Revista da SPAGESP
ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.12 no.2 Ribeirão Preto dez. 2011
ARTIGOS
Os vínculos familiares em uma criança com pré-estrutura de personalidade psicótica
Familiar bonds of a child with pre-psychotic personality structure
Los vínculos familiares un niño con pre-estructura de la personalidad psicópata
Ana Paula Medeiros 1; Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes 2; Valéria Barbieri 3
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
RESUMO
A criança depende de cuidados físicos e emocionais, sobretudo do grupo familiar, para que alcance adequado desenvolvimento afetivo e social. Sua estrutura de personalidade é influenciada pelas experiências vividas em relação ao ambiente e pelo potencial hereditário, o que corrobora a presença da família neste processo. Assim, a estrutura de personalidade psicótica pode ser caracterizada por frustrações precoces no desenvolvimento do indivíduo. Este trabalho objetiva apresentar um caso de uma criança de sete anos, baseado no processo de triagem de um serviço-escola de uma universidade pública. Sua mãe procurou atendimento por queixas de agressividade e perda de memória do garoto. Ao longo do processo, notou-se que Rafael apresenta uma pré-estrutura de personalidade psicótica, com sintomas que indicam dificuldade de contato com a realidade e fragmentação, diagnóstico baseado no modelo teórico proposto por Bergeret. Houve vivências de privação afetiva por parte da mãe, figura paterna conflituosa e o desejo dos pais de que ele se comportasse como adulto. A criança demonstrou necessidade de vivenciar experiências em um espaço que possibilitasse a expressão do gesto espontâneo, da agressividade e do amor, para prosseguir em seu desenvolvimento emocional.
Palavras-chave: Família; Vínculo; Privação; Desenvolvimento Emocional.
ABSTRACT
Children depend upon physical and emotional care provided, above all by the family, in order to adequately reach affective and social development. Moreover, their personality structure is influenced by environmental experiences and hereditary potential. Thus, psychotic personality structure can be characterized by precocious frustrations in one's development which are strongly related to familiar bonds. This work aims to present a case of a seven-year- old-child, based on a screening process for children in a clinical school at a public university. His mother sought for support complaining about aggressive outbursts and memory loss. Throughout the process, it was outlined that Rafael has got a pre-psychotic personality, with difficulty in contact with reality and splitting as the main symptoms. The diagnosis was based on Bergeret's theoretical model. He experienced deprivation of affection on his mother's side and had a very strained relationship with his father. In addition, both parents desired him to behave like an adult. The child demonstrated the necessity to fully express his spontaneous gestures, aggressiveness and love in an adequate space in order to enhance his emotional development.
Keywords: Family; Bond; Privation; Emotional development.
RESUMEN
El niño depende de cuidados físicos y emocionales, inclusive del grupo familiar, para que alcance adecuado desarrollo afectivo y social. La estructura de su personalidad es influenciada por las experiencias ambientales vividas y por su potencial hereditario, que corrobora con la presencia de la familia en este proceso. Así, la estructura de la personalidad psicópata puede ser caracterizada por frustraciones precoces en el desarrollo de la persona. Este trabajo presenta un caso de un niño de siete años, atendido en el proceso de selección infantil en escuela clínica de la universidad pública. Su madre busco atendimiento debido a quejas de agresividad y pérdida de memoria del niño. A lo largo del proceso se notó que Rafael presenta pre-estructura de personalidad psicópata, con síntomas que evidencian la dificultad del contacto con la realidad y fragmentación. El diagnostico basó el modelo teórico de Bergeret. Él tenía experiencias con la privación afectiva de su madre, figura paterna conflictiva y el deseo de los padres de que él se comporte como adulto. El niño demostró necesidad de vivir en un espacio que posibilite la expresión espontánea de gestos, agresividad y amor, para que contribuya en su desarrollo emocional.
Palabras clave: Familia; Enlace; Privación; Desarrollo emocional.
VÍNCULOS FAMILIARES 4
Desde o nascimento, a criança necessita de cuidados afetivos e físicos, tanto para sobreviver quanto para propiciar seu desenvolvimento, sendo que, para isso, é importante que tais cuidados sejam dados pela família, sendo que os pais representam o primeiro e principal objeto vincular do filho. Além disso, a estabilidade da família, principalmente em termos psicossociais, auxilia no desenvolvimento infantil (ANDRADE; SANTOS; BASTOS; PEDROMÔNICO; ALMEIDA-FILHO; BARRETO, 2005).
