Revista da SPAGESP
ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.13 no.1 Ribeirão Preto 2012
EDITORIAL
Produção e divulgação científica: um compromisso em constante atualização
Fabio Scorsolini-Comin 1
Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,
E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.
(Fernando Pessoa, O infante)
Foi com o tema Produção e divulgação científica: Os desafios da interdisciplinaridade que ocorreu nos dias 6 a 9 de junho de 2012, na cidade de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, o XIV Simpósio da ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia), evento este que ocorre a cada dois anos e reúne os maiores pesquisadores ligados à Psicologia em nosso país. No escopo da reunião deste ano, destacou-se a produção do conhecimento no mundo contemporâneo, que cada vez mais exige relações entre várias disciplinas acadêmicas. Ainda segundo a proposta do evento, o foco na produção e divulgação alerta-nos para uma preocupação fundamental no fazer científico hoje, que se traduz sobre as formas de produção e sobre veículos de divulgação científica no Brasil (http://xivsimposioanpepp2012.com.br/).
Como discutido nos diversos espaços coletivos do evento, o desafio da interdisciplinaridade ultrapassa a necessidade de diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento e atinge diretamente as instâncias relacionadas à divulgação científica. É nesse sentido que a Revista da SPAGESP tem atendido ao convite da ANPEPP para discutir a interdisciplinaridade e o compromisso com a divulgação de experiências transformadoras e que possam subsidiar práticas e novas pesquisas em diferentes contextos. Obviamente que esse desafio não se inicia com esta reunião da ANPEPP e não se encerra na apresentação de um novo número de um periódico científico, mas deve atravessar toda a produção acadêmica no sentido de potencializar o diálogo aberto entre saberes, práticas, teorias e grupos. Assim, reforçamos com este número o nosso compromisso com a produção e a divulgação do conhecimento científico, compromisso este em constante atualização.
Inspirados nessas proposições, inauguramos nesse primeiro número do ano de 2012 as novas normas da Revista da SPAGESP, que agora passa a adotar o padrão da Sexta Edição do Manual de Publicação da American Psychological Association (APA, 2010). Os autores interessados em submeter manuscritos à Revista da SPAGESP devem, a partir de agora, seguir rigorosamente as normas descritas no manual da APA. Essa substituição visa a ampliar o diálogo deste periódico com os demais na área de ciências humanas em nosso país e no exterior, de modo a permitir que diferentes produções possam circular entre os periódicos. Além disso, o novo layout dos artigos busca trazer uma linguagem mais atual para a revista, em consonância com os parâmetros da editoração científica adotada por periódicos de expressão nacional e internacional. A partir de 2012, a revista também terá nove artigos por edição, continuando com publicação semestral.
O número 1 do volume 13 da Revista da SPAGESP é aberto com o artigo da autoria de Marcela Lança de Andrade, Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes e Valéria Barbieri, da Universidade de São Paulo. A partir do referencial psicanalítico winnicottiano, as autoras apresentam dois casos clínicos nos quais a sugestão do não encaminhamento para psicoterapia e a possibilidade de se trabalhar com a criança no ambiente familiar foram fonte de angústias e frustração para os pais. Discute-se que nem sempre essa sugestão de alta é facilmente aceita pelos pais, que podem ficar angustiados e nervosos. O artigo destaca o grupo familiar e o meio em que a criança está inserida como diretamente relacionados ao desenvolvimento infantil.
A festa Rave e o mundo fantasmático: Um estudo psicanalítico, de Maria Cristina Zago, Enídio Ilário e Antonios Terzis, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, adentra pelo universo da música eletrônica, que vem ganhando cada vez mais espaço na vida noturna urbana de adultos jovens. O estudo aborda a festa rave a partir de entrevistas com Disc Jockeys (DJs), tendo como prisma os pressupostos da grupanálise. Os autores concluem que a rave é permeada pela música e pelo uso de drogas, quando se busca a liberdade e o escapismo de um mundo causador de mal-estar no sentido freudiano do termo.
O terceiro artigo, Família, espontaneidade e crise social: O psicodrama de A vida é Bela, de Isabela Rezende Carneiro e Emerson Fernando Rasera, da Universidade Federal de Uberlândia, destaca as contribuições da teoria psicodramática para o estudo do grupo familiar por meio da análise do filme A vida é Bela. Tal leitura, na concepção dos autores, proporciona o entendimento prático e a interlocução com os conceitos psicodramáticos de matriz de identidade, conserva cultural e jogo dramático, ilustrando o valor da espontaneidade no grupo familiar.
