos psicológicos.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma visão geral acerca dos diferentes sistemas de aplicação e interpretação do Teste Gestáltico Visomotor de Bender1.
O Conselho Federal de Psicologia, a partir de 2001 (CFP 2001, 2003), na intenção de incentivar a criação de novos instrumentos e de atualizar os já existentes, restringiu o uso de testes que não atendiam aos requisitos mínimos da Comissão Consultiva nomeada pelo CFP. Dentre tantos instrumentos, o Bender foi avaliado quanto aos critérios de validade, sendo, portanto, restringido o seu uso, preocupando muitos profissionais que faziam uso freqüente dele. Além disso, os próprios cursos de Psicologia que possuíam programas específicos de disciplina para ensiná-lo, tiveram que reformular suas grades curriculares.
Criado em 1938 por Lauretta Bender com objetivo de verificar a maturação perceptomotora de crianças, o teste teve sua primeira publicação em 1946. Posteriormente, começou a ser utilizado por outros autores com diversos propósitos: como instrumento projetivo por Clawson (1959) e Hutt (1969), como instrumento para avaliar maturidade para aprendizagem e fazer diagnóstico de lesão cerebral por Koppitz (1989), e como auxílio no diagnóstico diferencial por Pascal e Suttel (1951), entre outros.
A diversificação dos métodos de aplicação e interpretação do Bender é tão grande quanto os esforços clínicos e de pesquisa para validação do teste. Considerando a importância deste instrumento, descrevemos oito sistemas de utilização que consideramos mais conhecidos, estudados e utilizados nacional e internacionalmente.
Sistema Lauretta Bender
O objetivo original do Bender, construído por Lauretta Bender em 1938, mas publicado em 1946, era verificar a maturação perceptomotora da criança. Em outras palavras, seria observar de que forma surgem geneticamente as gestalts nas crianças e quais os processos de maturação envolvidos. A finalidade da autora foi entender que tipos de erros poderiam ocorrer na percepção de um estímulo dado (as figuras do teste) e se estes seriam decorrentes de distúrbios a nível cerebral ou de imaturidade para perceber e reproduzir corretamente.
A autora construiu o teste tendo como referência uma série de 30 desenhos elaborados por Wertheimer em 1923, que na época estudava sobre percepção visual e analisou desenhos infantis com foco na inteligência a partir do nível de maturação neurológica nas reproduções gráficas.
Bender selecionou nove figuras que considerou importantes para avaliar a forma como o indivíduo percebe (visopercepto) e reproduz (motora) uma série de estímulos. Os desenhos A, 3, 7 e 8 eram muito parecidos com os de Wertheimer, mas os demais foram adaptados pela autora. Seu método de aplicação consistia em pedir aos sujeitos que copiassem os desenhos, e não somente descrevessem, como fazia Wertheimer.
Bender não sistematizou formas de correção e avaliação das respostas; ou seja, não forneceu um sistema objetivo de pontuação para o teste. Porém, em um de seus estudos (1938), ela aplicou o teste em uma amostra de 800 crianças, com idades entre 3 e 11 anos, e demonstrou a evolução dos desenhos feitos por elas, elaborando um quadro com as respostas típicas em cada faixa etária. Avaliando-os de forma qualitativa, ela afirmou haver relação entre a idade cronológica e a maturação neurológica, sendo que somente após os 11 anos de idade os desenhos do teste foram reproduzidos praticamente sem erros.
Realizou pesquisas aplicando Bender em adultos (1938), principalmente os que tinham lesão cerebral orgânica, esquizofrenia, psicose e deficiência mental, utilizando o teste como instrumento de avaliação clínica.
Outros estudos realizados pela autora mostraram que sujeitos com diferentes tipos de afasias e apraxias, provenientes de lesões em áreas específicas do cérebro, cometeram erros de movimento e percepção dos estímulos do Bender. Estes mesmos sujeitos, após tratamento neurológico, demonstraram melhora na reprodução dos desenhos, não mais cometendo os erros que haviam cometido na primeira testagem. Bender, desta forma, enfatizou que o sujeito reage ao estímulo dado pelo ato motor conforme suas possibilidades maturativas.