Nesse sentido, Fiamenghi Junior e Messa (2007) assinalam que o grupo familiar tem influência no comportamento humano e na formação da personalidade, auxiliando o indivíduo a se inserir na comunidade e na sociedade. Os mesmos autores apontam para o fato de que todos os membros se influenciam mutuamente, sendo que a relação entre eles modifica o comportamento individual.
Desta forma, é possível perceber que o grupo familiar pode também dificultar o desenvolvimento da criança. Para Maia e Williams (2005), os pais podem influenciar negativamente seu filho por diversos motivos, como a exposição à violência e ausência de cuidados e de proteção. Além disso, muitas vezes, os sintomas da criança podem ser o reflexo de um adoecimento da família ou a sua maneira de expressar para os pais algum problema ou dificuldade, sobretudo quando relacionados a uma dificuldade resultante de um conflito familiar (SOIFER, 1983).
Quando se trata de estudos a respeito do grupo familiar e de suas influências no desenvolvimento de seus membros, nota-se que a maioria enfatiza a relação mãe-filho e a sua importância para o desenvolvimento saudável da criança. Dessa maneira, é importante afirmar que a ausência da mãe, seja fisicamente ou por um não cuidado afetivo suficiente, pode prejudicar a criança e comprometer o seu senso de realidade (WINNICOTT, 2001).
Já com relação à figura paterna, Rhode (2000) relata que ela é fundamental para que as relações triangulares edípicas sejam vivenciadas. Desta forma, a ausência do pai ou a sua presença de forma inadequada podem causar confusão mental e pensamento desarticulado na criança, influenciando negativamente seu desenvolvimento emocional.
Nesse sentido, nota-se que a presença das figuras materna e paterna, o estabelecimento de um bom vínculo entre os membros familiares e a inserção da criança em um ambiente favorecedor propiciam que ela tenha um desenvolvimento satisfatório. A ausência destes elementos, ou de um deles, pode ser caracterizada como uma privação para a criança e, assim, gerar falhas intrusivas que bloqueiam o seu amadurecimento emocional com a presença de perturbações que influenciarão negativamente seu futuro (CARETA; MOTTA, 2007).
Para compreender um pouco mais acerca da maturação emocional do indivíduo e sua relação com o ambiente familiar e social, é importante levar em consideração a estrutura de sua personalidade, bem como o funcionamento psicodinâmico advindo da mesma.
ESTRUTURA DE PERSONALIDADE
A estrutura de personalidade é definida por Bergeret (1998) como um arranjo estável, porém reversível, de elementos metapsicológicos, como os mecanismos de defesa, a relação de objeto, a evolução libidinal e egoica, entre outros. A partir desta ideia, este autor estuda a maneira como ocorrerá o desenvolvimento do indivíduo, que acaba por influenciar na constituição desta estrutura. Assim, nos estágios iniciais infantis há uma indiferenciação entre o eu e o não eu, que evolui para uma pré-organização, momento em que surgem as primeiras evidências de maturação do ego. Após esse período de pré-organização, deverá haver a estruturação da personalidade, que poderá ser psicótica ou neurótica, fato que depende do potencial hereditário e de experiências vividas até o momento.
A estrutura psicótica se caracteriza por ser a mais regredida, com frustrações precoces ocorridas na fase oral ou na fase anal de rejeição, a partir da consideração de um desenvolvimento psicossexual (FREUD, 1905/1987). Em decorrência de fixações nesta fase, o ego permanece preso a uma delas ou pode regredir em momentos de mobilização afetiva. Como o indivíduo não consegue se perceber como um objeto indiferenciado da mãe, ele é impedido de vivenciar uma relação objetal de modo genital, o que faz com que o ego esteja incompleto, experienciando uma fragmentação (BERGERET, 1998). A estrutura de personalidade psicótica é subdividida em três subestruturas: esquizofrênica, paranoica e melancólica, que se diferenciam, sobretudo, pela forma como a pessoa vivenciará a relação fusional com a mãe.
