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Mental

 ISSN 1679-4427 ISSN 1984-980X

Mental v.5 n.8 Barbacena jun. 2007

 

ARTIGOS

 

Psicose - diagnóstico, conceitos e reforma psiquiátrica

 

Psychosis - diagnostic, concepts and psychiatric reform

 

 

Samuel Lincoln Bezerra Lins*

Universidade Federal da Paraíba - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com este artigo tem-se o objetivo de tratar a problemática da elaboração de um diagnóstico correto na prática clínica, especificamente referente à psicose, como também explanar os conceitos e os sintomas dessa estrutura psíquica. Pretende-se também trazer uma reflexão sobre a atitude do profissional diante da inserção do psicótico num ambiente institucional.

Palavras-chave: Psicose, Diagnóstico, Reforma Psiquiátrica.


ABSTRACT

The purpose of this paper is to present the problematic of elaborating a correct diagnostic in the clinical practice, specifically concerning about psychosis. It also tries to explain concepts and symptoms of this psychic structure and think about the relation to professional with the psychotic insertion in mental health institution.

Keywords: Psychosis, Diagnostic, Psychiatric reform.


 

 

"Afinal tudo, porque tudo é eu".

"Finally everything, because everything is me".

 

Psicose: diagnóstico, conceito e reforma psiquiátrica

"Afinal tudo, porque tudo é eu".

A Psicose á uma doença bastante mencionada em várias esferas: no cotidiano popular, no cinema, como, por exemplo, no famoso filme de Alfred Hitchcock 'Psicose' e, claro, na ciência psicológica, mais especificamente na psicanálise. Com o presente ensaio objetiva-se refletir sobre as dificuldades de se elaborar um diagnóstico correto e de caracterizar a psicose. Por fim, será feita uma análise do psicótico em uma instituição.

 

1- O que é diagnóstico?

"Imperfeito? Incógnito? Divino"? - Álvaro de Campos

Sempre tenho o hábito de trazer o significado etimológico das palavras antes de começar a dialogar sobre elas, portanto, de onde viria o significado do termo diagnóstico? Segundo Cunha (1986), a palavra é oriunda do francês diagnostic, que vem do grego diagnostikós e significa "capaz de ser discernível". Ela procede de diagnosis - discernimento, exame, originário de diagignoskein, discernir.

Vieira (2001) cita três razões nas quais se faz necessário o uso do diagnóstico: 1) - para existir comunicação, trocas e transmissão de informações; 2) - para que seja possível obter uma opinião coerente que atribua um relativo poder ao que se analisa; 3) - o diagnóstico possibilita adquirir orientações importantes para se ter uma idéia de como agir e administrar a terapia.

Sua prática, no entanto, não é tão simples quanto sua definição. A grande polêmica é saber como respeitar o universo do indivíduo e classificá-lo noutro universo de diagnósticos previamente estabelecidos. Vieira afirma que "por mais que se busque preservar a singularidade, a atribuição de um diagnóstico é necessariamente a atribuição de um juízo de valor que incorpora o sujeito a uma classe" (2001, p. 171).

Seria isso justo? Correto? Ético? São perguntas que rodeiam a prática psicológica. De fato, temos de admitir que o diagnóstico é um problema para o psicanalista, e que todo diagnóstico, inevitavelmente, é uma classificação. Vieira chega à seguinte conclusão: "percebemos então que no diagnóstico há sempre um aspecto de objetivação do sujeito que consolida o peso do eu em detrimento da flutuação subjetiva" (idem).

Desse modo, o profissional que utiliza o diagnóstico como ferramenta de trabalho deve considerar a limitação dessa ferramenta, já que ela não é capaz de oferecer uma análise desprovida de erro ou vieses, assim como deve não se deixar confundir com discussões e divagações que defendem uma ruptura filosófica com o diagnóstico. Contudo, o que se tem visto é uma devoção aos manuais e aos compêndios psicopatológicos, sem que haja qualquer espaço para uma perspectiva subjetiva do indivíduo.

Hoje em dia, o diagnóstico psiquiátrico reduziu-se a um conjunto de sintomas descritos pelo CID ou DSM. Ao psiquiatra basta conhecer as listas de sintomas e enquadrar seu pacientes nos diagnósticos correspondentes. O paciente, nos dias atuais, não tem um diagnóstico: tem vários, porque seus sintomas podem compor, seguindo escalas, mais de um diagnóstico possível, o que acontecer na maioria dos casos. Não importa o ser humano que se "esconde" atrás dos sintomas, considera-se apenas a superfície e o sujeito não entra em questão (HEGERNBERG, 2004, p. 71).

