SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.5 n.2 Ribeirão Preto ago. 2009
ARTIGO ORIGINAL
Transtornos mentais relacionados ao trabalho: revisão de literatura
Work- related mental disorders: a literature review
Los trastornos mentales relacionados con el trabajo: revisión de la literatura
Alessandra Marino BárbaroI; Maria Lúcia do Carmo Cruz RobazziII; Luiz Jorge PedrãoIII; Regilene Molina Zacareli CyrilloIV; Sandra Verônica Valenzuela SuazoV
IEnfermeira. Especializanda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), Curso de Especialização em Enfermagem do Trabalho. e-mail: allebarbaro@hotmail.com
IIEnfermeiros. Professores da EERP-USP. e-mail: avrmlccr@eerp.usp.br
IIIEnfermeiros. Professores da EERP-USP. e-mail: lujope@eerp.usp.br
IVEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Fundamental da EERP-USP. e-mail: regizacareli@yahoo.com.br
VEnfermeira. Professora Doutora da Universidad de Concepción, Chile. e-mail: svalenzu@udec.cl
RESUMO
Investigou-se Transtornos Mentais (TM) relacionados ao trabalho, suas características e quais os trabalhadores mais acometidos por eles. Levantou-se a literatura nacional e latino-americana da área da saúde sobre o tema proposto, a partir de indexações na Scientific Electronic Library Online. Utilizaram-se os descritores apropriados obtidos na Biblioteca Virtual em Saúde e estabeleceram-se critérios de inclusão/exclusão para seleção dos artigos; dez foram analisados, evidenciando que os TM podem estar tanto relacionados ao trabalho como à sua ausência. Ambientes laborais inadequados, formas como as atividades são organizadas, pouca valorização do trabalhador, participação insatisfatória nas decisões, entre outros fatores, favorecem sua ocorrência. Constatou-se a presença de TM em professores, trabalhadores de saúde, siderurgia, adultos, mulheres e donas de casa. Investigações com outros trabalhadores são importantes.
Palavras-chave: Transtornos mentais, Trabalho, Condições de trabalho.
ABSTRACT
The study aimed to investigate work-related Mental Disorders (MD), their characteristics and which groups of workers most commonly present the disorder. A survey was performed in Brazilian and Latin American health literature on the theme, in the Scientific Electronic Library Online. Descriptors from the Virtual Health Library were used and inclusion and exclusion criteria were established. Ten articles were analyzed, which evidenced that MD can be related both to work and its absence. Inadequate work environments, the way activities are organized, low valuation of workers, unsatisfactory participation in decisions, among other factors, favor the occurrence of MD. The occurrence of MD to teachers, health workers, ironworkers, adults, women and housewives was evidenced. Research with other groups of workers is important.
Keywords: Mental disorders, Work, Working conditions.
RESUMEN
El objetivo del estudio fue investigar los trastornos mentales (TM) relacionados con el trabajo, sus características y los trabajadores más comúnmente acometidos. La literatura brasileña y latino-americana del área d la salud acerca del tema propuesto fue investigada, a partir de indexaciones en la Scientific Electronic Library Online. Fueron utilizados descriptores apropiados, obtenidos en la Biblioteca Virtual en Salud y fueron establecidos criterios de inclusión/exclusión para la selección de los artículos. El análisis de la literatura identificó diez artículos, que evidenciaron que los TM pueden estar relacionados con el trabajo o con su ausencia. La inadecuación de los ambientes de trabajo, la forma como las actividades son organizadas, la baja valorización del trabajador, participación insatisfactoria en las decisiones, entre otros factores, favorecen su ocurrencia. Se constató la presencia de TM en profesores, trabajadores de la salud, siderurgia, adultos, mujeres y amas de casa. Investigaciones con otros profesionales son importantes.
Palabras-clave: Trastornos mentales, Trabajo, Condiciones de trabajo.
INTRODUÇÃO
A idéia desse estudo surgiu a partir da prática de enfermagem dos autores, quando, em atividades hospitalares, identificaram pacientes com Transtornos Mentais (TM) aparentemente relacionados ao trabalho. Este fato causou preocupação, pois trabalhar deveria ser uma circunstância de vida a ser experienciada com dignidade e bem estar, não com adoecimentos físicos e/ou psíquicos.
