Avaliação Psicológica
ISSN 1677-0471 ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.21 no.4 Campinas out./dez. 2022
https://doi.org/10.15689/ap.2022.2104.24171.09
ARTIGOS
Claudio Simon Hutz: Entrevista com um líder em Avaliação Psicológica e Psicologia Positiva
Solange Muglia Wechsler
Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUC-CAMP. https://orcid.org/0000-0002-9757-9113
A tarefa de fazer uma entrevista com um grande amigo e colaborador é sempre prazerosa. Mais ainda, ao relembrar momentos importantes na área da avaliação psicológica que pudemos desfrutar e, ao mesmo tempo, batalhar juntos. Além de descobrir outros pontos importantes na biografia de um colega pesquisador, aumenta mais a admiração e estreita nossa amizade. A experiência de traçar pontos importantes durante a trajetória profissional, segundo o próprio Claudio Hutz indicou, foi, sem dúvida, um momento também de aprendizagem, sonhos e futuras parcerias. Com essa finalidade, serão comentados pelo próprio pesquisador as suas maiores contribuições na sua vida profissional e científica.
1. Conte um pouco sobre a história de sua formação. Quais foram as influências que mais te marcaram para a escolha da profissão de psicólogo. Algum professor, mentor?
Inicialmente minha ideia era ser economista. Fiz vestibular para Economia na UFRGS e estudei durante três semestres. Mas tive que sair do país para evitar ser preso durante a ditadura. Fui para Israel. Conversas com muitos colegas me levaram a estudar Psicologia. Fiz isso na Universidade de Haifa. Excelente curso. Aprendi muito. Mas queria fazer mestrado e doutorado em psicologia experimental.
2. Relate como foi a sua pós-graduação e em quais países. De que maneiras a sua formação nesses países influenciou o seu trabalho de volta ao Brasil?
Fui fazer mestrado e doutorado na Universidade de Iowa, nos USA. Minha dissertação de mestrado consistiu na investigação do desenvolvimento da visão binocular em bebês. No doutorado minha pesquisa se voltou para investigar o efeito da credibilidade das premissas no raciocínio logico de adolescentes. Estudei também muita estatística. De Iowa retornei ao Brasil. Aqui fui professor de psicologia experimental e de personalidade na UNISINOS. Eventualmente consegui ser contratado na UFRGS. Realizei um pós-doutorado na Universidade do Arizona. Foi um período em que pude estudar e ler muito. Durante várias décadas até os dias de hoje, sou bolsista pesquisador nível 1 A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
3. E o seu trabalho junto ao Conselho de Psicologia? Quais foram os eventos mais marcantes junto ao CFP e CRP?
Fiz parte da diretoria do Conselho Regional de Psicologia no Rio Grande do Sul. Também colaborei com o Conselho Federal de Psicologia como membro convidado da comissão de especialistas para discutir as questões do veto da Presidência da República à avaliação psicológica realizada no contexto do trânsito.
4. Você também teve importantes papéis na administração do programa de pós-graduação em Psicologia. Conte quais foram as principais conquistas e barreiras que encontrou nessas posições.
Eu e William Gomes fomos os fundadores da pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tivemos muitas conquistas, bom mestrado e doutorado, programa de excelência nota 7 pela CAPES, inclusive algumas estratégias foram seguidas, como, exemplo, por outros programa. Criamos uma disciplina de produção cientifica, a qual requer que os alunos também produzam de forma multidisciplinar, com alunos de outros orientadores, para que tenham uma visão mais ampla do tema que estão pesquisando. Barreiras são sempre as mesmas que existem nos programas de pós-graduação no país, falta de recursos, escassez de bolsas, déficits nas infraestruturas dos laboratórios.
5. No seu currículo Lattes, você apresenta contribuições para a ANPEPP e CAPES. Pode comentar um pouco sobre os maiores desafios encontrados neste trabalho?
Realmente fiz parte, por dois períodos, da comissão para avaliação de programas da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES). Sem dúvida essa foi uma experiência bastante importante, pois aprendi muito sobre a qualidade da pós-graduação. Também fui presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). No segundo congresso da ANPEPP, já surgiu a ideia de fazermos grupos de trabalhos (GTs) por área, devido à quantidade de pesquisadores interessados em participar desse evento. Foi também na ANPEPP que foi lançada a ideia de avaliação dos periódicos científicos, posteriormente seguida pela CAPES.
