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Mental

 ISSN 1679-4427 ISSN 1984-980X

Mental vol.14 no.25 Barbacena jan./jun. 2022

 

ARTIGOS

 

Caracterização dos usuários adultos de um serviço-escola de psicologia Paranaense

 

Characterization of adult users of a psychology school service in Paraná State

 

Caracterización de los usuarios adultos de un servicio-escuela de psicología Paranaense

 

 

Maíra Bonafé SeiI; Felipe Montes TrevisanII; Beatriz SkitnevskyIII; Izabella TsujiguchiIV

IMestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Psicologia Clínica pelo IP-USP, Professora Associada da Universidade Estadual de Londrina, Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UEL
IIPsicólogo pela Universidade Estadual de Londrina
IIIPsicóloga pela Universidade Estadual de Londrina
IVFoi bolsista de Iniciação Científica Jr. pela Universidade Estadual de Londrina

 

 


RESUMO

Observa-se que a procura pela psicoterapia nos serviços-escola de Psicologia é intenso, sendo pertinente caracterizar o público que solicita algum tipo de atendimento psicológico. Objetivou-se, assim, levantar os dados sociodemográficos e queixas da população adulta que fez entrevista de triagem na Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina, no período de 2015 a julho de 2017. Trata-se de um estudo descritivo caracterizado como retrospectiva documental. Por meio desta pesquisa, percebeu-se que a faixa etária predominante corresponde a usuários entre 18 e 27 anos, do sexo feminino e com queixas clínicas referentes à ansiedade, depressão e relacionamentos familiares. Tais resultados permitem o aperfeiçoamento da atenção psicológica prestada, contribuindo para um serviço psicoterapêutico mais próximo às demandas reais da população atendida.

Palavras-chave: Serviço-escola. Caracterização de clientela. Atendimento psicológico. Saúde mental.


ABSTRACT

It is observed that the demand for psychotherapy in Psychology school services is intense, and it is pertinent to characterize the public that requests some type of psychological care. Thus, the objective was to survey the sociodemographic data and complaints of the adult population who underwent a screening interview at the Psychological Clinic of the State University of Londrina, from 2015 to July 2017. This is a descriptive study characterized as a documentary retrospective research. Through this study, it was noticed that the predominant age group corresponds to users between 18 and 27 years old, female and with clinical complaints related to anxiety, depression and family relationships. Such results allow the improvement of psychological care provided, contributing to a psychotherapeutic service closer to the real demands of the population served.

Keywords: School service. Characterization of users. Psychological support. Mental health.


RESUMEN

Se observa que la demanda de psicoterapia en los servicios-escuela de Psicología es intensa, siendo pertinente caracterizar el público que solicita algún tipo de atención psicológica. Así, el objetivo fue relevar los datos sociodemográficos y las quejas de la población adulta que se sometió a una entrevista de tamizaje en la Clínica Psicológica de la Universidad Estatal de Londrina, de 2015 a julio de 2017. Se trata de un estudio descriptivo caracterizado como retrospectivo documental. A través de esta investigación, se percibió que el grupo de edad predominante corresponde a usuarios entre 18 y 27 años, del sexo femenino y con quejas clínicas relacionadas con la ansiedad, la depresión y las relaciones familiares. Tales resultados permiten mejorar la atención psicológica brindada, contribuyendo a un servicio psicoterapéutico más cercano a las demandas reales de la población atendida.

Palabras-clave: Servicio-escuela. Caracterización de clientela. Atención psicológica. Salud mental.


 

 

Introdução

Temos acompanhado um aumento considerável da ocorrência de distúrbios e transtornos mentais em âmbito global. De acordo com o relatório da OMS (2017), Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúde, em 2015 o suicídio foi responsável por 1,5% das causas de morte pelo mundo, sendo a segunda causa entre jovens de 15 a 29 anos. O número de pessoas que convivem com a depressão, segundo o mesmo relatório, aumentou 18% entre 2005 e 2015. No Brasil, 11,5 milhões de pessoas sofrem do mesmo transtorno e 18,6 milhões de brasileiros (9,3% da população) têm enfrentado distúrbios relacionados à ansiedade.

Gonçalves et al. (2014) conduziram um recente estudo buscando compreender de que maneira a ocorrência de transtornos mentais relativamente comuns, como a depressão e a ansiedade, se relacionavam às características sociodemográficas de quatro capitais brasileiras. Dentre as razões do alto índice desses transtornos cada vez mais comuns, principalmente nas cidades de grande porte, estariam a violência urbana e a insegurança, os altos níveis de poluição e ruído e as incertezas e adversidades socioeconômicas.