Alterações do funcionamento mental, os TM prejudicam o desempenho da pessoa na vida familiar, social, pessoal, laboral, nos estudos, na compreensão dela mesma e dos outros, na possibilidade de autocrítica, na tolerância aos problemas e na possibilidade de ter prazer na vida em geral. São agrupamentos de sinais e sintomas associados a alterações de funcionamento sem origem conhecida, e resultam da soma de vários aspectos que perturbam o equilíbrio emocional(1). Surgem quando as exigências do meio e do trabalho ultrapassam a capacidade de adaptação do sujeito, tornando amplos os sentimentos de indignidade e inutilidade, alimentando a sensação de adoecimento intelectual e falta de imaginação e, conseqüentemente, afetando o comportamento produtivo(2).
No Brasil, os TM têm causado incapacidade grave e definitiva, inclusive, de executar atividades laborativas; as taxas de mortalidade são elevadas, com prejuízos nas funções sociais e físicas e existência de aposentadoria precoce(2). Quadros depressivos correspondem a problemas de saúde entre mulheres de países desenvolvidos e em desenvolvimento; elas apresentam mais transtornos de ansiedade, de ajustamento, de alimentação, anorexia nervosa, insônia e estresse(3).
Transtornos Mentais Graves (TMG) podem ocasionar grande sofrimento; alguns sujeitos necessitam de tratamento; há uma diminuição da capacidade de suportar as agressões ambientais, além das dificuldades que as alterações psicopatológicas trazem(4). Em situações de crises, portadores de TMG podem se afastar/ser afastados do trabalho e até perder o direito de realizar trabalhos domésticos em suas próprias casas(5). Transtornos Mentais Comuns (TMC) são identificados por sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade, esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas(5); apresentam associação comprovada com variáveis relativas às condições de vida e à estrutura ocupacional(6), podem ser duradouros ou transitórios e recorrentes, mas raramente são fatais(7). A prevalência em países industrializados é de 7%-30%(5); em nações ocidentais, varia de 7%-26%, sendo mais acentuada em mulheres(3).Transtornos Mentais Menores (TMM) acometem cerca de 30% dos trabalhadores ocupados e TMG cerca de 5 a 10%(8). Este problema pode ocorrer pelas condições desfavoráveis de trabalho, muitas vezes não existindo preocupações mínimas com a saúde do trabalhador.
Pessoas informalmente inseridas em processos produtivos ou desempregadas apresentam grandes prevalências de TMC. A falta de renda pode levar ao estresse e à insegurança, mecanismos causadores dos TMC. Instabilidade de vínculo de trabalho, ausência de benefícios sociais e de proteção da legislação trabalhista também podem ser responsáveis pelo desenvolvimento da ansiedade e da depressão entre trabalhadores informais. A desvalorização social resultante do desemprego pode comprometer o bem-estar psicológico individual(6). A forma da organização é importante, sendo significativa dentro de boas condições laborais; tecnologias sozinhas não elevam a qualidade do produto; é necessário ter qualidade no ambiente e nas condições de trabalho(9).
Com a finalidade de aumentar o conhecimento existente sobre TM e trabalho, o presente estudo objetivou investigar quais são os principais TM relacionados ao trabalho e suas características e quais os trabalhadores mais comumente investigados. Acredita-se que poderá contribuir com o aumento do conhecimento sobre estes agravos, tão danosos à saúde dos trabalhadores.
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo descritivo, de levantamento na literatura nacional e latino-americana, especificamente em periódicos da área da saúde, sobre o tema proposto, a partir da indexação do periódico na Scielo - Scientific Electronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica em Linha). O Modelo Scielo apresenta componentes (a metodologia Scielo, a aplicação da metodologia na operação de websites de coleções de revistas eletrônicas e o desenvolvimento de alianças entre autores), alguns métodos de busca (por palavra, proximidade léxica, Google Acadêmico e relevância) e várias coleções, já desenvolvidas e em desenvolvimento.