Já na estrutura de personalidade neurótica, a mais evoluída libidinalmente, a pessoa superou a segunda fase anal, não houve frustrações intensas ou fixações precoces e tem-se o acesso à triangulação genital. Contudo, tais aspectos não asseguram que o indivíduo terá uma estruturação neurótica, uma vez que o ego poderá regredir a uma estruturação psicótica se passar por conflitos internos ou externos muito intensos durante a adolescência. A estrutura de personalidade neurótica também tem as suas subestruturas: obsessiva, histérica de angústia e histérica de conversão, sendo que estas serão determinadas pela forma como o Complexo de Édipo será vivenciado e pela maneira com que o superego torna-se presente (BERGERET, 1998).
É importante destacar que, além das duas estruturas de personalidade, Bergeret (1998) assinala a existência de uma organização independente, localizada entre o psicótico e o neurótico, que tem como principais características as imprecisões e flutuações. Essa organização pode perdurar durante toda a vida e é denominada pelo autor como anestruturação, organização limítrofe ou borderline. Neste caso, o ego superou suas relações iniciais com a mãe, mas não conseguiu atingir a relação triangular, seja por um fato real ou não, mas que foi vivido como um risco de perda do objeto. Sabe-se que esse modo de funcionamento garante mobilidade e segurança ao ego, mas impede que haja uma estabilidade.
Mais especificamente, com relação ao presente trabalho, o foco será apresentar o caso de uma criança com características de funcionamento psicótico. Entretanto, como dito anteriormente, não é possível afirmar ainda sobre sua estrutura de personalidade; por este motivo, os conceitos "pré-estrutura de personalidade psicótica" e "criança com funcionamento psicótico" serão prioritariamente utilizados. De acordo com Caplan e Tanguay (1995), as principais características da criança que funciona predominantemente em um nível psicótico são: discurso vago, pensamento ilógico e incoerente, pobreza de conteúdos, sendo que esta maneira peculiar de pensar pode ser indicativa para risco de esquizofrenia.
OBJETIVO
O presente trabalho visa apresentar o caso de uma criança de sete anos, Rafael 5, triada em um serviço-escola de uma universidade pública, a fim de analisar a maneira como se dão os seus vínculos familiares, em particular, considerando seu funcionamento predominantemente psicótico, seguindo o modelo teórico descrito por Bergeret (1998).
O processo de triagem da criança ocorreu em quatro encontros: entrevista com a mãe, sessão lúdica com a criança, sessão familiar (mãe, criança e irmão), devolutiva. Nesta última sessão foi realizada uma síntese do processo com a mãe e com a criança, separadamente. O processo foi realizado por uma estagiária do último ano do Curso de Psicologia, sob supervisão da psicóloga e de um docente responsáveis pelo serviço infantil do serviço-escola. No primeiro encontro, a mãe de Rafael assinou um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido que autorizava a utilização dos dados obtidos para realização de estudos científicos.
Neste trabalho, o foco será a forma como se dão os vínculos familiares de Rafael, no intuito de compreender como estes influenciaram as experiências da criança.
CASO CLÍNICO
A mãe de Rafael, Gisele, procurou atendimento para o filho por indicação de uma neurologista e da escola. Segundo ela, o filho de sete anos sofre bullying, mas ela não sabe o motivo pelo qual isso acontece. Além disso, Gisele disse haver outros motivos pelos quais buscou atendimento para seu filho, dentre eles sua agressividade e esquecimento, já que em muitos momentos parece que ele perde a memória. A partir dos dados informados por Gisele durante a entrevista inicial, é possível assinalar algumas características da relação entre os membros da família.
Gisele conta durante a entrevista que não planejou a gestação de Rafael e que ele nasceu 20 dias antes do previsto. Segundo a mãe, a criança ficou 38 horas sem líquido amniótico, mas nasceu com um quadro bom de saúde. Um mês após o nascimento de Rafael, Gisele precisou ficar hospitalizada durante o período de dois meses, e ficou sem ter contato algum com o filho, que esteve sob os cuidados de uma tia. Esta ausência da mãe, em um período extremamente importante para o desenvolvimento emocional do bebê, pode ser vivida pela criança como uma privação inicial (WINNICOTT, 2000), fato que pode ter prejudicado seu desenvolvimento emocional, o que será confirmado no decorrer do processo de triagem.
