Mental
ISSN 1679-4427 ISSN 1984-980X
Mental v.5 n.9 Barbacena nov. 2007
ARTIGOS
As dependências patológicas
The pathological dependences
Carlo Viganò*; Roseli Cordeiro Pereira (Tradução); Maria Helena Boratto Jabur (Revisão)
Associação Mundial de Psicanálise - França
Causa Freudiana de Paris - França
RESUMO
O artigo aborda a temática das dependências patológicas e aponta a mudança de enfoque ocorrida no tratamento do tema. O foco se desloca da ênfase na substância para a personalidade do sujeito. Critica-se o enfoque que a Medicina dá ao tema ao lembrar que o corpo é significacado pelo sujeito. Lembra que o sofrimento que acompanha certos sintomas, às vezes, está ligado a um vínculo social satisfatório. Por isso considera-se a dependência patológica uma inibição. Após sintetizar a função do pai no Édipo em dois tempos da sexualidade explica-se a natureza do sintoma. Posteriormente, aborda-se a temática da sintomatização da adolescência. Após apresentar brevemente um caso clínico, ressalta-se a análise como lugar de elaboração de uma imagem corporal virtual, de descoberta do próprio corpo como substrato do ser.
Palavras-chave: Dependência patológica, Psicanálise, Sintoma, Clínica, Sujeito.
ABSTRACT
The article talks about the pathological dependences and points the change that occurs in this problem's treatment.The focus dislocates from the emphasis in the substance to the subject's personality. The author criticizes the way the Medicine deals with this question, remembering that the body is signified by the subject. He says that the suffering that is present in some symptoms sometimes is linked to a satisfactory social bond. Therefore, the pathological dependence is considered a inhibition. After synthecizing the father's function in the Édipo in two times of the sexuality, he justifies the type of the symptom. Later, he talks about the teenager's contemporary symptom. After presenting briefly a clinical case, he stands out the analysis as a place of virtual body image's elaboration, a place of discovery of the proper body as substratum of the being.
Keywords: Pathological dependence, Psychoanalysis, Symptom, Clinic, Citizen.
Só há pouco tempo o tema "dependência" assumiu configuração clínica no âmbito da saúde mental1. Seu foco foi se deslocando da substância (na Itália, o protótipo foi a heroína) para a personalidade do sujeito que dela abusa. Enquanto as substâncias se multiplicam, de modo exponencial, e mostram, de forma destacada, sua homogeneidade com a sociedade de consumo, ao mesmo tempo nota-se certa uniformidade na história dos sujeitos. Ela aparece como história de aprisionamento no desenvolvimento do sujeito, no limiar do tornar-se adulto, quando deve decidir por uma identidade de gênero e por uma forma de gozo. O sujeito age como o jumento diante do burro; ele empaca e, então, a substância, qualquer que seja ela, torna-se o universo de referência, um tipo de realidade substitutiva.
Trata-se de uma clínica que ainda não tem uma clara correspondência em relação às estruturas terapêuticas; tanto que, para se tomar qualquer um em tratamento, recorre-se ao artifício do "duplo diagnóstico". Até há pouco tempo, prevalecia a concepção estritamente sociológica de comportamento desviante (concepção moral), à qual se opôs, primeiramente, o movimento, de origem protestante, dos AA, reivindicando para o alcoolismo o termo de doença.
Devemos acrescentar que, nos últimos anos, a dimensão clínica tem passado por um fortíssimo redimensionamento em sentido reducionista, que resolve o tradicional mente-corpo com uma equação: mente = corpo. Em conseqüência, perde-se também o sentido da palavra "clínica", que indica o saber que se busca na observação ao leito (Kliné) do paciente, caso a caso. O lugar da observação se desloca do leito e, portanto, do corpo vivente e que sofre, ao computador, que recebe todos os dados dos exames. Em outros termos, a equação médica se empenha em uma pesquisa no corpo dos indicadores correspondentes ao sofrimento ou ao gozo do qual o sujeito daquele corpo se lamentaria.