Os descritores apropriados foram procurados na BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), encontrando-se os seguintes termos nos Descritores em Ciências da Saúde (DECS) da BVS: 1. transtornos mentais (em espanhol - transtornos mentales e em inglês - mental disorders); 2. trabalho (em espanhol - trabajo e em inglês work) e condições de trabalho (em espanhol - condiciones de trabajo e em inglês working conditions).
Os critérios de inclusão estabelecidos para a seleção dos artigos foram: aqueles que apresentaram resumos; os que utilizaram os descritores 1 e 2 ou 1 e 3 nos resumos e/ou nas palavras-chave; e os que apresentaram o texto completo, independente do ano em que o artigo foi indexado na biblioteca Scielo. Foram excluídos os que não tinham resumos e os que apresentaram apenas um dos três descritores. Obedecidos tais critérios, a busca na biblioteca foi realizada entre os meses de dezembro de 2008 e janeiro de 2009.
Nos métodos por palavra, proximidade léxica e relevância, havia poucas publicações nas coleções da Scielo. Após, ainda dentro da biblioteca, realizou-se a busca utilizando-se como método o Google Acadêmico, digitando-se os descritores já mencionados anteriormente, obtendo-se na ocasião o acesso a 990 artigos. A partir desta etapa, obedecendo-se aos critérios previamente estabelecidos e desconsiderando-se os textos repetidos, obteve-se 10 artigos neste universo investigado.
RESULTADOS
Os artigos foram publicados nos periódicos Revista de Saúde Pública (20%) e o mesmo percentual nos Cadernos de Saúde Pública e na Revista de Enfermagem da UERJ; na Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil (10%) e igual percentual nos periódicos Psicologia em Estudo, Jornal Brasileiro de Psiquiatria e Caderno de Psicologia Social do Trabalho. Em 2000 e 2002 ocorreram, em cada ano, 10% das publicações; em 2005 e 2007 aconteceram, em cada ano, 20% e em 2006, 40%. Os dez artigos foram redigidos por 23 autores, sendo que 14 encontram-se na autoria de apenas um artigo, sete de dois artigos, um de três artigos e o outro de cinco artigos. Todos foram elaborados por pessoas vinculadas às universidades: do Nordeste do Brasil (70%); do Sudeste (20%) e do México (10%), e alguns estavam também associados à instituições não-universitárias. Dos artigos, 60% foram de corte transversal, e a coleta de dados aconteceu, majoritariamente, em 2001.
A síntese contendo os objetivos, características, resultados e conclusões dos artigos selecionados encontra-se apresentada a seguir.
DISCUSSÃO
A maioria dos periódicos com publicações de artigos sobre TM eram todos editados no Brasil e de temáticas voltadas à saúde publica; a maioria dos artigos foi publicada em 2006 e escrita por profissionais de saúde.
Quanto a identificar quais são os principais TM relacionados ao trabalho e algumas de suas características, sabe-se que no trabalho existe sempre a participação do homem; em função disso há características relativas ao humano trazendo aspectos histórico-culturais e singulares de cada um. Cada pessoa usa sua capacidade produtiva para produzir algo destinado a outrem; para isso mobiliza suas capacidades e escolhe uma maneira para realizar a atividade(4). O trabalho apresenta formalizações, prescrições, determinações, acordos entre os diversos níveis da organização e da sociedade em que se insere; o trabalhador realiza a gestão dessas normas a partir de suas próprias características e valores, a fim de conseguir trabalhar. Em cada situação, o trabalho real não é a simples aplicação do prescrito(5). O trabalhador faz uma reconcepção da prescrição para realizar a atividade; as conseqüências que o trabalho pode ter para o sujeito mudam de acordo com seus desejos e possibilidades em um dado momento; no trabalho, o portador de TMG pode desenvolver novas competências e abandonar a identidade produzida de ser incapaz(4).
