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Avaliação Psicológica

 ISSN 1677-0471 ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.21 no.2 Campinas abr./jun. 2022

https://doi.org/10.15689/ap.2022.2102.20615.06 

ARTIGOS

 

Psicopatia e Crime: São Todos os Homicidas Psicopatas?

 

Psychopathy and crime: are all murderers psychopaths?

 

Psicopatía y crimen: ¿son todos los asesinos son psicópatas?

 

 

Denis LinoI; Lucas de Farias DantasII; Vanessa Oliveira SilvaIII; Aline LobatoIV

IUniversidade Federal de Pernambuco, Recife-PE, Brasil ORCID: 0000-0001-9185-0817)
IIFaculdade Reinaldo Ramos - FARR/CESREI, Campina Grande-PB, Brasil (ORCID: 0000-0003-3384-7227)
IIIFaculdade Reinaldo Ramos - FARR/CESREI, Campina Grande-PB, Brasil (ORCID: 0000-0003-3045-580X)
IVUniversidade Estadual da Paraíba, Campina Grande-PB, Brasil (ORCID: 0000-0003-4736-2634)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho objetivou avaliar a incidência de psicopatia dentre os homicidas encarcerados, com a hipótese de que há maior incidência média de psicopatas em relação a toda população carcerária. Além disso, buscou-se avaliar se há uma correlação positiva e significativa entre o índice de psicopatia demonstrado por meio do Psychopathy Checklist - Revised (PCL-R) e a quantidade de qualificadores do homicídio pelo qual os sujeitos estão encarcerados. Participaram do estudo 45 detentos, do sexo masculino, acima de 20 anos, que estavam cumprindo pena pelo crime de homicídio. Foram utilizadas três fontes para a coleta de dados: Questionário Sociodemográfico e Criminal, o PCL-R e Fichas Criminais dos detentos. Os resultados demonstraram que poucos homicidas atingem altos escores e podem ser considerados como psicopatas (F = 7, 15,6%). Ademais, foi verificado uma tendência para o aumento na quantidade de qualificadores do homicídio à medida que os indivíduos marcam uma maior pontuação geral no PCL-R.

Palavras-chave: psicopatia; crime; psicologia criminal; PCL-R.


ABSTRACT

The present study aimed to evaluate the rate of psychopathy among incarcerated murderers, following the hypothesis that murderers are more likely to be psychopaths when compared to the general prison population. Furthermore, we sought to assess whether there is a positive and significant correlation between the psychopathy index, demonstrated through the Psychopathy Checklist - Revised (PCL-R), and the number of homicide qualifiers for which the subjects were incarcerated. The study included 45 male inmates, over 20 years of age, who were incarcerated for murder. Three data sources were used: Sociodemographic and Criminal Questionnaire, PCL-R and the criminal records of the detainees. The results showed that only a few murderers achieved scores high enough to be considered psychopaths (F= 7, 15.6%). Furthermore, there was a trend towards an increase in the number of homicide qualifiers as individuals scored a higher overall score in the PCL-R.

Keywords: Psychopathy; crime; criminal psychology; PCL-R.


RESUMEN

El presente estudio tuvo como objetivo evaluar la incidencia de psicopatía entre los asesinos encarcelados, con la hipótesis de que hay una mayor incidencia media de psicópatas con relación a toda la población carcelaria. Además, se buscó evaluar si hay una correlación positiva y significativa entre el índice de psicopatía demostrado a través del Psychopathy Checklinst - Revised (PCL-R) y la cantidad de calificadores de homicidio por los que los sujetos están encarcelados. En el estudio participaron 45 reclusos varones, mayores de 20 años, que cumplían condena por el delito de homicidio. Fueron utilizadas tres fuentes para la colecta de datos: Cuestionario Sociodemográfico y Delictivo, el PCL-R y los Antecedentes Penales de los internos. Los resultados mostraron que pocos asesinos alcanzan puntuaciones elevadas y pueden ser considerados psicópatas (F=7, 15,6%). Además, hubo una tendencia a que la cantidad de calificadores de homicidio aumentara a medida que los individuos puntuaban más alto en la PCL-R.

Palabras clave: psicopatía; crimen; psicología criminal; PCL-R.


 

 

A psicopatia é um conceito que, mesmo após dois séculos do seu surgimento, ainda está em controvérsias no meio acadêmico. Ele já foi bastante difundido e hoje é usado na área médica, psicológica e jurídica, provocando repercussão também no público leigo, principalmente por meio dos filmes e programas de televisão (Valença, 2018). O primeiro teórico a comentar sobre o que hoje é conhecido como psicopatia foi Philippe Pinel, que no seu "Tratado Médico-Filosófico", sobre a alienação mental ou mania, conceitua a "mania sem delírio" para se referir a pacientes com comportamento violento para consigo e com os outros, sem sinal de delírio cognitivo (Soeiro & Gonçalves, 2010). Assim como Pinel, o psiquiatra alemão Emil Kraepelin também contribuiu para o estudo de psicopatia ao diferenciar psicose de psicopatia e desenvolver trabalhos que influenciaram outros estudiosos da área (Henriques, 2009). Um deles, Kurt Schneider, é o autor da obra "As Personalidades Psicopáticas", um estudo que trata da personalidade psicopática como uma forma acentuada da personalidade "normal", variações da média estatística que poderiam ter caráter negativo e causar sofrimento a si próprio ou à sociedade (Soeiro & Gonçalves, 2010).

