8 1Traços de personalidade e agressividade: um estudo de evidência de validadeDiGestão de pessoas: uma dieta saudável para sua carreira 
Home Page  


Psic: revista da Vetor Editora

 ISSN 1676-7314

Psic v.8 n.1 São Paulo jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Édipo encontra seu pai: um conflito de trânsito?

 

Oedipus meets his father: a traffic conflict?

 

Edipo encuentra a su padre: ¿un conflicto de tránsito?

 

 

Alessandra Sant'Anna Bianchi *

Universidade Federal do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A questão norteadora deste trabalho se refere à intersecção entre psicanálise e trânsito, ou como a psicanálise poderia explicar alguns comportamentos no trânsito. O trabalho foi desenvolvido a partir de revisão de literatura referente a tópicos da teoria psicanalítica e a psicologia do trânsito. Conclui-se que o problema do trânsito não pode e não deve ser tratado como uma expressão a mais da constituição psicológica do sujeito: é necessário aumentar o desprazer do comportamento perigoso no trânsito, provocando uma derivação nos caminhos neurais já facilitados que possa ser traduzida em um comportamento diferente ao volante.

Palavras-chave: Comportamento do condutor, Personalidade, Educação.


ABSTRACT

The main question in this work is the intersection between psychoanalysis and traffic, or how the psychoanalysis could explain some driving behaviors. This work was developed from a review about subjects of psychoanalytical theory and about traffic psychology. The conclusion was that the problem of traffic can not be and shell not be handled as one more expression about the psychological constitution of the subject: it is necessary to increase the displeasure of the dangerous behavior in the traffic, exciting a derivation in the neural paths already facilitated that could be translated into a different behavior at the steering wheel.

Keywords: Driving behavior, Personality, Education.


RESUMEN

La pregunta que ha norteado este trabajo se refiere a la intersección entre el psicoanálisis y el tránsito, o como el psicoanálisis podría explicar algunos comportamientos en el tránsito. El trabajo ha sido desarrollado a partir de la revisión de la literatura que se refiere a tópicos de la teoría psicoanalítica y la psicología del tránsito. Se ha concluido que el problema del tránsito no puede ni debe ser tratado como más una expresión de la constitución psicológica del sujeto: es necesario aumentar el desplacer del comportamiento peligroso en el tránsito, provocando una derivación en los caminos neurales ya facilitados, que pueda ser traducido en un comportamiento diferente en el volante.

Palabras clave: Comportamiento del chofer, Personalidad, Educación.


 

 

"Un día cruzando la zona de Foquida, cerca de un punto donde el camino se dividía en tres ramales, se encontró en una estrecha vía con un carro y su séquito. Era Layo, que iba hacia Delfos a preguntar qué fin había tenido su hijo, pues le martirizaba la duda de si había muerto o no. En esta encrucijada, se produjo un altercado, ya que el extranjero no quiso ceder al carro. Edipo, enfrentándose a los viajeros, mató a Layo y sus acompañantes, excepto a uno que logró escapar." (Merino, 2005).

 

Introdução

O complexo de Édipo está entre os conceitos fundamentais da psicanálise. Sua importância é tal que uma consulta à base de dados Psycinfo indica que entre 1910 e março de 2005 foram catalogados 1266 trabalhos, grande parte destes artigos em revistas científicas, em que a expressão "Oedipus complex" encontrava-se presente no título, no resumo ou nos descritores. Esse conceito, tão importante para a própria estruturação da psicanálise, foi inspirado no famoso mito grego de Édipo. É neste ponto que encontramos a primeira intersecção entre trânsito e psicanálise, pois é uma situação de conflito no trânsito que desencadeia o processo de Édipo matar seu pai.

Desse mito é importante observar, para este trabalho, que os conflitos de trânsito já podiam ser violentos na Grécia antiga. Mesmo considerando que Édipo seja um ser mitológico é muito provável que o conflito de trânsito seja a parte real do mito, algo que fazia parte da realidade daquela cultura. Assim, não é uma novidade do mundo pós-revolução industrial que exista violência no trânsito, o que sim é novo é a sua grande proporção nos dias atuais.

