SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas
ISSN 1806-6976
SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.10 no.2 Ribeirão Preto ago. 2014
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v10i2p51-60
ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v10i2p51-60
A evolução da lei de drogas: o tratamento do usuário e dependente de drogas no Brasil e em Portugal
The evolution of anti-drug laws: treatment for drug users and addicts in Brazil and in Portugal
La evolución de la ley de drogas: el tratamiento de usuario y dependiente de drogas no Brasil y en Portugal
Carla Aparecida Arena VenturaI; Débora Aparecida Miranda BenettiII
IPhD,
Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de
São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em
Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIProfessor,
Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP, Brasil
RESUMO
Com a entrada em vigor da Lei de Drogas, Lei no 11.343/2006, o Brasil estabelecia como propósito tratar o dependente e o usuário com maior dignidade, buscando tratamento em vez de punição. Em 2000, Portugal, também preocupado com a dignidade dos dependentes e usuários de drogas, apresentou uma atitude mais inovadora do que o Brasil, descriminalizando o consumo de drogas em pequena quantidade. Nesse contexto, esta reflexão apresenta uma comparação entre a legislação recente desses dois países, especialmente no que se refere à diferenciação entre usuário/dependente de drogas e traficantes e seus respectivos tratamentos. Apesar das alterações legislativas no Brasil, há incipiente foco em programas de saúde pública que lidem com o problema das drogas no país. Assim, a experiência de Portugal pode trazer importantes elementos para o delineamento de políticas mais efetivas no Brasil, que considerem as particularidades nacionais e a multidimensionalidade do fenômeno das drogas.
Descritores: Drogas Ilícitas; Terapêutica; Punição; Saúde.
ABSTRACT
With the enactment of the Drug Law, Law no 11,343/2006, Brazil established the proposal of treating addicts and users with more dignity, seeking to treat rather than punish them. In 2000, Portugal, also concerned with the dignity of drug addicts and users, showed a more innovative attitude than that of Brazil, decriminalizing the use of small quantities of drugs. In this context, this reflection compares recent legislation in the two countries, especially regarding differentiating between drug users/addicts and drug dealers and the way their respective treatment. Despite legal changes in Brazil, public health programs that deal with the drug problems in that country remain incipient. The experience of Portugal, then, can provide important elements in designing more effective policies that take into consideration national peculiarities and the multi-dimensionality of the drug phenomenon in Brazil
Descriptors: Street Drugs; Therapeutics; Punishment; Health.
RESUMEN
Con la entrada en vigor de la Ley de Drogas, Ley no 11.343/2006, Brasil establecía como propósito tratar al dependiente y al usuario con mayor dignidad, buscando tratamiento en vez de punición. En 2000, Portugal, también preocupado con la dignidad de los dependientes e usuarios de drogas, presentó una actitud más innovadora que en Brasil, descriminalizando el consumo de drogas en pequeña cantidad. En ese contexto, esta reflexión presenta una comparación entre la legislación reciente de esos dos países, especialmente en lo que se refiere a la diferenciación entre usuario/dependiente de drogas e traficantes e sus respectivos tratamientos. A pesar de las alteraciones legislativas en Brasil, hay un incipiente interés en programas de salud pública que lidien con el problema de las drogas en el país. Así, la experiencia de Portugal puede traer importantes elementos para el diseño de políticas más efectivas en Brasil, que consideren las particularidades nacionales y las diferentes dimensiones del fenómeno de las drogas.
Descriptores: Drogas Ilícitas; Terapéutica; Castigo; Salud.
Introdução
Com a entrada em vigor da Lei no 11.343 de 2006 verifica-se, por parte dos órgãos competentes no Brasil, a tentativa de adequação da legislação às diretrizes internacionais que diferenciam os usuários e dependentes de drogas da figura do traficante.
Embora ainda haja no país discussão sobre a descriminalização penal do usuário ou dependente de drogas, sobretudo no artigo 28 da referida lei, é possível afirmar que a nova legislação avançou com relação ao tema, uma vez que o usuário ou dependente de drogas é encaminhado para tratamento e não mais para a prisão.