Para além da depressão e da ansiedade, quando falamos de saúde mental referimo-nos à prevenção e tratamento de distúrbios relacionados ao abuso de álcool e outras drogas, aos distúrbios relacionados à alimentação e autoimagem, à esquizofrenia, à bipolaridade, dentre outros (DALGALARRONDO, 2009). Neste sentido, Gonçalves et al. (2014) apontam para a necessidade de se fortalecer as políticas de assistência social e saúde mental. Sublinham a importância de que os profissionais de tais áreas compreendem estes fenômenos de maneira psicossocial, evitando o simples diagnóstico e a medicalização de distúrbios comuns, fortalecendo o diálogo e a construção de uma rede de cuidados mais efetiva.

Dentro da extensa rede de atores e instituições que têm como objeto de trabalho a saúde mental, encontram-se os serviços-escola dos cursos de Psicologia. Por um lado, tais serviços são o ambiente nos quais os estudantes, resguardados pelo apoio legal e pela estrutura da instituição de ensino, entram em contato com a prática clínica, treinando e aperfeiçoando seus saberes. Constituem-se assim como um dos elos da formação capazes de conectar a teoria à prática, moldando e dando sentido e identidade ao nascente profissional. Por outro lado, ao fazê-lo, cumprem uma das funções sociais que se espera de uma universidade, qual seja: a prestação de serviços à comunidade. Neste sentido, é de importância social ímpar pois, ao oferecer atendimento psicológico gratuitamente ou de baixo custo, possibilita que usuários de menor renda e de condições sociais menos favorecidas também se beneficiem dos saberes e práticas psicoterapêuticas que, no âmbito das clínicas particulares, pelo alto custo, se fazem muitas vezes inacessíveis.

São variadas as formas com que os usuários aportam nos serviços-escola, desde o interesse e procura individual até o pelo encaminhamento dos variados órgãos que compõem a rede de assistência social e saúde mental, dentre eles escolas, centros comunitários, (Centros de Referência em Assistência Social - CRAS, Centro de Atenção Psicossocial - CAPS, Unidades Básicas de Saúde - UBS etc.). Por não cobrarem honorários ou o fazerem por meio de valores menores e por um número restrito de casos atendidos por estagiários, as listas de espera de tais instituições costumam ser longas e demoradas. Entre a entrevista inicial (ou triagem) e o começo do atendimento individual, não raro os pacientes aguardam um ano ou mais, o que ocasiona a desistência destes antes mesmo do início do processo terapêutico (SEI e COLAVIN, 2016).

Há ainda outro preponderante fator que contribui para esta espera: a maior parte do serviço prestado à comunidade segue o modelo individualizante da atuação em Psicologia Clínica, ou seja, é realizado mediante consultas individuais. Ressalta-se, contudo, que tem havido nesses espaços inovações marcadas pelo trabalho com oficinas em grupo, plantões psicológicos e outras modalidades de atendimento.

A concepção do fazer clínico ainda hoje reproduz o modelo clássico, onde a terapia é "exercida de forma autônoma em consultório particular sob o enfoque intra-individual com ênfase nos processos psicológicos e centrado numa relação dual na qual o indivíduo é percebido como alguém a-histórico e abstrato" (TEIXEIRA, 1997, p. 54). O modelo clássico, embora assim nomeado, continua vivo e atuante também no imaginário que se tem do papel social do psicólogo, ou seja, um profissional liberal com uma clínica e pacientes particulares (TEIXEIRA, 1997).

Quando se trata dos estudantes, observa-se a mesma reprodução hegemônica. De acordo com Gonçalves e Bock (1996), que analisaram a opinião de alunos do primeiro ao quinto período de Psicologia, a ideia preponderante é ainda a da clínica individualista, de caráter assistencialista e elitista que, ao compreender o homem como ser autônomo, capaz de superar através do esforço próprio o sofrimento, não considera os aspectos concretos e históricos da existência, como a inserção em uma família, em uma comunidade ou nos variados graus de vulnerabilidade social.

Segundo Ancona-Lopez (1983), problemas técnicos e teóricos de indefinição da identidade e do campo de competência do psicólogo influenciam diretamente a atuação dos serviços-escola, comprometendo seus resultados frente à demanda. Os padrões percebidos nos serviços-escola, devido ao seu caráter didático, tendem a perpetuar-se. Daí a necessidade da redefinição das funções que a profissão exige, assim como o desenvolvimento de técnicas de trabalho atuais baseadas em uma postura autocrítica.