Questões referentes ao trânsito estão presentes no cotidiano de todos: seja nos deslocamentos diários, seja na leitura de periódicos ou simplesmente na visualização de outdoors. As mensagens são diversificadas. Há aquelas que falam de números, normalmente de mortos; há aquelas que comentam as últimas estatísticas e interrogam sobre as causas dos altos índices de acidentalidade, e há aquelas que apresentam a última tecnologia em transporte individual ou, simplesmente, o carro dos sonhos. Diferentes fatos e mensagens pertencem a um mesmo universo tecnicamente conhecido como trânsito.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) trânsito é a movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres" (CTB, 1997). Estatísticas sobre acidentes no trânsito incluem problemas técnicos (o que é morte, por exemplo, por acidente de trânsito) e políticos (nenhuma corrente política deseja ver, em sua gestão, os números de mortos e feridos aumentarem). Esses problemas refletem-se na atualidade dos dados disponíveis e em sua confiabilidade. As estimativas do ex-diretor do Denatran Ailton Brasiliense Pires (comunicação pessoal em 06 de outubro de 2005) são que o número de mortos seja, pelo menos, o dobro do indicado nas estatísticas. Assim, no Brasil, em 2001, com uma frota automotiva que numericamente correspondia a 18,5% da população, ocorreram 307.287 acidentes de trânsito vitimando 394.596 pessoas das quais 5,1% foram vítimas fatais (Denatran, 2003). Destas, 23,8% tinham entre 18 e 29 anos, a mesma faixa etária de 28,3% dos condutores envolvidos em acidentes (Denatran, 2003) mostrando a representatividade deste grupo nos acidentes de trânsito.

As causas associadas com acidentes de trânsito podem ser separadas em três grupos: o homem, o veículo e o meio (Governo de São Paulo, 1993; Lindau, 1997). No entanto, Cereser e Moniz (1997) destacam que 80% dos acidentes ocorrem por fatores humanos, dentre eles, o comportamento infrator.

Estudos realizados na área de trânsito apontam diferenças de gênero e idade: os homens são significativamente mais prováveis que as mulheres de experimentarem um acidente de trânsito (Begg, Langley & Williams, 1999; Hernetkoski & Keskinen, 1998; Katila & Keskinen, 2000) e de exibirem comportamento infrator (Hemenway & Solnick, 1993; Laapotti & Keskinen, 1998; Vollrath, Knoch & Cassano, 1999;); e os motoristas jovens são os que se envolvem mais em acidentes (Furnham & Saipe, 1993; Hemenway & Solnick, 1993; McGwin & Brown, 1999) e cometem mais infrações de trânsito (Panek & Wagner, 1986, Perry, 1986, McGwin & Brown, 1999). Também há pesquisas que indicam, de forma bastante consistente, a existência de características de personalidade associadas à escolha do tipo de comportamento no trânsito (Boyce & Geller, 2002; Groeger & Grande, 1996; Iversen & Rundmo, 2002; Jonah, Thiessen & Au-Yeung, 2001; Kouabenan, 2002; Lajunen & Summala, 1995; Matthews, Dorn & Glendon, 1991; Perry, 1986; Shahidi, Henley, Willows & Furnham, 1991; Trimpop & Kirkcaldy, 1997; Vollrath e colaboradores, 1999; West, Elander e French, 1993).

Desde Tillman e Hobbs (1949), estilo de vida tem sido repetidamente referido como um fator muito importante explicando envolvimento em acidente de trânsito. Para jovens condutores, especialmente, estilo de vida afeta quando e como eles conduzem. Conduzir nas noites do fim-de-semana, com pares e quando intoxicados, expõe jovens motoristas a graves acidentes (Krantz, 1979; Williams, 1985; Summala, 1996). A origem familiar e a formação acadêmica (Murray, 1998; Wilson, 1990), hobbies (Chliaoutakis, Darviri & Demakakos, 1999; Gregersen & Berg, 1994) e relacionamento com os pais (Bianchi & Summala, 2004; Gregersen & Berg, 1994; Shope, Waller, Raghunathan & Patil, 2001;) também são preditores do comportamento do motorista.