Nesse cenário, destaca-se que Portugal modificou o tratamento oferecido ao usuário ou dependente de drogas antes do Brasil. Em uma atitude ousada, descriminalizou o porte de drogas em pequena quantidade. Da mesma forma, naquele país, o usuário ou dependente de drogas também não é mais levado para a prisão.
Considerando a proximidade cultural e de sistemas jurídicos existentes entre Brasil e Portugal, bem como a opção semelhante quanto à diferenciação legal do usuário ou dependente de drogas e do traficante, esta reflexão teórica descreve as diretrizes legais para o tratamento do usuário ou dependente de drogas no Brasil e em Portugal.
Diante da ausência de publicações sobre o assunto, estas considerações buscam estabelecer uma comparação entre a legislação brasileira e a portuguesa em relação ao usuário e ao dependente de drogas, tendo como enfoque o tratamento como modelo para diminuir o consumo das drogas.
Drogas e legislação no Brasil
O Brasil apresenta uma legislação sobre drogas ilícitas que evoluiu desde a total punição − independentemente de o indivíduo ser traficante ou dependente − para uma gradativa preocupação com dependentes e usuários. No país, a primeira legislação criminal a punir o uso e o comércio de drogas é o Livro V das Ordenações Filipinas. Depois vieram o Código Penal Republicano, de 1890, a Consolidação das Leis Penais, em 1932, o Decreto no 780, modificado pelo Decreto-Lei no 891, de 1938, e o Código Penal de 1940, seguido pela legislação esparsa comentada a seguir(1) a partir da Lei no 6.368/1976.
No Brasil, essa lei de 1976, em um de seus artigos, punia o usuário de drogas com detenção de 6 meses a 2 anos, restringindo, portanto, a liberdade individual. Assim, a posse da droga para consumo pessoal era conduta criminosa, sendo o indivíduo muitas vezes preso no cárcere sem nenhum tratamento adequado, em condição vulnerável.
Posteriormente, ocorreram algumas alterações para beneficiar os usuários com as Leis no 9.099/1995 e a no 10.259/2001. No ano de 2002, foi aprovada a Lei no 10.409 com a finalidade de revogar a Lei no 6.368/1974. Contudo, tal revogação não ocorreu, pois o então presidente da República vetou parte da legislação, gerando várias dificuldades na sua aplicabilidade, uma vez que ambas as leis eram aplicadas.
Nesse contexto de "dualidade" foi promulgada em 2006 a Lei no 11.343 com a árdua finalidade de dirimir tal problemática, trazendo à sociedade maior segurança diante da desordem de aplicabilidade das leis anteriormente publicadas.
Para melhor entendimento das modificações contidas nas leis anteriormente mencionadas, a Figura 1 apresenta uma breve comparação dos principais artigos das legislações, tendo como foco o usuário, o dependente de drogas e o traficante.
É possível constatar que a pena para o usuário ou dependente deixou de ser privativa de liberdade, porém incluiu nessa categoria quem semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
Por meio da comparação das leis, atesta-se que a pena para o tráfico de drogas teve a pena mínima e a multa majoradas. Também se modificou a expressão "substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica" para "drogas". Em relação à matéria-prima, ocorreu apenas a atualização na descrição do crime, sem maiores modificações.
Na comparação entre as duas legislações, no caso de semear, se o cultivo for em pequena quantidade e para consumo pessoal, o agente será considerado usuário ou dependente. Caso seja em grande quantidade, o agente será considerado traficante.
Na época da lei anterior, havia muita polêmica a respeito de como enquadrar a conduta daquele que gratuitamente cedia drogas à terceira pessoa para que juntos consumissem. Não havia determinação expressa sobre como puni-los. Algumas vezes eram punidos como traficantes outras como dependentes. Com a nova lei, tal discussão foi definida.
A nova lei não discrimina os profissionais de Saúde, porém infere-se que todos estão incluídos na medida de sua competência. É importante destacar que a lei atual também determina que, caso ocorra condenação, o juiz comunicará o Conselho Federal da categoria profissional a que pertencer o profissional. É fundamental destacar a modalidade culposa da ação, ou seja, não há a vontade, intenção de praticar tal ato.