Diante disso, a psicanálise, por sua vez, necessita de atenção tanto para fatores conscientes como inconscientes para a realização de um diagnóstico, ressalta Hegenberg (2004), pois demanda do terapeuta a capacidade de distinguir aquilo que pertence a ele mesmo (juízo de valor) e o que se refere ao outro. Destaca-se, assim, a importância fundamental de um diálogo significativo, oriundo da relação existente entre terapeuta-paciente (transferência-contratransferência).

Cabe ao profissional saber lidar com esse poder e buscar esse equilíbrio máximo de não se perder nas divagações dialógicas mentais nem de se prender a normas e manuais 'sagrados'. A situação se compara a uma balança: se não houver cautela, um dos extremos sempre prevalecerá e, conseqüentemente, o outro estará desnivelado. De fato, é um caminho árduo e que exige esforço; entretanto, nada mais é do que o exercício da própria prática clínica.

 

2- O que é Psicose?

"Afinal tudo, porque tudo é eu".

Quem trabalha com pacientes psicóticos precisa ter conhecimento aprofundado do tema, assim como vivência na prática clínica e/ou institucional. Por isso, primeiramente, será feita breve explanação sobre os elementos tipológicos estruturantes do psiquismo segundo Freud. Em seguida, serão apontadas as principais características que definem o indivíduo psicótico. Tais esclarecimentos nos fornecerão a base para compreender como se dá o funcionamento da personalidade psicótica.

Três são as estruturas que compõem o psiquismo, id, ego e superego. O Id é a única estrutura com a qual o indivíduo nasce. O id é um reservatório de energia instintiva. Dela se deriva as outras duas estruturas psicológicas, o ego e superego. O id consiste numa estrutura psíquica 'exigente', repleta de desejos e pulsões e não é influenciada pelas demandas do mundo exterior, ou seja, a realidade. O id é movido pelo principio do prazer.

Já o Ego é direcionado para a realidade e busca a satisfação das necessidades através de meios aceitáveis socialmente; logo, o ego se opõe ao id em relação ao princípio do prazer, pois o ego atua de acordo com o princípio da realidade. Por fim, o Superego é a consciência, a censura. Essa estrutura da personalidade é formada pelas leis e pelos padrões da cultura na qual o sujeito está inserido.

Mas e a Psicose? Como a definiríamos? Zimerman (1999) distingue três situações: 1) - psicose propriamente dita; 2) - estado psicótico; 3) - condição psicótica. O que nos interessa aqui é a psicose propriamente dita. O autor define que as psicoses "implicam um processo deteriorativo das funções do ego, a tal ponto que haja, em graus variáveis, algum sério prejuízo do contato com a realidade. É o caso, por exemplo, das diferentes formas de esquizofrenias crônicas" (ZIMERMAN, 1999, p. 227).

Portanto, a psicose tem como núcleo estruturante central a prevalência do princípio do prazer sobre o princípio da realidade. Dessa forma, as funções do ego são prejudicadas, caracterizando o contato do indivíduo psicótico com seu mundo externo como um ambiente restrito ao seu universo interpsíquico, ou seja, um mundo só seu.

Freud, em 1924, em seu escrito A perda da realidade na Neurose e na Psicose, permite entendermos a psicose como um distanciamento do ego (a serviço do id) da realidade, com predomínio do id (e não o princípio da realidade) sobre o ego em si. Ele estabeleceu a existência de duas fases para o desenvolvimento de uma defesa psicótica diante um estímulo. Inicialmente, o distanciamento do ego para muito além da realidade do estímulo apresentado; em seguida, uma possibilidade de tentar reparar o dano provocado pelo distanciamento, por meio do restabelecimento dos contatos do indivíduo com a realidade que o cerca, mas à custa do id (SOARES e MIRÂNDOLA, 1998).

Definimos a doença em si, mas quais seriam as características de um psicótico? Hegenberg (2001) caracteriza as pessoas psicóticas como:

Profundas, centradas nelas mesmas, estabelecendo uma delicada relação com o ambiente porque esse ambiente pode ser fator de desorganização pessoal [...] têm um mundo interno rico, em função do id como instância dominante. A criatividade do tipo P é grande em função desse contato profundo com seu mundo interno, sendo que suas idéias próprias, que não precisam respeitar regras ou opiniões alheias, também se dão em função dessa riqueza do mundo interior (HEGENBERG, 2001, p. 98).