O grande problema é que o comportamento arriscado e/ou infrator no trânsito, multiplicado por milhões de motoristas, transforma o comportamento do indivíduo em questão social. A questão da mortalidade e morbidade causada por acidentes de trânsito levou a Organização Mundial da Saúde (2003) a caracterizá-la como um problema epidêmico de saúde.

A questão da psicanálise

A questão norteadora deste trabalho se refere à intersecção entre psicanálise e trânsito, ou como a psicanálise poderia explicar alguns comportamentos no trânsito. Não cabe perguntar se ela é possível ou existe porque a própria definição de trânsito como um sistema que inclui o homem já invalidaria esta questão. O que se procura discutir é como a psicanálise pode explicar os fenômenos relacionados ao trânsito. A escolha desta questão foi guiada pelos resultados de um estudo com sujeitos brasileiros (Bianchi & Summala, 2004) que apontou correlação positiva entre comportamento infrator de pais e filhos universitários.

Bianchi e Summala (2004) investigaram se o estilo de dirigir dos pais prediz o estilo de dirigir dos filhos quando fatores de exposição são controlados. Os sujeitos foram estudantes universitários e de pós-graduação e seus pais. A amostra foi conformada por 174 pares de sujeitos: 41 filho-pai, 54 filha-pai, 19 filho-mãe e 60 filha-mãe; sendo considerados nas análises finais 111 pares para que não houvesse repetição de famílias. Uma série de modelos de regressão indicou que o comportamento de direção auto-relatado pelos pais quanto a erros e infrações (não incluídas infrações agressivas) explica uma parte significativa do comportamento de direção dos seus filhos, mesmo quando variáveis demográficas, de exposição e fatores de estilo de vida são controlados.

O primeiro passo para explorar as possibilidades de intersecção entre psicanálise e o comportamento no trânsito na sociedade brasileira será examinar o texto de Freud em "Projeto para uma Psicologia Científica" (Freud 1895/1950). Freud (1895/1950) apresenta um sujeito estruturado em três níveis de recepção e/ou interpretação de estímulos (?, ?, æ). Por esse processo um estímulo vindo no primeiro momento do mundo exterior é percebido por ? e pode seguir dois caminhos. Na primeira opção há uma descarga imediata da excitação provocada. Em uma segunda opção o estímulo segue seu caminho ao interior do indivíduo, por meio do aparelho neurológico, passando por neurônios que funcionam como facilitadores e esbarrando ou não naqueles que oferecem barreiras de contacto (dependendo da carga de excitação do estímulo e do quão facilitados estão os neurônios). Esta viagem a ?, e seu caminho após a æ - a consciência, terá como conseqüência a criação de trilhamentos de prazer ou desprazer de tal forma que, quando reapresentado o estímulo, o sujeito, ou simplesmente seu sistema vegetativo, por meio do reconhecimento do estímulo e de seu trilhamento interno, emitiria uma resposta cujo objetivo seria o prazer ou, no mínimo, a evitação do desprazer. Nas situações em que, por algum motivo, um trilhamento passa a ser necessariamente evitado, em um de seus pontos surge uma ramificação, derivada do caminho de facilitações originais, como um desvio em uma estrada interrompida pela caída de uma ponte.

Considerando a proposta freudiana e os dados das pesquisas em trânsito pode-se deduzir que o comportamento do motorista não é aprendido na auto-escola. O aprendizado, segundo indícios do estudo de Bianchi e Summala (2004) é anterior a este momento.