Durante muito tempo, o conhecimento sobre psicopatia foi vago, pois os estudiosos discordavam entre si em pontos importantes e estipulavam características abrangentes demais para diagnosticar a psicopatia. Apenas em 1941, com o livro "The Mask of Sanity", de Hervey Cleckley, a psicopatia adquiriu descrições mais precisas. Esse autor tratou a psicopatia como uma doença mental disfarçada de normal, onde os psicopatas teriam dificuldade de compreender sentimentos humanos e ter empatia, ao mesmo passo em que eles aparentariam compreender, pois seus comportamentos seguiam a normalidade (Soeiro & Gonçalves, 2010). Em sua obra, Cleckley forneceu o primeiro checklist sobre como identificar um psicopata, composto por 16 itens desenvolvidos a partir de sua experiência clínica. Esses itens envolvem características emocionais como "falta de remorso ou culpa", características comportamentais como "vida sexual impessoal" e características físicas como "boa aparência" (Lilienfeld et al., 2018).

Apesar do grande avanço atingido com a obra de Cleckley, o debate sobre a definição de psicopatia continua ativo na atualidade, porém é possível afirmar que esse construto está seguindo na direção de uma definição estática. Diante das diversas discussões que buscam definir a psicopatia, pode-se considerar que ela é um transtorno de personalidade compreendido pelo conjunto de características que envolvem fatores de personalidade, como superficialidade das emoções e dificuldade de empatia, e um conjunto de fatores comportamentais antissociais como impulsividade e agressividade (Soeiro & Gonçalves, 2010). Mesmo diante de um conjunto de fatores e características necessárias para um diagnóstico de psicopatia, é consenso no meio científico e clínico que o déficit emocional e desconsideração pelo bem-estar do próximo e pelas leis são as características marcantes desse transtorno.

Outro grande avanço no estudo da psicopatia aconteceu com o desenvolvimento de um instrumento padronizado para seu o diagnóstico, o Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R). O seu criador, Robert Hare, desenvolveu o PCL-R a partir da definição proposta por Cleckley, e divide a psicopatia em dois grandes fatores: um envolve características da personalidade e emoções, enquanto o outro trata de características comportamentais (Hare, 2016). Atualmente, o PCL-R é o instrumento mais utilizado mundialmente para avaliação de psicopatia (Cunha et al., 2020). No Brasil, esse instrumento foi testado e validado por Morana (2004).

O trajeto que permeia a história do construto da psicopatia mostra a forte tendência dos sujeitos com esse transtorno de personalidade a se envolverem em crimes. Estima-se que, apenas cerca de 1% da população geral apresenta os critérios diagnósticos de psicopatia, enquanto cerca de 20% da população carcerária do mundo seja composta por sujeitos com esse transtorno (Moraga et al., 2019). Isso se dá devido às características do transtorno que impõem menos restrições intrapsíquicas, emocionais e morais ao cometimento do crime, pois psicopatas têm dificuldade em sentir as emoções em profundidade, não apresentam empatia ou remorso por suas ações, além de serem tipicamente impulsivos e agressivos (Hare & Neumann, 2008). Tendo em vista esses dados, a psicopatia é considerada por muitos como o construto forense mais relevante dos últimos anos (Häkkänen-Nyholm & Hare, 2009).

Nesse âmbito, a relação específica entre psicopatia e homicídio vem sendo tema de estudos desde o fim do século passado. Neste trabalho, o entendimento de "homicídio" foi balizado segundo aquilo que é tipificado no Código Penal Brasileiro (Brasil, 1940). Nele, o homicídio está dividido em "culposo", quando o praticante tornou possível o resultado por meio de imprudência, negligência ou imperícia; e "doloso", quando o agente praticante teve a intenção do resultado. O homicídio doloso simples está descrito no artigo 121, caput do código penal, sob a descrição: "matar alguém". Enquanto o homicídio doloso qualificado está previsto no parágrafo segundo do mesmo artigo, em que são estipulados qualificadores se o crime for cometido: 1) por motivo torpe, 2) por motivo fútil, 3) fazendo uso de meio insidioso ou cruel, 4) fazendo uso de recurso que dificulte a defesa do ofendido, 5) para assegurar vantagem de outro crime, 6) contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (feminicídio), 7) contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição ou 8) com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.

Porém, um debate importante ainda permanece: se psicopatas cometem mais homicídios instrumentais (cujo objetivo do crime é outro além da morte da vítima como obtenção de dinheiro ou drogas) ou expressivos (cujo objetivo final é a morte da vítima geralmente motivado por discussões ou fortes emoções). Ambas assertivas são possíveis teoricamente, tendo em vista que psicopatas são manipulativos e agem em busca de objetivos claros ao invés de agirem em resposta a emoções, mas também são identificados enquanto sujeitos impulsivos, irresponsáveis e agressivos (Fox & DeLisi, 2019; Woodworth & Porter, 2002). Uma meta-análise de 2014 encontrou que a psicopatia está moderadamente associada com ambos os tipos de violência (Blais et al., 2014).

