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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
versão On-line ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.5 n.2 Ribeirão Preto ago. 2009
ARTIGO ORIGINAL
Pessoas em recuperação do alcoolismo: avaliação dos fatores de risco cardiovasculares
People in alcoholism recovery: assessment of cardiovascular risk factors
Personas en la recuperación del alcoholismo: evaluación de los factores de riesgo cardiovascular
Francisco Fernando Almeida SousaI; Rita Neuma Dantas Cavalcante de AbreuII; Francisca Liliane Pereira da CostaIII; Eliane Magalhães de BritoIV; Silvânia Maria Mendes VasconcelosV; Sarah de Souza EscudeiroVI; Thereza Maria Magalhães MoreiraVII; Maria Goretti Soares MonteiroVIII
IEnfermeiro. Graduado pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Ex-Bolsista do PROUni
IIEnfermeira. Mestre em Cuidados Clínicos pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Docente da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Doutoranda em Biotecnologia pela Rede Nordeste de Biotecnologia (RENORBIO) E-mail: rita_neuma@yahoo.com.br
IIIEnfermeira do Hospital do Coração de Messejana em Fortaleza, Ceará. Mestre em Educação em Saúde. Docente da UNIFOR
IVEnfermeira do Centro de Atenção Psicossocial. Especialista em Saúde da Família
VEnfermeira. Doutora em Farmacologia. Docente do Doutorado em Farmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Doutorado em Biotecnologia - RENORBIO. Pesquisadora do CNPq
VIEducadora Física. Mestranda em Ciências Fisiológicas da UECE
VIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora da Especialização em Enfermagem Clínica da UECE. Docente do Mestrado Acadêmico Cuidados Clínicos em Saúde e do Mestrado em Saúde Pública da UECE. Pesquisadora do CNPq
VIIIEnfermeira do Instituto Dr. José Frota (IJF). Docente UNIFOR
RESUMO
Objetivou-se avaliar os fatores de risco cardiovasculares de pessoas em recuperação do alcoolismo em Fortaleza. Estudo do tipo descritivo, quantitativo, realizado com 62 pessoas. Constatou-se que 58,7% se encontravam com sobrepeso ou obesidade; 63,3% apresentavam aumento da circunferência abdominal; 50% afirmaram consumo de fontes industrializadas de sal; 57,4% não realizavam exercícios físicos; 59,6% julgaram se estressar com facilidade; 74,2% das pessoas declararam uso atual ou anterior do fumo. Detectou-se que, além do abuso do álcool, outros fatores para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares estiveram presentes nos sujeitos do estudo.
Palavras-chave: Hipertensão, Alcoolismo, Enfermagem.
ABSTRACT
This descriptive and quantitative study aimed to evaluate the cardiovascular risk factors for people in alcoholism recovery in Fortaleza, state of Ceara, Brazil. In total, 62 people participated in the study. It was found that 58.7% of participants were overweight or obese, 63.3% had increased waist circumference, 50% reported consumption of industrialized sources of salt, 57.4% did not practiced physical exercises, 59.6% admitted to get stressed easily; 74.2% reported current or previous use of tobacco. Besides use of alcohol, other factors related to the development of cardiovascular diseases were present in the subjects of the study.
Keywords: Hypertension, Alcoholism, Nursing.
RESUMEN
El estudio descriptivo y cuantitativo objetivó evaluar los factores de riesgo cardiovascular de las personas en recuperación del alcoholismo en Fortaleza, en el estado de Ceará. Participaron 62 personas. Se encontró que el 58,7% estaba en sobrepeso u obesos, el 63,3% tenía aumento de la circunferencia abdominal, el 50% consumía fuentes industriales de sal, el 57,4% no practicaba ejercicios físicos, el 59,6% se estresaba con facilidad, el 74.2% de las personas declaró uso actual o anterior de tabaco. Además del abuso de alcohol, otros factores para el desarrollo de enfermedades cardiovasculares estaban presentes en los sujetos del estudio.
Palabras-clave: Hipertensión arterial, Alcoholismo, Enfermería.
INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares representam um grande problema a ser enfrentado no atual cotidiano da saúde coletiva. De acordo com a Organização Mundial de Saúde,(1) cerca de 16,6 milhões de pessoas morrem anualmente por doenças cardiovasculares no mundo. Essas doenças não conhecem fronteiras geográficas, socioeconômicas ou de gênero. Assim, estima-se que até 2010 elas sejam a principal causa de mortes nos paises em desenvolvimento. Nesse grupo encontra-se a hipertensão arterial (HA), síndrome que causa diversos danos à saúde, potencializados quando associada ao alcoolismo.
A hipertensão arterial afeta 20% da população adulta mundial, estando associada em 85% dos casos de acidente vascular cerebral (AVC) e 40% das vítimas de infarto agudo do miocárdio(2). Um dos aspectos peculiares da HA e da maioria das DVC's é que não há uma causa única identificável, mas vários fatores de risco que aumentam a probabilidade de sua ocorrência. Esses são classificados em constitucionais (idade, sexo, raça, cor, história familiar) e ambientais ou de estilo de vida (dieta inadequada; tabagismo; consumo elevado de álcool; diabetes mellitus; obesidade; sedentarismo e estresse)(3). Dentre esses fatores modificáveis de risco para HA tem-se o uso excessivo de álcool(3). Este, por sua licitude, é aceito com larga tolerância pela sociedade, que, não raro, releva seus malefícios à saúde.
O alcoolismo tem relevância epidemiológica. Estudos mostram que 90% dos norte-americanos já utilizaram pelo menos uma bebida alcoólica e 50% de sua população adulta é de usuários habituais de álcool(4).
A substância alcoólica de interesse no presente estudo é o álcool etílico ou etanol(4-5). Sabe-se que o abuso do álcool acarreta vários agravos à saúde, muitos dos quais requerem suporte especializado de vida e regime de internamento. Dentre as urgências, pode-se citar o coma alcoólico, mas o agravo mais importante refere-se aos problemas psiquiátricos que o álcool pode gerar. Ele é a segunda causa mais freqüente de internações psiquiátricas(6).
No sistema cardiovascular, o consumo elevado e frequente de álcool está associado ao aumento da pressão arterial, desregulação de lípides e triglicérides e maior risco de infarto do miocárdio e doenças cerebrovasculares. O álcool também eleva a freqüência cardíaca de consumidores eventuais, aumentando o desgaste cardíaco em repouso e o consumo energético pelo miocárdio(4).
As Diretrizes Brasileiras de HA(3) explicam que o consumo de bebidas como cerveja, vinho e destilados pode aumentar a pressão arterial (PA), havendo maior suscetibilidade entre as mulheres devido a sua compleição corpórea ser normalmente menor que a masculina, embora a repercussão do consumo etílico dependa diretamente de sua quantidade e freqüência, e classificação ou não como bebida destilada. Estudos apontam uma redução média de 3,3 mmHg (2,5-4,1 mmHg) na pressão sistólica e 2,0 mmHg (1,5-2,6 mmHg) na diastólica com a redução do consumo de etanol.
O uso excessivo de álcool também está associado ao aumento do risco de acidente vascular encefálico(3,7). Assim, recomenda-se limitar o consumo de bebidas alcoólicas a, no máximo, 30 g/dia de etanol para os homens e 15g/dia para as mulheres ou indivíduos de baixo peso. Aos pacientes que não se enquadrarem nesses limites de consumo, sugere-se o abandono(3). Quem não consome bebidas alcoólicas não deve ser estimulado a fazê-lo.
O interesse em estudar o tema surgiu devido à observação do crescente número de usuários crônicos de bebidas alcoólicas no Brasil. Este fato, aliado às altas taxas de morbimortalidade cardiovascular, despertou o desejo de desenvolver um estudo visando responder ao seguinte questionamento: existem outros fatores de risco cardiovasculares nos usuários de bebidas alcoólicas além do álcool? Assim, o estudo teve como objetivo geral avaliar fatores de risco cardiovasculares de pessoas que participam de grupos para recuperação do alcoolismo. O conhecimento desses fatores é essencial para prevenção e controle eficaz das doenças cardiovasculares no grupo estudado.
A temática tem sido enfocada durante nossa participação no Grupo de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Saúde Coletiva da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e no Grupo de Estudo em Neurofarmacologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), constituindo assim objeto de estudo dos autores(8-12).