Na sequência, Paula Chiaretti e Leda Verdiani Tfouni, da Universidade de São Paulo, apresentam o artigo intitulado Evangelho das mães: Genéricos discursivos em revistas femininas. Neste estudo, as autoras contrapõem duas formas de abordar a feminilidade: a primeira da Psicanálise Lacaniana e outra, da revista feminina, que acredita na transparência e naturalidade da mulher. As autoras analisam um excerto de uma publicação voltada para o público feminino, o Jornal das Môças, divulgado no Brasil no ano de 1944.
O quinto artigo, Grupo de encontro e reflexão: Experiência com servidores em estágio probatório, é da autoria de Tales Vilela Santeiro, Aurélia Magalhães de Souza e Fabíola Ribeiro de Moraes Santeiro, da Universidade Federal de Goiás, e Daniela Sacramento Zanini, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. O estudo aborda um assunto pouco investigado no meio científico, que é a chegada do(a) trabalhador(a) a uma nova instituição e a uma nova cidade. O artigo analisa um grupo de encontro e reflexão para auxiliar servidores de uma universidade pública em período de estágio probatório. Até o presente momento, as atividades têm resultado em ganhos adaptativos e aquisição de novas estratégias de enfrentamento para os integrantes, os quais têm nas expressões artísticas intermediações que favorecem tanto diálogos sobre suas vidas laborais quanto o reconhecimento do grupo como espaço de apoio mútuo.
Maria Carolina Gatti, do Centro Regional de Atenção aos Maus Tratos da Infância de São José do Rio Preto, e Maria Amélia Andréa, da Faculdade de Medicina de Rio Preto, apresentam o relato de experiência intitulado Acolhendo e ressignificando experiências de vida em grupo com mães adolescentes em risco de exploração sexual. O estudo destaca o trabalho com um grupo operativo com mães adolescentes em risco de exploração sexual. Os resultados apontam que o grupo contribuiu para que as adolescentes restaurassem, em parte, sua autoconfiança e esperança para enfrentarem as transformações da vida e do cotidiano.
Narração de mitologias afro-brasileiras na educação infantil: Possibilidades de atuação para uma aprendizagem democrática, de Mariana Leal de Barros, da Universidade de São Paulo, apresenta uma experiência de narração de mitologias sobre os orixás na educação infantil. Os grupos realizados com crianças de até seis anos apresentam a alegria de um menino que descobriu os poderes do Rei Xangô, o brilho no olhar da menina que admirou os cabelos crespos da Rainha do Mar e as discussões sobre o que é ser negro. Segundo a autora, esta experiência reflete como, por meio de elementos lúdicos, podemos trabalhar conteúdos necessários para uma política de inclusão desde o início da infância.
O penúltimo artigo, Costuras da construção identitária de um jovem psicótico usuário de um CAPS, da autoria de Tiago H. Rodrigues Rocha, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, revela o desenvolvimento do atendimento de um jovem psicótico, usuário de um CAPS, por meio do qual se pode perceber a possibilidade de novas articulações com o grande Outro. A partir da produção delirante de histórias que o jovem trazia às sessões, o autor destaca que foi possível construir um mínimo espaço de separação entre o usuário e o Outro primordial, o que permitiu que a identidade que aparece como algo fragmentado na psicose pudesse ser minimamente constituída, ainda que permeada por sua forma radicalmente delirante.
Também na área da saúde mental, o estudo apresentado por Marciana Gonçalves Farinha, da Universidade Federal de Goiás, e Adriana de Paula Denipotti, da Prefeitura Municipal de Orlândia, Estado de São Paulo, discute a realidade de um município de pequeno porte com relação ao serviço de saúde mental do tipo ambulatorial oferecido, bem como seus avanços, dificuldades e necessidades após a implantação da lei que visa ao processo de Reforma Psiquiátrica brasileira. A discussão das autoras revela que ainda há muito o que ser feito para que a população seja atendida de maneira a favorecer a inclusão, de fato, das pessoas acometidas de sofrimento psíquico na sociedade. Como possível solução, as autoras destacam que os serviços oferecidos no município necessitam implementar a comunicação entre os serviços e oferecer um atendimento mais eficaz.
Esperamos que esses artigos aqui apresentados possam ser úteis para a comunidade científica e para os profissionais interessados nos estudos sobre grupos, famílias, saúde mental e psicanálise. Que a busca pelo diálogo interdisciplinar possa fomentar diferentes e acaloradas discussões em torno das temáticas trazidas à baila neste primeiro número de 2012. Por fim, agradecemos a todos os assessores ad-hoc e ao Conselho Editorial, diretamente envolvidos na veiculação deste número. Desejamos a todos uma leitura proveitosa, reforçando o convite para que continuem endereçando à Revista da SPAGESP as suas produções.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
American Psychological Association (APA) (2010). Publication manual of the American Psychological Association. Washington, DC: APA. [ Links ]
1 Professor do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Editor da Revista da SPAGESP – Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo, e-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br.