Uma parte importante da discussão decorre dos contrapontos entre a mídia e o meio científico. A associação entre psicopatia e crimes brutais de homicídio é frequentemente apresentada na cultura popular, como em livros de crimes reais (true crime), filmes (O Silêncio dos Inocentes, Precisamos falar sobre Kevin) e seriados (Dexter, Mindhunter, Criminal Minds). Porém, as evidências científicas levantadas pela meta-análise realizada por Fox e DeLisi (2019) indicam que, apesar de haver uma conexão forte entre psicopatia e homicídio, nem todo homicídio é cometido por psicopatas. Ainda nesse estudo, apesar de ser um tema extremamente relevante e atual, foi identificado apenas uma pesquisa com amostra brasileira (Serafim et al., 2009).

Devido à influência midiática, ao deparar-se com crimes violentos e hediondos, como homicídios qualificados, questiona-se a sanidade mental do agressor, cogitando então sobre possíveis doenças mentais como fator catalisador e justificativa de um crime desse tipo (Rozel & Mulvey, 2017). Apesar de existirem diversas teorias que buscam explicar o cometimento de crimes por meio da biologia, psicologia, sociologia e política (Vito & Maahs, 2017), em casos como esses, a sociedade rapidamente julga o autor do homicídio como um psicopata.

As evidências internacionais já apontam que nem todos os homicidas são psicopatas e que eles podem cometer homicídios por motivos diversos e com comportamentos variados. Porém, nenhum estudo até o momento buscou avaliar de que forma há uma conexão entre as normas legais e os conceitos diagnósticos da psicopatia.

Os estudos brasileiros com amostra de psicopatas homicidas não objetivaram identificar possíveis relações entre psicopatia e forma de cometimento do homicídio, ou sua qualificação de acordo com o sistema penal brasileiro, constituindo uma lacuna no conhecimento científico e prático na temática (Serafim et al., 2009; Serafim et al., 2014).

Dessa forma, o presente trabalho busca avaliar a relação entre psicopatia e homicídio, com o objetivo de identificar qual a incidência de transtorno de personalidade psicopática entre homicidas encarcerados e se há maior incidência desse transtorno em casos de homicídios qualificados. O presente trabalho é guiado por duas hipóteses: 1) a incidência de psicopatia dentre os homicidas encarcerados irá ser superior à incidência média de psicopatas para toda a população carcerária, ou seja, será superior a 20%; e 2) haverá uma correlação positiva e significativa entre o índice de psicopatia demonstrado por meio do PCL-R e a quantidade de qualificadores do homicídio pelo qual os sujeitos estão encarcerados.

 

Método

A presente pesquisa foi realizada em um presídio masculino situado na cidade de Campinas Grande, Paraíba. Detentos do sexo masculino, acima de 20 anos e que estavam cumprindo pena pelo crime de homicídio foram recrutados. A amostragem foi selecionada por conveniência, aderindo aqueles que tinham disponibilidade e estavam de acordo em participar da pesquisa. Como resultado da coleta, 50 candidatos em potencial foram identificados. Entretanto, cinco deles não participaram por diferentes motivos: um se encontrava sob prisão preventiva no aguardo do julgamento sobre o homicídio; dois se recusaram a discutir sobre o crime cometido, apesar da garantia do sigilo; outro candidato teve que ser excluído da amostra devido à sua transferência para outro presídio antes da realização da entrevista, inviabilizando o acesso às demais informações; e um outro detento não possuía informações suficientes disponíveis em sua ficha criminal para poder realizar uma pontuação fidedigna do PCL-R. Por fim, a amostra foi composta por 45 detentos.

Foram utilizadas três fontes para a coleta de dados: 1) O Psychopathy Checklist - Revised (PCL-R); 2) Questionário para identificar as características sociodemográficas e criminais dos homicidas e 3) Fichas criminais dos detentos. O uso de diversas fontes de dados é uma prática recomendada na literatura para uma avaliação de psicopatia mais precisa, pois torna possível obter informações por meio do contato direto com o entrevistado, de dados objetivos de sua trajetória criminal e história de vida colhidas pela justiça e com pouco viés sobre sua veracidade (Morana, 2004).

A análise dos dados coletados por meio do PCL-R ocorreu com base no próprio manual e caderno de pontuação do teste. Esse instrumento se trata de uma escala clínica de classificação de um construto, desenvolvido para fins de avaliação de psicopatia em populações forenses, que tem o objetivo de medir traços interpessoais e afetivos, bem como antissociais e comportamentos cronicamente instáveis, socialmente desviantes. Ele é composto por 20 itens que são avaliados em uma escala tipo Likert, de 0 a 2 pontos, de acordo com a intensidade que aquela característica se aplica ao indivíduo, onde 0 significa que aquele traço é inexistente, 1 é pontuado quando o sujeito demonstra parcialmente sinais daquela característica e 2 equivale a um sujeito que possui aquela característica com intensidade e frequência elevadas.