Sistema Koppitz
O método criado por Koppitz (1961/1989) teve como objetivo principal fazer uma escala de maturação visomotora infantil. Construiu 20 categorias de pontuação e realizou estudos com objetivo de avaliar, além da percepção visomotora, desempenho escolar, construto emocional e fazer diagnóstico de lesão cerebral. Seu sistema de pontuação e análise de possíveis comprometimentos neurológicos é o mais aceito e utilizado pelos psicólogos brasileiros, em casos de avaliação infantil. Ela possibilitou a normatização do instrumento, aplicando-o em 1100 crianças entre 5 e 10 anos.
Koppitz considera que princípios biológicos e de ação sensório-motriz são determinantes para a reprodução das figuras gestálticas do Bender. Para ela, estes princípios variam conforme o padrão de desenvolvimento e nível maturacional da criança e, também, conforme o estado patológico funcional ou possíveis disfunções orgânicas. A autora estudou o teste analisando os tipos de erros de acordo com a idade da criança, categorizando num sistema de pontuação. Assim, tornou-se mais fácil diferenciar tipos de erros provenientes de imaturidade neurológica, ou seja, dificuldades visomotoras (naquela idade a criança ainda não está "pronta" para reproduzir aquela figura com perfeição); ou por dificuldades provenientes de lesões cerebrais.
A forma de aplicação é individual. A criança deve sentar-se confortavelmente frente a uma mesa onde estejam colocadas duas folhas de papel, um lápis e uma borracha, sendo que esta última não deve ser estimulada e nem impedida de ser usada. Os nove cartões são mostrados à criança, um de cada vez, e é pedido que ela os copie, um a um, fazendo o mais parecido que conseguir com o desenho do cartão. Não há tempo limite para a realização da tarefa. Caso a criança faça alguma pergunta, as respostas devem ser neutras e seu comportamento deve ser observado e anotado.
O sistema de pontuação de Koppitz classifica a presença ou a ausência de indicadores orgânicos, alem de apontar a partir de qual idade estes erros são significativos ou altamente significativos para lesão cerebral. Os demais erros são considerados indicativos de imaturidade, comparados à idade cronológica da criança.
A avaliação é dicotômica, sendo que todos os itens são pontuados com escore "um" ou "zero", considerando um ponto para presença de desvios bem definidos e pontuação zero quando não há desvios. Em caso de dúvida não se pontua e os desvios menores são ignorados, já que a Escala de Maturação de Bender2 é destinada a crianças com um controle motor ainda imaturo.
Todos os pontos são somados formando um escore total que pode ser no máximo de 30 pontos. Estes são distribuídos ao longo das nove figuras do teste, sendo priorizados os quatro itens a seguir:
1 - Distorção de forma: consiste em distorcer os aspectos estruturais do desenho, como omitir ou acrescentar ângulos, achatar ou desenhar as figuras desproporcionalmente quanto ao seu tamanho e desenhar pontos sem precisão.
2 - Integração (ou desintegração): perda da configuração da figura por separação ou superposição exagerada das subpartes; omissão, acréscimo ou substituição de elementos; ou modificação dos aspectos estruturais da figura.
3 - Rotação: alteração de 45º ou mais no eixo da figura, modificando a orientação do desenho em relação ao estímulo.
4 - Perseveração: aumento do número de elementos desenhados em relação à figura estímulo apresentada.
Após analisadas essas categorias em todas as nove figuras desenhadas, o escore total é calculado e a tabela de Koppitz é consultada para ver se a criança em questão está com maturação visoperceptomotora compatível, abaixo ou acima de sua idade cronológica.
Koppitz realizou também estudos com o Bender com objetivos de avaliar maturidade para aprendizagem; predizer desempenho escolar; diagnosticar problemas de leitura e aprendizagem e até avaliar dificuldades emocionais, sendo este último analisado somente após descartar possíveis problemas orgânicos (Koppitz, 1989). A seguir, são resumidos alguns dos principais estudos.
Estudo 1 - objetivo de verificar se o Bender esta relacionado ao desempenho escolar. A amostra inicial foi de 77 crianças em idade escolar (6 anos e 4 meses a 10 anos e 8 meses) com inteligência normal, dividida em 36 crianças com dificuldades escolares e 41 sem estas dificuldades. A análise destas respostas se deu às cegas, por juízes avaliadores, demonstrando concordância nos resultados. Foram encontradas sete categorias significativas das 20 totais já demonstradas por Bender, demonstrando que as 13 restantes não estão associadas com desempenho escolar (Koppitz, 1989).