O trabalho, ou sua ausência, consegue gerar TM e alterações psicossomáticas nos trabalhadores. Quanto aos efeitos quantitativos, longas jornadas ou sobrecarga parecem causar um modesto efeito sobre a saúde mental de quem trabalha(10). Entretanto, este fato não é unanimemente aceito, pois há estudos que consideram sobrecarga de trabalho, rodízios de horários e sistema de plantão como fontes de pressão para o exercício das atividades; o prolongamento da jornada intensifica o desgaste físico e psicológico do trabalhador, o que pode resultar em fator desencadeante de estresse e sofrimento mental2. Investigações que analisaram o controle sobre o trabalho ou aspectos relativos à desqualificação das atividades e exigências qualitativas mostraram que há relação com o estresse; exigências qualitativas associam-se a existência de problemas como depressão(10).
TM podem se tornar incapacitantes e causas importantes de dias de trabalho perdidos (6). A organização laboral pode significar uma situação de crise ao trabalhador; os TMG podem influir negativamente na capacidade do indivíduo gerir-se no trabalho. Para a pessoa desestabilizada, algumas exigências mercadológicas podem representar mais fonte de sofrimento que de abertura de possibilidades de saúde(5). Obrigar o indivíduo com TMG a adaptar-se às regras do mercado pode levá-lo ao fracasso e a frustração(4). Trabalhadores jovens estão mais propensos a sofrer TM; os com altas demandas apresentam a saúde piorada. Quem trabalha há mais tempo apresenta maior capacidade de tomada de decisão e menor risco de apresentar TM(10). Estes transtornos indicam situações de sofrimento mental(3) que atingem o indivíduo no que ele tem de mais subjetivo, sendo determinados por fatores independentes do sujeito(7). O sofrimento pode interferir na capacidade produtiva e, em alguns momentos, tornar difícil o convívio com os outros(5).
O objetivo de identificar quais os trabalhadores mais comumente investigados nas publicações sobre TM evidenciou o que se segue.
Professores: a educação é um dos ramos que mais empregam trabalhadores(7). Professores expõem-se aos ambientes conflituosos e de elevada exigência laboral; realizam atividades planejadas e adicionais, apresentam problemas com alunos, sofrem pressão do tempo, entre outros; tais situações causam estresse e podem levá-los a apresentar alterações em sua saúde física e mental e no seu desempenho profissional(11). Estudos destacam o seu sofrimento mental(6) e o estresse que vivenciam. Os riscos a que se submetem são menos visíveis quando comparados aos enfrentados por outros trabalhadores(11).
A presença de TM foi investigada entre professores de Vitória da Conquista (BA). Um dos estudos com 1.024 professores (de educação infantil/ensino fundamental de escolas públicas municipais/particulares) analisou a associação entre aspectos psicossociais do trabalho e a prevalência de distúrbios psíquicos. A principal variável de exposição foi constituída pelas categorias do modelo demanda-controle, definidas com base no questionário sobre o conteúdo do trabalho (Job Content Questionnaire - JCQ). A variável de resposta representou distúrbios psíquicos durante o mês anterior ao preenchimento do questionário, medidos pelo Self Reporting Questionnaire (SRQ-20). A prevalência de distúrbios psíquicos foi elevada, e estava associada com as exigências do trabalho. Os resultados foram superiores aos obtidos em estudos de outras categorias de trabalhadores e da população geral; os valores foram similares aos de pacientes atendidos em unidades de saúde. São necessárias pesquisas adicionais para aprofundar os motivos da prevalência e esclarecer a associação evidenciada(7).
A associação entre controle sobre o trabalho e demandas psicológicas e a ocorrência de distúrbios psíquicos menores entre professores de ensino fundamental da mesma cidade foi investigada em estudo com 808 sujeitos. Foi utilizado um questionário auto-aplicado para coleta de dados e o instrumento JCQ. Distúrbios psíquicos menores foram classificados de acordo com os escores obtidos no SRQ-20. Houve elevada prevalência, superior à encontrada em outras investigações, para os distúrbios psíquicos menores nos sujeitos investigados, denotando uma situação preocupante de saúde mental (11).
Autoridades de educação devem examinar a situação encontrada entre os professores e procurar amenizá-la. Exames médicos periódicos e viabilização de suporte médico e psicológico são recomendados. Condições de trabalho potencialmente danosas à saúde devem ser percebidas, e tais trabalhadores poderiam aprender assuntos relacionados à sua saúde(7).