Como os trilhamentos, para questões referentes ao trânsito, são construídos? Que parâmetros são utilizados? Não há porque não pensar que as facilitações neurais - os trilhamentos - começam a ser construídos no banco de trás de um carro quando a criança, ainda um bebê, chora para não ser colocada na cadeirinha. Naquele momento sua interpretação é de que a cadeirinha lhe traz desprazer (sente-se imobilizada, não enxerga seus pais) e assim tenta evitá-la. No momento em que seus pais tornam-se cúmplices desta decisão da criança (não usar a cadeirinha) estão estimulando a criação de um novo trilhamento, qual seja, o de que em questões de trânsito a lei não existe (visto que a lei paterna pode ser facilmente burlada) e que sempre é adequado o critério do prazer/desprazer para selecionar o melhor comportamento, ou talvez o de que nas questões de trânsito evitar o desprazer é mais importante que proteger a vida.

Esse aprendizado continua e durante sua infância e adolescência o sujeito acompanha seus pais a festas, eles ingerem bebidas alcoólicas, normalmente mais do que o permitido ou mesmo recomendado, colocam seus filhos no carro e retornam para casa. Este é o comportamento normal dos adultos neste contexto social - seus pais não são apontados por outros como irresponsáveis e tampouco sofrem qualquer tipo de crítica.

A realidade da criança ou adolescente também indica que poucos acidentes acontecem e quando ocorrem o que ele escuta é que "foi um acidente". Esse era o panorama até 1998. Hoje, além destas vivências a criança tem mais uma: seus pais têm no carro, de preferência em lugar visível, o informativo com os pontos de fiscalização de velocidade dentro da cidade. Quando vão viajar, a pergunta pelo melhor caminho que o pai dirige a um amigo inclui também a pergunta pelos controles de velocidade, onde estão e se há o costume de fazer fiscalização aleatória naquela estrada.

Quando passa no exame que lhe concede a permissão para dirigir o que o jovem motorista sabe é que durante seu primeiro ano de habilitação não deverá cometer infrações gravíssimas ou graves ou infrações médias de forma reincidente (C.T.B., 1997) se desejar receber a Carteira Nacional de Habilitação ao final do período. Esta exigência tem sua base em dados que indicam que é no primeiro ano como motorista que acontecem mais acidentes. Este seria um momento em que a sociedade poderia propiciar a criação de novos trilhamentos que fizessem surgir novos comportamentos. O que acontece na realidade é que os pais se colocam imediatamente de prontidão para defender o que entendem como injusto com seus filhos: ao aparecerem as multas, estes pais apresentam-se à autoridade de trânsito responsabilizando-se pelo ocorrido, declarando que naquele momento eles eram os motoristas. Estes mesmos pais são os que recomendam aos filhos que não bebam além da conta (que conta?) e não corram (o que significa correr?) quando eles começam a dirigir.

Esta é a realidade deste jovem motorista. Que espécie de trilhamentos espera-se que ele construa? Esta é uma situação onde claramente a busca do prazer pelo sujeito só pode ser interrompida pela imposição de um desprazer muito forte (uma multa de 900 UFIRS, por exemplo). Como a chance deste desprazer aparecer é muito pequena, e a de ocorrer um acidente também parece assim ao sujeito, o trilhamento dificilmente é mudado; sua derivação tende a acontecer ou porque o sujeito viu-se envolvido em um acidente, ou teve alguém muito próximo envolvido.

Poderia ser argumentado que os sujeitos conduzem como vivem, e o mesmo tipo de atitudes manifestas no trânsito aparecerá em outros contextos de suas vidas. Em 1999 Begg, Langley e Williams publicaram um estudo longitudinal em que os sujeitos foram avaliados aos 15, 18 e 21 anos, e cujos resultados sugerem que não há evidências para apoiar este argumento.

Os resultados de Begg, Langley e Williams (1999) poderiam ser questionados, já que eles parecem totalmente contraditórios aos resultados apontados nas pesquisas sobre estilo de vida e condução. Todavia, o que se fará será examinar as evidências cotidianas de porquê não pode ser feita uma associação direta, no contexto cultural brasileiro, da relação entre comportamento no trânsito e em outros contextos cotidianos. O problema reside no fato de que, em outros aspectos da vida cotidiana, as pessoas que dirigem após terem bebido além do nível permitido ou que transgridem normas de segurança, como as de velocidade, de forma sistemática são pessoas saudáveis. Não fosse assim a sociedade estaria totalmente fragmentada, pois grupo algum poderia suportar uma parcela importante dos seus integrantes dioturnamente arriscando a sua vida, a de seus filhos e a dos outros membros da comunidade.