Além dessas características, existe um fator que define o quadro do psicótico, a questão social. O psicótico tem dificuldade de se desempenhar no campo social. Em termos psicanalíticos, ele apresenta dificuldade de se desempenhar diante do outro, no espaço do outro.

Podemos dizer a dificuldade de constituir o próprio campo do Outro como isso que ele é para nós, neuróticos: o campo de nossa existência (social), o campo simbólico onde um sujeito (simbólico/social) pode se realizar e se exercer como sujeito (TENÓRIO, 2001, p. 98).

A natureza da angústia, na personalidade psicótica, é de fragmentação. Não há organização do superego, pois o que domina é a organização do id, que direciona a um conflito com a realidade. Logo, a relação com o outro é fusional (SOARES e MIRÂNDOLA, 1998).

Com relação ao pensamento, no psicótico acontece o que podemos chamar de clivagem, isto é, o pensamento delirante primário não se reprime nem fica embutido, o que o possibilita agir com uma normalidade aparente. Como seu pensamento é prisioneiro, ele não possui o prazer de pensar nem liberdade e autonomia para elaborar novos pensamentos (ALBUQUERQUE, 1995). Por isso o psicótico tem dificuldade em criar metáforas (conotações secundárias, no sentido figurado); aquilo que ele escuta é interpretado de forma literal. Se um paciente psicótico ouve falar que a cabeça de alguém está "cheia de lixo", vai entender que o crânio dessa pessoa se encontra repleto de objetos sujos. Pode ser que ele até fique angustiado por não poder retirar esse "lixo" de lá. O psicótico não tem capacidade de abstrair.

Intrínseco ao pensamento, encontramos os afetos que também não são típicos. Ao psicótico não é permitido experenciar os sentimentos genuínos que vivencia. Na psicose incide, portanto, uma interdição no registro da 'nominação dos afetos', tornando-os sentimentos, o que não possibilita nomear adequadamente as vivências cuja causa esteja relacionada à significação ausente (ALBUQUERQUE, 1995).

Além do pensamento e do afeto, o profissional precisa estar atento ao contexto em que o psicótico está inserido, principalmente no que se diz respeito a sua família, que, num aspecto mais amplo, apresenta "características psicóticas" como a clausura. Elas são fechadas, possuem um mundo próprio e desfavorecem as regras e o que é dito no meio social, ou seja, tais características impedem uma interlocução sadia do sujeito com o que é diferente, com estímulos derivados do campo não familiar que poderiam oferecer certa autonomia e liberdade. Desse modo, tais observações nos permite considerar a possibilidade de uma "transmissão" da psicose entre os membros que compõem a família (ALBUQUERQUE, 1995).

 

3- Psicose na instituição

"Eu fico eu".

Atualmente, tais sujeitos psicóticos são encontrados em instituições manicomiais, e muito se tem falado sobre a Reforma Psiquiátrica (AMARANTE, 1995; PONTES e FRAGA, 1997; GONÇALVES e SENA, 2001; TENÓRIO, 2002; OLIVEIRA e ALESSI, 2005).

Michel Foucault foi essencial para reescrever a história da loucura, da psiquiatria e as formas da sociedade moderna lidar não só com a loucura, mas com todos os tipos de divergência, desvio e diferença cultural e social. Foucault foi também um representante significativo no debate da Reforma Psiquiátrica. "Compreendemos a Reforma Psiquiátrica como um movimento, um processo histórico que se constitui pela crítica ao paradigma médico-psiquiátrico e pelas práticas que transformam e superam esse paradigma" (AMARANTE, 2005, p. 192).

Hoje, a Reforma Psiquiátrica é parte das políticas de saúde, sobretudo na esfera dos governos municipais. No âmbito federal, a nova proposta de lei 3.657, de 1989(14), após ser aprovada na Câmara dos Deputados em 1991, também obteve sucesso no Senado e, somente em janeiro de 1990, foi sancionado um projeto substituto.

Entre tantos argumentos contra e a favor da Reforma, que vão desde um subjetivismo piegas até discursos sóciopolíticos revolucionários contra a psiquiatria, o que se apresenta como mais coerente é o de Tenório (2001). Esse autor reúne a realidade da Reforma com a prática psicanalítica: "A reforma psiquiátrica é a tentativa de dar ao problema da loucura uma determinada resposta social. Penso que a reforma psiquiátrica concerne à psicanálise justamente por ser uma resposta social à loucura" (p. 93).

Ele ressalta e valoriza a função da psicanálise no meio de todo esse conflito ideológico e real, não como mera ferramenta de trabalho, mas como respaldo de conhecimento útil e eficaz, que contribui para uma discussão legítima da Reforma.

