10 1Grupos Balint: suas especificidades e seus potenciais para uma clínica das relações do trabalhoAtuação de estagiários em Psicologia do Trabalho com grupos 
Home Page  


Revista da SPAGESP

 ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.10 no.1 Ribeirão Preto jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Método psicanalítico e o discurso da criança no grupo: um estudo piloto da sintomatologia depressiva no escolar 1

 

Psychoanalytic method and the child speech in the group: a pilot study of subsyndromal depressive symptoms in scholars

 

Método psicoanalítico y el discurso infantil en el grupo: un estudio piloto de los síntomas depresivos en el escolar

 

 

Maria Aparecida Bernardes Orlandi 2; Antonios Terzis 3

Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo foi pontuar alguns aspectos levantados em uma pesquisa piloto com um grupo de cinco crianças, tendo o método de René Kaës, do ‘Grupo como um sonho’ como suporte teórico para o enquadramento das especificidades do discurso da criança. Introduzimos uma ferramenta auxiliar, que denominamos a estrutura do discurso, como modelo de captação dos sintomas que poderiam caracterizar a sintomatologia depressiva. O método demonstrou qualidades interessantes como logística ao analista na condução de sua estratégia clínica. O estudo foi realizado no ambiente escolar conforme sugerem as mais recentes pesquisas enfocando a prevenção da depressão infantil.

Palavras-chave: Grupo; Psicanálise; Prevenção; Depressão; Infantil.


ABSTRACT

The objective in this paper was punctuate some aspects of a pilot study with a group of 5 children, with the René Kaës method of the ‘Group like a dream’ as a theoretical support framing the specificities of child speech. We introduced an auxiliary tool, that we called structure of speech, as a model to capture symptoms that might characterize subsyndromal depressive symptoms. The method demonstrated interesting logistics qualities to the analyst’s clinical strategy. The study was achieved in the school following the latest researchers suggestions to prevent children depression.

Keywords: Group; Psychoanalysis; Prevention; Depression; Childhood.


RESUMEN

Este artículo trata de algunos puntos planteados en un estudio piloto con un grupo de 5 niños, con el método de René Kaës, ‘el Grupo como un sueño’ como un marco teórico para encuadrar las particularidades del discurso infantil. Introducimos una herramienta auxiliar, que la denominamos la estructura del discurso, como un modelo para la captura de los síntomas que podrían caracterizar los síntomas depresivos. El método tiene cualidades interesantes para la logística del analista en su estrategia clínica. El estudio se realizó en el entorno escolar como sugieren las últimas investigaciones centradas en la prevención de la depresión infantil.

Palabras clave: Grupo; Psicoanálisis; Prevención; Depresión; Infantil.


 

 

O tema proposto tem o objetivo de pontuar alguns aspectos da sintomatologia depressiva infantil a partir do discurso da criança, com a proposta da utilização do método de René Kaës, do ‘Grupo como um sonho’. O método está sendo adaptado em uma pesquisa ainda em curso, com o intuito de mostrar a lógica e a forma do discurso da criança, bem como suas especificidades em relação à angústia: elaborada nos sintomas; nas atuações e/ou atualizados na representação da ilusão grupal (ver ANZIEU, 1993).

Consideramos os princípios característicos dos sintomas, pelo viés psicanalítico, os quais denunciam a vulnerabilidade da criança, ao passar do grupo familiar ao escolar onde vai validar uma estrutura psíquica em formação que pode ter sido articulada na dialética da depressão, cujo movimento caracteriza-se como a ‘sintomatologia depressiva’. Movimento que a revisão da literatura aponta principalmente para: risco da influência familial; características cognitivas ou de temperamento e sintomatologia depressiva na mãe (AVENEVOLI; MERIKANGAS, 2006). No entanto, acima de tudo está o alerta de que no Ocidente a depressão chegou a índices indicativos de epidemia; onde até os 14 anos 9% das crianças terão experimentado pelo menos um episódio severo de depressão. Mesmo onde os critérios preenchem o quadro apenas de ‘sintomatologia depressiva’ (ou subsyndromal depressive symptoms) há um déficit funcional na criança e, nas depressões que se estabelecem na infância, 84% tornam-se crônicas até a idade adulta (ABELA; HANKIN, 2008). São dados que é um verdadeiro chamamento à reflexão sobre a questão da prevenção da depressão infantil onde a grupanálise coloca-se privilegiadamente como opção lúcida.