METODOLOGIA
O estudo descritivo, transversal, de natureza quantitativa, foi realizado em uma unidade de Alcoólicos Anônimos, destinada à recuperação de pessoas com alcoolismo. A irmandade, como é denominada por seus usuários, atende homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum - o alcoolismo - e ajudar outros a dele se recuperarem. A referida irmandade nasceu em 1935, em Akron, estado de Ohio, nos Estados Unidos, após um diálogo entre um corretor da Bolsa de Nova York e um médico de Akron, conhecidos, respectivamente, como Bill Wilson e Bob Smith. Eles averiguaram que, por alguma razão até ali não bem compreendida, conseguiam ficar sem beber durante bons períodos depois que passavam algum tempo conversando e compartilhando seus problemas. Após passar por uma verdadeira "experiência espiritual" e experimentar "fortes sentimentos de triunfo, paz e serenidade", segundo depoimento do próprio corretor, ele decidiu trabalhar para que outros alcoólicos se beneficiassem com a descoberta; ele viu que, ao falar para outros alcoólicos, "sentia-se revitalizado", conseguindo manter-se sóbrio(13).
Atualmente, em Fortaleza, a Unidade de Alcoólicos Anônimos funciona em grupos espalhados por toda a cidade - em escolas, centros sociais e imóveis locados pela irmandade, dentre outros. O horário e a freqüência de pessoas atendidas também varia, sendo 12.000 pessoas atendidas no município em estudo, distribuídos em cerca de 180 grupos.
Participaram desta pesquisa 62 pessoas de ambos os sexos, maiores de 18 anos, conscientes, orientadas, que participaram de algum dos seis grupos de recuperação para alcoolismo visitados por um dos pesquisadores, no período de agosto a setembro de 2008.
Ao chegar ao local da reunião do grupo, o participante que chegava era abordado, apresentando os objetivos da pesquisa e convidando-o a dela participar. Posteriormente, aplicava-se um formulário acerca dos fatores de risco cardiovasculares, com base nas V Diretrizes Brasileiras de HA(3). Obtinha-se, por exame físico, a circunferência abdominal (CA), peso e altura dos participantes. Os valores do IMC foram classificados em normal (18,5-24,9Kg/m2), sobrepeso (25-29,9 Kg/m2), classe obeso I (30-34,9 Kg/m2), classe de obeso II (35-39,9 Kg/m2) e classe de obeso grau III (> 40 Kg/m2)(2). Do total de 62 entrevistados, em quatro não foram registrados peso e/ou altura, impossibilitando o cálculo do Índice de Massa Corpórea (IMC).
Os dados foram analisados estatisticamente, tomando por base as variáveis de interesse para o estudo, sendo sua discussão realizada por meio da utilização de literatura pertinente. Os princípios éticos foram seguidos em todas as fases do estudo, em consonância com o que preconiza a Resolução 196 de 1996 do Conselho Nacional de Saúde(14). Os participantes assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para o estudo e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Integrada do Ceará (FIC) sob o Of. No. 124/08 Protocolo do CEP: 038/08. A autorização para a coleta de dados na instituição ocorreu mediante o encaminhamento de ofício ao representante dos grupos, juntamente com o projeto de pesquisa, e consentimento dos coordenadores de cada grupo pesquisado.
RESULTADOS
A idade das pessoas variou de 20 a 78 anos, sendo que nove (14,5%) tinham entre 20 e 39 anos. 41 (66,1%) encontravam-se na faixa etária de 40 a 59 anos e 12 (19,4%) tinham entre 60 e 78 anos. Quanto ao sexo, detectou-se 60 (96,8%) participantes pertencentes ao sexo masculino, enquanto apenas duas (3,2%) eram mulheres. Quanto aos antecedentes familiares, 27 (43,5%) pessoas tinham história de hipertensão; 20 (32,2%) afirmaram ter pessoas na família com diabetes mellitus; quatro (6,5%) apresentavam história familiar de infarto do miocárdio e 12 (19,3%) de acidente vascular cerebral. Ressalta-se que alguns participantes declararam mais de um caso de antecedentes patológicos na família.