O PCL-R divide 18 dos 20 itens em quatro temas: Interpessoal, que inclui loquacidade/charme superficial, autoestima inflada, mentira patológica e controlador/manipulador; Afetivo, com características como a ausência de remorso ou culpa, afeto superficial, insensibilidade/falta de empatia, falha em aceitar a responsabilidade pelos seus atos; Estilo de Vida, que inclui a necessidade de estimulação/tendência ao tédio, estilo de vida parasitária, falta de metas realísticas em longo prazo, impulsividade, irresponsabilidade; e, por fim, o Antissocial, que inclui o pobre controle do comportamento, delinquência juvenil, problemas comportamentais precoces, revogação de liberdade condicional e versatilidade criminal. Outros dois itens não estão dispostos em nenhum dos quatro fatores: comportamento sexual promíscuo e muitos relacionamentos conjugais de curta duração. Na proposta de Hare, onde a psicopatia é composta por dois fatores, o Fator 1 engloba os temas Interpessoal e Afetivo, enquanto o Fator 2 engloba os temas Estilo de Vida e Antissocial (Hare, 2016).

O escore total do teste varia de 0 a 40 e reflete o grau de psicopatia que o indivíduo apresenta. Hare (2016) mostra que, para pesquisa e diagnóstico, o ponto de corte geralmente utilizado é de 30 pontos, para dividir psicopatas de não psicopatas. Porém, pesquisas de validação internacional identificaram pontos de corte diferentes de acordo com cada país. Por exemplo, Cooke et al. (2005) apontam para diferenças culturais no diagnóstico de psicopatia e sugerem um ponto de corte de 28, para populações europeias. Em outros estudos realizados em países da Escandinávia, o ponto de corte utilizado no diagnóstico de psicopatia é 25 ou 26 (Jüriloo et al., 2014). Na validação desse instrumento para o Brasil, a classificação sugerida também é diferente daquela proposta nos estudos realizados na América do Norte (Morana, 2004).

Para os fins desta pesquisa, os participantes que atingiram um escore de 0 a 11,9 são considerados pessoas sem transtorno de personalidade; de 12 a 22,9 são considerados pessoas com transtorno parcial de personalidade, psicopatas moderados ou "criminosos comuns"; de 23 a 40 são considerados pessoas com transtorno global de personalidade ou psicopatas. Logo, o diagnóstico de psicopatia por meio do PCL-R em populações brasileiras segue o ponto de corte 23 (Morana, 2004).

O questionário sociodemográfico e criminal visou coletar informações relativas à idade, etnia, escolaridade e renda familiar com vistas a melhor qualificar a amostra da pesquisa, assim como dados sobre o ato criminal pelo qual o ofensor estava encarcerado, como sua relação com a vítima e instrumento utilizado no cometimento do homicídio. As fichas criminais dos detentos foram utilizadas para coletar dados corroborativos da entrevista semiestruturada do PCL-R, assim como sugerido por Morana (2004) no "Roteiro para obtenção das informações objetivas". Isso inclui, mas não se limita a: informações sobre o homicídio pelo qual o ofensor estava cumprindo pena, histórico criminal, profissional e médico, além de dados sobre seu comportamento na instituição e possíveis resultados de testes psicológicos.

Análises estatísticas descritivas e de correlação foram realizadas por meio do programa estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS), com o intuito de identificar padrões e conexões entre grau de psicopatia, características sociodemográficas e criminais, e os qualificadores do homicídio. Para análise dos qualificadores do crime, foi criado o Índice de Qualificadores do Crime, que representa a soma de todas as respostas afirmativas a existência dos qualificadores: Motivo Torpe/Recompensa, Motivo Fútil, Impossibilidade de Defesa, Encobrir Outro Crime e Meio Cruel. O índice final podia variar então de 0 a 5.

Percebe-se que apesar de haver oito qualificadores tipificados em lei, apenas cinco são considerados na pesquisa. Isto se dá, pois os casos analisados foram julgados antes de 2015, portanto, não houve qualificadores de Feminicídio (incluído pela Lei nº 13.104, de 2015), de homicídio Contra a Autoridade (incluído pela Lei nº 13.142, de 2015) ou com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido (incluído pela Lei 13.964, de 2019).

Para a realização dos cálculos de correlação, foi verificada inicialmente a normalidade das variáveis por meio da realização do teste de Kolmogorov-Smirnov e análise gráfica da distribuição do histograma. Os resultados indicaram que algumas variáveis em questão não possuem distribuição normal dos dados: "Fator 1 do PCL-R", e "Índice de Qualificadores do Crime" (p < 0,05), por esse motivo, foram realizadas análises estatísticas não paramétricas. Uma vez de posse dessas informações, foi calculado o coeficiente de correlação de Spearman entre os escores do PCL-R (tanto global quanto dos fatores) e o índice de qualificadores para o crime. Devido à baixa frequência de participantes para as categorias de homicidas considerados como normais e psicopatas, a análise em questão foi feita apenas com a categoria de Transtorno Parcial de Personalidade (Psicopatia Moderada).

O procedimento da coleta de dados se deu da seguinte forma: inicialmente, foram identificados 50 possíveis candidatos à pesquisa de acordo com o crime cometido, instituição de encarceramento e possibilidade de ser entrevistado. Diante disso, foram analisadas as fichas criminais na instituição e excluídas aquelas que não faziam parte do escopo da pesquisa ou que não tinham dados suficientes para a aplicação eficaz do PCL-R. A autorização da participação dos encarcerados foi obtida por meio de Termo de Assentimento e eles foram convocados individualmente para entrevistas nos moldes do PCL-R. Antes do início da entrevista, eles foram informados da pesquisa e seus objetivos, assim como sobre questões éticas e de sigilo. O projeto de pesquisa foi submetido e autorizado pelo Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba.