Gisele relata que ainda mantém um relacionamento conjugal com o pai de Rafael, mas que eles não moram na mesma casa, aspecto que os distanciam e que deixa a criança confusa, sem saber se o casal parental realmente está junto ou não, chegando a questionar o porquê de morarem em casas separadas. Diante disto, Rafael não convive muito com o pai, havendo prejuízos no estabelecimento de um bom vínculo com ele, com dificuldades de testar essa figura e perceber que ela ainda sem mantém viva, como ambiente indestrutível para a criança. Assim, o pai tem sua função comprometida, transmitindo desconfiança e insegurança para o filho (WINNICOTT, 1975).
Além disso, Gisele traz também a ideia de que ela e o pai da criança exigem que Rafael se comporte como adulto, que aja com independência e que busque por si mesmo tudo aquilo de que necessita (por exemplo, ela assinala que Rafael já tem condições de trabalhar para ter seu próprio dinheiro e sustento). O garoto tem um irmão de 13 anos que já trabalha e que, por este motivo, é admirado por Rafael. Nesse sentido, entende-se que a criança precisa se comportar de uma maneira que não é esperada para a sua idade, como se não precisasse de um espaço para brincar e expressar sua criatividade, o que pode comprometer seu amadurecimento psíquico.
A partir destas informações fornecidas pela mãe de Rafael, é possível pensar o quanto a criança se sente solitária e exigida, sem poder confiar no ambiente em que está inserida. Além disso, Rafael vivenciou vários acontecimentos que contribuíram para experiências de intensa intrusão do ambiente, além de frustrações geradas pela privação afetiva em momentos precoces do seu desenvolvimento, como a ausência da mãe logo após seu nascimento. Para compreender melhor o que a experiência com um ambiente insuficientemente bom parece ter oferecido a ele, é necessário observá-lo, tanto individualmente quando junto de sua família, aspecto que confirma a relevância da realização de uma sessão lúdica e uma sessão familiar.
Durante a sessão lúdica, foi possível perceber que Rafael experenciou momentos de angústia que podem ter sido ocasionados por uma regressão a momentos importantes e mais primitivos de sua vida, momento compreendido como uma tentativa de mostrar o quanto não foi cuidado e o quanto percebe como insatisfatório o seu relacionamento com os pais. Um destes momentos ocorreu quando a criança fez um desenho de um índio vermelho, que disse se tratar de seu pai. Rafael desenhou esta figura com o rosto desconfigurado, o que pode indicar a fragmentação e fragilidade da figura paterna, e ficou bastante agitado ao tentar explicar a relação do desenho com seu pai, aspecto que remete ao comprometimento do vínculo entre Rafael e o pai. Há outro episódio que evidencia o sentido da fragmentação: Rafael começa a brincar de esconder fantoches em um determinado momento da sessão e, ao esconder um deles juntamente com sua mão embaixo da mesa, afirma que não se lembra onde está a própria mão e fica extremamente agitado e nervoso, com medo real de tê-la perdido.
Ao final desta sessão, Rafael parece vivenciar o momento de maior angústia: ele se debate, grita e empurra os brinquedos por dizer que não se recorda de quem ele é, de onde está e quem é a sua mãe. Esse fato pode ser indicativo de não integração e despersonalização (ausência de ocupar um corpo e um espaço), que acarretam em um sentimento de não pertencimento familiar. Fazendo um paralelo com as informações trazidas anteriormente, é possível afirmar que a criança sente-se perdida por não entender qual lugar deve ocupar (é preciso ganhar seu próprio dinheiro ou pode contar com a ajuda dos pais?) e por não se sentir inserido na família (ele desconfia do ambiente onde vive e de quem pode apoiá-lo emocionalmente, já que não houve experiências suficientemente boas de cuidado e holding). A confusão ainda continua após o término da sessão, pois, ao sair da sala, o garoto confunde uma mulher estranha com sua mãe (bem diferente fisicamente dela), sendo necessário que a terapeuta lhe mostrasse a mãe real para que ele pudesse se acalmar.