O fato é que o corpo está sendo examinado em laboratório e não mais escutado ("auscultado") no leito, o que produz uma grande distorção, que está na base das contradições dessa clínica. Trata-se de uma segunda equação, que ajuda a primeira, mais difícil de colher, aquela de corpo = carne. Entretanto, da primeira se pode dizer que seja propriamente produto da clínica psicanalítica; a segunda não é nada além de um modo de renegar a primeira. Se o corpo chega a falar (e a pensar), é propriamente porque existiu um trabalho de subjetivação, de apropriação da carne para fazer dela um sujeito, uma identificação. É aquilo que Freud descrevia como trabalho de luto e que está na base da passagem do narcisismo à relação de objeto. Quando não consegue isso, então o sujeito deverá tornar objeto qualquer coisa que tira da própria esfera: a imagem. Veremos que a substância, objeto do mercado, é funcional para tornar a própria imagem ilusoriamente equivalente a um objeto real.
A Psicologia acadêmica se esforça para colocar a dependência patológica como doença. De fato, o tratado citado diz que essa dependência "tem como alvo principal a mudança da percepção de si e do ambiente circundante, que devem servir para modificar o estado de consciência ordinário em cujo mal-estar e em cujo sofrimento não pode ser regulado de outra forma". A alteração do estado de consciência era também o que os poetas e os artistas procuravam, em particular, na época surrealista. Mas essa raiz cultural, que queria se refazer no uso ritual da droga, em certas práticas mágicas ou religiosas, não explica nada da clínica atual da dependência. Na Psicologia, falta a categoria do corpo como equivalente psíquico, como subjetivação da carne. Na Medicina, falta, ao contrário, a idéia de que nem toda carne vivente que se submete aos testes de laboratório faz parte do corpo de um sujeito.
Para esclarecer a concepção atualmente dominante da psicopatologia, recorro a uma projeção do sujeito sobre a cena social, baseada na objetivação dos comportamentos e em seu desvio estatístico da normalidade (DSM). Isso, porém, é uma orientação anti-clínica, que leva a tratamentos do tipo "cognitivo-comportamental" que não incidem sobre a subjetividade, mas contribuem para cancelar nela a sensibilidade ética. Aquilo que, assim, vem forcluído é a idéia freudiana da patologia como condição do viver civil. O sujeito é causado pela linguagem, depende dela, se ele quiser (é melhor para ele, pois, assim, poderá se tornar sujeito). Essa posicionamento de dependência da cultura, da ordem simbólica, comporta uma renúncia ao gozo. Substituir o significante à coisa obriga o homem a uma busca da satisfação que renuncia ao gozo direto da coisa, para seguir as vias do discurso (a demanda, a mediação do Outro). É o "mal-estar da civilização", que, no nível da história particular de cada um, toma as formas do sintoma neurótico (compromisso entre renúncia pulsional e satisfação por meio de objetos parciais, dito sintoma) ou aquilo do absoluto psicótico: refugo da mediação do Outro e satisfação alucinatória ou de passagem ao ato.
A via do sintoma é de longa construção e advém nos dois tempos que o desenvolvimento sexual do ser falante prevê: uma sexualidade infantil, um tempo de latência. No segundo tempo, assim como se desenvolve o primeiro, dito da educação - da pulsão, por meio da transferência sobre o saber & surge uma sexualidade adulta, sintomática. O sintoma é uma estrutura necessária, ainda se sua forma é contingente e, por isso, a função normalizante é do simbólico como tal (a lei paterna ou edípica).
Para o psicanalista, o sofrimento que, muitas vezes, acompanha certos sintomas, não é ligado à patologia, ao pathos da incidência significante, mas ao seu êxito, no que diz respeito ao discurso do sujeito, ao fato que o sintoma cria para ele, um a um, vínculo social satisfatório. Quando o sintoma não estrutura uma coincidência (que é o significado etimológico de sintoma) comunicativa, mas isola o sujeito e se torna insuportável (angústia), então pode nascer a invocação à ajuda. Digo "pode", porque sabemos o quanto isso é problemático em muitos casos de psicose (sujeito fora do discurso) e também de neurose (sujeito vítima do próprio fantasma) e devemos considerar esse aspecto (invocação à ajuda), nas dependências, como nova forma social da inibição.