 

Resultados

O perfil dos participantes é de um homem de 34 anos de idade, cumprindo sentença de aproximadamente 24 anos, detentor de uma renda mensal familiar de até um salário mínimo, que está em uma união estável e concluiu até o Ensino Fundamental II. Nenhuma correlação significativa foi encontrada entre os dados sociodemográficos e o transtorno de personalidade ou a forma como o homicídio foi realizado. A Tabela 1 apresenta os dados socioeconômicos dos participantes em termos de frequência e porcentagem.

Por meio do questionário sobre o crime cometido pelo encarcerado e sua vida criminal, em conjunto com informações objetivas extraídas das fichas criminais de cada um dos entrevistados, foi possível obter informações sobre o comportamento criminal dos participantes. Dos homicidas, 34,1% não conheciam suas vítimas, enquanto 61,4% conheciam e tinham algum tipo de relacionamento com elas, variando de conhecidos a inimigos, a amigos e familiares. A maioria, representada por 62,8%, usou de uma arma de fogo para cometer o homicídio, 18,6% usaram uma arma branca para cometer o crime, 16,3% usaram algum outro meio para matar sua vítima e 2,3% usou um utensílio de casa na prática de seu delito.

Relativo às características do homicídio cometido, dos 45 entrevistados, 24,4% praticaram apenas o crime de homicídio, enquanto 75,6% cometeram outros crimes além do homicídio pelo qual estão presos. Dessa forma, seguindo o conceito de reincidência legal (Sapori, Santos, & Maas, 2017), os participantes que continham em sua ficha criminal condenações por alguma outra ação penal além do crime de homicídio são tratados no presente estudo como reincidentes. Dos casos de homicídios sob análise, apenas 13,3% foram julgados como sendo simples e 86,7% foram classificados como qualificados pela justiça. Os homicídios qualificados podem ainda ser categorizados de acordo com a quantidade de qualificadores, ou seja, podem ser considerados homicídios qualificados em primeiro grau, se houve a presença de apenas um qualificador, até homicídio qualificado em sétimo grau, se houver a presença de todos os qualificadores possíveis. Dentre os homicídios qualificados sob análise, 48,7% foram qualificados em primeiro grau; 48,7% qualificados em segundo grau; 2,6% qualificados em terceiro grau e nenhum foi julgado com mais do que três qualificadores. A distribuição dos qualificadores do homicídio é apresentada na Tabela 2.

Com relação aos resultados do teste PCL-R, resumidos visualmente na Tabela 3, pode ser percebido que o Fator 1, composto pelos temas Interpessoal e Afetivo, obteve média igual a 7,9 (DP = 3), sendo a pontuação mínima 0 e a máxima 12. O Fator 2, composto pelos temas Estilo de Vida e Antissocial, tem média de 7,7 (DP = 3,6), com a pontuação mínima de 0 e a máxima de 16,7. A pontuação total do PCL-R atingiu a média de 17,6 (DP = 5,6), com a mínima igual a 7 e a máxima igual a 30,6. Da amostra de 45 participantes, foram encontrados nove indivíduos (20%) com pontuação abaixo de 12, dessa forma, sem apresentar desvio de personalidade psicopática; 29 participantes (64,4%) apresentaram desvio de personalidade em um grau moderado, portadores de transtorno parcial de personalidade ou psicopatia moderada por haverem atingido uma pontuação entre 12,1 e 22,9. Por fim, foram encontrados sete indivíduos (15,6%) com psicopatia ou transtorno global de personalidade ao obter um escore de valor igual ou superior a 23. Verificou-se ainda que os participantes considerados como psicopatas moderados apresentaram as maiores taxas de reincidência. Esse grupo atingiu 8% a mais de reincidência criminal do que aqueles considerados psicopatas no PCL-R e 13% acima dos que não apresentam desvio de personalidade.

No que concerne à análise da relação entre grau de psicopatia e qualificadores do crime, assim como já informado no método, foi considerado apenas o grupo de psicopatas moderados devido à frequência da amostra. Os resultados indicaram que há uma correlação positiva estatisticamente significante entre a pontuação global obtida no PCL-R e a quantidade de qualificadores ligados ao homicídio (r = 0,399, p < 0,05). Complementarmente, foram realizadas outras análises estatísticas de correlação tendo como base a classificação de psicopatia de acordo com o PCL-R, o escore total e dos fatores 1 e 2 do PCL-R, para verificar se havia tendências e conexões entre essas variáveis indicativas de psicopatia com o tipo de vítima de homicídio, quantidade ou tipo de qualificador de homicídio. Os resultados indicaram não haver correlação estatisticamente significativa.

 

Discussão

Apesar dos diversos estudos e avanços do conhecimento acerca da psicopatia nas últimas décadas, do saber difundido da relação entre psicopatas e criminalidade, do problema de segurança pública no Brasil e da existência de um instrumento validado para a mensuração desse construto em nosso país desde 2004, pouquíssimos estudos têm se dedicado a investigar a psicopatia com uma amostra brasileira.