Os resultados demonstraram que, em relação ao Índice de Massa Corporal, 24 (41,3%) participantes apresentaram peso normal, 25 (43,2%) estavam com sobrepeso, seis (10,3%) com obesidade grau I, dois (3,4%) com obesidade grau II e um (1,8%) com obesidade grau III. Em quatro pessoas este cálculo não foi possível, conforme já referido. Tratando-se, ainda, do controle de peso, foi avaliada a circunferência abdominal (CA) somente de 60 pessoas do total. Destes, 13 (21,6%) apresentavam CA muito aumentada (>88 para mulheres e >102 para homens), 22 (36,7%) tinham CA adequada (<80 para as mulheres, e menor que 94 cm para os homens) e 25 pessoas (41,7%) apresentavam CA aumentada (80 a 88 para mulheres e 94 a 102 para homens).
Quanto ao consumo de sal, 12 (19,4%) referiram adicionar sal a alimentos no momento da ingestão, enquanto 47 (75,8%) referiram não fazê-lo e três (4,8%) somente às vezes. O consumo de fontes industrializadas de sal como: molhos prontos, sopas em pó, embutidos, conservas, enlatados, congelados, defumados e salgados de pacote foi referido por 31 (50%) pessoas; outras 16 (25,8%) disseram às vezes consumir, enquanto apenas 15 (24,2%) negaram o consumo destes alimentos. As Diretrizes de HA(3) recomendam a redução das frituras, porem constatou-se que 37 pessoas (59,6%) consumiam esse item freqüentemente;sete (11,3%) o faziam às vezes, e 18 (29,1%) negaram o consumo de frituras.
Referente ao consumo do café, 57 (92,0%) referiram seu uso e cinco (8,0%) o negaram. Daqueles que afirmaram consumi-lo, 40 (70,2%) o ingeriam com freqüência maior que duas vezes ao dia.
Outro fator de risco cardiovascular foi o sedentarismo, identificado em 35 (57,4%) dos entrevistados contra 27 (42,6%) que praticavam exercícios regularmente.
Buscando a identificação dos aspectos relacionados ao estresse psicoemocional dos sujeitos pesquisados, 37 (57,6%) referiram estressar-se com facilidade e 25 (40,4%) relataram dificilmente se estressar. Quanto aos fatores que podem reduzir o stress, detectou-se que 56,5% (35) afirmaram não adotar atividades de lazer, enquanto que os demais (27=43,5%) o faziam. Referente ao sono, identificou-se que 30 pessoas (48,4%) interrompiam o sono durante a noite, e os demais (32=51,6%) não. Questionou-se também sobre a duração do sono, nesse quesito observou-se 66,2% participantes (41) referiram menos de oito horas de sono diárias. Constatou-se também que oito (13,3%) usavam algum tipo de medicação para dormir. Das medicações utilizadas com esse fim, só foram citados os Ansiolíticos-Benzodiazepínicos.
Encontrou-se também que 21 (33,9%) pessoas eram fumantes atuais ativos; 25 (40,3%) pessoas eram ex-tabagistas e apenas 16 (25,8%) pessoas nunca haviam fumado. Em relação ao numero de cigarros consumidos por dia, foram agrupados nessa categoria os fumantes atuais e os ex- fumantes, obtendo-se 10 (24,7%) sujeitos que fumavam menos de dez cigarros por dia; 26 (56,5%) participantes que fumavam de 10 a 20 cigarros por dia; sete (15,2%) que consumiam mais de 20 cigarros ao dia e três (6,6%) que não souberam informar a quantidade de cigarros diários. Pesquisou-se também o tempo anterior do uso do cigarro aos ex-fumantes e 11 (44%) referiram mais de 30 anos de uso.
Sobre o consumo de bebidas alcoólicas, questionou-se o tipo da bebida ingerida; quatro (6,4%) pessoas citaram cerveja, 37 (59,7%) a "pinga" ou "cachaça" e 21 (33,9%) todos os tipos de bebidas alcoólicas. Questionou-se também sobre o volume de bebida utilizado por eles em época de crise do alcoolismo. Nesse caso, grande parte (20=36,6%) citou consumo de 1 a 2 litros de bebidas alcoólicas por dia. Com relação ao tempo de consumo do álcool, 41 (68,4%) referiram fazer ou terem feito consumo de bebidas alcoólicas por mais de 20 anos.