A dependência patológica é, por isso, uma forma de inibição pela qual o sujeito não chega a se autorizar a fazer da carne o lugar de uma identidade sexual, de um desejo que o torna "corpo próprio".
No que diz respeito a essa visão da clínica como questão de comunicação humana (não falei da perversão para ser breve), devemos apontar a clínica das dependências. Acrescento que a clínica do sujeito não se opõe aos conhecimentos neurobiológicos, mas, ao contrário, passa a integrá-la segundo o critério pelo qual a causa científica universal de um fato bioquímico entra em ressonância com o fato particular dos efeitos de significação (produção do sujeito) e segundo os modos da plasticidade já conhecidos em genética. Plasticidade é, por isso, o êxito feliz de um encontro entre duas faltas, a do nível universal com a do particular. Quem se opõe a essa plasticidade não o faz em nome das leis científicas, mas em nome da própria necessidade de não querer saber do sujeito e da comunicação em nível de tratamento. Em outros termos, o biologismo é uma defesa social do operador do real do sofrimento. Se quiséssemos nos limitar aqui à causalidade de tipo científico (química e comportamentismo), eu poderia encerrar aqui a questão. Devemos, porém, saber que contribuiríamos para zerar a questão ética que a clínica comporta e, por isso, transformar a sociedade em um campo de concentração ou em um conjunto desses campos.
Freud teve a primeira intuição do lugar clínico ocupado pelas dependências quando, ao falar do mal-estar da civilização, deu o exemplo da droga (morfina) como solução alternativa à construção do sintoma neurótico. Não é um refugo total do Outro pela mediação simbólica, como na psicose, mas só porque resguarda as satisfações mais ligadas ao corpo e, por isso, à responsabilidade de fazer dele o objeto do desejo sexual. Essa maneira de dizer sobre a parcialidade do refugo é minha, porque se pode fazê-la a partir da coincidência largamente provada pela clínica entre insurgência das práticas específicas da dependência e até da latência sexual. Latência que é, muitas vezes, prolongável e, também, a desmedida do próprio sujeito.
A adolescência com sintoma
O tempo de latência assinala uma escansão, uma descontinuidade entre o tempo infantil da vida sexual e a de "adulto" e em gênero se acompanha pela transformação puberal (precedida pela maturação dos caracteres sexuais secundários, aqueles que resguardam a imagem, o corpo com ideal), isto é, pelo real somático da fertilidade. É um salto de qualidade, que Freud estigmatiza como saída do complexo de Édipo. Que quer dizer?
Para a criança, a satisfação era obtida por meio de objetos pulsionais, objetos "parciais", ligados à relação com a mãe, tirados do corpo e capazes de compensar o sujeito pela ausência da mãe (Freud fala disso como de uma sexualidade polimorfo-perversa). O recalque do valor erótico desses objetos (oral, anal, visual e auditivo) era garantido pela "ingenuidade infantil". Até aqui, portanto, a lei paterna é veiculada pela realidade: a mãe não é objeto sexual (incesto) no simbólico e este se apoia sobre a imaturidade biológica. Com a transformação real do corpo, a proibição do incesto deve ser assumida pelo filho como castração simbólica, e isso é facilitado pela lei do pai, que não é mais unicamente de proibição, mas se transforma em dom. A função do pai como doador de uma competência adulta na vida sexual é formalizada por Lacan como "metáfora paterna" e consiste na capacidade de sublimar os objetos da pulsão, de dar ao objeto parcial infantil um valor simbólico erótico, o valor fálico. É com essa habilidade que o sujeito poderá dirigir sua demanda de amor ao seu semelhante, aos contemporâneos e destacar-se do objeto materno.
Podemos, pois, sintetizar a função do pai no Édipo em dois tempos da sexualidade:
- 1) a sedução primária, o trauma originário pelo qual a identificação ao pai para incorporação entra no corpo do gozo, que é o gozo da linguagem como tal. Freud fala disso em termos de excitação. O sujeito reage com um movimento de condenação porque isso resulta intolerável (trauma) enquanto inarticulável, sem representante simbólico;
- 2) com a aquisição da imagem especular, por meio da produção dos fantasmas infantis, o sujeito aprende a se apropriar do gozo e faz do corpo o lugar da libido. Podemos dizer que o gozo alienado da carne se transforma em satisfação do corpo. No fantasma existe um primeiro nó, pelo qual o imaginário fálico encontra no NdP* uma promessa de recuperação do gozo originário, perdido com o nascimento.