 

CONTEXTO DO ESTUDO PILOTO

 

MÉTODO E ADAPTAÇÃO

O paradigma metodológico do ‘Grupo como um sonho’, como foi desenvolvido por Kaës (1997) é uma construção que tem em conta que as ações subjetivas e intersubjetivas no grupo acontecem em um campo fechado, cujo material circulante é semelhante àquele evocado no construto do sonho e, elaborado “no cruzamento de várias fontes, de várias emoções, de vários pensamentos e de vários discursos” (p. 30).

Os elementos da queixa (formalizada pela escola) qualificavam o grupo como um eventual espaço para a observação da sintomatologia depressiva. Lembrando que a prevenção precede ao diagnóstico, a sintomatologia depressiva é um conceito que “demanda do analista no plano intra e interpsíquico da transferência, a compreensão da dinâmica fenomenológica da vencia” (DELOYA, 2002, p. 26), para que haja uma transformação desta configuração sintomática num discurso passível de interpretação.

A interpretação do movimento das transferências constituídas a partir do resultado do discurso escutado pelos participantes do grupo como um meio de facilitação de suas próprias representações e afetos inconscientes constituem-se no material em si do processo grupal (KAËS, 2004).

Os meios espontâneos de expressão da criança surpreendem até experientes teóricos, muitas vezes não tendo relação lógica com o que o adulto lê ou vê. Assim, o desenho é um modo da criança representar seus fantasmas que são como códigos das estruturas do inconsciente, os caminhos que temos para escapar de tratá-la somente a partir do discurso do adulto (DOLTO, 2007). Também o desenho foi considerado por nós como um sonho em espaço fechado.

 

ESPAÇOS DE INTERLOCUÇÃO

A representação de espaço fechado que Freud (1920, 1923) modifica da primeira para a segunda tópica é apresentado como um modelo onde as percepções externas ao espaço psíquico do sujeito são organizadas em consonância com suas fantasias inconscientes. A realização alucinatória do desejo inconsciente busca saída pela compulsão à repetição. Vários autores (LAPLANCHE, 1998; ANZIEU, 2002; KAËS, 2004; BION, 1975) contribuem para o alargamento das fronteiras da aplicação da função do sonho na dinâmica da resolução do trauma.

Para identificar as posições que o inconsciente ocupa no grupo, Kaës (1997) formula três hipóteses: 1) o grupo é eleito como lugar onde o sujeito deposita, mobiliza ou desloca seus conteúdos e fantasias inconscientes; 2) é o lugar onde os conteúdos e fantasias inconscientes dos seus sujeitos são trabalhados; 3) é o lugar de produção do inconsciente a partir das manifestações e exigências do grupo como tal. É este terceiro conceito fez com que ele pensasse no grupo como um sonho. Ele diz que o grupo é um lugar para devaneios, imaginação, ilusão, vivência do ilusório e, que os processos primários de condensação, deslocamentos, multiplicação, figuração, encenação e dramatização combinam-se seguindo a mesma lógica de organização que seguem os pensamentos para a formação do sonho. Para ele, o grupo e o sonho têm em comum uma estrutura onde seus espaços e processos psíquicos funcionam com a lógica da articulação.

Kaës (2004) considera que o espaço onírico contém as fontes, o material e o processo do sonho, que coincidindo com o espaço psíquico é o campo da atuação do sonho. O advento do sonho num espaço psíquico por esta perspectiva nos permitiu tratar o discurso da criança (sonhando em um setting apropriado) com os mesmos critérios seletivos que movimentam suas demandas narcísicas, marcadas pela ressonância de suas experiências com o grupo primário.

Em termos patológicos a angústia reaparecerá se for o caso, mais freqüentemente na idade adulta, no entanto Ferenczi (1992, p. 139) diz, que é

...dos excessos infantis e pubertários, que o organismo deve enfrentar os ataques mais violentos da libido. Por conseguinte, são, sobretudo os períodos da primeira infância e da puberdade aqueles em que causas puramente internas podem determinar o aparecimentos de sintomas de angústia.