Ao pesquisar os estudos que se propuseram a investigar psicopatia e homicídio no Brasil, percebe-se o quão escasso é esse conhecimento específico. Partindo dessa lacuna científica, assim como da crença popular que homicídios brutais e qualificados são cometidos por psicopatas, o presente estudo investigou 45 indivíduos cumprindo pena por homicídio com vistas a verificar qual a incidência da psicopatia nessa amostra, assim como a possível relação entre o grau de psicopatia e qualificadores do crime.

A primeira hipótese a guiar a presente pesquisa sugeria que a incidência de psicopatia dentre os homicidas encarcerados seria superior à incidência média de psicopatas para toda a população carcerária. Entretanto, verificou-se que essa hipótese não foi confirmada, pois a incidência de psicopatia na amostra foi de 15,6%, enquanto Moraga et al. (2019) estimam que indivíduos considerados pelo PCL-R como psicopatas representam de 15% a 20% da população carcerária geral. Logo, mesmo que pesquisas apontem para uma maior incidência de psicopatas ao analisar ofensores de crimes violentos, isso não se mostrou real com a amostra utilizada.

Não é possível afirmar que a falsificação dessa hipótese seja advinda de uma amostra completamente diferente da população carcerária brasileira ou da população carcerária utilizada na validação do PCL-R. Afinal, os participantes da pesquisa apresentam características sociodemográficas semelhantes àquelas encontradas no sistema penitenciário brasileiro assim como mostra o levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2019). De acordo com esse levantamento, pode-se verificar que a amostra na presente pesquisa está similarmente distribuída à nacional, tendo em vista que, no Brasil, a maioria dos homens encarcerados são solteiros ou moram com alguém em modelo de união estável/amasiado. Além disso, os jovens adultos na faixa entre 18 e 45 anos de idade concentram mais de 80% dos encarcerados. A única diferença encontrada na amostra da presente pesquisa é que houve um número significativo de indivíduos que concluíram o Ensino Fundamental, diferentemente do que é encontrado a nível nacional, onde os presidiários geralmente não terminaram este estágio escolar.

Por outro lado, é possível que a incidência de psicopatia em homicidas não tenha sido superior à média, pois a amostra não foi grande o suficiente para atingir a representatividade desejada. Entretanto, a pesquisa desenvolvida por Schmitt et al. (2006), que investigou a incidência de psicopatia com uma amostra semelhante, de apenas 48 adolescentes infratores cumprindo medida socioeducativa por crimes "graves" e "não graves", encontrou resultados semelhantes àqueles obtidos em amostras internacionais. Em sua pesquisa, 83,3% dos adolescentes que haviam cometido atos infracionais graves (homicídio, latrocínio, assalto a mão armada e estupro) e 29,1% dos adolescentes que haviam cometidos atos infracionais não graves cumpriam os requisitos diagnósticos da psicopatia. Dessa forma, é necessário levantar o questionamento sobre a possibilidade de "importar" dados de outros países quanto à incidência de psicopatia no Brasil, tendo em vista que não foram encontrados estudos brasileiros cujo objetivo era verificar a sua incidência no âmbito carcerário, com crimes diversos e uma amostra grande.

Sabe-se que o diagnóstico de psicopatia sofre influências culturais e que a população carcerária brasileira difere daquela dos EUA e Europa. Considerando essas informações, é preciso que mais estudos sejam produzidos com o intuito de verificar se de fato a frequência de psicopatas no sistema carcerário brasileiro é semelhante ao encontrado em estudos em outras nações.

A segunda hipótese testada partiu da concepção de que psicopatas cometem homicídios de uma forma mais brutal e isso seria indicado por meio dos qualificadores do homicídio. Essa hipótese foi confirmada através da correlação positiva e significativa entre o índice de psicopatia demonstrado pelo PCL-R e a quantidade de qualificadores do homicídio pelo qual os sujeitos estão encarcerados.

Essa relação entre psicopatia e qualificadores de homicídio era esperada, tendo em vista as características que compõem o transtorno de personalidade psicopática. Por exemplo, um psicopata pode vir a assassinar alguém por motivos fúteis, pois tem uma capacidade reduzida de controlar seus impulsos. Da mesma forma, pode cometer um assassinato por motivo torpe, como para receber uma herança, pois ele segue um estilo de vida parasita e lhe falta empatia. Fazer uso de meio insidioso ou cruel para cometer um assassinato pode ter menos obstáculos morais e cognitivos a um psicopata do que a uma pessoa sem esse transtorno, pois eles não sentem culpa ou remorso por suas ações, assim como não sentem empatia pelo que suas vítimas estão passando.

Devido ao charme superficial, autoestima inflada, mentira patológica e personalidade manipuladora, um psicopata também pode vir a enganar a sua vítima até uma emboscada ou armadilha para matá-la. Dada a presença de delinquência juvenil e versatilidade criminal, é provável que um psicopata esteja envolvido com diversos tipos de atividades criminais, o que aumenta a probabilidade de matar uma pessoa para encobrir algum outro ato criminal que tenha cometido.