Estudo 2 - objetivo principal era verificar a capacidade de o Bender ser instrumento de avaliar indicadores emocionais. A intenção da autora foi desenvolver a possibilidade de uso do Bender como teste projetivo. A amostra consistiu de 51 crianças em idade escolar (6 anos e 4 meses a 10 anos e 8 meses) com inteligência normal, sendo 31 com baixo rendimento escolar e problemas emocionais e 20 com alto rendimento escolar e, aparentemente, sem transtornos emocionais. Uma ressalva feita a este estudo se faz no sentido de questionar esse método de seleção da amostra, em função de que não há clareza quanto aos critérios diagnósticos utilizados. Contudo, alguns resultados foram obtidos, relacionados às mudanças quanto à forma de correção, ou seja, na Figura 1, o item perseveração deveria somar mais que 5 pontos (e não mais 3, como era inicialmente). Já na Figura 2, igualmente, o item perseveração foi substituído para a contagem de número de círculos e não mais de colunas, como era no sistema inicial proposto (Koppitz, 1989). Portanto, este estudo proporcionou mudanças no sistema de correção do teste.
Estudo 3 - objetivo: analisar maturação visoper-ceptomotora. Foi o estudo que padronizou e normatizou a correção do teste. Amostra inicial = 1104 crianças em idade escolar (5 anos a 10 anos e 11 meses) com inteligência normal. A amostra foi coletada em escolas públicas do centro-oeste e leste dos Estados Unidos. Análise dos resultados: o Bender discrimina crianças acima e abaixo da média até 8 anos; aos 9 anos a maioria executa sem erros sérios; abaixo de 7 anos identifica crianças imaturas e brilhantes; acima de 8 anos identifica maturação visomotora, imatura ou defeituosa. Uma ressalva: Koppitz padronizou e normatizou o teste, mas não comprovou construto visomotor neurológico porque só aplicou o teste em amostra de crianças escolares, não identificando se tinham dificuldades ou problemas neurológicos (Koppitz, 1989).
Estudo 4 - análise da fidedignidade do Bender, usando o sistema de teste-reteste. Amostra inicial = 339 crianças. Nesse estudo, não encontramos a especificação da idade das mesmas. O intervalo de tempo entre uma aplicação e outra foi em torno de 4 a 6 meses. Análise dos resultados: todos os protocolos foram pontuados às cegas, sem conhecer o resultado prévio ou posterior do sujeito, nem sua idade. Koppitz afirma sobre a capacidade preditiva do Bender, pois os resultados se mantiveram no decorrer do tempo, ou seja, crianças com bom desempenho mantinham-no na fase de retestagem. Também foi possível detectar, nesse estudo, que nas idades entre 6 e 7 anos, a criança, inicialmente, apresentava uma produção pobre no Bender, sendo que, na retestagem, sua produção aumentava. Este fato possibilita pensar que algumas crianças parecem madurar mais lentamente que outras, sendo que podem produzir um Bender imaturo no início da primeira série, podendo amadurecer na sua percepção visomotora no decorrer do ano letivo, tendo um escore bom no Bender até o final do ano (Koppitz, 1989).
Estudo 5 - o objetivo de Koppitz era diferenciar o Bender de crianças com inteligência normal de crianças que apresentariam algum comprometimento intelectual. Assim, correlacionou o teste com um instrumento de inteligência (WISC), realizando a análise da validade de critério. Amostra inicial = 264 alunos de classe regular e 36 de classe especial (5 anos a 10 anos e 11 meses), sendo 36 crianças deficientes (QI= 50-75). Análise dos resultados: Bender não é teste de inteligência, mas apresenta correlações com alguns aspectos do WISC, como a memória, a percepção e a integração das partes. (Koppitz, 1989).
Estudo 6 - objetivo: verificar o uso do Bender no diagnóstico de lesão cerebral. Amostra inicial consistiu em 384 crianças de 5 anos a 10 anos e 11 meses com inteligência normal, sendo 103 com diagnóstico de lesão cerebral e 281 sem esse diagnóstico. Análise dos resultados indicou que o Bender verifica a possibilidade de lesão, pois discriminou os dois grupos; no entanto, 67 sujeitos do grupo controle tiveram escore baixo no Bender. A partir desses resultados, Koppitz lança outras hipóteses, comprovando que os erros no Bender podem ser advindos de dificuldades de ordem emocional ou de imaturidade neurológica. Sendo assim, a autora diferencia quais erros são significativos de lesão cerebral para cada idade (Koppitz, 1989).