6. Você foi um dos fundadores e presidente do Instituto de Avaliação Psicológica (IBAP). Quais foram as suas ações principais nessa associação científica?
O IBAP foi fundado em um congresso da Sociedade Brasileira de Psicologia, em Ribeirão Preto, em 25 de outubro de 1997, tendo como presidente o Luiz Pasquali, da Universidade de Brasília. Posteriormente, a estrutura da diretoria IBAP foi reorganizada: Luiz Pasquali (presidente passado), Solange Wechsler (presidente atual), Claudio Hutz (presidente futuro), Cilio Ziviane (vice-presidente), Denise Bandeira (primeira secretária), Livia Borges (segunda secretaria), Ricardo Primi (primeiro tesoureiro) e Waldiney Gouveia (segundo tesoureiro). A fundação do IBAP, sem dúvida, foi um grande marco para a área da avaliação psicológica. Até o momento as contribuições nesta área tinham sido esparsas e de pouco impacto na formação profissional e, principalmente, na qualidade dos instrumentos psicológicos (Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica, 2022). Mas quero destacar que fui o fundador e editor chefe da revista Avaliação Psicológica, cujo lançamento ocorreu durante o I Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica em 23 de julho de 2003. A sua publicação foi feita por meio de um convênio com a antiga Casa do Psicólogo (Avaliação Psicológica, 2022). Desde o seu lançamento até os dias de hoje, a revista Avaliação Psicológica se tornou uma importante fonte de divulgação de publicações científicas na área, tanto em nível nacional quanto para os países ibero-americanos por ser de acesso aberto pela base eletrônica de periódicos em Psicologia-PEPSIC, tendo a sua qualidade reconhecida pela classificação de A2 na Qualis- CAPES (Wechsler, Hutz, & Primi, 2019).
7. Comente o seu trabalho na área da Psicologia Positiva.
A ideia de criar a Associação Brasileira de Psicologia Positiva (ABP+) foi gerada a partir de um GT da ANPEPP. A primeira diretoria da ABP+ foi composta pelas seguintes pessoas: Claudio Hutz (presidente), Solange Wechsler (vice-presidente), Claudia Giacomoni (primeira secretária), Juliana Cerentine Pacico (segunda secretaria). Fui presidente da ABP+ nas duas primeiras gestões (Giacomoni, 2018). A importância da ABP+ é demonstrar que a Psicologia Positiva pode ser estudada de forma científica, ao contrário das informações que existem em muitas páginas da internet pelo país. No grupo GT da ANPEPP de Avaliação em Psicologia Positiva e Criatividade, temos apresentado uma grande diversidade da produção científica brasileira relacionada com este tema. Em 2014, realizamos o primeiro congresso da ABP+ em Porto Alegre. Realizaremos o quarto congresso agora em 2022, novamente em Porto Alegre.
8. Quais são as suas publicações, livros ou testes que considera de maior impacto para a Psicologia brasileira?
No Laboratório de Mensuração, que coordeno na UFRGS, já produzimos uns 20 testes com os alunos. Esses testes foram publicados em dois livros sobre avaliação em Psicologia Positiva (Hutz, 2014; 2016). Também construímos e publicamos a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP), que é um dos instrumentos mais utilizados pelos psicólogos, baseada na teoria do Big Five (Nunes, Hutz, & Nunes, 2010). Organizamos uma série de livros sobre a psicometria (Hutz et al., 2015), avaliação da inteligência e da personalidade (Hutz et al., 2018), e psicodiagnóstico (Hutz & Bandeira, 2016). Também produzimos uma coletânea de livros com diferentes enfoques teóricos nas mais diversas áreas da avaliação, tais como área educacional, saúde e organizacional (Hutz et al., 2019a; 2019b; 2022). Também na área da Psicologia Positiva temos livros publicados trazendo diferentes campos de avaliação e intervenção (Hutz & Reppold, 2018, Reppold & Hutz, 2021; Vazques & Hutz, 2018, 2021). Sinto-me muito satisfeito ao saber que esses livros estão sendo utilizados na graduação e estão trazendo impacto para a melhoria da formação do psicólogo.