A comparação do conteúdo das leis, Lei no 6.368/1976 e Lei no 11.343/2006, demonstra que o usuário e/ou dependente na atualidade são tratados como indivíduos que necessitam de tratamento e informação, em contraposição à Lei de 1976, que os concebia simplesmente como criminosos. Destaque-se que na lei atual as questões relativas ao usuário ou dependente encontram-se no capítulo que dispõe sobre os crimes. Já o traficante é tratado com mais rigor, com pena base de 5 a 15 anos.
De acordo com a Lei de Drogas no 11.343/2006, o juiz determinará ao Poder Público que o dependente de drogas receba, gratuitamente, tratamento em estabelecimento de saúde. O tratamento deve ser de preferência ambulatorial. Caso não seja possível o tratamento ambulatorial, deve ocorrer a internação. O tratamento muitas vezes será no Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, é obrigação do juiz, no momento da sentença, determinar tal medida.
Cabe também destacar que, nesse contexto, o Ministério da Saúde coordenou novas formas para ampliar e qualificar o atendimento aos brasileiros dependentes de crack, álcool e outras drogas(2). Entre as medidas, enfatiza-se a reinserção social e a utilização do SUS, tendo como meta o atendimento integral do paciente com base no repasse de recursos financeiros pelo Ministério da Saúde para Estados e Municípios.
Enfim, as disposições legais sobre o tratamento existem, porém é fundamental a efetivação e aplicabilidade da legislação, pois a dependência de drogas é um problema de saúde pública.
Confirmando a dependência das drogas como um problema de saúde pública, recentemente, o juiz da 7a Vara da Fazenda Pública de São Paulo determinou, por uma liminar, que a Polícia Militar não impedisse que dependentes de drogas da Cracolândia circulassem pelas ruas. O juiz afirma que é dever do Estado prover, através do SUS, cuidados aos dependentes químicos(3).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se deve considerar prioritariamente que, até a condenação, o suposto traficante é inocente(4). Deve-se destacar que tal análise ainda hoje ficará a critério do juiz que analisa o caso.
No dia 28 de maio de 2012, a comissão de juristas que discute a reforma do Código Penal no Senado aprovou a descriminalização do uso de drogas para quem for pego com uma quantidade equivalente ao consumo de cinco dias, definida pela autoridade administrativa de saúde. Essa descriminalização, contudo, não ocorrerá quando o portador da droga estiver na presença de crianças e adolescentes ou nas proximidades de escolas e outros locais com concentração de crianças e adolescentes(5).
Por fim, é possível reconhecer a constante instabilidade diante do assunto, tratando-se de um tema extremamente mutável, com constantes novidades. Sendo assim, no início de 2013, o governo do Estado de São Paulo assinou um projeto que viabiliza a internação compulsória dos dependentes. Aparentemente, a possibilidade de tal internação seguirá o seguinte procedimento: 1- os usuários de drogas são abordados por agentes de saúde e convencidos a seguir ao Centro de Referência para Dependentes Químicos (em alguns casos, dependentes mais debilitados são levados a um hospital antes de serem encaminhados ao referido centro); 2- um médico avalia se a internação é necessária, sendo necessária, o paciente é convidado a fazer o tratamento; 3- caso aceite, trata-se de uma internação voluntária, sendo o paciente encaminhado para tratamento; 4- caso recuse o tratamento, a internação será compulsória. O Promotor avalia o laudo médico e entrega um parecer ao juiz que pode ordenar ou não a internação(6).
Drogas e Legislação em Portugal
Portugal, nos anos 1990, apresentava uma alta taxa de abuso de drogas, principalmente de heroína.
A partir de uma comparação do contexto da União Europeia, o uso de drogas era claramente maior em Portugal do que em outros países. A consequência era uma taxa de crimes mais alta, bem como a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis como o HIV, as hepatites B e C, em virtude das seringas contaminadas(7).
Assim, diante das altas taxas de uso de drogas pela população em Portugal, as autoridades desejavam reduzir tal índice e, automaticamente, diminuir os crimes relacionados ao consumo de drogas. Naquele cenário, Glen Greenwald esclarece que foi reunido um conselho de especialistas, tendo como integrantes médicos, psicólogos, doutores em política de drogas e um sociólogo para discutir a situação, questionando-se como pôr fim, de forma eficaz, ao problema do uso de drogas(7).