O aumento da demanda, o número crescente de usuários e os altos índices de abandono terapêutico são algumas das realidades com que os agentes de tais serviços têm de se defrontar. Segundo Cunha e Benetti (2009), um dos ilustrativos problemas presentes nessas instituições diz respeito à utilização de uma linguagem exacerbadamente técnica por parte dos alunos/estagiários desses serviços, o que dificultaria a comunicação com a clientela e denotaria a distância presente entre o serviço e seu público. Haveria, então, uma premente necessidade de se ampliar a escuta para com esses usuários, repensar as práticas oferecidas de maneira crítica, de modo que se tornem cada vez mais próximas às reais demandas da população, adequando-as ao momento histórico em que nos encontramos, com suas peculiaridades sociopolíticas e culturais.

Os serviços-escola encontram-se em lugar privilegiado no que tange à tríade constituída por ensino, pesquisa e extensão. São espaços propícios não apenas para as práticas das diferentes áreas de atuação psicológica, mas para que novas ferramentas do fazer clínico sejam discutidas, pensadas e colocadas em práticas. Constituem-se em um laboratório ainda pouco explorado, onde todas as instâncias (ensino, pesquisa e extensão) podem e devem se fortalecer e interligar-se, visando à manutenção da qualidade do serviço prestado à comunidade, da qualidade do atendimento à qualidade da formação.

Lohr e Silvares (2006) nos alertam sobre a escassa produção científica que enfoque os serviços-escola e se perguntam se estaríamos cumprindo, de forma satisfatória, a interface entre a teoria e a prática profissional. Neste sentido, "uma articulação perfeita entre a pesquisa, a extensão e o ensino deveria fundar-se em pesquisas epidemiológicas que mapeassem a clientela e os atendimentos oferecidos pelos serviços de Psicologia aplicada das universidades" (PERFEITO e MELO, 2004, p. 34).

A partir das pesquisas de caracterização de clientela é que podemos conhecer quem são aqueles que buscam tais serviços, de onde provêm, quais são suas demandas e de que forma podemos atendê-las. Exercício, portanto, capaz de redimensionar não apenas os serviços, como atualizar os temas concernentes à própria formação em Psicologia.

Entende-se que um estudo como este se justifica, haja vista que os serviços-escola são essenciais para a formação de futuros psicólogos e para a prestação de serviços à sociedade cumprindo, assim, uma dupla-função. Para que seja levado adiante tal compromisso entre formação e demanda, é preciso que se realizem, como nos recordam Amaral et al. (2012), mais pesquisas e investigações visando a ampliar a gama de serviços prestados, a qualidade dos que já estão em andamento e a quantidade de pessoas atendidas.

Os estudos de perfil de clientela são um meio para conhecer melhor a população atendida pelo serviço-escola. Por meio deste tipo de estudo podemos ter acesso aos dados sociodemográficos da população atendida (renda, idade, sexo, escolaridade, estado civil e até mesmo a constituição da estrutura familiar), fortalecendo o diálogo e o trabalho em rede da assistência social em saúde mental, de forma a ofertar serviços de maior qualidade e com maior abrangência à população. Para além de tal mapeamento sociodemográfico é possível, mediante esses estudos, esboçar um perfil epidemiológico dos usuários. Quais são suas queixas? Por que buscaram ou foram encaminhados à clínica?

É preciso que o exercício da Psicologia se atualize, reinventando e aperfeiçoando suas práticas e modalidades de serviço. Serviços que se adequem às necessidades sociais sempre cambiantes e ao momento histórico em que estamos inseridos são indispensáveis no intuito de oferecer atendimentos adequados, condizentes com as reais demandas dos usuários, mais que aos nossos anseios de formação ou repetição institucional.

Tendo em vista estes aspectos, objetivou-se caracterizar a população adulta que buscou atendimento na Clínica Psicológica da Universidade Estadual de Londrina (UEL), refletindo sobre o tipo de queixa trazida pelos entrevistados, discutindo as características sociodemográficas desse público em comparação com as características da região no qual o serviço está inserido e tecendo considerações sobre os tipos de intervenção clínica diante das demandas mapeadas.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa documental, de caráter retrospectivo e descritivo (SEI e GOMES, 2017), que levantou informações contidas nas fichas de atendimento da Clínica Psicológica da UEL.

Participantes

Participaram desta pesquisa usuários adultos, de ambos os sexos, que buscaram atendimento no período de janeiro de 2015 a julho de 2017 e realizaram a entrevista de triagem no serviço-escola de Psicologia em questão, totalizando 472 pessoas.

Procedimentos

Os dados foram extraídos por meio de consulta às fichas de triagem da população adulta (a partir de 18 anos) que buscou a Clínica Psicológica da UEL. As fichas em questão referem-se a casos iniciados entre os anos de 2015, 2016 e 2017 e finalizados até o início da pesquisa, datada de julho de 2017. Tais dados foram analisados por meio do método de ocorrência e frequência.