Neste ponto devemos fazer uma observação fundamental para explicar a patologia humana e, dessa forma, a natureza do sintoma. Trata-se do entroncamento no qual a experiência da psicanálise se destaca da Psicologia que, ao revelar aqui sua raiz filosófica, atribui a patologia a uma alteração da consciência. Freud descobriu que, ao contrário, o sintoma foge como tal ao controle consciente, porque é uma "formação do inconsciente". Essa formação advém sempre em dois tempos. Entretanto, no tempo infantil, a lei edípica era o veículo da lei como tal, de um princípio universal do direito (supereu como interdição do incesto). Com a escansão puberal, abre-se o tempo no qual a função do pai se põe como mediação entre o supereu e o ideal do eu (o objeto é alcançável pela via simbólica, a demanda de amor que o erotiza). Essa mediação está na base da formação do sintoma, que representa o compromisso particular que um sujeito tem condição de fazer entre a exigência de renúncia pulsional e o desejo de satisfação, o fantasma inconsciente. O supereu, nesse ponto, torna-se uma alternativa à pulsão erótica, um investimento da renúncia, o gozo em sua forma mais masoquista, prazer encontrado no sofrimento da renúncia ao objeto, ou, como exprime Lacan, o nada como objeto da pulsão. O caso de certos momentos anoréxicos ilustra bem a tentativa do sujeito de se separar do objeto materno, sem encontrar no pai a função do dom, a função fálica da castração e, por isso, o recurso à lei como pura proibição legal.
A crise da adolescência resguarda a capacidade do fantasma, a sua capacidade de organizar a decisão, não mais adiável, de decidir pela própria identidade sexual na relação de amor com o próprio semelhante e, por isso, com seu corpo. Não basta mais a promessa fálica; o que ocorre é o passar do ser fantasmático ao jogo do haver ou do não haver, do dar e do pedir. Por isso, o sintoma tende a se manifestar nesse momento. Naturalmente, o que é colocado à prova real na adolescência traz à luz o que na infância era atado. Muitos jovens avisam que não têm os instrumentos subjetivos, isto é, uma vida inconsciente, para afrontar a prova. Então, tendem a prolongar a latência ou se bloqueiam depois da primeira tentativa de sedução. Tal bloqueio está na base das freqüentes depressões na adolescência. Esses são muito difíceis de tratar porque o sujeito apresenta impossibilidade de falar dele; não pode elaborar a perda de um objeto que ainda não pode, ao menos, fantasiar. Por isso, viverá unicamente um sentimento de inferioridade ou de diversidade no confronto com seus contemporâneos.
A depressão que acompanha a puberdade pode ser a ocasião para se percorrer a via do uso dependente de um objeto ou de um comportamento. Para compreender o mecanismo, devemos ter em conta que o remanejamento pulsional que segue a puberdade é acompanhado pela necessidade social de encontrar uma identidade sexuada, e é a partir dessa exigência que se explica a necessidade de se recorrer a uma prótese, o objeto da dependência. Aí também pode ser o caso de quem simplesmente "decide" não afrontar o problema, conserva um arranjo libídico de tipo infantil e afronta o vínculo social imitando os contemporâneos, ou absolutamente os adultos, identificando-se com um modelo de vida adulta. Muitas vezes, essa solução não aparece como patológica ao exterior, porque o sujeito mantém um comportamento normal.
A fragilidade dessas identificações imaginárias pode ser colhida pelos professores, determinar comportamentos rígidos e forte inibição afetiva, mas reenviar uma crise por tempo indeterminado. O rapaz que, ao contrário, sente a urgência de um empenho social, de estar no grupo e não encontra na castração simbólica a via do sintoma, do qual falaremos a pouco, utiliza uma substância ou um comportamento como mediador social, como substituto protético da demanda de amor. Os objetos de consumo são os que estão mais à mão: celulares (comunicação), motos (transporte), vestidos (imagens do corpo), violência de grupo (promessa fálica), mas também comportamentos de renúncia centrados no nada: anorexia, automutilação (unhas, cabelo, piercing) ou sobre imagem do corpo (tatuagens, culturismo etc.).