É importante destacar que 29 (53,2%) participantes relataram possuir alguma doença clínica. Das enfermidades citadas, destacamos a hipertensão arterial, citada doze vezes; o acidente vascular cerebral e o diabetes mellitus, citados cinco vezes cada, dentre outras alterações de saúde. Algumas pessoas citaram serem portadoras de mais de uma doença. Vale ressaltar também que essa variável foi coletada a partir de informações dos próprios participantes, não excluindo a possibilidade de doenças ainda não diagnosticadas.
DISCUSSÃO
A presença de quase um quinto (19,4%) de idosos nesse estudo merece destaque, pois sabe-se que a prevalência das doenças cardiovasculares, entre elas a hipertensão arterial, aumenta progressivamente com a idade(3,7).
Outro dado encontrado foi o alto percentual de pessoas na fase produtiva da vida. É importante destacar as conseqüências de impacto público do uso indevido do álcool, como, por exemplo, o uso dos impostos pagos pela sociedade para financiar as ações de tratamento e prevenção ao abuso do álcool, e também a perda de produtividade que essa mesma sociedade sofre por conseqüência dos agravos na saúde dos indivíduos acometidos por essa problemática, já que uma de suas conseqüências é o abandono ao trabalho(15).
A predominância de homens é bastante comum no que se refere às pesquisas com usuários de bebidas alcoólicas, principalmente entre usuários crônicos. Estudo(16) realizado com usuários crônicos de bebidas alcoólicas demonstrou que 95% eram do sexo masculino.
Sabe-se que o fator hereditário exerce influência no surgimento das doenças cardiovasculares e de outras enfermidades. Cabe destacar a HA, que tem hereditariedade estimada em cerca de 30%(3) e o diabetes tipo 2 também com forte componente hereditário(2).
Encontrou-se 58,7% dos participantes na faixa de sobrepeso e obesidade, que tem comprovada relação com o aumento do risco para o surgimento das doenças cardiovasculares, de acordo com a OMS(1). Assim recomenda-se a manutenção do peso ideal com índice de massa corporal inferior a 25 Kg/m2. Outro dado preocupante foi a identificação de circunferência abdominal aumentada nos participantes. Sabe-se que as medidas da CA avaliam o teor de gordura abdominal. Uma medida maior que 102 cm para homens e maior que 88 para mulheres são fatores de risco para doença, independente da proporção de gordura corporal total(3,17).
De acordo com a IV Diretriz Brasileira Sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose(18) o excesso de peso associado ao acúmulo de gordura na região mesentérica, obesidade denominada do tipo central, visceral ou androgênica, está associado a maiores riscos de doença aterosclerótica. Além disso, no geral, os indivíduos com este tipo de obesidade apresentam dislipidemia, resistência a insulina e hipertensão arterial sistêmica, condições que, em conjunto, caracterizam a síndrome metabólica. Esta síndrome é uma condição de caráter progressivo que pode aumentar a mortalidade geral em 1,5 vez e a cardiovascular em 2,5 a três vezes(3).
Sabe-se que as frituras são fontes ricas de lipídeos, proporcionado um aumento nas taxas sanguíneas de triglicérides e do LDL. Esse colesterol é responsável pela deposição de gordura nas paredes das artérias e nos órgãos internos. Outra informação importante diz respeito a uma propriedade do álcool que afeta os níveis de triglicérides total e de colesterol HDL. Os efeitos do álcool sobre os triglicérides são dependentes da dose e maiores em pessoas com níveis de triglicérides que excedem 150mg/dl(17).
A ingestão de cafeína pode elevar de forma aguda a pressão arterial. No entanto, a ingestão crônica não tem associação consistente com a hipertensão arterial(19).
Uma vez sedentários, os indivíduos do estudo ficam sujeitos às alterações que ocorrem no aparelho cardiovascular, tais como o aumento do risco para DCV devido à elevação da aterogênese, diminuição da vascularidade do miocárdio, redução na fibrinólise, queda dos níveis séricos de HDL, piora da tolerância à glicose e sensibilidade à insulina, alterações no controle do peso e aumento da pressão sanguínea(17,20).