Também deve ser considerado que os comportamentos arriscados no trânsito não são estigmatizados na sociedade como a ela agressivos; as atitudes no trânsito são interpretadas como influindo apenas no mundo individual do sujeito (as despesas com seguro, multas e advogados), não há um reconhecimento do impacto social de tais atitudes. Assim, ao entender o ato de dirigir um automóvel como algo que concerne apenas ao indivíduo a sociedade legitima seu direito à procura do comportamento mais prazeroso. Porém, e aí reside o problema, o comportamento no trânsito não pertence apenas ao âmbito individual, ele impacta fortemente no âmbito social podendo ter graves conseqüências para outros indivíduos.

Em "Além do princípio do prazer", ao descrever como o curso tomado pelos eventos mentais está regulado pela busca ou manutenção de estados prazerosos, Freud (1920) retoma algumas das idéias discutidas 25 anos antes no "Projeto para uma Psicologia Científica" (Freud 1895, 1950) e novamente está presente a noção de equilíbrio do organismo, da busca da constância psíquica, da evitação de estados de desprazer. Freud (1920) afirma que o princípio do prazer, sendo próprio do método primário de funcionamento mental, é ineficaz do ponto de vista da autopreservação do indivíduo e até mesmo perigoso. Assim, o autor apresenta como indício de desenvolvimento a substituição deste pelo princípio de realidade, o qual não abandona a intenção de obter prazer, mas "exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer" (Freud, 1920). Zimerman (2005) ao falar do princípio do prazer e sua demanda por uma gratificação imediata, sem minimamente levar em conta a realidade exterior, exemplifica que no adulto ele pode expressar-se por meio de um ferrenho desejo de o sujeito preferir viver no mundo ilusório do "faz-de-conta", evitando o contato com o mundo da realidade.

Dentro da perspectiva destes autores (Freud, 1920; Zimerman, 2005) pode-se entender a realidade do trânsito no Brasil como uma situação de dominância do princípio do prazer, uma dominância que faz com que a cada ano milhares de pessoas morram ou tornem-se deficientes por terem preferido viver em um mundo dissociado da realidade: de uma realidade rotulada de carnificina pelos meios de comunicação e que transparece em toda sua crueldade nas estatísticas e em programas em que vítimas do trânsito, ou seus familiares, relatam as mudanças, invariavelmente negativas, em suas vidas.

 

Conclusão

Certamente o problema do trânsito não pode e não deve ser tratado como uma expressão a mais da constituição psicológica do sujeito, não no Brasil atual, não em uma sociedade que interpreta a punição merecida como perseguição e se une para defender comportamentos autodestrutivos. Diferente de outros tantos problemas de saúde pública, e mesmo dos de violência, este não é um problema relacionado com nível socioeconômico. Pode ser mais bem caracterizado como um problema de ordem cultural.

O mito de Édipo, o sujeito que mata no trânsito, ainda encontra equivalentes nas estradas do século XXI. Para a psicanálise os acontecimentos que seguem este assassinato no mito grego são fator de entendimento para a complexa estruturação da personalidade. Raciocinando nesta linha os conflitos de trânsito podem ser interpretados como uma busca de poder, de sobrepujar o outro, figura simbólica do pai. Mostrar-se o mais forte, ou o mais corajoso, ou o mais veloz, pode ser traduzido como uma busca de superação do pai internalizado. O problema quando se une psicanálise e trânsito começa neste ponto: o pai internalizado é muito próximo do pai real.