Outros comportamentos se baseiam no movimento do corpo (irriquietação, desembalo) ou da mente (excitantes, desinibidores químicos). São todos reproduções da dinâmica da castração, mimese do ser como metáfora do não haver, que se estancam sobre a entrada do simbólico, não passam ao lugar do Outro, aquele lugar extmo do nó fantasmático. Não só: propriamente, a inconsistência da mediação paterna faz desses sujeitos dependentes, antes de tudo, do supereu. Vejamos, em nível de tratamento, como se deve ter presente que não se trata de uma doença moral (é hipermoralista) e nem de consciência, mas uma doença do inconsciente (e, por isso, não uma formação do inconsciente).
Da dependência ao sintoma
A dependência patológica, portanto, não tem a estrutura do sintoma (construção do sujeito), mas constitui um só bloqueio, uma inibição que não faz passar à nominação social via sintoma, o que poderia justificar a idéia de duplo diagnóstico2. Mas ocorre que o segundo, o psiquiátrico, é construído em um trabalho com o sujeito, sob transferência, para que não se transforme em segregação.
Com a necessidade de assumir uma definição do sexo, repete-se a perturbação infantil, uma excitação-satisfação do ponto de exterioridade interna do sujeito. O gozo retorna na forma não regulada libidicamente pelo significante, como gozo primário da carne que deve encontrar a sua normatização. Essa erupção requer um trabalho psíquico do adolescente, que deve reconstruir os véus fálicos que, em sua forma de fantasias infantis, foram arrancados. Para fazer isso, apóia-se sobre instâncias ideais da sua relação com os próprios semelhantes, sobre o eu ideal. Essa é a construção do sintoma, a utilização do NdP* como dom simbólico do falo para dar nova forma ao real da sexualidade.
Hoje o adolescente se encontra particularmente em dificuldade nesse trabalho por dois motivos: um ligado à sua infância, que é aquele de pobreza de construção ideal, o jogo, a via por meio da qual a criança mobiliza na fantasia a sua imagem especular no espaço da realidade e da relação com o semelhante, se ela se identifica com os personagens das histórias. Esse trabalho é, hoje, extremamente passivizado; as histórias são oferecidas pela TV, sem que o sujeito as deva traduzir em imagens e, por isso, articulá-las com a própria imagem.
O outro motivo se refere à função autorizada do pai (o dom de uma fundação: "é assim porque eu o digo"). Hoje essa é uma função multiplicada ao infinito; inumeráveis são os portadores de uma autoridade cuja base é de estilo científico ("é assim porque o diz a ciência"). O sujeito da ciência, do saber do real, vem encarnado pela divulgação que transforma esse saber em verdade. É a operação do discurso capitalista, na qual o patrão passa em segunda ordem: vem seduzido pelo sujeito da ciência e faz dele o porta-voz institucional. Os novos patrões são os "espertos", os universitários, os opinion leaders, os leitores de sondagem de opinião.
À sua volta o adolescente é facilmente seduzido por uma autoridade desse tipo, atribuída ao sujeito pela ciência, e não tem condição de se conscientizar de que esse não é um pai capaz de dar uma garantia real, aquilo que se chama exemplo de vida. Ele, então, curto-circuita o trabalho da escolha, evita a responsabilidade dela e toma um objeto de consumo como véu, como vestido, para tornar corpo a nova carne. O objeto droga ou o objeto nada são uma solução prêt-à-porter que está no lugar do fantasma inconsciente e organiza o gozo. É uma forma de nominação por meio da identificação com um comportamento que vem preencher o vazio fantasmático, o "desabonamento ao inconsciente", como se exprime Lacan.