Sistema Clawson
Aileen Clawson (1959) teve como principal objetivo utilizar o Bender como um instrumento projetivo, analisando possíveis dificuldades emocionais. A autora considera os aspectos do desenvolvimento normal da função visomotora em todas as faixas etárias e apenas analisa as questões emocionais após descartar qualquer possibilidade de problemas orgânicos.
Em seu estudo, comparou desenhos do Bender reproduzidos por crianças em desenvolvimento normal e em crianças perturbadas emocionalmente, com idades entre sete e doze anos, e foram notadas diferenças significativas. No entanto, a autora ressalta que, assim como outros testes projetivos, o Bender deve ser utilizado dentro de uma bateria de testes para se chegar com maior segurança ao diagnóstico.
A forma de aplicação deve ser feita de forma individual e a criança deve estar à vontade para realizar a tarefa. Não é recomendada uma atmosfera formal de avaliação, mas sim a criança deve ser encorajada a conversar sobre as figuras e se sentir livre para desenhá-las. Segue o modelo de Koppitz, solicitando que a criança copie, um a um, os desenhos apresentados.
O que acrescenta ao modelo de Koppitz é que Clawson solicita à criança que fez rotações grosseiras a desenhar novamente as figuras que rotou após concluir o teste em uma nova folha. O objetivo é avaliar o quão inflexíveis possam ser os seus aspectos perceptuais. A autora enfatiza que todos os movimentos devem ser registrados, pois, se a intenção do teste é compreender a organização da personalidade da criança, o seu comportamento frente ao estímulo é um dado muito importante na integração dos resultados. A autora sugere, ainda, que seja feito um reteste após uma semana, principalmente se o primeiro protocolo tiver muitos desvios.
Além da aplicação padrão, Clawson cita que clínicos têm encontrado dados úteis para o diagnóstico em uma segunda administração do teste com instruções modificadas em três variações: memória imediata - a criança reproduz novamente os desenhos que lembrar; elaboração - a criança desenha combinando ou alterando as figuras; e associações - a criança olha os cartões e diz com o que eles se parecem ou o que eles lembram.
A forma de correção proposta por Clawson é interpretativa e analisa os seguintes aspectos:
1. Aspectos Gerais ou Fatores Organizacionais: maneira como as figuras são distribuídas na folha. Inclui as seguintes questões:
- Seqüência: rígida, ordenada, irregular, confusa ou figura A no centro.
- Coesão na página: tendência de topo, de borda ou de base.
- Uso do espaço branco: expansivo, múltiplas páginas ou papel girando para posição horizontal.
- Modificação do tamanho da figura: aumentado, diminuído ou irregular.
2. Modificações da Gestalt:
- Fechamento: Satisfatório, lacunas, trespasse, separação, penetração, absorção ou deslocamento.
- Simplificação: Círculos, traços, vírgulas ou laçadas por pontos ou uso de arcos em vez de ângulos.
- Rotação: No sentido do ponteiro dos relógios ou no sentido contrário ao do ponteiro dos relógios.
- Mudança na curvatura: Aumentada, diminuída ou satisfatória.
- Mudança na angulação: Satisfatória, aumentada, diminuída, ambas ou arqueada.
3. Métodos de trabalho:
- Ordem e direção: esquerda-direita ou direita-esquerda.
- Rasura: Risco ou uso da borracha.
- Repassamento: Repassar linhas ou pontos.
- Tempo: A variação normal é de 7 a 15 minutos de execução.
- Pressão do lápis: forte, fraco.
- Qualidade da linha: Satisfatória, quebrada, esboçada, trêmula, repassada.
É importante lembrar que Clawson utilizava este levantamento qualitativo e interpretativo somente após descartar qualquer possibilidade de questões orgânicas envolvidas.