Preserva-se a saúde quando as demandas de trabalho são mantidas em nível aceitável e com possibilidades de controle das condições para responder adequadamente a elas. A saúde mental preocupante está associada ao conteúdo do trabalho realizado pelos professores(11).
Trabalhadores da Saúde: dois estudos pesquisaram os trabalhadores da área da saúde. Investigação sobre profissionais de enfermagem hospitalar realizou-se em Feira de Santana (BA), avaliando os TMC na equipe da emergência de um hospital geral, pesquisando os aspectos psicossociais do trabalho associados ao adoecimento observado. Os dados foram coletados com 80 sujeitos. Trabalhadores realizavam turnos alternados, diurnos, noturnos e plantões, na emergência; os dados foram coletados com um questionário sobre as condições sociodemográficas e características do trabalho; aspectos psicossociais do trabalho foram obtidos através do JCQ e a saúde mental através do SRQ-20. Houve ligação entre o trabalho e o trabalhador, compreendida com a vivência direta e ininterrupta dos sujeitos com dor, morte, sofrimento, desespero, incompreensão e outros sentimentos e reações desencadeadas pelo processo saúde e doença, principalmente em atendimento de emergência. Encontrou-se associação positiva entre trabalho de alta exigência e TMC(2).
Médicos realizam um trabalho penoso, exaustivo e favorecedor de problemas de saúde. Estudo realizado em Recife (PE) com 124 sujeitos comparou o cotidiano de trabalho e a prevalência dos TMC dos que exercem atividades profissionais no serviço de emergência com os da terapia intensiva e enfermarias de um hospital geral. Os questionários utilizados (Cotidiano de Trabalho Médico e SRQ-20) foram auto-aplicáveis; coletaram-se informações individuais sobre o cotidiano do trabalho. A prevalência de TMC foi elevada em relação a outros estudos nacionais; a maioria dos que atuavam em terapia intensiva e emergência mantinha vários empregos, com uma longa jornada semanal de trabalho. Os que atuavam na emergência apresentavam carga horária semanal superior a 70 horas, e assumiram que o trabalho causa sofrimento. A sensação de sobrecarga no trabalho foi referida por expressivo percentual dos sujeitos. A emergência foi o setor com maior prevalência de TMC quando comparada aos demais, com médicos vivenciando as piores condições laborais; eles utilizam mecanismos psíquicos de defesa como a impessoalidade e frieza afetiva no trato com os pacientes(12).
Trabalhadores da área da saúde necessitam ter a possibilidade de realizar seu trabalho e atuar em ambientes ocupacionais não agressivos e arriscados à sua saúde, porque tais locais, associados às características do trabalho, são favorecedores de TM a estas pessoas.
Adultos, Mulheres, e Donas de Casa: investigação realizada em Olinda (PE) envolveu adultos de 15 anos ou mais, determinou a prevalência de TMC e analisou sua associação às condições de vida e inserção na estrutura ocupacional. Foram entrevistadas 621 pessoas; os TMC foram avaliados pelo SRQ-20 e por um questionário sobre condições de vida e estrutura ocupacional; posteriormente, realizou-se entrevista com psiquiatras contratados para a pesquisa. A magnitude da associação entre escolaridade, condições de moradia, inserção no processo produtivo e renda aos TMC foi considerável(6).
Estudo com 2055 mulheres de Feira de Santana (BA) objetivou descrever características sociodemográficas e do trabalho doméstico; estimar a prevalência de TMC e descrever fatores associados a esta prevalência, com ênfase no trabalho doméstico. Os instrumentos de coleta de dados foram ficha domiciliar e questionário individual; o trabalho doméstico foi avaliado. Para identificar os TMC, utilizou-se o SRQ-20. Entre as 2055 entrevistadas, predominaram as casadas/em união estável, com menos de 41 anos, pardas, baixo nível de escolaridade e rendimento próprio mensal, com filhos. Tarefas domésticas eram realizadas semanalmente por 83,8%; um percentual expressivo não mantinha atividades regulares de lazer; o percentual das que dedicavam tempo semanal ao lazer diminuía com o aumento do número de filhos. A prevalência de TMC atingiu 811 das 2055 entrevistadas. Dentre os sintomas avaliados pelo SRQ-20, predominou o humor depressivo/ansioso. A prevalência de TMC foi elevada entre as que tinham baixo nível de escolaridade; sozinhas, negras ou pardas; renda mensal própria de até um salário mínimo, filhos e chefes de família. A ajuda doméstica associou-se à menor prevalência de TMC; a prevalência foi mais elevada entre as com alta sobrecarga doméstica e maior número de filhos(3).