A escola coloca-se neste contexto como um espaço de interlocução indispensável quando se trata da problemática da prevenção, pois o professor, “é como se fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: Isso é o nosso mundo” (ARENDT, 1961, p. 49). Ao estabelecer aí, para a criança a partir dos seis anos, a confluência e a distinção entre o grupo primário e o social, surgem as demandas narcísicas, em um movimento marcado pela ressonância das suas experiências com o grupo primário, frente às exigências e esperanças que a sociedade então lhe propõe como novidade. Ele vai ‘atuar’ e ‘atualizar’ na polifonia do seu discurso, o que “implica uma concepção do sujeito urdido e trabalho pela interdiscursividade”, como diz Kaës (2004, p. 47) resgatando a concepção baktiniana.

Winnicott (1975, p. 15) diz que:

Podemos compartilhar do respeito pela experiência ilusória e, se quisermos reunir e formar um grupo com base na similaridade de nossas experiências ilusórias, essa é a raiz natural do agrupamento entre os seres humanos.

Sua fala nos remete ao espaço relacional quando acrescenta que, o padrão dos fenômenos transicionais estabelecidos na primeira infância podem persistir nos momentos de angústia e, que podemos observar o contexto grupal em função das identificações cruzadas. Ele acrescenta, “Há muitas espécies de intercomunicação e uma classificação a esse respeito parece desnecessária, visto que tal classificação envolve a criação de fronteiras artificiais” (p. 163).

O estudo com o grupo piloto segue a advertência de alguns pesquisadores (KAZDIN, 2001; KEYS; LOPES, 2002; SUTTON, 2007) que têm focado na captação da sintomatologia depressiva para tratar os primeiros sintomas e aumentar o grau de felicidade da criança. As intervenções neste sentido têm priorizado o espaço da própria comunidade onde vive a criança, incluindo a escola.

 

LOGÍSTICA DA APLICAÇÃO DO MÉTODO

Configuração do método

1. Estrutura do Grupo:

Transferência parental: Se dá do sujeito para figura parental que o analista pode representar.
Transferência em bloco: O mesmo fenômeno ocorre a partir do grupo em si para com a figura do grupoterapeuta.
Transferência fraternal: Ocorre entre os sujeitos do grupo.
Contratransferências cruzadas neste mesmo sentido.

2. Campo de ação do grupo (referência ao sonho)

Representações das fantasias inconscientes.
Espaço fechado como campo de ação.

3. Estrutura do discurso

Fenômenos, significado e interpretação
Espaço fechado como campo de ação

4. Instrumentos do método

Interpretação – Transferências e contratransferências.

 

APLICAÇÃO DO MÉTODO

Neste espaço não é possível desdobrar todo o método, mas ele foi configurado a partir da fundamentação teórica de Kaës (1997, 2004) com um formato que nos fornece uma logística de acompanhamento dos sintomas observados: nas brincadeiras; nos desenhos e nas expressões corporais. Posteriormente, transferimos os dados para uma tabela cuja estrutura foi possível montar a partir da tríade sugerida por Turato (2003) onde: o fenômeno é observado durante as sessões semanais de uma hora; o significado é dado pela criança a ele e a interpretação dada pelo analista, o que conduz a uma contínua base de dados. Esta base de dados deve ser confrontada com a base teórica de preferência do analista sobre a qualificação e estabilidade do processo de identificação da criança. O afeto depressivo situa-se na decepção deste processo e ela, diz Green (1988, p. 153), ”provoca tanto mais facilmente o movimento depressivo quando os dois objetos (interno e externo, materno e paterno) tiverem sido agentes de desilusão...”.

Os fatores de perturbação agenciados pelo objeto interno aparecendo sob forma de sintoma ficam mais claros no discurso da própria criança. À medida que o sintoma ganha um contorno na estrutura do discurso é possível ao analista traçar uma estratégia mais eficiente no desmanche da sintomatologia depressiva, prevenindo uma possível depressão.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O resultado do trabalho com o grupo piloto, a partir da estratégia clínica baseada nos dados levantados pelo método de René Kaës e, a introdução da ferramenta da estrutura do discurso, nos permitiu testar os procedimentos sugeridos por ele, incluir outros e pensar uma configuração do método com uma logística de apoio. Acreditamos que esta configuração seja capaz de subsidiar a quem pretenda seguir os caminhos da prevenção com os dados que a criança oferece nos seus meios espontâneos de expressão.