9. Na sua trajetória total, quais são os desafios maiores que a Psicologia brasileira tem de enfrentar para o seu crescimento
Um grande desafio é a formação de psicólogos, pois existe uma grande quantidade de cursos de graduação com poucas coisas em comum. A área da avaliação psicológica, apesar de essencial para a atuação do psicólogo, é composta por disciplinas com pouca carga horária. Além disso, a Psicologia Positiva nunca é ensinada ou mesmo discutida no âmbito das teorias psicológicas. É preciso formar mais professores, realizar mais congressos e cursos de especialização. O IBAP ofereceu alguns cursos de especialização no modelo tradicional presencial, mas necessita repensar seus cursos em formato on-line agora. Estou coordenando um novo curso on-line de avaliação psicológica, em parceria com a Universidade Federal do Paraná. O Brasil é um dos poucos países nos quais você trabalha só com a graduação. A formação é o problema básico. Devemos garantir que o psicólogo continue estudando.
10. Quais são os seus interesses atuais em pesquisa? Participa de redes de pesquisa atualmente?
Meu interesse de pesquisa continua sendo a Psicologia Positiva, sua avaliação e intervenções. Atualmente tenho participado de uma grande rede de pesquisadores internacionais sobre o burnout e sua avaliação, em diferentes países. Temos publicado bastante sobre esse tema (Sinval et al., 2022; Vinueza-Solazarno et al., 2021)
11. Quais são as suas sugestões para a melhoria da área de avaliação psicológica?
Faltam pessoas com adequada formação na área da avaliação psicológica. Houve aumento substantivo de psicólogos e pesquisadores, mas ainda existem poucos programas de pós-graduação no país que enfoquem essa área. Também precisamos ter recursos para mandar esses alunos de pós-graduação para o exterior, para fazer doutorado "sanduiche" no mínimo, assim aprenderiam mais. Com o corte de bolsas e o valor das bolsas tão baixo no momento, estamos tendo um enorme prejuízo das pesquisas nessa área, e em todas as outras também. Precisamos de um governo que invista em pesquisa e bolsas para a pós-graduação.
Conclusões
A trajetória profissional e científica do Claudio Hutz não deixa dúvidas quanto ao seu papel de líder criativo e inovador ao gerar ideias para a melhoria profissional e colocá-las em prática, por meio de ações junto às associações científicas e profissionais e confecção de produtos em forma de testes, livros e artigos. O seu idealismo como membro fundador do IBAP, da revista Avaliação Psicológica, da ABP+ abriram portas para que outros pudessem seguir esses caminhos, demonstrando assim a sua liderança transformadora. Podemos confirmar nessa entrevista muitos dos seus ideais transformados em ações que continuam tendo impacto até hoje, nos níveis profissionais e científico da formação e atuação do psicólogo, confirmando assim que deva ser uma pessoa homenageada por toda a classe da Psicologia.
Agradecimentos
Não há menções.
Financiamento
Esta pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento, sendo financiada com recursos dos próprios autores.
Contribuições dos autores
Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, a autora Solange Muglia Wechsler participou da escrita inicial do estudo - conceituação, investigação, visualização, análise de dados e escrita final do trabalho - revisão e edição.
Disponibilidade de dados e materiais
Todos os dados e sintaxe gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com completa confidencialidade devido aos requisitos do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. No entanto, o conjunto de dados e sintaxe que suportam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante solicitação razoável ao autor principal do estudo.
Conflito de interesses
Os autores declaram que não há conflitos de interesse.
Referências
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Endereço para correspondência:
Solange Muglia Wechsler
Curso de pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Avenida John Boyd Dunlop, s/n
Campinas, São Paulo, CEP:13060-904
E-mail: wechsler@puc-campinas.edu.br
Recebido em Julho de 2022
Aceito em Agosto de 2022
Nota sobre os autores
Solange Muglia Wechsler é psicóloga, com doutorado pela Universidade da Geórgia e pós-doutorado pela Universidade de Buffalo. Uma das fundadoras e presidente do IBAP, bem como da ABRAPEE e da CRIABRASILIS. Atualmente, é professora na PUCCAMP.