Foram levantadas as informações concernentes a sexo, estado civil, escolaridade, religião, cidade, classificação como comunidade interna (discentes e servidores em geral) ou externa à universidade, renda, concomitância com tratamentos médicos, informações sobre uso de medicação, tipo de encaminhamento (busca espontânea, encaminhamento por parte de outros profissionais etc.) e queixa.

Para a realização da classificação das queixas apresentadas pela clientela adulta, utilizou-se por base as categorias estabelecidas por Romaro e Oliveira (2008) em uma pesquisa da mesma natureza, com o acréscimo das categorias: Pensamentos confusos/ bipolaridade/surto psicótico e questões referentes à identidade de gênero. Também foram realizadas alterações perante a categorização modelo nas seguintes categorias: depressão (acrescentando melancolia); dificuldade para lidar com perdas (acrescentando luto); dificuldade em relacionamentos com o sexo oposto (acrescentando relacionamentos conjugais); manejo de emoções/controle de impulsos (acrescentando automutilação); dificuldade sexual (acrescentando problemas relacionados à sexualidade e à orientação sexual) e violência doméstica (acrescentando violência sexual).

Aspectos éticos

Indica-se que os procedimentos éticos necessários para a pesquisa em Ciências Humanas foram respeitados, tendo-se em vista a Resolução CNS 510/2016, de 07 de abril de 2016. Tal resolução aponta que não devem ser registrados e analisados pelo sistema CEP/ CONEP os estudos que façam uso de "banco de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual" (BRASIL, 2016, p. 2).

 

Resultados

Foram contabilizados, no total, 472 casos. Destes, 194 (41,10%) iniciados no ano de 2015; 216 (45,76%) no ano de 2016 e, em 2017, até julho, 62 (13,13%) casos. Quanto à baixa quantidade de casos iniciados e encerrados, cabe ressaltar que as triagens nesse serviço-escola são feitas normalmente atreladas a disciplinas do segundo semestre dos alunos do quarto ano de graduação em Psicologia e tal pesquisa apenas contabilizou os dados do primeiro semestre. Para além disso, em julho, a maioria dos casos encontravam-se em aberto e tais fichas, portanto, ainda não estavam disponíveis para levantamento.

Quanto ao gênero declarado pelos usuários que realizaram as triagens, nota-se uma predominância do gênero feminino, totalizando 349 dos casos (73,94%), diante de 123 pessoas do gênero masculino (26,05%).

Os dados obtidos, se considerada a idade dos usuários, nos apontam a preponderância de um público relativamente jovem. No momento da realização da triagem, 97 (20,55%) usuários possuíam entre 18 a 22 anos; 97 (20,55%) entre 23 a 27 anos e 32 (13,56%) entre 28 e 32 anos. Há, para além disso, o decréscimo da procura por serviços psicológicos em tal instituição em função da idade dos usuários, como se pode constatar na Tabela 1:

Quanto ao estado civil declarado, 257 dos usuários declararam-se solteiros (54,44%); 151 casados (31,99%); 56 divorciados (11,86%) e 6 declaram-se viúvos (1,27%). Em dois casos (0,42%), a informação sobre estado civil não estava disponível.

Notou-se, no que tange à escolaridade do público atendido, a predominância de uma população instruída: 128 pessoas com Ensino Superior incompleto (27,11%) e 129 pessoas com Ensino Superior completo (27,33%), totalizando 54, 44% da amostra, ou 257 pessoas. Além disso, 108 usuários (22,88%) já haviam completado o Ensino Médio. Apenas 95 usuários (20,13%) não haviam concluído o Ensino Médio, dentre estes, 50 usuários possuíam o Ensino Médio incompleto (10,59%), 15 possuíam o Ensino Fundamental completo (3,17%) e 30 usuários não haviam concluído o Ensino Fundamental (6,35%). Em 12 casos esta informação não estava disponível (2,54%).

A Clínica Psicológica da UEL presta serviço à comunidade interna, composta do quadro de funcionários, alunos e professores da instituição e à comunidade externa, ou seja, aos usuários que não possuem vínculo institucional com a universidade. Embora exista na universidade um serviço destinado ao atendimento, incluindo os de caráter psicológico, dos membros da comunidade interna, dos 472 casos estudados, 130 (27,54%) eram de alunos da própria instituição de ensino e 16 (3,38%) eram funcionários da mesma. Tal informação reforça a importância do serviço-escola de Psicologia no auxílio à demanda vinda do interior do próprio campus universitário. A maioria dos usuários, porém, pertencia à comunidade externa, totalizando 316 (66,94%) pessoas, sem constar informações sobre a origem do público atendido em 10 dos casos (2,11%).