Na realidade, esse Sintoma é uma suplência à função do NdP* e se diferencia completamente do sintoma freudiano:
- não é qualquer coisa de ec-stimo2, de absolutamente particular de um sujeito (que não devia ter nascido, até causar distúrbio na relação com o outro) e, ao mesmo tempo, "corpo estranho";
- esse é, ao contrário, coletivizante (se difunde muitas vezes em formas de epidemia) e, em uma certa medida, favorece a vida de relação; é uma solução para a inibição do sujeito.
Tudo isso explica a sintomatização da adolescência como tal, o fato de que ela produz sintoma social. Digamos, porém, que a psicanálise ensine que só o sintoma subjetivo é tratável com a interpretação. O sintoma como suplência é só uma construção nossa. Isso muda os tempos de tratamento, que deve prever, previamente, um acompanhamento de subjetivação do sintoma, até fazer dele, quando possível, isto é, quando não descobrimos uma estrutura psicótica, um verdadeiro sintoma. Isso é possível enquanto a relação do sintoma com a causa é aprés-coup, já faz parte do tratamento analítico, no qual a interpretação, o ato analítico, faz com que o sujeito encontre, ai, causa. Ocorre, por isso, uma série de retificações: que o sujeito construa na transferência um sintoma particular, uma atividade expressiva ou uma relação afetiva e, depois, que suponha uma causa que o resguarda.
Da outra parte, o psicanalista sabe que o discurso do capitalista é um discurso "cheio de intenções", um discurso mascarado e que, por isso, não cria vínculo social. Sobre isso ele pode fundar a própria ética, com o fazer-se descartável do capitalista. Além disso, sabe que toda tentativa de fazer ressurgir a promessa edípica é destinada somente a produzir sectarismo, porque se funda só sobre o supereu (perversão de Kant com Sade). A via que hoje se abre, ao contrário, é a da pére-version, de partir da letra de gozo que o sujeito se constrói para ligá-la, com um nó borromeano, ao resto do simbólico, de modo que faça nó com o imaginário e o real. Por isso servir-se do pai, além do Édipo, em uma topologia completamente separada do desenvolvimento psicológico. Os pontos de partida desse além são ligados à incompletude do Édipo, isto é, do Outro e do sujeito, não todos presos na lógica fálica do Édipo (palavra, contrato).
O corpo e o paradoxo da sexualidade
Para o ser falante, o desenvolvimento da vida sexual se funda sobre uma relação paradoxal com o crescimento biológico. O ponto crucial da maturação, de fato, é o encontro com o outro sexo, que se decide nas formas do discurso, isto é, do amor. Ora, esse encontro, do qual depende a estabilização do desejo como sexual, depende estruturalmente, na sua dinâmica da incompletude, da maturação biológica dos órgãos sexuais na longa e decisiva vida infantil. É esse desenvolvimento retardado que faz com que, naqueles anos, sejam desenvolvidos os percursos imaginários, as fantasias que guiarão, em séquito, o encontro real. Esses percursos, que somos habituados a sintetizar no algoritmo do fantasma (S/<>a), são as identificações imaginárias.
O paradoxo lógico é aquele no qual a formação sexual, a capacidade de fazer encontros é ligada à incompletude orgânica do sujeito. A escolha "justa" do parceiro não pode ser natural e hoje, também, aquela feita pela via cultural não é mais aceita, pelo menos nas formas tradicionalmente assinaladas pelo mito. É um débito abissal que o homem contratou com a ciência. Esta demonstrou a inexistência da relação sexual e, ao mesmo tempo, rompeu o encanto do mito que havia lhe revelado. Como poderá orientar-se o sujeito, uma vez perdida a bússola do desejo?
Apresento o caso de um jovem de trinta anos. Desde os dezesseis anos usava substâncias, com o progresso clássico desse consumo: fumo, heroína, dividida posteriormente com o emprego "sábio" de coca, ecstasy, fumo e álcool. Há dois anos parou de consumir todas as drogas e passou a ser abstinente. Ligou-se a uma jovem que o ama e tem paciência com ele. A dificuldade que encontra nesse novo caminho é uma extrema instabilidade emotiva. Inexplicavelmente, torna-se indiferente à moça que ama, tem fantasias de tipo perverso, tremendos ímpetos de violência e depressões profundas. Não creio que se trate de lesões "orgânicas" - no sentido de destruição de áreas cerebrais - e nem de desequilíbrios neurotransmissoriais. De fato, beneficia-se dos fármacos e se limita ao uso de dose mínima de um neuroléptico atípico, a Risperidona.