Sistema Hutt
O trabalho de Max Hutt iniciou na década de 40, concomitantemente ao trabalho de Lauretta Bender. Contudo, foi a partir dos anos 60 que criou um sistema de correção intitulado de Escala de Psicopatologia (1960), juntamente com outro pesquisador da época, Briskin. Esta escala ficou conhecida como o sistema de Hutt-Briskin, sendo que, vinte mais tarde, Lacks (1984) adaptou, novamente, o instrumento (Hutt, 1998). Atualmente, os profissionais trabalham com o sistema Lacks de correção, do método Hutt-Briskin.
Todavia, o sistema de Hutt (1969/1998) utiliza uma análise projetiva, embasada em pressupostos psicanalíticos, na avaliação de adultos. A adaptação Hutt do Bender vai além das leis gestálticas de percepção; busca entender tanto o processo envolvido na reprodução dos desenhos, como o produto final. Seu foco é compreender o comportamento do indivíduo; suas necessidades, conflitos e defesas; a força do ego, personalidade e a maturidade emocional. Sendo assim, este autor enfocou o pensamento da Escola de Berlim que trabalha com o conceito de percepção, não somente como o ato de perceber um estímulo externo, mas como o ato do sujeito colocar seu modo interno de perceber este mesmo estímulo.
Seu enfoque busca evidências do desenvolvimento perceptivo e motor e também da natureza dos fenômenos projetivos e os efeitos dos traumas psicológicos no comportamento humano. O objetivo do autor é compreender o funcionamento global do indivíduo; procurando descrevê-lo e até mesmo predizer alguns aspectos significativos do seu comportamento em situações definidas.
Assim como Lauretta Bender, Hutt (1969/1998) desenvolveu um jogo de nove figuras muito similares às de Wertheimer. Ele considerou que a adaptação de Bender simplificou alguns traços gestálticos, por isso seguiu de forma mais fidedigna as figuras originais. Os cartões editados por Hutt diferem dos de Bender, nos seguintes aspectos: o traçado dos desenhos apresenta uma linha mais firme e bem definida do que os desenhos expressos nos cartões originais de Bender; os pontos da Figura 1 são mais arredondados do que os de Bender; já as curvas das figuras de Hutt apresen-tam mais ângulos que os originais de Bender, sendo nesta, mais arredondadas.
A administração do teste foi padronizada em fase da cópia, fase de elaboração e fase de associação. Na primeira, a tarefa dada ao sujeito era de que ele deveria reproduzir os desenhos a mão, sem uso de nenhum elemento mecânico de ajuda, como régua. O autor considera que esta tarefa aparentemente simples envolve tanto o comportamento visual como o motor, não só na reprodução dos desenhos, mas também na percepção deles no cartão de estímulos, resultando em um "todo integrado" (Hutt, 1998, p.12). Na fase de elaboração é solicitado que o sujeito modifique os desenhos, fazendo do modo que mais lhe agrade. Hutt considera que esta fase ajuda o sujeito a se expressar de forma mais livre. Na fase de associação se mostra ao sujeito cada desenho da 1º e 2º fase, perguntando o que lhe recorda cada uma delas. Todos os comportamentos durante as três fases do teste devem ser anotadas pelo avaliador.
Hutt propõe, ainda, um reteste, que seria pedir ao examinando que reproduza, de memória, os desenhos copiados anteriormente. Além disso, introduziu o teste dos limites, sendo um procedimento que se solicita ao sujeito que ele refaça as figuras que não foram copiadas corretamente. Em 1945 o autor sugeriu a possibilidade de administração em grupo, mas enfatizou que desta maneira se perderia a observação direta de como o sujeito realiza a tarefa, o que pode ser muito útil para o trabalho clínico.
A interpretação do modelo de Hutt foi extraída de provas clínicas e experimentais com adultos. A análise dos fatores do teste agrupa cinco elementos principais:
1. Organização: Seqüência, posição da figura A, uso do espaço, colisão, uso da margem, variação da posição do papel e variação da posição do cartão.
2. Tamanho: Aumento ou diminuição geral das figuras, progressivo aumento ou diminuição dos desenhos, aumento ou diminuição ocasionais.
3. Forma: dificuldade de fechamento, dificuldade de cruzamento, dificuldade na curvatura, mudança na angulação.
4. Distorção grosseira: rotação, distorção de forma, simplificação, fragmentação, superposição, elaboração, perseveração ou repasso.
5. Movimento: mudança na direção, inconsistência na direção do movimento e característica da linha.
A interpretação deste sistema de avaliação se refere aos seguintes aspectos:
Figuras A, 4, 5 - Investiga capacidade de internalização de vínculos.
