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Psic: revista da Vetor Editora
versão impressa ISSN 1676-7314
Psic v.8 n.1 São Paulo jun. 2007
RESENHA
Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagem psicoeducacional
Nelimar Ribeiro de Castro *
Universidade São Francisco
Sisto, F. F. & Martinelli, S. de C. (orgs.) (2006). Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagem psicoeducacional. São Paulo: Vetor.
Desde o inicio do século XX o fracasso escolar desafia profissionais e pesquisadores das diversas áreas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem, este ato não tem sido diferente com a Psicologia. Ao longo da história inúmeras explicações foram propostas para resolver essa problemática sem alcançar soluções satisfatórias, pelo contrário, o fracasso e a evasão escolar ainda constituem um problema não solucionado, cujo ônus recai sobre crianças e adolescentes de nosso país.
Preocupados com esse contexto desfavorável Fermino Fernandes Sisto e Selma de Cássia Martinelli organizaram o livro Afetividade e dificuldades de aprendizagem: uma abordagem psicoeducacional. Apesar de inúmeros estudos indicarem a relação entre afeto, cognição e desempenho acadêmico sua importância ainda não é reconhecida na prática educacional. Composta por 11 capítulos esta obra aborda essa relação desde aspectos amplos, ao discutir o fracasso escolar e as relações sociais, até aspectos mais específicos como a motivação, autoconceito, depressão e conflitos emocionais.
No primeiro capítulo, intitulado O papel das relações sociais na compreensão do fracasso escolar e das dificuldades de aprendizagem, Fermino Fernandes Sisto e Selma de Cássia Martinelli debatem sobre o fracasso escolar e as relações sociais traçando um histórico das diversas propostas teóricas que buscaram estabelecer a gênese dessa problemática. Além disso, salientam, por meio de uma revisão da literatura, a importância da socialização para o desenvolvimento cognitivo. A ênfase recai sobre as relações estabelecidas em sala de aula descrevendo a correlação entre dificuldades de aprendizagem e baixa sociabilidade.
As autoras Betânia Alves Veiga Dell'Agli e Rosely Palermo Brenelli discutem a afetividade e a cognição pela perspectiva construtivista no capítulo, A afetividade no jogo de regras. A teoria piagetiana do desenvolvimento da afetividade é relembrada com seu paralelismo com o desenvolvimento cognitivo e a definições e implicações dos jogos no desenvolvimento infantil. Dentre esses jogos as autoras destacam as regra e apresentam um estudo de caso clínico no qual se observam as implicações da afetividade em tarefas de teor cognitivo.
Apesar dos índices alarmantes acerca do fracasso escolar, o esforço a ele direcionado tem negligenciado os aspectos pedagógicos da aprendizagem e focalizado aspectos normalmente alheios à instituição escolar. No capítulo Fracasso escolar: um olhar sobre a relação professor-aluno, Selma de Cássia Martinelli discute as relações interpessoais na escola com ênfase na relação professor-aluno, sua influência no processo afetivo e cognitivo e suas conseqüências no desempenho acadêmico. Ressaltando a necessidade de o professor conhecer as conseqüências de seu comportamento no de seus alunos e sua possibilidade de intervenção para alterar a dinâmica pessoal.
Existem diferenças importantes na capacidade individual para responder a situações de esforço e tensão. Sentimentos como alegria, tristeza, medo e coragem se relacionam com essa capacidade. Gisele A. Patrocínio Bazi e Fermino Fernandes Sisto discutem essa influência no capítulo Alegria, tristeza, medo e coragem em crianças com dificuldades de aprendizagem. Inicialmente eles apresentam estudos sobre esses sentimentos e os relacionam com o desempenho acadêmico, posteriormente apresentam uma pesquisa que investiga esta relação em alunos da 2ª e 3ª séries do ensino fundamental.
A incongruência entre a capacidade de lidar com o raciocínio lógico-matemático e a incapacidade de lidar com as emoções, muito comum no homem moderno, foi escopo de estudo de Gislene de Campos Oliveira no texto A transmissão dos sinais emocionais pelas crianças. Inicialmente a autora apresenta a teoria da Inteligência Emocional e seu papel na interpretação de suas próprias emoções e as dos outros. O desenvolvimento emocional, concebido por um caminho de avanços e retrocessos é discutido, bem como emoções especificas como a raiva, o medo, o estresse infantil, a inibição e a timidez. Por fim, a psicomotricidade é apresentada como uma possibilidade para o professor trabalhar a expressão das emoções nos alunos com o objetivo de criar um clima de confiança e segurança nos contatos afetivos e corporais das crianças.