Analisando-se a situação atual à luz da psicanálise o que se observa é uma impossibilidade de que estes jovens motoristas exibam comportamentos seguros no trânsito. Suas vivências no trânsito foram geralmente prazerosas, eles agiram pelo princípio do prazer, uma atuação praticamente soberana do Id. Eles não estão de fato interpelados (castrados) por uma lei, por algo que represente uma impossibilidade do prazer incondicional e imediato. Em termos da sociedade da mobilidade eles ainda são "sua majestade o bebê", pois são suas considerações e desejos os que são privilegiados sempre.

Finalmente, a realidade parece indicar a necessidade de que a sociedade encontre meios de mudá-la. Para os motoristas atuais este será um processo difícil, pois os indícios são de que é necessário aumentar o desprazer do comportamento perigoso no trânsito, provocando uma derivação nos caminhos neurais já facilitados que lhes façam comportar-se de forma diferente ao volante, evitando os possíveis desprazeres de uma forma mais saudável, no mínimo do ponto de vista social.

 

Referências

Bianchi, A. & Summala, H. (2004). The "genetics" of driving behavior: parents' driving style predicts their children's driving style. Accident Analysis and Prevention, 36, 655-659.        [ Links ]

Boyce, T. E., & Geller, E. S. (2002). An instrumented vehicle assessment of problem behavior and driving style: Do younger males really take more risks? Accident Analysis & Prevention, 34(1), 51-64.        [ Links ]

Cereser, R. F., & Moniz, A. C. (1997). Perfil do motorista infrator. Resumos de Comunicações Científicas da XXVII Reunião Anual de Psicologia. Sociedade Brasileira de Psicologia. Ribeirão Preto, São Paulo, TEP 1.07.

Chliaoutakis, J. E., Darviri, C., & Demakakos, P. T. (1999). The impact of young drivers' lifestyle on their road traffic accident risk in greater Athens area. Accident Analysis and Prevention, 31, 771-780.        [ Links ]

Código de Trânsito Brasileiro (C.T.B.). Lei 9.503, de 23/09/97.        [ Links ]

Denatran (2005). www.denatran.gov.br. Acessado em 21-10-2005.        [ Links ]

Freud, S. (1895/1950). Projeto para uma psicologia científica. Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

Freud, S. (1920). Além do princípio do prazer. Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.        [ Links ]

Furnham, A., & Saipe, J. (1993). Personality correlates of convicted drivers. Personality and Individual Differences, 14(2), 329-336.        [ Links ]

Governo de São Paulo (1993). Prevenção de deficiências: segurança no trânsito. Programa estadual de atenção à pessoa portadora de deficiência.        [ Links ]

Gregersen, N. P., & Berg, H. Y. (1994). Life-style and accidents among young drivers. Accident Analysis and Prevention, 26, 297-303.        [ Links ]

Groeger, J. A., & Grande, G. E. (1996). Self-preserving assessments of skill? British Journal of Psychology, 87, 61-79.        [ Links ]

Hemenway, D., & Solnick, S. J. (1993). Fuzzy dice, dream cars, and indecent gestures: Correlates of driver behavior? Accident Analysis & Prevention, 25(2), 161-170.        [ Links ]

Hernetkoski, K., & Keskinen, E. (1998). Self-destruction in Finnish motor traffic accidents in 1974-1992. Accident Analysis & Prevention, 30(5), 697-704.         [ Links ]

Iversen, H. & Rundmo, T. (2002). Personality, risky driving and accident involvement among Norwegian drivers. Personality and Individual Differences, 33(8), 1251-1263.        [ Links ]

Jonah, B. A., Thiessen, R., & Au-Yeung, E. (2001). Sensation seeking, risky driving and behavioral adaptation. Accident Analysis and Prevention, 33(5), 679-684.        [ Links ]

Katila, A., & Keskinen, E. (2000). The speed factor in fatal road traffic accidents. Work presented in ICTTP2000, Berna, Suiza.        [ Links ]

Kouabenan, D. R. (2002). Occupation, driving experience, and risk and accident perception. Journal of Risk Research, 5(1), 49-68.        [ Links ]