Creio que o que permitiu essa nova experiência foi uma "suplência" importante: aprendeu com surpreendente rapidez a tocar piano (está se preparando para o exame de quinto ano do conservatório). Compõe música, dá aulas de piano, trabalha no ramo de instrumentos musicais. A dificuldade maior desse tratamento é reparar a falta de representação de si, isto é, de um ideal, se ele deve também construir um corpo próprio. É como se por mais de dez anos houvesse vivido sem uma vida imaginária ou, melhor, com real e simbólico atados e um imaginário livre, louco. Ora, o mundo simbólico da música faz o quarto anel em um novo nó do imaginário, a suplência do NdP, em uma via de père-version.
Não sei ainda se chegará a "ter" um verdadeiro sintoma e qual poderá ser ele e se o sintoma atual criará um vínculo articulado com o inconsciente, permitindo-lhe repelir um fantasma que o reconecte à sexualidade infantil e ao objeto perdido.
Aprender outra linguagem, a da música, permitiu a esse sujeito a oportunidade de ligar o gozo ao significante segundo os modos da "letra", isto é, de um significante fora da cadeia, que liga o gozo por meio da produção de texto, como quando ele trama um motivo musical. Naturalmente, os gênero musicais escolhidos são os que prescindem da melodia, como o blues e o jazz.
O acompanhamento que pude realizar até agora é o oposto de uma análise. Forneço a garantia do Outro como espelho, lugar de elaboração de uma imagem virtual e de descoberta do próprio corpo como substrato do ser. Teve também um episódio de somatização, isto é, um ataque à função do corpo como casa própria, que teve a forma de nevralgia do trigêmeo.
Para que a linguagem vivida fora do registro do sentido encontre um gancho na linguagem dialética, na dinâmica da verdade, espero o sujeito na passagem do efeito de comicidade, mais precisamente pela presença de espírito. Para que a palavra possa produzir esse efeito, deve saber enganar a espera do outro, guiá-la sobre uma falsa plataforma para, depois, surpreendê-la. Para isso sou cúmplice do estilo com o qual, involuntariamente, ele cria essa espera. Sou cúmplice sem crer nisso, disponível para o instante no qual o sujeito trairá a espera e pronto para rir disso com ele.
É uma outra versão, parece-me, do analista, de quem aceita ser um descarto da humanidade, o descarto do delírio comum em torno da verdade da ciência. Ele participa do amor pela verdade do cientista, mas se ocupa disso no seu limite, na linha de sombra onde isso cala. É empenhado a testemunhar uma nova relação com o saber, no que diz respeito àquele do filósofo que se limita a procurar novamente as condições de verdade do saber; ele procura a via que o sujeito segue no cavar o saber. Essa, de fato, é ainda a única em condição de orientar nele o desejo. É a via que leva o sujeito a produzir um significante novo, aquele do seu sintoma.
Endereço para correspondência
E-mail: carlo.vigano@fastwebnet.it
Artigo recebido em: 1º/10/7
Aprovado para publicação em: 10/10/7
Nota de tradução: *NdP: sigla que referencia Nome do Pai.
Tradução: Roseli Cordeiro Pereira
Revisão: Maria Helena Boratto Jabur
*Psiquiatra e psicanalista radicado em Milão. Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Causa Freudiana de Paris, integrante da Comissão de Saúde Mental da Associação Mundial de Psicanálise.
1Ver Caretti e La Barbera, Le dipendenze patologiche, Raffaelo Cortina.
2Na Itália se fala de duplo diagnóstico quando um paciente é toxicodependente e quando tem distúrbios de personalidade. As razões são burocráticas: a toxicodependência não é assistida pela psiquiatria, mas por uma instituição própria (SERT).
Eu jogo com o termo e proponho que o diagnóstico seja uma coisa só: dependência patológica, que o desdobramento é burocrático e avaliado pelo DSM (eixos I e II). Por isso proponho que o diagnóstico psiquiátrico (clínico) seja único e realizado sob transferência.