Embora a maioria dos usuários, composta por 399 pessoas (84,53%), residisse em Londrina-PR, a pesquisa identificou que um montante importante dos beneficiários de tal serviço psicológico residia em cidades vizinhas. Tem-se casos mais relevantes como da cidade de Cambé-PR, representada por 44 (9,32%) usuários e de Ibiporã-PR, com 11 (2,33%) usuários.

Quanto à região na qual os moradores residiam, observou-se que 127 (32,39%) pertenciam à Zona Oeste; 94 (23,97%) à Zona Central; 83 (21,17%) à Zona Norte; 42 (10,71%) à Zona Leste; 40 (10,20%) à Zona Sul e 6 (1,53%) pertenciam à Zona Rural, totalizando 392 pessoas residentes em Londrina.

No que tange à renda familiar, dos 472 usuários, 226 (47,8%) declararam que esta totalizava entre dois a cinco salários mínimos; para 166 (35,1%) a renda familiar era composta de até dois salários mínimos e apenas 48 (10,1%) declararam a renda acima de cinco salários mínimos. Houve ainda 32 casos (6,77%) em que não declararam ou não constavam tais informações das fichas de triagem.

 

Tabela 2

 

A maioria dos que chegaram à Clínica Psicológica da UEL o fizeram de maneira espontânea, ou seja, buscaram o serviço por iniciativa própria, totalizando 357 usuários (75,63%). Já o número de encaminhamentos quando, por exemplo, o paciente se dirigia ao serviço por indicação de outras instituições (CAPS, CRAS, UBS etc.) ou por indicação de outros profissionais, comumente os da área médica, foi de 104 casos (22,06%).

Mais especificamente referente aos processos de saúde-doença, é importante considerar que 277 usuários (58,6%) não realizavam, àquela altura, nenhum acompanhamento médico. Dentre os 195 usuários que realizavam algum acompanhamento, considerando as especialidades mais relevantes e que mais apareciam no estudo, destacam-se 89 usuários (45,64%) sob acompanhamento psiquiátrico; 23 (11,79%) sob acompanhamento na

área de endocrinologia; 13 (6,66%) sob supervisão de um cardiologista; 12 (6,15%) sob acompanhamento neurológico e 19 usuários (9,74%) sob acompanhamento de clínico geral. Importante elucidar que 32 pessoas (16,41%) estavam sob tratamento em mais de uma especialidade médica.

Constatou-se a ocorrência de utilização de medicamentos em 250 casos, o que chama a atenção, afinal, apenas 195 usuários realizavam acompanhamento médico no momento da entrevista de triagem, representando uma frequência de medicalização em 53,19% da população adscrita nesta pesquisa. Entre os remédios utilizados, foram consideradas 10 categorias de acordo com a função de cada fármaco: antidepressivos; antipsicóticos; ansiolíticos; estabilizadores de humor; antiparkinsonianos; endócrinos; gastrointestinais; diabetes; anticoncepcionais; antiepiléticos e outros. Considerou-se que em muitos casos havia a utilização de mais de uma medicação.

Entre as categorias utilizadas, considerando os 250 casos que relataram uso de remédios, as que apresentaram maior expressividade foram: antidepressivos (110 casos, 44% do total); ansiolíticos (32 casos, 22,4% do total); outros (56 casos, totalizando 26%); antipsicóticos (12,8%) e estabilizadores de humor (11,2%). Considera-se importante ressaltar que a frequência de utilização de medicamentos psiquiátricos, se considerarmos apenas os antidepressivos, antipsicóticos, ansiolíticos e estabilizadores de humor, representa 57,07% do total de medicamentos utilizados.

Para a classificação das queixas psicológicas apresentadas pela clientela adulta, utilizou-se por base as categorias estabelecidas por Romaro e Oliveira (2008). Nest sentido, contabilizou-se um total de 32 categorias, sendo as mais expressivas: ansiedade/insegurança/medo (28,17%); depressão/melancolia (20,76%); dificuldade em relacionamento com o sexo oposto/relacionamentos conjugais (12,28%); problemas em relacionamentos pais/filhos (11,86%); problemas em relacionamentos familiares (8,89%). Em alguns casos, considerou- se a apresentação de mais de uma queixa por pessoa.