Figuras 1, 2 - Investiga capacidade de reprimir ou controlar impulsos.
Figura 6 - Investiga o manejo do afeto e da capacidade de relacionamento interpessoal.
Figura 7 - Investiga relação com figuras de autoridade.
Figura 8 - Investiga questões de sexualidade.
Sistema Lacks
Este sistema foi uma adaptação do sistema de escore Hutt-Briskin com enfoque objetivo para uso psicométrico; útil em propósitos de triagem e não para diagnóstico. O objetivo é discriminar sujeitos com e sem disfunção cerebral; fazendo análise de organicidade.
A forma de aplicação inclui os nove cartões originais de Bender (1946) ou os levemente modificados por Hutt (1969). A folha deve ser apresentada na posição vertical, junto com lápis, borracha e várias outras folhas (A4) em branco. As instruções, assim como no sistema Hutt, são de que se copie os desenhos, um a um, procurando reproduzir o mais exato que puder. Todas as observações de comportamento do examinando devem ser adotadas. Pessoas que levam mais de 15 minutos para concluir o teste, somam 1 ponto extra no escore final.
A forma de correção inclui 12 discriminadores essenciais de disfunção orgânica, a saber: rotação severa; superposição; simplificação; fragmentação; retrogressão; perseveração; colisão ou tendência à colisão; impotência; dificuldade de fechamento; incoordenação motora; dificuldade severa de angulação e coesão. Cinco, entre doze erros possíveis, são considerados suficientes para comprometimento orgânico.
Conforme Cunha (2000), o sistema Lacks foi utilizado em pesquisas com sujeitos alcoolistas, buscando discriminar alcoolistas de abstinências recentes (até oito dias) e prolongadas (mais de um ano). O primeiro grupo resultou em diagnóstico positivo de disfunção cerebral e o segundo grupo não. Outras pesquisas investigando se os escores Bender-Lacks permaneciam estáveis durante o primeiro mês de abstinência concluíram que não permaneciam estáveis, sugerindo melhora funcional a partir da segunda semana de abstinência.
Sistema Pascal e Suttel
O trabalho da Pascal e Suttel, conforme cita Cunha (2000) apareceu em 1951 como uma abordagem psicométrica para adultos. É um sistema de avaliação planejado para pacientes psiquiátricos com idades entre 15 e 50 anos, com inteligência normal, capacidade para reproduzir os desenhos sem erros e sem dificuldades cognitivas.
O objetivo é investigar a capacidade de ajustamento emocional; ou seja, a capacidade integradora ou força do Ego, conforme nomeiam os autores. O desempenho do adulto no teste seria um espelho de suas atitudes diante da realidade. É bastante utilizado para obter diagnóstico diferencial.
A forma de aplicação inclui os nove desenhos elaborados por Bender (1946), da figura A até 8, apresentados nesta ordem.
Os autores realizaram uma pesquisa comparando protocolos de indivíduos normais com protocolos de pacientes psiquiátricos, observando que estes últimos tendiam a distorcer mais os estímulos em sua reprodução que os primeiros. Elaboraram, assim, uma lista de 150 desvios, sendo um sistema bastante complexo de avaliação. A partir da freqüência de ocorrência dos desvios, foram atribuídos pesos aos itens. A soma total dos valores dos itens resulta no escore bruto, sendo que existe uma tabela para converter o escore bruto em escore Z.
A forma de avaliação refere-se à contagem dos erros na reprodução dos desenhos. Considera-se que, quanto maior o escore, maior a probabilidade de a pessoa ter algum distúrbio psiquiátrico.
Sistema Santucci-Percheux (1981)
Este sistema teve dois objetivos principais: pesquisar um possível déficit da organização grafoperceptiva entre as crianças com atraso escolar, além de pesquisar a relação entre deficiência mental e a organização perceptomotora. Ao mesmo tempo, foi feito um estudo sobre a evolução genética das reproduções. A amostra foi composta por 300 crianças de Paris.
Buscando avaliar a organização perceptiva em crianças de 6 a 14 anos, selecionaram cinco dos nove cartões elaborados por Bender (figuras A, 2, 4, 3 e 7, nesta ordem). A forma de aplicação é com a folha (A4) apresentada com o lado maior na horizontal e somente solicitado que se reproduza as cinco figuras citadas.