Na sessão familiar compareceram Rafael, Gisele e Felipe (irmão de Rafael). A ausência do pai foi justificada pelo fato de que ele não compreende que haja qualquer tipo de problema com Rafael, discordando da busca por atendimento psicoterápico, aspecto que comprova, mais uma vez, a fragilidade do vínculo entre ele, a criança e a família. Nesta sessão, pode-se perceber uma fragmentação do grupo familiar, uma vez que cada um dos presentes se envolveu em uma atividade diferente, independente um do outro. Em determinado momento da sessão, Gisele brinca com um fantoche, como se fizesse uma peça de teatro. Nesta peça ela diz que será a personagem mulher e que o homem será Felipe, pois Rafael não sabe de qual sexo ele pertence. Logo que diz isso, ela ri muito, deixando Rafael indignado e angustiado. Essa fala da mãe sugere sua dificuldade em perceber o filho e suas reais necessidades, zombando dele com hostilidade.
Durante o restante da sessão, Rafael desenvolve atividades como quebra-cabeças e recorte e colagem, brincadeiras que podem ser entendidas como uma tentativa de unificar e de diminuir a fragmentação presente nele. Gisele tenta conversar com a terapeuta e Felipe queixa-se da invasão de privacidade da mãe, que "não o entende". Este fato demonstra mais uma vez as dificuldades de relacionamento entre os membros desta família e o quanto estes vínculos influenciam no desenvolvimento de Rafael.
DISCUSSÃO
A partir dos dados clínicos apresentados e discutidos de forma sucinta, é possível perceber que Rafael não confia no ambiente em que vive, suas necessidades afetivas não foram supridas de maneira satisfatória, fazendo com que ele permaneça em seu próprio mundo, defendendo-se por meio do retraimento. Nesse sentido, em muitos momentos ele apresenta um funcionamento predominantemente psicótico, evidenciado pela dificuldade de contato com a realidade, fragmentação e pensamento confuso, presentes principalmente na sessão lúdica, possivelmente pela possibilidade de vivenciar a regressão à dependência no contato com a terapeuta.
Retomando Bergeret (1998), a estrutura de personalidade de um indivíduo é determinada tanto pelas experiências quando pelo potencial hereditário. Assim, a família influenciará fortemente o indivíduo nesta sua constituição, fato que pode ser percebido no caso analisado: Rafael parece ter sido influenciado por acontecimentos ocorridos em sua família, como o adoecimento de sua mãe e posterior hospitalização (ausência física) e o fato de os pais não morarem juntos, apesar de manter o relacionamento conjugal.
O garoto sente a ausência dos pais com sofrimento, já que eles não conseguem se relacionar de maneira mais profunda e com base na confiança. Os pais mais exigem que oferecem, mostrando-lhe a necessidade de ser independente. Esta atitude, principalmente da mãe, parece advir de um receio de que ela não saiba como exercer sua função por se sentir sem condições emocionais para tal. Assim, ela prefere que a criança não precise de seus cuidados, pois há o temor de não conseguir protegê-la. Consequentemente, Rafael se sente excluído, isolado de seu grupo familiar, aspecto que prejudica seu desenvolvimento.
Além disso, Rafael não é visto como criança que tem necessidades a serem satisfeitas, mas lhe é cobrado que tenha comportamentos adultos, como a busca do próprio sustento financeiro, sugerindo que seu amadurecimento é comprometido, ocorrendo de forma insatisfatória. É importante que a criança tenha um espaço para se desenvolver conforme as suas necessidades e capacidades, tendo figuras que a apoiem e cuidem, auxiliando seu amadurecimento. Diante disto, a psicoterapia pode funcionar como este espaço, inclusive por permitir a regressão à dependência e a possibilidade de vivenciar experiências afetivas suficientemente boas, contribuindo para a continuidade do desenvolvimento emocional da criança (WINNICOTT, 1983). Além do cuidado oferecido para Rafael, é também importante que todos os membros da família tenham a oportunidade de vivenciar o espaço terapêutico, de forma que o tratamento psicoterápico possa ajudar não apenas um, mas também o grupo familiar como um todo.
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Endereço para correspondência
Ana Paula Medeiros
E-mail: paulla_medeiros@hotmail.com
Recebido em 25/09/2011.
1ª Revisão em 29/09/2011.
Aceite Final em 15/10/2011.
1 Ana Paula Medeiros é graduanda em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). E-mail: paulla_medeiros@hotmail.com.
2 Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes é Mestre e Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Psicóloga clínica do Departamento de Psicologia da FFCLRP-USP.
3 Valéria Barbieri é Docente do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP).
4 Este texto foi revisado seguindo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2009.
5 Todos os nomes usados neste trabalho são fictícios, a fim de preservar a identidade dos participantes.