 

Tabela 3

 

Tabela 4

 

Por fim, no que diz respeito à trajetória individual dos usuários na Clínica Psicológica da UEL, ao considerarmos a quantidade de atendimentos realizados (Tabela 5), notamos que 39,19% dos usuários não realizaram sequer o primeiro atendimento. O outro dado mais significativo diz respeito àqueles 12,71% que realizaram de um a quatro atendimentos, o que será discutido na sequência de tal estudo.

Quanto ao motivo de encerramento dos casos, 309 casos (65,46%) foram encerrados devido à desistência; 56 casos (11,86%) foram concluídos devido à alta do tratamento; 52 casos (11,01%) foram encaminhados a outros profissionais ou serviços de saúde e 43 casos (9,11%) foram encerrados devido à falta nas sessões por parte do usuário. Houve também um caso (0,21%) de falecimento e 11 casos (2,33%) nos quais esta informação não estava disponível.

 

Discussão

De maneira geral, a pesquisa realizada encontrou dados semelhantes às pesquisas já efetuadas de mesma natureza. Há, notadamente, uma preponderância do sexo feminino entre os usuários adultos do serviço-escola em questão. A mesma predominância, quando consideramos a população adulta, foi encontrada nos estudos de Romaro e Capitão (2003), onde 76,2% dos casos acima dos 20 anos eram de mulheres e, de maneira geral, nos de Campezatto e Nunes (2007), Maravieski e Serralta (2011) e de Porto, Valente e Rosa (2014).

Dentre os possíveis fatores para compreender este fenômeno, podemos considerar a maior cobrança social em relação aos homens, que acabam por ter mais dificuldade em expressar suas angústias e dificuldades emocionais. Em contrapartida, crê-se que as usuárias do sexo feminino tendem a ter menos resistência em pedir ajuda e apoio psíquico. Para além disso, a procura por atendimento psicológico para crianças e adolescentes é feita, na maioria das vezes, pelas mães que, ao entrarem em contato com tais serviços, muitas vezes procuram apoio psicológico para si mesmas (PORTO, VALENTE e ROSA, 2011). Pesquisas como a de Amaral et al. (2012) também encontraram entre seus usuários uma maior porcentagem de jovens mulheres, em sua maioria solteiras e que já haviam se inserido em um curso superior. Outras pesquisas também encontraram dados semelhantes quanto ao nível de escolaridade dos usuários de serviços-escola de Psicologia. Em nosso caso, pudemos observar que 54,44% da amostra estudada ou era graduada ou estava cursando o Ensino Superior. Oliveira, Lucena Santos e Bortolon (2013) encontraram a predominância de 48,4% dos usuários na faixa do ensino superior; Romaro e Capitão (2003), em pesquisa mais antiga, retrataram a mesma tendência, observando nesta mesma faixa 38,15% da população adulta, seguida de 33,73% de usuários que haviam concluído o Ensino Médio. Tal predominância de um público instruído quando considerada a escolaridade reflete, possivelmente, de acordo com Enéas, Faleiros e Andrade e Sá (2000), o ambiente físico no qual tais serviços estão instalados. Em nosso caso, dentro do próprio campus universitário, localizado na região Oeste de Londrina. Neste sentido, podemos considerar relevantes os 130 usuários alunos da própria instituição e os 16 funcionários, totalizando 30,92% dos casos atendidos.

Quanto à região, vale também mencionar que a Zona Oeste, onde se localiza a própria instituição, é a mais significativa dentre os usuários residentes em Londrina, contabilizando 32,39% dos usuários, seguida da Zona Central, também próxima à instituição, representada por 23,97% da amostra. Se considerarmos os pacientes que procuraram o serviço e não residiam à época em Londrina, teremos 14,81% da amostra, o que sublinha a importância regional de tal serviço quanto ao atendimento da demanda não apenas do município de Londrina, mas como porta de entrada ao serviço psicológico de habitantes de outros municípios.

No que tange à faixa etária, o presente estudo aponta uma maioria de usuários na faixa entre os 18 e os 27 anos (41,1%), seguida dos que se encontravam entre os 28 e os 37 anos (25,21%). As mesmas faixas são respectivamente predominantes no estudo de Romaro e Capitão (2003), de Enéas, Faleiros e Andrade e Sá (2000) de Oliveira, Lucena Santos e Bortolon (2013). É possível que tal informação se relacione à crescente aceitação e popularização da prática psicoterápica de maneira geral, mas principalmente entre o público mais jovem e, para além disso, novamente, à própria localização de tais serviços no interior do ambiente universitário. O período entre os 18 e os 27 anos é normalmente marcado pelas mudanças na vida social e acadêmica, à necessidade de afirmação de um papel social, de conquistar independência e segurança econômica etc., o que pode ocasionar o surgimento de estados de ansiedade e estresse, depressão e decréscimo nos níveis de qualidade de vida (OLIVEIRA; LUCENA-SANTOS; BORTOLON, 2013).