Krantz, P. (1979). Differences between single- and multiple-automobile fatal accidents. Accident Analysis and Prevention, 11, 225-236.        [ Links ]

Laapotti, S., & Keskinen, E. (1998). Differences in fatal loss-of-control accidents between young male and female drivers. Accident Analysis & Prevention, 30(4), 435-442.        [ Links ]

Lajunen, T., & Summala, H. (1995). Driving experience, personality, and skill and safety-motive dimensions in drivers´ self-assessments. Personality and Individual Differences, 19, 307-318.        [ Links ]

Lindau, L. A. (1997). Novo Código municipaliza o trânsito e abre desafios profissionais. Jornal do CREA, (Out./Nov. 97), 10.        [ Links ]

Matthews, G., Dorn, L., & Glendon, A. I. (1991). Personality correlates of driver stress. Personality and Individual Differences, 12(6), 535-549.        [ Links ]

McGwin, G., & Brown, D. B. (1999). Characteristics of traffic crashes among young, middle-aged, and older drivers. Accident Analysis and Prevention, 31, 181-198.        [ Links ]

Merino, M. G. (2005). http://leyendasymitos.iespana.es/. Acessaado em 20/11/2005.        [ Links ]

Murray, A. (1998). The home and school background of young drivers involved in traffic accidents. Accident Analysis and Prevention, 30, 169-182.         [ Links ]

Organização Mundial da Saúde (2003). Epidemias mundiales desatendidas: tres amenazas crecientes. Informe sobre la salud en el mundo 2003 - forjemos el futuro. Disponível em www.who.org. Acessado em 16/07/2003.        [ Links ]

Panek, P., & Wagner, E. E. (1986). Hand test personality variables related to automotive moving violations in female drivers. Journal of Personality Assessment, 50(2), 208-211.        [ Links ]

Shahidi, S., Henley, S., Willows, J., & Furnham, A. ( 1991). Type A behaviour pattern: the effect of competition on heart rate and performance on a driving game. Personality and Individual Differences, 12(12), 1277-1282.        [ Links ]

Shope, J. T., Waller, P. F., Raghunathan, T. E., & Patil, S. M. (2001). Adolescent antecedents of high-risk driving behavior into young adulthood: substance use and parental influences. Accident Analysis and Prevention, 33, 649-658.        [ Links ]

Summala, H. (1996). Accident risk and driver behaviour. Safety Science, 22, 103-117.        [ Links ]

Tillmann, W. A., & Hobbs, G. E. (1949). The accident-prone automobile driver. The American Journal of Psychiatry, 106, 321-331.        [ Links ]

Trimpop, R., & Kirkcaldy, B. (1997). Personality predictors of driving accidents. Personality and Individual Differences, 23, 147-152.        [ Links ]

Vollrath, M., Knoch, D., & Cassano, L. (1999). Personality, risk health behaviour, and perceived susceptibility to health risks. European Journal of Personality, 13, 39-50.        [ Links ]

West, R., Elander, J., & French, D. (1993). Mild social deviance, type-A behaviour pattern and decision-making style as predictors of self-reported driving style and traffic accident risk. British Journal of Psychology, 84, 207-219.        [ Links ]

Williams, A. F. (1985). Nighttime driving and fatal crash involvement of teenagers. Accident Analysis and Prevention, 17, 1-5.        [ Links ]

Wilson, R. J. (1990). The relationship of seat belt non-use to personality, lifestyle and driving record. Special Issue: Traffic injury prevention. Health-Education-Research, 5, 175-185.        [ Links ]

Zimerman, D. E. (2005). Psicanálise em perguntas e respostas. Porto Alegre: Artmed.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: bianchi@acm.org

Recebido em: janeiro/2007
Revisado em: março/2007
Aprovado em: abril/2007

 

 

Sobre a autora:

* Alessandra Sant'Anna Bianchi é psicóloga e doutora em metodologia da pesquisa no âmbito clínico e social pela Universidad de Barcelona-Espanha.