Outra investigação realizada com mulheres de 15 anos ou mais de idade da zona urbana de Feira Santana (BA) estimou a prevalência de TMC entre donas-de-casa e trabalhadoras inseridas no mercado de trabalho, segundo características sociodemográficas, de saúde reprodutiva, atividades domésticas e de lazer. Estudou-se 652 trabalhadoras e 583 donas-de-casa. A prevalência de TMC foi 43,4% entre donas-de-casa e 36,8% entre trabalhadoras. Baixa escolaridade, ausência de atividades de lazer, menopausa, ter realizado aborto e ter sofrido agressão foram fatores de risco para TMC, em ambos os grupos. Há necessidade de criação de programas e ações voltados para a prevenção e promoção da saúde mental nesses grupos(13).
Aspectos relacionados ao trabalho doméstico, invisível e de pouco valor social, podem estar associados a repercussões negativas à saúde mental das mulheres. Políticas públicas devem ser implementadas para que haja a disponibilização de meios de socialização do trabalho doméstico. Alternativas como creches e cooperativas de alimentos, entre outras, podem reduzir a carga de trabalho no interior das famílias e inaugurar formas de remuneração de atividades, até o momento restritas ao âmbito privado(3).
Trabalhadores de siderurgia: estudo realizado no México, com 830 trabalhadores masculinos, idade média de 32 anos; analisou alguns elementos do processo de trabalho e a interação das exigências laborais como determinantes de transtornos mentais, psicossomáticos e fadiga (TMPF) nestes sujeitos. Coletaram-se informações sobre a exposição às demandas de trabalho; sintomas de danos a saúde associados ao processo de trabalho foram obtidos; também foram utilizados o Cornell Medical Index e o Índice de Yoshitake. O tipo de atividade realizada pelos trabalhadores foi fundamental para o surgimento de TM, psicossomáticos e fadiga (TMPF); a fadiga foi à condição mais importante no grupo de trabalhadores, tanto no de produção como no de administração; alterações psicossomáticas cardiovasculares foram mais freqüentes nos indivíduos da produção; trabalhadores da produção expunham-se a uma ampla gama de exigências e não conseguiam se proteger contra elas. A área de siderurgia apresenta uma probabilidade de TM de maior magnitude em relação à administrativa; o risco de trabalhar em uma área ou outra provoca duas vezes mais o risco de sofrer TMPF; houve relação entre o conjunto de demandas laborais e TMPF. A diferença estatística entre os expostos e não expostos foi consistente em quase todo o conjunto das condições estudadas(10).
CONCLUSÕES
TM podem estar fortemente relacionados ao trabalho e/ou a sua ausência; constituem-se num conjunto de sintomas psíquicos que afetam as pessoas com maior ou menor intensidade. Ambientes laborais inadequados, formas como as atividades de trabalho são organizadas, pouca valorização do trabalhador, participação insatisfatória nas decisões do trabalho, demandas laborais excessivas, horários de trabalho em turnos, baixos salários, realização de trabalho sem visibilidade, complexidade do trabalho, ausência de lazer, entre outros fatores, incluindo-se condições de trabalho indesejáveis, com múltiplos riscos ocupacionais podem propiciar TM nos trabalhadores.
Recomenda-se que novos estudos com outras categorias de trabalhadores sejam realizados para aumentar o conhecimento sobre este problema, tão importante e que pode afetar, severamente, a saúde de quem trabalha.
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Recebido em: 02/2009
Aprovado em: 04/2009