A avaliação de conflitos emocionais pelo Teste da Figura Humana foi abordada em dois capítulos. No primeiro, Avaliação dos aspectos afetivos envolvidos nas dificuldades de aprendizagem, Acácia Aparecida Angeli dos Santos e colaboradores relacionaram os indicadores emocionais desse teste com a compreensão da leitura que foi avaliada pela técnica de Cloze em estudantes com idade entre 9 e 14 anos, e no segundo, Emotividade e aprendizagem da escrita, Fabián Javier Marin Rueda e colaboradores, com o teste Avaliação de Dificuldade de Aprendizagem da Escrita (ADAPE) em alunos com 8 e 9 anos de idade. Apesar da reconhecida relação entre conflitos emocionais e dificuldades de aprendizagem e do Teste da Figura Humana ser um instrumento confiável para a avaliação de aspetos afetivos, poucos estudos relacionam esse teste às dificuldades na leitura e escrita. Esses estudos contribuem para o processo de avaliação dessas dificuldades, e por conseqüência, para a prática profissional de psicólogos e educadores.
A motivação é discutida por Edna Rosa Correia Neves e Evely Boruchovitch, no capítulo As orientações motivacionais do aluno: um olhar do ponto de vista das emoções, que inicialmente apresenta definições e aspectos envolvidos na orientação motivacional com ênfase na relação entre motivação e emoção. Nesse sentido, a motivação se refere à disposição do indivíduo para atingir uma meta, enquanto a emoção se relaciona com o resultado final, ou seja, a consecução ou não dessa meta, e, respectivamente, à satisfação ou insatisfação geradas. Num segundo momento as autoras apresentaram uma pesquisa com alunos do ensino fundamental, cujos resultados indicaram a prevalência de valores, crenças e emoções positivas e favoráveis à escola e à aprendizagem. Esses resultados são importantes, pois alunos que priorizam os aspectos positivos em situações escolares são mais motivados e apresentam sentimentos positivos acerca do seu desempenho, melhor desempenho acadêmico e baixa ansiedade.
O autocontrole foi apresentado como uma variável importante para o bom desempenho acadêmico no capítulo Percepção de autocontrole e desempenho acadêmico de adolescentes, desenvolvido por Selma de Cássia Martinelli e colaboradores. Diferentes aspectos deste construto foram abordados, tais como, possíveis definições, seu desenvolvimento, forma de aquisição e percepção pessoal. Além disso, os autores apresentaram resultados de um estudo sobre a relação entre desempenho acadêmico nas disciplinas Português e Matemática e a percepção do autocontrole em adolescentes no âmbito pessoal, familiar, escolar e social.
No penúltimo capítulo, Matemática e afetividade: alunos desinteressados no ensino fundamental?, Lucila Diehl Tolaine Fini e Geiva Carolina Calsa discutem o envolvimento de alunos na aprendizagem da matemática. A Matemática costuma gerar medo e ansiedade e baixa auto-eficácia nos alunos, gerando altos índices de dificuldade de aprendizagem. A valorização de um ensino mecânico, baseado em procedimentos canônicos e na desvalorização das experiências pessoais, é indicada como responsáveis por este quadro. Segundo uma perspectiva construtivista, as autoras descrevem experiências que utilizaram materiais diversos como historias em quadrinhos e computador, mas que se centraram no trabalho em grupo e no conflito cognitivo e indicaram para o professor o papel de mediador.
Os hábitos de estudo são influenciados por aspectos ambientais e individuais. No último capítulo Sintomas depressivos e estratégias de aprendizagem em alunos do ensino fundamental: uma análise qualitativa, Mirian Cruvinel e Evely Boruchovitch discutem a influência dos aspectos emocionais, como a motivação, auto-eficácia, e em especial a depressão, na escolha de estratégias de aprendizagem e sua conseqüência no desempenho acadêmico. As estratégias de aprendizagem são métodos ou técnicas que os alunos usam para adquirir uma informação, na medida em que os sintomas depressivos prejudicam o funcionamento global do indivíduo prejudicam a escolha de estratégias de aprendizagem adequadas. A alta incidência de depressão na atualidade e sua reconhecida relação com o baixo desempenho acadêmico motivaram as autoras a investigar o impacto dos sintomas depressivos no uso de estratégias de aprendizagem em estudantes do ensino fundamental. Os resultados dessa investigação são apresentados neste texto.
Isso posto, deve-se considerar que essa obra apresenta uma importante contribuição para o entendimento do fracasso escolar. A obra enfatiza a relação entre a afetividade e dificuldades de aprendizagem em aspectos variados. Ao apresentarem uma revisão teórica robusta, pesquisas bem delineadas e sugestões para a prática dos educadores, seus artigos norteiam a busca de soluções viáveis para antigas questões acerca das dificuldades de aprendizagem. Desse modo, esse livro é indicado para psicólogos, pedagogos, professores e demais interessados nos desafios da educação brasileira na atualidade.
Recebido em: maio/2007
Aprovado em: junho/2007
Sobre o autor:
* Nelimar Ribeiro de Castro é psicólogo, especialista em Psicologia e Desenvolvimento e mestrando em Psicologia pela Universidade São Francisco.