A partir dessa análise, é possível ainda estabelecer uma comparação entre os qualificadores de homicídio, psicopatia, motivação e comportamentos criminais dos ofensores. De acordo com a meta-análise conduzida por Blais et al. (2014), a psicopatia está moderadamente relacionada tanto com crimes instrumentais quanto expressivos. Percebe-se que alguns qualificadores do homicídio estão diretamente relacionados com crimes instrumentais ("motivo torpe" e "assegurar a vantagem de outro crime"), enquanto outros se aproximam de crimes expressivos ("motivo fútil"). Os demais qualificadores de homicídio ainda estão em direta relação com a ideia de um crime cometido a sangue frio ("fazendo uso de meio insidioso ou cruel" e "fazendo uso de recurso que dificulte a defesa do ofendido"), que são teoricamente conectados aos psicopatas devido à sua falta de empatia e sentir remorso (Woodworth & Porter, 2002).

Tendo em vista que na presente pesquisa não foi identificado nenhum qualificador de crime mais comum ou mais correlacionado com a psicopatia, pode-se afirmar que esta pesquisa contribui com o entendimento que psicopatas são tão propensos a cometerem crimes instrumentais quanto expressivos. Indo além, essa relação é evidenciada no código penal brasileiro por meio dos qualificadores de homicídio. É importante ressaltar que esses resultados devem ser analisados com cautela por dois motivos: 1) a análise estatística só foi possível ser realizada com o grupo denominado "psicopatas moderados"; e 2) a correlação, apesar de estatisticamente significante, foi fraca (Mukaka, 2012).

Outro fator central no estudo da psicopatia em relação à criminalidade se dá no quesito reincidência criminal. Diversos estudos apontam que psicopatas são mais prováveis de reincidir. A própria divulgação do PCL-R trazida na validação por Morana (2004), prega a necessidade do instrumento como forma de avaliar a personalidade do preso e realizar um prognóstico de reincidência criminal. De fato, o PCL-R é um dos instrumentos mais utilizados mundialmente na prática de avaliação de risco e periculosidade de encarcerados (Singh et al., 2014). Entretanto, a presente pesquisa não encontrou evidências que corroborem com os achados internacionais ou com a perspectiva que o PCL-R é o melhor instrumento no prognóstico de reincidência criminal (Salekin, Rogers, & Sewell, 1996). Esses resultados estão, porém, de comum acordo com a meta-análise conduzida por Singh, Grann e Fazel (2011), sobre os principais instrumentos de avaliação de risco e reincidência, onde foi descoberto que o PCL-R produziu os piores resultados no tocante à capacidade preditiva de reincidência criminal.

Dois pontos de atenção devem ser levantados sobre a possível justificativa pela qual a presente pesquisa não atingiu resultados semelhantes àqueles em pesquisas anteriores. Primeiramente, o ponto de corte utilizado (23 para diagnóstico de psicopatia), apesar de estar em comum acordo com o que é defendido no manual do PCL-R, aumenta a probabilidade do erro alfa ou do falso positivo (Morana, 2004). Em outras palavras, é possível que indivíduos identificados como psicopatas, utilizando esse ponto de corte, não apresentem de fato as características de personalidades suficientes para caracterizar uma psicopatia e, por esse motivo, não apresentam índices de reincidência maiores. Entretanto, uma questão mais preocupante surge, tendo em vista que o PCL-R é utilizado na prática dos psicólogos penitenciários brasileiros para contribuir com a decisão judicial, um diagnóstico falso positivo de psicopatia pode trazer consequência enormes para o sujeito (Conselho Federal de Psicologia, 2021; Yamada, 2016).

O outro ponto diz respeito às altas taxas de reincidência da amostra. Apesar de, em 1998, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) tenha divulgado que a taxa de reincidência no Brasil era de 70%, um índice que ficou marcado na ciência criminológica e na sociedade brasileira, dados mais recentes mostram uma outra realidade (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2019). A estimativa mais recente do DEPEN, de 2008, aponta uma taxa de reincidência bem menor, cerca de 43%. Da mesma maneira, pesquisas estaduais apontam taxas mais baixas que as encontradas na presente pesquisa, que variam de 24,4% a 51,4% (IPEA, 2015; Sapori et al., 2017). Porém, na presente pesquisa, a taxa de reincidência foi significativamente superior, onde apenas ¼ da amostra não era reincidente criminal. É possível, portanto, que a alta incidência de reincidentes tenha influenciado os resultados estatísticos e a possibilidade do PCL-R diferenciar reincidentes de não reincidentes.

Complementarmente, é possível que a alta taxa de reincidência se deva à definição utilizada e pela amostra específica com homicidas. A definição de reincidência criminal é ampla e abrange diversos conceitos, portanto, cada pesquisa opta por um modo e isso influencia o resultado final. No presente estudo, foi considerado como reincidentes, os participantes que contivessem em sua ficha criminal condenações por alguma outra ação penal, além do homicídio. Entretanto, a legislação brasileira não caracteriza como reincidência aquele que cometer um crime depois da condenação ter transitado em julgado (decisão judicial onde não há mais possibilidade de recorrer, podendo ser devido aos recursos terem esgotado, por acordo validado entre as partes ou pelo fim do prazo em recorrer). Em segundo lugar, a amostra neste trabalho foi composta apenas de homicidas, enquanto as pesquisas sobre reincidência utilizam dados de todos os encarcerados, independentemente do crime cometido. Assim, é possível que as características de criminosos homicidas sejam diferentes das particularidades de outros criminosos, influenciando na taxa de reincidência.