O sistema de interpretação abordou os seguintes elementos: forma, número de colunas ou círculos, conceito espacial, relação contigüidade-separação e junção ou separação das subpartes. Cada um desses elementos são entendidos como modelos de correção (no caso, de I a V). O escore é atribuído conforme o nível de sucesso da reprodução, em cada modelo. A pontuação, portanto, varia de 1 a 3, sendo 3 para as piores reproduções, 2 para os casos intermediários e 1 para os bem reproduzidos. Os critérios utilizados na correção são bastante complexos. Cunha (2000) elaborou uma folha de registros para auxiliar esta correção (p. 303).
No Brasil este sistema não costuma ser utilizado com freqüência, ao contrário da Europa, onde é bastante difundido.
Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG)
O objetivo do Sistema de Pontuação Gradual (Sisto, Noronha & Santos, 2005) é avaliar a maturidade perceptomotora, seguindo os pressupostos de Bender (1955), buscando estabelecer o nível de maturação da função gestáltica visomotora através da reprodução dos desenhos.
A forma de aplicação pode ser individual ou coletiva, sendo esta última através de transparências. Destina-se a crianças de seis a dez anos de idade. A aplicação não deve ser interrompida e não há tempo mínimo ou máximo. No caso de aplicação coletiva, o número máximo é de 30 crianças, sendo necessários dois auxiliares, além do aplicador. A projeção das figuras deve se dar num distancia de cerca de dois metros da tela. O rapport segue o modelo de Koppitz: os sujeitos devem copiar os desenhos, um a um, da forma mais parecida à do original. A diferença é que não é permitido uso de borracha.
Os critérios de correção são bastante distintos dos sistemas anteriores, visto que avalia somente o critério distorção da forma e "pretende analisar a reprodução dos sujeitos com maior refinamento e de forma quantitativa" (p.8).
O sistema de correção atribui escores de zero a três, sendo zero o de melhor reprodução e três pontos o de pior. Cada figura pode ser pontuada apenas uma vez. Foi construída uma ficha dividindo colunas para soma, figuras, pontuação e idades, com a finalidade de facilitar a interpretação dos resultados. As pontuações possíveis para cada figura estão separadas por cores; sendo azul para erros mais freqüentes, laranja para média de erros e verde para menor freqüência de erros. Na coluna soma o resultado deve ser a soma dos itens por cores. Na coluna idade aparece a porcentagem de erros do item por idade, o que possibilita uma comparação da criança avaliada com o que fazem outras crianças da mesma idade. Desta forma torna-se possível observar as defasagens e os adiantamentos do traçado da criança, constatando o seu ritmo de desenvolvimento representacional.
Este sistema é, ainda, o único aprovado pela Comissão Consultiva nomeada pelo CFP e foi publicado pela Editora Vetor em 2006. Os demais sistemas foram restringidos por não atenderem aos requisitos da Comissão (2001,2003).
Conclusão
Os testes psicológicos devem ser usados somente quando há aplicação clara, atendendo aos interesses do sujeito, sendo um instrumento de auxílio ao psicólogo. O objetivo em utilizá-los deve ser sempre o de que eles possibilitem melhores condições de servir aos sujeitos avaliados, seja permitindo conhecê-los melhor, seja possibilitando um uso mais efetivo de suas capacidades.
O Bender tornou-se um instrumento importante para avaliar capacidade orgânica e aspectos emocionais de personalidade. Sua aplicabilidade aumentou de forma diversificada, sendo utilizado em processos de seleção em empresas, em avaliação psicológica para carteira de habilitação de trânsito, no auxílio em psicodiagnóstico e diagnóstico diferencial e como preditor do desempenho escolar em crianças.
O mais importante é saber o que se quer investigar; ter claro qual o objetivo em usar o Bender, para depois buscar o sistema mais adequado de avaliação. Além de diferentes sistemas de correção, existem também diferenças no conjunto dos desenhos, tanto em relação aos detalhes formais, quanto ao número de unidades e número de desenhos. Deve-se estar atento para não usar a aplicação de um autor e o sistema de correção de outro. É preciso ter conhecimento teórico e técnico dos métodos para saber qual enfoque usar dependendo do objetivo.