Essa comissão trabalhou por 18 meses com esse mandato. Após esse período, publicou um relatório acadêmico apontando a descriminalização como a melhor maneira de diminuir o grave problema das drogas. A partir de todas as formalidades legais, Portugal caminhava, então, para a descriminalização do consumo de drogas e não legalização, uma vez que o país é signatário de vários tratados internacionais que não permitem tal conduta.
Como resultado desse movimento, no ano 2000, foi editada a Lei no 30/2000, que revogou alguns artigos do Decreto-Lei no 15/93, de 22 de janeiro. O Decreto-Lei no 15/93 dispõe sobre o tráfico e o consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas e apresenta 76 artigos e tabelas sobre os tipos de drogas proibidas. A repressão ao tráfico de drogas em Portugal está expressamente clara.
Sendo assim, de maneira geral, se um indivíduo for detido consumindo ou portando substância ilícita em quantidade que não exceda 10 dias para seu consumo pessoal (verificado caso a caso, pois ultrapassar o limite configura-se tráfico), será conduzido para uma Comissão de Dissuasão, para uma análise clínica com a finalidade de constatar se o indivíduo é um dependente ou consumidor recreativo, uma vez que o tratamento será diferente em cada caso(7).
No caso de dependência química, o indivíduo será convidado para um centro de tratamento. A pessoa pode não aceitar o tratamento, mas se for detida novamente consumindo droga poderá ser submetida a algumas penalidades, como prestação de trabalho comunitário, cassação, proibição ou revogação de licença de uso e porte de arma de defesa, caça, precisão ou recreio, de receber benefícios do seguro social, proibição de frequentar determinados lugares, entre outras. As sanções estão nos artigos 15 e 17 da Lei no 30/2000.
Quando o uso for considerado recreativo, a pessoa será encaminhada para atendimento, ocasião em que poderá discutir situações relacionadas à sua vida pessoal com outras pessoas.
Vale dizer que o artigo 40, do Decreto-Lei no 15/93, determinava como crime o consumo de drogas, com pena de prisão de 3 meses ou multa de até 30 dias, bem como, no caso de as substâncias excederem o necessário para o consumo médio de 5 dias, a pena era de 1 ano de prisão ou multa de 120 dias, cujo valor era fixado no processo. Anteriormente, no caso do consumidor ocasional, a pena poderia ser dispensada. Hoje, o artigo foi revogado pela Lei no 30/2000, mas essa apenas se refere ao consumo, sendo crime o cultivo da substância, expresso no artigo 28, da Lei no 30/2000.
É importante destacar ainda que a descriminalização que ocorreu em Portugal não tem a finalidade de afastar a censura ao consumo de drogas.
Como a grande preocupação é o consumo de drogas, é oportuno apresentar, de maneira passageira, a criação, em 2002, do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). Em 2002, pelo Decreto-Lei no 269-A/2002, de 29 de novembro, foi criado o Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT). O instituto foi extinto por meio da publicação no Diário da República, no dia 26 de janeiro de 2012, sendo substituído pelo Decreto-Lei no 17/2012 que aprovou o Serviço de Internação nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). Trata-se de um serviço central do Ministério da Saúde, integrado à administração direta do Estado, sendo dotado de autonomia administrativa. O serviço tem como meta promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, bem como a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências(8).
Brasil e Portugal – semelhanças e diferenças
A seguir, a Figura 2 apresenta um quadro comparativo entre as duas legislações atuais, brasileira e portuguesa.
Em relação ao procedimento para a aplicação das medidas previstas na legislação, no Brasil não cabe prisão em flagrante, sendo assim, não será lavrado auto de prisão em flagrante e, consequentemente, o portador da droga para consumo pessoal não será preso.
O autor do fato, possível dependente ou usuário, deverá ser encaminhado imediatamente ao juízo competente. Na falta de uma autoridade judicial de plantão, deverá assumir o compromisso de comparecer oportunamente ao juízo.
Assim, na ausência de um juiz, a autoridade policial deverá proceder à lavratura do termo circunstanciado e requisitar a realização de exames periciais. Concluída essa fase, o agente do fato será submetido ao exame de corpo de delito se assim o requerer ou se a autoridade policial entender conveniente, sendo em seguida liberado.