De acordo com o observado, temos pessoas que referiram se estressar com facilidade associado à falta de atividades de lazer e com baixa qualidade do sono. Alguns autores(4) explicam que a falta de sono e o stress são comuns em pessoas com distúrbio relacionado ao uso abusivo do álcool, como, por exemplo, a síndrome da abstinência alcoólica. Isso é devido à lesão gradativa que ocorre nas células do sistema nervoso central.
Entre os fumantes, o risco de morte por doença cardiovascular em paciente masculino com idade superior a 65 anos é duas vezes maior do que em um indivíduo em condições semelhantes, não-fumante. No entanto, os benefícios cardiovasculares da interrupção do fumo podem ser vistos no prazo de um ano em todas as faixas etárias(19). De acordo com as V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial(3), o abandono do tabagismo é uma das condições essenciais para a redução dos riscos cardiovasculares.
Com relação ao tipo de bebida utilizada por essas pessoas, foram encontrados dados semelhantes em outras pesquisas(16), onde 58% dos participantes faziam uso de cachaça e 16% de outros destilados. Referente à variável tipo de bebida e volume utilizado, existe a complicação do fato de não podermos precisar a quantidade de álcool consumida, já que, para o cálculo da quantidade de álcool ingerida deve-se considerar o teor alcoólico de cada bebida, o que varia culturalmente4. Observou-se também que uma grande parte dos participantes fazia uso do álcool há mais de 20 anos. Sabe-se também que, quanto maior o tempo e a quantidade de álcool ingerido, maiores são suas conseqüências ao organismo.
O consumo do álcool aumenta o risco do desenvolvimento de várias doenças, como hipertensão, câncer e doenças do fígado, além de casos de agressões com graves conseqüências. Estudo(21) demonstrou os seguintes diagnósticos clínicos em pacientes alcoolistas internados em hospital geral: cirrose, pancreatite, hemorragia digestiva, hepatite alcoólica, desnutrição, intoxicação alcoólica, hipertensão arterial sistêmica, hepatomegalia, afecções pancreáticas e tumor hepático.
Estudo aponta a existência de um limiar abaixo do qual o consumo de álcool não teria nenhum efeito, embora haja relatos na literatura sobre a existência de uma relação linear entre consumo de álcool e incidência de hipertensão. Há também diversos mecanismos aventados para explicar a associação entre hipertensão e alcoolismo. Além do estresse, a elevação das catecolaminas tem sido proposta como explicação. Sabe-se, entretanto, que o álcool interfere no sistema renina-angiotensina, e que bebedores pesados têm baixa absorção de cálcio, podendo ser este um mecanismo adicional para o desenvolvimento da hipertensão arterial(22).
O mesmo estudo sugere que, se houvesse redução no padrão de ingesta alcoólica, as cifras pressóricas poderiam ser diminuídas, o que fornece subsídios para o planejamento de ações preventivas de saúde com vistas a evitar complicações cardiovasculares nessa clientela.
CONCLUSÕES
Podemos considerar que o diferencial nessa pesquisa foi estudar os fatores de risco cardiovasculares em pessoas com história de alcoolismo, o que é importante para os programas de educação e promoção da saúde. Detectou-se que, além do abuso do álcool, outros fatores para o desenvolvimento de HA e de outras DCV´s e essas próprias doenças estavam fortemente presentes nos sujeitos do estudo. Assim, é necessário que os profissionais de saúde que cuidam de usuários de bebidas alcoólicas atuem na prevenção e controle das doenças cardiovasculares, contribuindo para a redução das complicações que essas doenças podem causar nos acometidos.
Uma das dificuldades encontrada durante a coleta dos dados foi que muitas pessoas, até mesmo grupos inteiros, se recusaram a participar da pesquisa com receio de serem identificados, ainda que se tenha argumentado sobre o respeito aos preceitos do anonimato, autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça, contidos na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Porém, dentre os participantes, foi notória sua gratidão por haver alguém preocupado com a sua saúde, indicando até mesmo outros colegas para participarem do estudo.
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Recebido em: 02/2009
Aprovado em: 06/2009