Outro fator que interessa mencionar são os 36 usuários que passaram pela triagem e que estavam com 58 anos ou mais. De acordo com Porto, Valente e Rosa (2014), a procura dos idosos pelo atendimento psicológico vem crescendo a cada ano e indica uma nova compreensão social acerca da velhice. Deixando um lugar social simbolizado pela esfera privada e familiar, tais usuários têm reivindicado uma posição mais ativa, a capacidade de retomar projetos e continuar almejando uma melhor qualidade de vida.

No que se refere às queixas apresentadas, encontramos também frequências semelhantes a outros estudos de caracterização de clientela. Em nosso caso, as queixas mais relevantes estatisticamente foram as de ansiedade/insegurança/medo (28,17%); depressão/melancolia (20,76%). Se considerarmos aqui a união das categorias: problemas em relacionamentos pais/filhos e problemas em relacionamentos familiares, sob uma única categoria que diga respeito à relação íntima familiar, obteremos 20,75% de ocorrência de menção à queixa. No estudo de Maravieski e Serralta (2011), por exemplo, as queixas mais mencionadas, por ordem de relevância estatística foram: sintomas depressivos, ansiedade e problemas familiares. Outra recente pesquisa de Porto, Valente e Rosa (2014) encontrou como queixas mais frequentes: ansiedade/insegurança, depressão e dificuldade nas relações familiares. Ambos os estudos consideraram, como o presente, queixas múltiplas.

Oliveira, Lucena Santos e Bortolon (2013) também encontraram uma maior incidência de queixas relacionadas à depressão e à ansiedade e ressaltaram que tais sintomas são muitas vezes apresentados juntos e que a simples menção ou alusão a estes estados emocionais não são suficientes para que se possa fechar um quadro diagnóstico. É preciso, neste sentido, atenção redobrada dos agentes de saúde mental para que seja fornecido apoio ao que as autoras chamam de transtornos psiquiátricos subclínicos, afinal, estes são causa de enorme sofrimento, podendo acarretar alto custo individual, social e até mesmo econômico.

É importante sublinhar a este respeito o fato de que no momento da triagem, onde presume-se que o usuário ainda não teve contato com o processo terapêutico individual e, muitas vezes, devido a fatores como a crescente demanda e o baixo contingente de funcionários psi em CAPS e UBS (no caso dos pacientes encaminhados), não pode dispor de apoio psicológico necessário, 110 usuários faziam uso de medicamento antidepressivo e 56 de ansiolíticos. Tais números ilustram que a lógica e o modelo diagnóstico do paradigma médico (doença-cura) continuam vigentes, e então ainda há a crescente necessidade de fortalecer as iniciativas de assistência preventiva e do fortalecimento do campo da saúde mental a nível coletivo.

O fato de tantos usuários referirem-se a queixas semelhantes nos indica a possibilidade de inovar as ferramentas psicoterapêuticas. Um palpável exemplo seria investir institucionalmente na criação de grupos operativos ou focados em sujeitos que compartilhem uma angústia ou sofrimento de teor semelhante, seria o caso dos pacientes que relataram "dificuldade em lidar com perdas" (38 usuários); sofrerem de "nervosismo e irritabilidade" (32 usuários) e os que relataram problemas relacionados ao "manejo de emoções" e "controle de impulsos internos" (27 usuários).

Investir em semelhantes iniciativas nos aparenta ser uma eficaz maneira de aliar nossos esforços à crescente demanda por serviços psicológicos. Se considerarmos o número das 185 pessoas que não realizaram nem mesmo a primeira sessão de atendimento, podemos nos indagar que tal desistência esteja relacionada às filas de espera de tal serviço. Daí a importância da criação de outras modalidades de atendimento, algumas já instituídas e em funcionamento no serviço-escola em questão, como o plantão psicológico e os grupos de dinâmicas destinados a acolher os usuários que ainda não foram chamados ao atendimento individual.

É preciso dizer, entretanto, que dentre os demais estudos deste gênero há também uma alta taxa de desistência ao tratamento. Maravieski e Serralta (2011) encontraram, por exemplo, uma taxa de desistência de 42,4% e apenas 19,9% de alta. Neste caso, vale ressaltar que os autores consideraram como desistência apenas os casos que tiveram início, nos quais os usuários por decisão unilateral abandonaram o processo terapêutico. Em nosso caso foram considerados também os casos em que nem mesmo houve o início de tal processo, o que possivelmente explica a taxa estatística inferior de altas (11,86%) se comparado ao estudo citado.