Ao agente do fato será aplicada a Lei no 9.099/1995, dos juizados especiais criminais. Na audiência de conciliação será proposta pelo Ministério Público a transação penal, sendo essa uma espécie de acordo em que não se discute a responsabilidade ou não do agente.
Caso o agente aceite a transação, será necessária a presença de seu advogado. Como não se discute a responsabilidade, serão aplicadas automaticamente as penas expressas na Lei no 11.343/2006, ou seja, advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e medida de comparecimento a programa ou curso educativo.
Em Portugal, o indivíduo que for detido com substância ilícita, desde que não excedente, será conduzido para uma Comissão de Dissuasão. Nesse momento será analisado se o indivíduo é dependente ou consumidor, a fim de determinar o tratamento correto. Sendo constatada a dependência química, ele será convidado para um centro de tratamento. É importante ressaltar que o consumidor pode não aceitar o tratamento.
Acentue-se que a Lei no 30/2000 não legalizou o consumo de drogas, mas descriminalizou. Assim, o crime de consumo previsto no artigo 40 do Decreto-lei no 15/93 tornou-se uma contraordenação, ou seja, uma infração administrativa. O consumidor será identificado e, eventualmente, ocorrerá a revista e apreensão das substâncias, sendo remetido a uma comissão competente.
O processamento das contraordenações e a aplicação das respectivas sanções competem a uma comissão designada para dissuasão da toxicodependência. As possíveis execuções das multas e das sanções alternativas cabem ao governo civil.
Uma comissão ouve o consumidor sendo todos os elementos reunidos para formular um juízo. Se esse indivíduo é toxicodependente ou não, que substâncias ele estava consumindo e quais circunstâncias, em que local se encontrava, sua situação econômica, ou seja, uma série de fatos será analisada.
A pedido do consumidor, um terapeuta de sua escolha ou confiança pode participar do processo. A comissão pode propor ou solicitar exames médicos adequados, como de sangue e de urina.
Vale destacar que essa comissão é um órgão decisório composto por três pessoas sendo um jurista, um psicólogo e um assistente social apoiada por uma equipe técnica.
Para a execução do tratamento voluntário o consumidor pode recorrer a serviços públicos ou privados habilitados.
Como já referido, caso seja constatado que o indivíduo é dependente químico, ele será convidado a se dirigir ao centro de tratamento, podendo aceitar ou não, porém caso não aceite e seja detido novamente, será submetido a algumas penalidades.
As penalidades são encontradas na Lei no 30/32000, sendo elas, trabalho comunitário, proibição de frequentar determinados lugares noturnos etc. Confirma-se, portanto, que o mais sensato é concordar com o tratamento.
Com relação a um consumidor ocasional, esse indivíduo terá a oportunidade de discutir e analisar alguns assuntos relacionados à sua conduta de vida com os outros. A partir daí alguns são encaminhados para tratamento, pois constatam que são dependentes.
No que se refere à legislação brasileira e portuguesa, existe a possibilidade de apontar as semelhanças e diferenças para quem for encontrado portando drogas ilícitas para consumo pessoal. A Lei do Brasil identifica usuário ou dependente como quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo para consumo pessoal drogas ilícitas. Já em Portugal, é considerado dependente quem adquire, detém para consumo próprio plantas ou substâncias compreendidas nas tabelas anexas do Decreto-Lei no 15/93, sendo necessário analisar se a quantidade das substâncias é para o consumo médio individual de 10 dias. No Brasil, quando a Lei no 11.343/2006 trata do usuário ou dependente de drogas não apresenta quantidade específica para caracterizá-lo como dependente. O consumo de drogas é considerado crime, tendo natureza criminal. Já em Portugal, tal consumo, dependendo da quantidade, não é crime, tendo natureza administrativa.
Tanto Portugal como Brasil possuem como meta a recuperação do dependente, com caminhos diferentes. Apesar de o Brasil considerar crime o consumo de drogas em pequena quantidade e Portugal não considerá-lo, a meta principal de ambos é recuperar e tratar o dependente.