Todo esse debate traz uma reflexão sobre as atuações dos profissionais numa instituição psiquiátrica. Visto que eles não mais podem atuar isoladamente, a Reforma inclui e exige a participação de todos.

Segundo Vieira Filho (2005), "o psicólogo é, então, solicitado a trabalhar numa prática complexa, interdisciplinar, com recursos terapêuticos diversos, na qual as ações intra e interorganizacionais aparecem interligadas umas com as outras, formando um circuito de rede institucional". Aquela visão individualista no trabalho institucional está em desuso; quanto mais integrados os profissionais estiverem e mais recursos adequados e condizentes com suas práticas e realidades forem aplicados, melhor será a eficiência e a qualidade do trabalho terapêutico realizado com os pacientes.

Já foi mencionada a dificuldade do psicótico em estabelecer laços sociais, porém, com o discurso da Reforma Psiquiátrica de integrar o paciente à sociedade, como ficaria essa ambigüidade? Tenório (2001) explana que essa imposição ao psicótico, a que ele denomina "ideais de integração", incentivados pela crença da possibilidade de o psicótico estabelecer um laço social satisfatório, considera que esse desejo do social é intrínseco a esse tipo de paciente. Assim, quando esse ideal não é alcançado, ocorre uma insatisfação por parte do profissional, que se sente frustrado, ou ele mesmo atribui a culpa ao paciente psicótico.

Essa crença é movida, também, por uma certa romantização da loucura e enfatiza apenas espaços coletivos e de acordo com os objetivos de reabilitação psicossocial. Junto dessa crença pode haver uma negligência, no sentido de não proporcionar ao psicótico um espaço de trabalho subjetivo particular, no qual ele tenha a possibilidade de interpretar os fenômenos e as dificuldades que acometem uma "inscrição do sujeito".

Ao contrário do que se possa pensar, portanto a afirmação pela psicanálise de uma dificuldade intrínseca ao psicótico de freqüentar o laço social não nos demite, a nós psicanalistas, de nossa responsabilidade em relação ao modo como, na sociedade, é agenciada a loucura, e admitida ou recusada a psicose (TENÓRIO, 2001, p. 100).

Tenório (2001) salienta a necessidade de saber distinguir as atitudes produzidas pela ética da Reforma Psiquiátrica e pela ética dos cuidados, o que é feito a partir de uma visão psicanalítica. Esta última enfatiza a importância do cuidar no caso da psicose, contribuindo, assim, para o pronto engajamento dos psicanalistas nas instituições que o promovem. Porém, a psicanálise deve buscar aplicar, nas práticas de cuidado, a realidade em relação ao percurso dificultoso para o desenvolvimento do laço social pelo sujeito na psicose, mas não se pode negar que existe um foco de conflito entre os valores humanistas da Reforma e a psicanálise.

Não podemos deixar de lado a psicoterapia do psicótico; o equilíbrio sempre deve ser o foco. Não se deve centralizar tanto na coletividade, impondo ao sujeito psicótico a criação de laços sociais (integração social) nem no individual, com uma visão simplista e singular do paciente (psicoterapia). Ambas são importantes, têm seu valor e seu espaço.

Nunes (1980) admite que a psicoterapia com sujeitos psicóticos tem como objetivo ajudá-lo a discernir a realidade externa da interna. Porém, para que tal discriminação seja possível, deve-se procurar uma linguagem comum que proporcione uma comunicação eficaz do paciente com seu terapeuta. Não adianta o psicoterapeuta utilizar uma comunicação unilateral, pois a psicoterapia é uma via de mão dupla, na qual ambos devem interagir e estabelecer um canal (transferência-contratransferência) em que tanto o emissor quanto o receptor da informação se comuniquem.

Nesse relacionamento paciente-terapeuta, Levik e Tepp, citado por Soares e Mirândola (1998), sugerem que a transferência idealizada possivelmente seja a mais aplicável nos sujeitos com psicose esquizofrênica do que se podia imaginar.

Segundo Abreu (1979), o profissional deve contribuir para reforçar as defesas elaboradas pelo paciente, procurar evitar a mobilização dos seus conflitos e diminuir o peso pressionado por seu ego enfraquecido. Portanto, é dever do profissional não estimular uma 'crise psicótica', mas utilizar as próprias defesas e mecanismos intrínsecos ao paciente, respeitando sua individualidade e seu ego debilitado, para que seus conflitos não ocupem um espaço que ofereça sofrimento.