Quanto aos 132 usuários (27,95%) que começaram os atendimentos e abandonaram até a 12ª sessão, algumas questões podem ser levantadas. Em primeiro lugar, podemos indagar se tais pacientes conheciam o que se constitui como o processo terapêutico individual, é dizer, se conheciam, antes de buscar tal serviço, a maneira como funciona tal dispositivo. O serviço psicológico, de maneira geral, difere dos serviços e da lógica do modelo médico, onde o que comumente se busca é a cura de maneira rápida e pontual para algum mal. Em se tratando de problemas e complicações pessoais advindas de questões emocionais, tal modelo é muito difícil de ser aplicado e requer tempo e investimento pessoal para além de abertura ao processo em si para que se notem os benefícios gerados pela psicoterapia.

De acordo com Campezatto e Nunes (2007), é comum que tais serviços encontrem índices de abandono entre 30% e 60%. Além disso, o início do processo terapêutico, isto é, as primeiras sessões, configuram-se como cruciais para o sucesso do tratamento individual, sendo o maior índice de abandono dando-se próximo à sexta sessão, dado que corrobora com as informações referentes à quantidade de atendimentos realizados. Nesta direção, entende- se ser relevante a abertura de profissionais da área de saúde mental às diferentes estratégias terapêuticas, como grupos abertos, plantão psicológico, psicodiagnóstico interventivo e intervenções clínicas similares, em um constante questionamento das práticas empreendidas. Dentre estes questionamentos, discutir a própria natureza da intervenção individual nos moldes tais quais os efetuamos e se estamos de fato sendo capazes de uma boa interlocução com o público atendido, neste sentido, se não há demasiada distância na comunicação entre os serviços-escola e a população que o procura (CUNHA e BENETTI, 2009).

Ainda que a grande maioria dos casos se tenham encerrado devido à desistência e falta às sessões, é preciso considerar que, embora os casos que tenham passado por alta ou encaminhamento (quando o usuário é encaminhado a algum terapeuta particular ou a outro serviço) contabilizem um pequeno percentual dos casos triados, apenas 22, 87%. Este número representa 108 pessoas. No caso mais específico dos casos encerrados por alta, o que podemos considerar como um sucesso terapêutico, foram 56 usuários neste período, número que nos parece beneficamente relevante se considerarmos também o grande número de casos ainda em andamento no decorrer desta pesquisa.

 

Considerações Finais

Os estudos que buscam traçar a caracterização da clientela dos serviços-escola de Psicologia procuram, de maneira geral, conhecer a população atendida. É apenas conhecendo os usuários dessas instituições que poderemos compreender de maneira mais aprofundada a natureza da demanda com que nos deparamos diariamente. Tais pesquisas constituem-se, portanto, importantes meios para o planejamento de ações, redirecionamento e inovação de práticas psicoterapêuticas, o que pode garantir não apenas a qualidade do serviço prestado à população, mas a própria qualidade de formação dos estudantes da Psicologia.

É importante considerar, neste sentido, a aparente necessidade de readequação dos meios já utilizados, por exemplo, na feitura das triagens. A pesquisa aqui relatada enfrentou dificuldades devido à grande quantidade de triagens parcialmente preenchidas, trazendo o alerta para a necessidade de um olhar mais atento ao preenchimento dos dados dos usuários bem como das queixas em si. À própria instituição seria interessante o investimento em programas e sistemas de dados digitais, o que possibilitaria o monitoramento e acesso às informações dos usuários de maneira instantânea e facilitada.

Vale lembrar as considerações de Campezatto e Nunes (2007) sobre a importância do processo de triagem. Segundo as autoras, é este o primeiro contato do usuário com a instituição e boa parcela do abandono ocorre já neste momento. Um terapeuta bem preparado deve ser capaz de indicar as possibilidades e os recursos oferecidos pelo serviço-escola, tal postura terá, assim, um carácter já interventivo e acolhedor.

Quanto aos limites deste estudo, entende-se que eles se encontram localizados à abrangência dos dados, relativa a um serviço-escola de Psicologia. Apesar disso, trata-se de uma Clínica Psicológica Universitária que conta com mais de quatro décadas de existência, estando localizada na segunda maior cidade do Estado do Paraná. Possui assim importância, configurando-se como um reconhecido espaço de atendimento. Por fim, compreende-se que estudos como este devem ser periodicamente replicados, seja para comparar as realidades sociais de cada região do estado ou país, bem como para mapear possíveis mudanças nas características do público que busca o atendimento e nas queixas apresentadas, proporcionando reflexões acerca do atendimento prestado.

 

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