Não há como deixar também de comentar que vários dados surgem a respeito da descriminalização do consumo de drogas em Portugal, ou seja, da pessoa que for encontrada consumindo drogas. Com relação a essa matéria, destacam-se notícias afirmando que o consumo de drogas aumentou em Portugal e que as mortes por consumo de drogas elevaram-se(9-10). Tais afirmações entram em contradição com a análise dos relatórios expressos neste trabalho(11) e demonstram a complexidade do problema referente ao consumo de drogas.
Como exemplo, a Figura 3 apresenta a taxa de continuidade do consumo por tipo de droga entre a população geral de Portugal e jovem adulta. Comprova-se que ocorreu uma diminuição da taxa de continuidade do consumo de drogas, entre os anos de 2001 a 2007, entre a população jovem adulta (15-34 anos) e, em relação à população entre 15 e 64 anos, ocorreu uma diminuição ainda maior.
O Brasil também apresenta dados relativos ao combate às drogas que confirmam os obstáculos para diminuir o tráfico e o uso de entorpecentes mesmo com a Lei no 11.343/2006(12).
O relatório contido no II Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, no ano de 2005, e o Relatório Brasileiro Sobre Drogas apontam um aumento dos crimes relacionados a drogas no Brasil(13), representado na Figura 4 (Não inclui Sergipe em todos os anos, Rio Grande do Sul, em 2005 e 2007, e Paraná, em 2007).
As referências citadas são as mais atuais encontradas nos sites públicos. Nesse contexto, é importante mencionar alguns planos de enfrentamento às drogas no Brasil cuja finalidade é reduzir os números apresentados no relatório citado, como as ações contra o consumo do crack, que possui como objetivo o atendimento ao dependente químico e seus familiares, o combate ao tráfico e a prevenção ao uso de drogas(14). Projetos e ações, como a Unidade de Polícia Pacificadora, foram criados também com o propósito de recuperar os territórios ocupados pelos traficantes.
Considerações finais
Os tratamentos dispensados ao usuário ou dependente no Brasil e em Portugal possuem algumas semelhanças, no entanto, juridicamente, no Brasil, o uso de drogas continua sendo um crime. Ambos os sistemas nacionais tratam o tráfico com rigor e se preocupam com o usuário e o dependente de drogas.
Em Portugal, a pessoa detida consumindo drogas é levada para uma comissão formada por pessoas habilitadas tecnicamente para identificar os problemas dos usuários e submetê-los a tratamento. No Brasil, a pessoa detida portando drogas para consumo próprio é levada para um Juizado Especial Criminal ou, na sua ausência, para uma Delegacia de Polícia e o procedimento é judicial. Após esse procedimento, o dependente ou usuário de drogas terá como pena a advertência sobre os efeitos da droga, prestação de serviços à comunidade e medidas educativas de comparecimento a programa e curso educativo. O juiz poderá determinar que o Poder Público coloque à disposição do infrator, gratuitamente, tratamento em estabelecimento de saúde, sendo de preferência ambulatorial.
Apesar das modificações legais apresentadas neste trabalho e da introdução de diferentes políticas públicas relacionadas às drogas no país, o Brasil ainda focaliza o uso de drogas com base no paradigma da segurança pública, não priorizando ações mais efetivas de saúde pública que atendam o usuário e o dependente de drogas com base em uma perspectiva multidimensional. Mesmo que atualmente as internações compulsórias retirem os dependentes das ruas, ainda busca-se um procedimento mais humano e efetivo.
Nesse sentido, a experiência de Portugal pode trazer elementos interessantes para a construção de um modelo brasileiro próprio, que considere a evolução histórica das drogas no país, as influências de diferentes instâncias internas e externas de poder, a complexidade desse fenômeno e a necessidade de combinar variáveis políticas, econômicas, sociais e culturais no delineamento da legislação e das políticas públicas, considerando, acima de tudo, as interfaces entre a segurança e a saúde pública.
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Correspondence
Carla Aparecida Arena Ventura
Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto
Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas
Av. Bandeirantes, 3900
Bairro: Monte Alegre
CEP: 14040-902, Ribeirão Preto, SP, Brasi
E-mail: caaventu@gmail.com
Received: Apr. 9th 2013
Accepted: Apr. 22nd 2014