Constatando a importância deste instrumento e considerando que, no momento, apenas o Sistema de Pontuação Gradual (Sisto, Noronha & Santos, 2005) está autorizado pelo Conselho Federal de Psicologia para uso, faz-se necessário que mais pesquisas, utilizando outros sistemas, sejam realizadas com objetivo de validação.
O sistema Koppitz, muito utilizado na avaliação perceptomotora de crianças, ainda não foi estudado, aqui no Brasil, com uma amostra consistente e, tampouco, correlacionado com outro instrumento padronizado, visando uma validação. O mesmo também não aconteceu com os sistemas Clawson e Hutt, que poderiam ser correlacionados com instrumentos projetivos já validados.
Por sinal, o uso do Bender como instrumento projetivo, é o mais corriqueiro entre os profissionais, na avaliação de adultos. No entanto, pesquisas que comprovem sua validade neste sentido são raras. No Brasil, não se tem informações de tal trabalho. Já no exterior, o estudo de Raphael e Golden (2002) propôs uma relação entre os escores do Bender com o MMPI numa população de pacientes psiquiátricos. Houve correlação dos escores altos do MMPI com escores do Bender. Estes autores sugeriram a correção pelo sistema de escores da Interpretação Psicodiagnóstica Avançada, proposta pelos autores (1998).
O Bender em crianças está, atualmente, restrito a considerar apenas o item distorção de forma na avaliação do nível de maturação visoperceptomotora entre as idades de 6 a 10 anos, conforme propõe o B-SPG, único validado atualmente.
Esta revisão, pois, serve de alerta quanto a estas questões. Estudos com o Bender existem de longa data. Serviram para confirmar o propósito do teste como instrumento estruturado para a avaliação de habilidades perceptomotoras e/ou projetivas em estudos fora do Brasil. Todavia, torna-se fundamental que os profissionais brasileiros que o utilizam estejam atentos a estas diferentes formas de correção e não incorram no erro de sobrepor estes mesmos sistemas, com a finalidade de avaliar o mesmo fenômeno, quando em seus trabalhos de pesquisa.
Referências
Bender, L. (1955). Test Gestaltico Visomotor (B-G): Uso y aplicaciones clinicas. Buenos Aires: Paidós. [ Links ]
Clawson, A. (1992). Bender infantil: Manual de Diagnóstico Clínico. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Cunha, J. A. (2000). Bender na Criança e no Adolescente. In Cunha, J. A. e Cols. Psicodiagnóstico V. (pp. 295-316). 5ª edição revisada e ampliada. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Hutt, M. L. (1998). La adaptacion Hutt del Test Guestaltico Bender. 4.ed. Buenos Aires: Ed. Guadalupe. [ Links ]
Koppitz, E. (1989). O Teste Gestáltico Bender para crianças. Porto Alegre: Artes Médicas. [ Links ]
Pascal, G. & Suttell, B. (1951). The Bender-Gestalt Test - Quantification and Validity for Adults. New York: Grune & Stratton. [ Links ]
Raphael, A. J. e Golden, C. J. (2002). Relationships of Objectively Scored Bender Variables with MMPI Scores in an Outpatient Psychiatric Population. Perceptual and Motor Skill, 95, 1217-1232. [ Links ]
Sisto, F. F.; Noronha, A. P. P.; Santos, A. A. A. (2005) Teste Gestáltico Visomotor de Bender: Sistema de Pontuação Gradual (B-SPG). São Paulo: Vetor. [ Links ]
Endereço para correspondência
E-mail: mrsilva@unisc.br
Recebido em: março/2007
Revisado em: abril/2007
Aprovado em: junho/2007
Sobre as autoras:
* Maria Lúcia Tiellet Nunes é doutora em Psicologia e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS (PPGPSICO-PUCRS).
** Roselaine Berenice Ferreira da Silva é doutoranda em Psicologia do PPGPSICO-PUCRS, bolsista CAPES e docente no curso de Psicologia da Universidade de Santa Cruz do Sul - RS.
*** Fernanda Lopes é psicóloga com formação em psicoterapia no Instituto Fernando Pessoa e psicóloga organizacional, com atividades na área de Recursos Humanos
1 A denominação deste instrumento, no decorrer do artigo, será simplesmente Bender.
2 Denominação utilizada por Koppitz, a partir de seu trabalho.