 

Conclusões

De maneira geral, este estudo contribuiu para o aumento de pesquisas sobre a psicopatia em populações carcerárias no Brasil, material escasso na realidade brasileira. Em sua maioria, os resultados demonstraram que, apesar de todos os homicidas apresentarem características psicopáticas em maior ou menor grau, poucos homicidas atingiram altos escores de psicopatia e puderam ser considerados como portadores de transtorno de personalidade psicopática, refutando a hipótese 1. Além disso, foi verificado que há uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre quantidade de qualificadores do homicídio e pontuação geral no PCL-R, confirmando a hipótese 2. Porém, essa confirmação é apenas parcial, pois os resultados foram limitados pela amostragem de psicopatas disponíveis, possibilitando essa avaliação apenas com um grupo de indivíduos considerados psicopatas moderados. Por outro lado, verificou-se que não há um padrão para a forma ou motivos que os homicídios são cometidos, havendo diversidade entre os qualificadores de homicídio, sem nenhum predominante.

No que tange às limitações, é necessário destacar a falta de informações objetivas nos arquivos de alguns apenados que dificultaram a realização de uma checagem objetiva do conteúdo da entrevista do PCL-R e até culminou na exclusão de potenciais participantes na pesquisa. Ademais, a opção por uma amostra de 45 participantes demonstrou não ser suficiente para análises estatísticas robustas, pois houve poucos participantes nos três grupos possíveis de classificação do PCL-R. Por esse motivo, é importante que esta pesquisa seja replicada, mas considerando uma amostra de detentos maiores que as que foram utilizadas aqui, para que se possa ter acesso a uma amostra mais representativa e com mais recursos disponíveis para sua execução.

É importante salientar que a aplicabilidade do PCL-R à realidade brasileira ainda encontra dificuldades. Neste artigo é levantada a problemática do ponto de corte sugerido no manual do instrumento para avaliar a possibilidade de reincidência, o que pode levar a decisões prejudiciais baseadas em diagnósticos falsos positivos. Em uma questão prática da aplicação do PCL-R, percebeu-se um impedimento da compreensão integral das perguntas propostas na entrevista semiestruturada, uma vez que algumas delas não se adequam à vivência e cotidiano dos encarcerados, com perguntas que são distantes de suas realidades e nem sempre compreendidas pelos apenados. Com frequência, os entrevistados não entenderam questões, como ao falar de hiperatividade, e sequer entenderam outros itens, necessitando de uma explicação mais detalhada e não técnica, ou a troca de termos e gírias que não se aplicavam ao contexto do estado e região onde os apenados nasceram e cresceram. A despeito dessa limitação, os autores defendem que a sua aplicação não fica comprometida, dado que o PCL-R é composto de uma entrevista semiestruturada e o entrevistador tem total liberdade para adequar as questões de acordo com seu público, contanto que ele obtenha subsídios suficientes para pontuar os 20 itens sob avaliação.

Apesar das limitações apresentadas, a presente pesquisa foi capaz de desconstruir mitos e crenças sobre a psicopatia e crimes hediondos, levantou questões relevantes no debate sobre a aplicabilidade de um instrumento amplamente divulgado no Brasil e no Mundo e ainda possibilitou um entendimento aprofundado quanto ao comportamento dos homicidas, considerando suas características criminais e pessoais, aproximando o diálogo proposto pelo Direito, Psicologia e Psiquiatria.

 

Agradecimentos

A pesquisa foi financiada pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

Financiamento

Agradecemos a Diretoria do Presídio Regional de Segurança Máxima Raimundo Asfora pela receptividade e colaboração com a presente pesquisa.

Declaração de participação da elaboração do manuscrito

Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, os autores Denis Lino, Lucas Dantas, Vanessa de Oliveira e Aline Lobato participaram da redação inicial do estudo - conceitualização, investigação, visualização, os autores Denis Lino, Lucas Dantas, Vanessa de Oliveira e Aline participaram da análise dos dados, e os autores Denis Lino, Lucas Dantas, Vanessa de Oliveira e Aline participaram da redação final do trabalho - revisão e edição.

Disponibilidade dos dados e materiais

Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante razoável solicitação ao autor principal do estudo.

Conflito de interesses

Os autores declaram que não há conflitos de interesses.

 

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Endereço para correspondência:
Denis Lino
Rua Dr. Gaspar Regueira Costa, 180
E-mail: denisvictorlino@gmail.com

Recebido em maio de 2020
Aprovado em setembro de 2021

 

 

Nota sobre os autores
Denis Lino. Psicólogo formado pela Universidade Estadual da Paraíba, MSc em Investigative and Forensic Psychology pela University of Liverpool, e doutorando em Psicologia Cognitiva na Universidade Federal de Pernambuco.
Lucas de Farias Dantas. Psicólogo formado pela Universidade Estadual da Paraíba e pós-graduado em Psicologia Jurídica pela Faculdade Reinaldo Ramos (FARR/CESREI).
Vanessa Oliveira Silva. Psicóloga formada pela Universidade Estadual da Paraíba e pós-graduada em Psicologia Jurídica pela Faculdade Reinaldo Ramos (FARR/CESREI)
Aline Lobato. Doutora em Investigative and Forensic Psychology pela University of Liverpool. Professora efetiva da Universidade Estadual da Paraíba

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