Tais ações são contrárias às experiências de Charcot, que fazia manifestar a crise nos internos do hospital psiquiátrico, especificamente os portadores de histeria, para exercer seu "poder médico". Isso fazia dele o "mestre da loucura", visto que o próprio provocava a crise histérica, como também a aplacava. O paciente era um mero vassalo subjugado a seus poderes (FOULCAULT, 1975).

Quando partimos para a prática institucional, observamos as disparidades. Albuquerque (1995) explana que as relações interpessoais na instituição são movidas pelo prestígio e não pelas normas institucionais estabelecidas, até porque muitos trabalhadores não a conhecem ou não as querem conhecer. Elas são utilizadas apenas quando necessárias, pois são considerados "empecilhos burocráticos", e, quando alguma autoridade pretende implantar algum projeto ou realizar um programa, toma decisões arbitrárias, que não levam em consideração os que estão envolvidos no processo.

 

4- Considerações Finais

Durante todo este ensaio, os versos do poema "Eu", de Fernando Pessoa (que utilizou seu heterônimo Álvaro de Campos), acompanharam-nos.

Para Freud (1974; 1976), as forças que impulsionam a arte têm origem nos mesmos conflitos que levam sujeitos a desenvolver neuroses. Assim, a arte estabelece "um domínio intermediário entre a realidade, que nos nega o cumprimento de nossos desejos, e o mundo da fantasia, que procura sua satisfação". O indivíduo, por meio de suas expressões artísticas (escultura, pintura, poesia...), é capaz de reproduzir seu mundo interior, seus desejos, anseios e frustrações. A arte permite articular o íntimo mais obscuro com a realidade externa.

Em Escritores Criativos e Devaneios, Freud demonstra que o escritor "dirige sua atenção para o inconsciente de sua própria mente, auscultando suas possíveis manifestações e expressando-as através da arte, em vez de suprimi-las por uma crítica consciente." Acredito que esses fragmentos poéticos retratam bem o mundo interno de um psicótico. Coincidências? Não posso afirmar, o que sei é que para Fernando Pessoa "o poeta é um fingidor..."

Por fim, Foucault (1979) afirmava que o conhecimento gera poder, que pode ser canalizado para atos bons ou maus. A história da humanidade está repleta de exemplos de ambas as situações. Com os profissionais ocorre o mesmo. No caso daqueles que trabalham com psicóticos, a aquisição de poder, seja mediante a ocupação de cargo, a obtenção de titulação acadêmica ou até mesmo o fato de se considerarem mais sábios e até superiores ao paciente, pode levá-los a utilizar o conhecimento para fins proveitosos ou perigosos na prática terapêutica da psicose.

Conhecimento, ética e flexibilidade foram os três pontos abordados neste ensaio. O conhecimento é necessário para diagnosticar da forma 'correta', ou seja, saber o que caracteriza o sujeito psicótico. Para isso, é fundamental a ética, que permite sua eficiência na prática profissional tanto com o paciente quanto com os parceiros de trabalho. O que estará mediando esses dois pontos é a flexibilidade, a habilidade que o profissional deve obter para saber lidar com as condições ambientais, sejam elas oriundas de políticas aplicadas na instituição em que está inserido, de sua formação intelectual e da própria postura que assume diante dos debates de temas relevantes à sua prática; nesse caso, a Reforma Psiquiátrica e o paciente psicótico.

A busca pelo equilíbrio deve ser constante; o profissional não deve permanecer estático e isolado em seu mundo, mas disposto a procurar uma 'estabilidade dinâmica' e manter suas próprias convicções teóricas. Ao mesmo tempo, deve estar aberto a novas possibilidades que possam contribuir para seu desenvolvimento profissional.

 

Eu
Eu, eu mesmo...
Eu, cheio de todos os cansaços
Quantos o mundo pode dar. —
Eu...
Afinal tudo, porque tudo é eu,
E até as estrelas, ao que parece,
Me saíram da algibeira para deslumbrar crianças...
Que crianças não sei...
Eu...
Imperfeito? Incógnito? Divino?
Não sei...
Eu...
Tive um passado? Sem dúvida...
Tenho um presente? Sem dúvida...
Terei um futuro? Sem dúvida...
A vida que pare de aqui a pouco...
Mas eu, eu...
Eu sou eu,
Eu fico eu,
Eu...

 

Referências

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Endereço para correspondência
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E-mail: samuelufpb@yahoo.com.br

Artigo recebido em: 21/3/2007
Aprovado para publicação em: 10/4/2007

 

 

*Graduando em Psicologia na Universidade Federal da Paraíba - UFPB, bolsista Iniciação Científica/Cnpq.

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