Os resultados indicam ainda que, o discurso da criança num campo fechado com suas especificidades, cumpre a tarefa de oferecer apoio ao pesquisador de grupos de crianças no ambiente escolar, no sentido de que pode trabalhar diretamente com o conteúdo latente contextualizado no discurso e não com as diretrizes da queixa.

Consideramos que o modelo adotado nas intervenções com o grupo piloto atendeu as necessidades de captação de dados sobre a sintomatologia depressiva, principalmente permitindo um distanciamento do analista para a avaliação de sua estratégia clínica no atendimento das 5 crianças que participaram da pesquisa piloto durante seis meses.

Acreditamos que ao final de um trabalho mais amplo e, subsidiados pelos dados colhidos nesta fase da pesquisa possamos oferecer um modelo capaz de introduzir um projeto de prevenção à depressão a partir dos cuidados com a sintomatologia depressiva na infância e, no ambiente escolar.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABELA, J. R. A.; RANKIN, B. L. Handbook of depression in children and adolescents. New York: Guilford Press, 2008.         [ Links ]

AVENEVOLI, S.; MERIKANGAS, K. R. Implications of high-risk family studies for prevention of depression. American Journal Prevention Medical, v.31, n. 6, p. 126-165, 2006.         [ Links ]

ARENDT, H. Between past and future. New York: Viking Press, 1961.         [ Links ]

ANZIEU, D. O grupo e o inconsciente: o imaginário grupal. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1993.         [ Links ]

ANZIEU, D. O pensar: do Eu-Pele ao Eu-Pensante. São Paulo: Caso do Psicólogo, 2002.         [ Links ]

BION, W. R. Experiências com grupos. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1975.         [ Links ]

DELOYA, D. Depressão, estação psique: refúgio, espera, encontro. São Paulo: Escuta, 2002.         [ Links ]

DOLTO, F. A imagem insconsciente do corpo. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2007.         [ Links ]

FERENCZI, S. A neurose da angústia. In: ______. Obras Completas: psicanálise IV. São Paulo: Martins Fontes, 1992.         [ Links ]

FREUD, S. (1920-1922). Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 18.         [ Links ]

FREUD, S. (1923-1925). O Ego e o Id e outros trabalhos. In: ______. Edição Standard Brasileira das Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. v. 19.         [ Links ]

GREEN, A. Narcisismo de morte. São Paulo: Escuta, 1988.         [ Links ]

KAËS, R. O grupo e sujeito do grupo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.         [ Links ]

KAËS. R. A polifonia do sonho. São Paulo: Idéias & Letras, 2004.         [ Links ]

KAZDIN, A. E. Almost clinically significant (p < . 10): current measures may only approach clinical significance. Clinical Psychology: Science and Practice, New York, v. 84, n. 4, p. 455-462, 2001.         [ Links ]

KEYS, C.; LOPEZ, S. Toward a science of mental health: positive directions in diagnosis and interventions. In: SHYDER, C.; LOPEZ, C. (Eds.). Handbook of positive psychology. New York: Oxford University Press, 2002. p. 45-62.         [ Links ]

LAPLANCHE, J. A angústia: problemáticas I. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.         [ Links ]

SUTTON, J. M. Prevention of depression in youth: a qualitative review and future suggestions. Clinical Psychology Review, New York, v. 27, n. 5, p. 552-571, 2007.         [ Links ]

TURATO, E. R. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.         [ Links ]

WINNICOTT, D. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Maria Aparecida Bernardes Orlandi
E-mail: maria.abo@puccampinas.edu.br

Recebido em 15/09/08.
1ª Revisão em 11/11/08.
Aceite Final em 19/12/08.

 

 

1 Trabalho apresentado no XVIII Congresso Latino Americano FLAPAG e X Simpósio CEFAS - “Práticas Institucionais na América Latina: Casal, Família, Grupo e Comunidade”, 2009.
2 Psicanalista. Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade Mackenzie. Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP.
3 Psicólogo, professor do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUCCAMP.